segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Xisto

O alto preço da extração de xisto

por Redação do Canal Ibase

Os impactos socioambientais da exploração do gás de xisto no Brasil foram postos em xeque em debate em São Paulo promovido pelo Ibase, Greenpeace, Instituto SocioAmbientel , Centro de Trabalho Indigenista e pela Fase. Ao fim no evento, no último dia 13, em São Paulo, as entidades presentes tomaram uma posição por consenso.

- Nossa posição é de que não se realize a 12 rodada de leilões da Agência Nacional de Petróleo, no próximo dia 29 (quando a ANP vai colocar à disposição 240 blocos exploratórios terrestres distribuídos em 12 estados do país). Defendemos também que não haja qualquer exploração de xisto no Brasil, enquanto não sejam feitos estudos e debates juntos à sociedade civil para avaliar se esse processo de extração deve ser banido do país – afirmou Carlos Btitencourt, pesquisador do Ibase, acrescentando que, além das entidades organizadores do debate, outras seguiram a decisão, como a Comissão da Pastoral da Terra, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o Movimento dos Sem Terra.
debatesp 300x225 O alto preço da extração de xisto

Entidades questionam extração de xisto

No debate, ficaram claros os riscos desse tipo de exploração. O professor Jailson de Andrade (SBPC), por exemplo, afirmou que o xisto, um gás não convencional, é muito mais difícil de se extrair, pois na extração há a necessidade de se ultrapassar o lençol freático de uma dada região, já que gás, na maioria das vezes, fica sempre sob o lençol, que pode ser contaminado por produtos químicos utilizados na operação.

_ Há que se levar em conta também que as maiores reservas de xisto estão onde há uma grande quantidade de água, e esse tipo de extração usa muito os recursos hídricos. E o cenário nacional é de que pouca disponibilidade de água para a população- disse Andrade.

Para Ricardo Baitelo, do Greenpeace, a extração de xisto não vale a pena, levando-se em conta os riscos ao meio ambiente e à saúde da população:
- Apesar do gás convencional ser menos impactante ambientalmente do que, por exemplo, a geração de energia termoelétrica, a extração de gás de xisto, através do fraturamento hidráulico, pode lançar metano na atmosfera, que contribui muito mais do que o CO2 para o aquecimento global, e ainda pode contaminar os corpos d’água”. Para nós, isso deveria inviabilizar a utilização desse tipo de energia”.

As organizações presentes ao evento vão lançar uma nota na próxima semana apresentando suas posições quanto à 12 rodada e pretendem organizar uma mobilização a fim de impedir a realização do leilão.

* Publicado originalmente no site Canal Ibase.
(Canal Ibase)

domingo, 17 de novembro de 2013

'Mensalão'

A ingenuidade petista e o fator Márcio Thomaz Bastos



Por Motta Araujo, no blog do Nassif.

Nenhum governo pode se escusar por ingenuidade no Poder. O PT cometeu erros em sequencia, a fatura desses erros chegou agora no martirio desse processo de Kafka, uma catarse para os reus e uma tragicomedia felliniana pela absurdidade do conjunto da obra, exaltada pela transmissão ao vivo, algo inédito no mundo juridico do planeta.

1. Nomear um “amigo” sem ideal politico para o Ministerio da Justiça, uma pessoa “nefasta”, vocacionada apenas pelo ego, pela vaidade e pelo ambição de ter ligações para inflar seu papel de advogado criminalista mais caro do Pais.

Quando chegou a Ministro disse que “estava adorando ser Ministro”, frase vulgar e frivola, ninguem é Ministro para “adorar” o usufruto do cargo e sim para prestar serviços ao Pais. Depois disse que estava aposentado e não iria mais advogar, disse publicamente. Mal deixou o cargo voltou a advogar até para o Carlinhos Cachoeira e para quem mais lhe pagasse. Depois do estrago que legou para o PT continua desfilando por festas, coqueteis, etc. como se nada houvesse acontecido e como se o mensalão não fosse come ele, que já faturou direta ou indiretamente seus honorarios que são estratosfericos.

2. Por ter um Ministro da Justiça sem visão e muito menos estrategia politica, esse personagem essenciamente negativo para o projeto do PT deixou passar frangos inacreditaveis para cargos chaves da governabilidade, dois Procuradores Gerais e tres Ministros do STF que só agiram contra o PT, nunca a favor, nem para disfarçar.

Um dos Ministro sem vida pregressa conhecida, cheio de cursos no exterior mas sem experiencia de juiz, de perfil incognito e sem que alguem conhecesse mesmo superfilciamente sua personalidade nebulosa.

Roosevel nomeou 7 juizes da Suprema Corte de sua absoluta confiança, frequentadores de sua casa de campo em Hyde Park, como Felix Frankfurter. Foi inacreditavel Lula nomear Ministros do STF sem que ele nunca tivesse conversado com eles, quer dizer sem ao menos ve-los face a face, o que uma patroa faz até antss de contratar uma cozinheira.

Pior ainda foram os Procuradores Gerais, os maiores carrascos do PT, a manobra de juntar 37 sem foro privilegiado a 3 com foro foi uma rasteira que o PT (a partir do Ministro da Justiça) deixou passar batido. È esse o DNA da condenação. Naquele momento o “”Deus”" (só se for de confraria de vinhos) tinha força politica para impedir essa loucura e não o fez. Mais ainda, depois do Procurador Geral montar a arapuca inda foi reconduzido ao cargo.

Na bisecular democracia americana o Procurador Geral é de ABSOLUTA confiança do Presidente, que pode demiti-lo a qualquer instante, não só ele como qualquer um dos 75 Procuradores Fderais. Bush demitu 8 em um só dia e quando lhe perguntaram porque respondeu “Porque eu quis. Posso nomea-los e demiti-los”. E ninguem contesta que os EUA são uma democracia, de tal forma solida que elegeu um fulano filho de muçulmano do Kenia e não branco.

3. O PT chegou ao poder em 2003 sem conexões ou relações do meio juridico. Se tivesse não teria feito essas nomeações sem logica, fiou-se exclusivamente nesse MTB que levou os melhores lideres do PT para um alçapão.

O PT tinha que nomear Procuradores Gerais e Ministros do STF alinhados com o PT, como fazem todos os Presidentes dos Estados Unidos e da França. É prerrogativa de governos preencherem esses cargos com nomes de sua confiança MAS o inefavel homem das meias de seda suiças, sua marca registrada (e que recomendou a Lula) inventou uma bobageira de que ele se orgulhava “”o republicanismo” para nomear titulares de cargos-chaves como Diretor da PF, Procuradores e Ministros de Tribunais Superiores, ” ah, eu sou republicano” se gabava enquanto preparava a corda para o PT com o tal republicanismo fajuto de surfadores da “Democracia da Constituição de 88″, aquela que impede o Brasil de ter governabilidade e que saiu dos corredores da OAB( que ele presidiu) em combinação com o MDB.

NÃO EXISTE REPUBLICANISMO, isso é uma falacia. Governo existe para governar, não para escolher gente sem compromisso algum com quem o nomeou, em homenagem de um teórico REPUBLICANISMO, de que se orgulhava esse Zé Colmeia sem noção e que inventou os personagens que crucificaram o PT com prisão de seus maiores lideres.

4. A conta dos erros chegou, com um julgamento-show de péssimo gosto onde poucos se salvam, alguns por papeis de carrascos, outros por omissão e falta de coragem para enfrentar aberrações juridicas.. E o show vai continuar mesmo na execução das penas, a Globo passando horas a fio sobre o embarque dos presos em um avião, uma coisa de virar o estomago pela estupidez e mau gosto, convocando “”professores de direito”" sempre os mesmos dois para falar obviedades, a linha-merval é de sempre domonizar o PT e nunca contestar o absurdo das penas e da destruição de pessoas laterais como Simone Vasdconcelos e Katia Rabelo, esta uma fragil bailarina condenada a pena muito pior do que o assassino Pimenta Neves, mas será que ninguem vê o absurdo disso? Qual o imenso perigo que Simone Vasconcellos e Katia Rabelo representam para a sociedade? Katia passou a dirigir o banco pela morte trágica da irmã Junia, que foi estraçalhada pelas pás de um helicoptero, precedida pela morte do pai, Sabino Rabelo, um respeitado empresario. Qual imenso erro ela praticou? Dirigentes dos bancos que provocaram a crise de 2008 não tiveram esse tipo de pena.

Simone é uma funcionaria da agência, nem sócia menor é, condenada a uma pena que nem Stalin daria a um personagem secundario, como passou batido por 11 sumidades do Direito? Traficantes, estrupadores, contrabandistas, receptadores de carga, assaltantes a mão armada, não tem penas tão longas, como isso não ressalta aos olhos? Ou será que o meda de enfrentar o bullying forense foi maior? Quando TODOS foram chamados de chicaneiros, porque não individuado o xingamento, porque ficaram todos quietos? Essa questão é muito maior e muito mais grave do que o proprio julgamento do mensalão, em que mãos o PT nos colocou?

E o processo-simbolo vai servir como exemplo para ACABAR COM A CORRUPÇÃO? Aonde? Na India? Francamente.

ScreenHunter_2940 Nov. 17 01.14

ScreenHunter_2939 Nov. 17 01.14
Luiz-Fux

O que leva um governo a nomear Luiz Fux?

A nota pública de Henrique Pizzolato

Posted: 16 Nov 2013 06:41 PM PST

Entre todos os réus, o caso de Pizzolato talvez seja o mais estarrecedor. Porque há documentos e provas abundantes de sua inocência. Ele simplesmente não tinha nenhum acesso ao dinheiro da Visanet. Isso estava a cargo de seus superiores no Banco do Brasil.

A acusação de que recebeu suborno, por sua vez, é derrubada facilmente pelos seguintes  motivos:

1) O ato de ofício pelo qual se acusa Pizzolato, que seria transferir dinheiro para a DNA, não aconteceu. Ele não tinha poder para transferir nada à DNA, como provam os documentos, entre eles o já famoso Laudo 2828, escondido por Joaquim Barbosa e os procuradores, num ato criminoso.

2) Seu histórico financeiro e fiscal foi devassado. Ele foi o primeiro a abrir todos os seus sigilos, e nada foi encontrado.

3) Há documentos e depoimentos provando a versão de Pizzolato.

As versões de Pizzolato sempre foram confirmadas pelos fatos e pelos documentos. No entanto, ele foi condenado inclusive pelos juízes que absolveram outros réus porque a pressão contra Pizzolato nunca teve contrapeso político.

Era fácil condenar Pizzolato. Não era famoso. Não era poderoso. Fora sua família, formada por pessoas simples, ninguém choraria pelo arbítrio que o violentou.

Pizzolato é um homem comum, sem a aura guerrilheira, quase mística, de Genoíno. Sem o brilho intelectual e os contatos de José Dirceu.

Além disso, sempre foi um homem religioso, cordato e tranquilo. O cordeiro perfeito para ser encaminhado ao sacrifício. Só não contavam com uma coisa. Sua indignação, sua resistência. Em todos esses anos, ele não fez outra coisa senão estudar seu caso, reunir provas, colher documentos. Sempre com ajuda de sua esposa, a arquiteta Andrea Haas.

Aquele homem que todos reputavam frágil, descobriu em si mesmo a força mais poderosa de todas: aquela que nasce da necessidade de lutar pela sua honra.

Agora seu caso deverá ser julgado por um tribunal italiano, em tese imune às pressões midiáticas do Brasil, embora eu não duvide que os barões se esforçarão para estender seus tentáculos até lá.

A saga de Pizzolato é uma das lendas mais antigas da história. Um homem simples lutando por sua inocência.

Pizzolato hoje representa o maior perigo para os poderosos da mídia, porque do reexame de seu caso, e da quantidade de provas e documentos que reuniu, virá à tôna todas as maldades que se fizeram contra sua dignidade, e todas as mentiras que se contaram para lhe condenar.

E provada sua inocência, o mensalão desmorona. Porque se não houve desvio dos recursos da Visanet, e se o dinheiro não era público, então não há peculato, e toda a tese da acusação escorre pelo ralo da inépcia jurídica, da má fé judicial, e do mau caratismo criminoso do Ministério Público.

O caso de Pizzolato mostrará, quando esclarecido à sociedade, que a procuradoria geral da república e alguns ministros do STF prevaricaram e foram negligentes, incompetentes e covardes.

(O Cafezinho)

Quando os jihadistas voltarem...

Quando os jihadistas voltarem...

    

    Berna (Suiça) - A Europa vive hoje uma fase difícil com o predomínio de uma asfixiante política econômica neoliberal, mas poderá ser ainda pior quando retornarem da Síria os jovens jihadistas.

    É como a brigada internacional que, de 1936 a 39, incorporava voluntários de todo o mundo para lutar, na Espanha, contra o golpe dos militares no governo republicano. Mas totalmente ao contrário.  Na Espanha, era a luta contra o fascismo de Franco, reacionário, sufocante, contrário à liberdade e à democracia.

    Porém, nos dias de hoje, a principal brigada internacional que vai lutar na Síria é composta de extremistas e fanáticos jiadistas, uma espécie de fascismo religioso islamita, ligado à Al Qaeda, com o objetivo de deslocar-se do Afganistão para, conquistando a Síria, ficar mais perto da Europa.

    E, a seguir, atacar os infiéis, considerados pervertidos, imorais, e instaurar a lei da chariá, pela qual se decepam as mãos dos ladrões e se matam a pedradas por lapidação as mulheres suspeitas de adultério e os homossexuais. O fanatismo jiahista e salafista venera o culto da morte, na expectativa de uma vida melhor no paraíso islamita.

    Ora, centenas de jovens muçulmanos europeus, alguns convertidos, se sentem atraídos pela mensagem guerreira dos imãs jihadistas e deixam a França, a Bélgica, a Alemanha e também a Suíça, em número menor, para ir lutar contra Assad.

    Os jornais europeus, vez ou outra, conseguem acompanhar a trajetória desses jovens cruzados islamitas que deixam seus subúrbios pobres, onde o desemprego vai junto com a droga e a violência, e se convertem lendo o Corão e ouvindo os sermões de alguns pregadores. Com a proteção de alguns mentores, deixam a família e partem para campos de treinamento, onde aprendem a atirar, matar, se preparar para ações de terrorismo e também aceitam ser utilizados como mártires ou suicidas em ações kamikases.

    Uma reportagem do jornal suíço Le Temps, baseada numa pesquisa, revela o itinerário de alguns desses jovens, alguns já mortos por drones ou em combate. E sabe-se que o número de jovens atraídos pela mensagem jihadista é bem maior, ficam, porém, só no apoio e na adesão ideológica.

    E uma questão resulta – com que disposição retornarão esses jovens guerreiros da guerra santa jihadista e da chariá, quando terminar a guerra na Síria ? Essa guerra tinha começado como uma revolta contra os excessos de Assad e, nessa fase, chegou a contar com o apoio de muitos países, interessados em derrubar Assad. Porém, o número de sírios em luta contra Assad logo se tornou minoritário diante das brigadas de combatentes jihadistas que chegavam diariamente à Síria, impondo imediatamente o rigor e a atrocidade de suas leis nos lugarejos por onde iam passando.

    O resultado é que os países antes interessados em derrubar Assad mudaram de ideia, temendo ocorrer uma perigosa substituição, capaz de colocar em risco a própria Europa.

    Porém, começa a surgir uma constatação – a Síria, melhor que o Afeganistão, tornou-se um campo de treinamento para os jihadistas para uma juventude de passaporte ou residência européia. E surge o espectro de que tão logo termine a guerra na Síria, a Europa se torne o alvo dos jovens combatentes extremistas. Com a possibilidade de uma adesão de todos quantos hoje se entusiasmam mas não se decidem a passar à ação num país estrangeiro, seja a Síria ou a Somália. Um verdadeiro pesadelo.
(Direto da Redação)

Pensamentando

Machismo sutil? Xico Sá dialoga com nossa colunista
Por
Xico Sá


“Vivo entre o macho-jurubeba da minha origem do Sertão e o macho em busca da delicadeza perdida aqui nesta urbanidade babilônica”

Por Xico Sá


Em diálogo com:
O machismo sutil de quem nos cultua
Na luta feminista, há muito espaço para os homens. Mas alguns deles, tão convictos e extremados, querem… indicar-nos o caminho!
Por Marília Moschkovich


Há quem veja sim machismo nas minhas crônicas, há quem diga que sou um macho feminista, há quem suspire (rs) “ah se todos os machistas fossem iguais a você”. Nesse carnaval, eu mesmo escancaro as minhas contradições: vivo entre o macho-jurubeba da minha origem do Sertão e o macho em busca da delicadeza perdida aqui nesta urbanidade babilônica.
topo-posts-margem

Discordo do artigo da Marília, mas é um texto elegante e creio que respeita as minhas contradições. É o ponto de vista dela, minha gente, com a razão dela – a leitura que ela aprendeu a fazer do mundo. Não existe isso do que seja o certo ou verdadeiro. A única certeza é a contradição.

Fiquei muito orgulhoso, aliás, quando ela me põe junto com o Vinícius de Moraes. Aí ela mata, decifra a origem literária das minhas crônicas: sou uma cria da costela daquele lirismo da turma do poeta e mais do Antônio Maria (“ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor…”), Paulo Mendes Campos, Rubem Braga etc.

Creio que não existe polêmica possível entre o que Marília defende e o meu amor derramado pelas mulheres. Ela tem o amor sincero dela, eu tenho a minha sinceridade em uma certa prosa poética – não escrevo discurso ou tese, escrevo literatura ou algo próximo disso.
(Outras Palavras)

sábado, 16 de novembro de 2013

iii

Um texto meu - a pedidos

Segue a apresentaçao e introdução do meu Esp. no dedo:
ESPINHO NO DEDO
EXPLICAÇÃO
O jornalista Ruy Castro, numa de suas traduções deWoody Allen, lembrou-se do escritor americano Nathanael West, que “tinha um espinho no dedo que geralmente não doía. Só quando escrevia”. Pois é, este livro machucou-me muito.
INTRODUÇÃO
Em 1971 marquei um “ponto” com uma garota no Campo da Pólvora. Era ditadura Médici e iria receber programa, estatuto, etc, da APML do B, a Ação PopularMarxista Leninista do Brasil, uma das organizações de oposição ao governo militar. Até então executara tarefas prosaicas (pichações de muros e paredes decasas, panfletagens, guarda de livros “proibidos”,cessão de casa para reuniões), era um simples militante, era “massa”, digamos, sem maiores vínculos partidários. No encontro, talvez intuitivamente ( até hoje não sei) recusei entrar para a A P. ( umas 2 semanas depois a guerrilheira foi presa, junto com vários outros, dedurada por seu namorado).Em 69, no Ginásio Salesiano, tradicional colégio de padres, um colega de sala apresenta-me um exemplar do“Pasquim”. Era, com a censura férrea da época, como oferecer um caminhão de feijão a um esfomeado: amor a primeira vista (e não houve indigestão). Logo apresso-me a pedir os números anteriores do jornalzinho e a sua leitura se torna uma constante.Aliás, este mesmo colega – esqueço o seu nome no momento – “introduziu-me” ao ateísmo: de coroinha transfiguro-me num herege em pleno estabelecimento de ensino católico.Quanto ao Pasquim ( junto com “Movimento”,“Opinião”, “Polityka”, “Ex-“, “Em Tempo”,“Argumento”, etc, etc) foi devidamente atirado ao lixo, rasgado numa de minhas crises de “expurgo do passado”. 71. Abandono o segundo ano colegial, no Central,conhecido colégio público de Salvador, pouco antes das provas finais, que nem fui realizar. Incarnei-me em Bernard Shaw ou Paulo Francis (saudades de P. F., suas idiossincrasias, sua lacuna dolorosa): “para quê estudar, de que irá me servir tudo isso que me ensinam?”, por aí.O ano de 72 torna-se uma seqüência de atividades erráticas, vagabundas: era o meu underground. Publico um livro (“Flor de Lótus”), mimeo com uns 10 ou 12 exemplares (44 páginas) de pura encucação. Vou muito a praia, leio taoismo, zen-budismo, “Caminhos da Liberdade” (Sartre – escritor – ensinou-me : torno-me existencialista), tento entender Reich e Jung, leio também Fritzgerald, o extraordinário Kafka,Dostoievski, Machado, Rosa, Drummond, Virgínia Woolf (Lispector, não sei, nunca li; mas também nunca li Proust nem O Pequeno Príncipe; e Ulisses lerei algum dia), Heminghay, Graciliano, etc, etc, mas, não sei, nunca gostei da “filosofia tradicional”, seja lá o que isto for (refiro-me a Kierkegaard, Nietzsche, Kant e outros). Leio jornais ( um dia, lembro, na cama, o impacto da manchete “Lamarca Morre”), continuo com o Pasquim (que apresentou-me a Millôr, Itararé, Ponte Preta, W. Allen, L.F. Veríssimo, Irmãos Marx, I. Lessa– humor, disse o Pitigrilli, “é uma criança no escuro cantando para esconder o medo”, o k. ; descubro o underground de Maciel) faço (ou tento) macrobiótica,deixo cabelos crescer , enfim, torno-me um hippie“caseiro”, só teoria, sem drogas (anos depois experimentaria maconha e coca, valeu, certo, mas não é a minha). Conheci o “Verbo Encantado”, jornaleco da contracultura baiana, a sede era, creio, na cidade baixa, no Contorno. (Um dia bate a minha porta um amigo de rua dizendo que fora solto do exército naquele dia; atendi-o friamente, arrependo-me até hoje) Em 73 retorno ao estudo. “Se o estupro é inevitável...” Prefiro, por precaução, um daqueles colégios “pagou-passou”, mas, tudo bem, com meus conhecimentos do Salesiano (sempre em primeiro ou segundo lugar, era um c.d.f.) curso numa boa, quase sem estudar (“revia” os assunt

Drogas

Tyson e Kennedy, os drogados

Bristol  (EUA) - Há coisas que me irritam na imprensa brasileira como, por exemplo, as eternas queixas de que os Estados Unidos nos olham com desrespeito quando se referem à América Latina como o seu “backyard”, o seu quintal.

Tais lamúrias surgiram mais uma vez quando John Kerry, o Secretário de Estado, esteve recentemente em Brasília.

Na verdade, a expressão “my backyard” ou “our backyard” nada tem de ofensiva nos Estados Unidos. Indica uma gradação de proximidade, não de hierarquia. Quando, por exemplo, querem construir uma usina atômica em seu distrito, as pessoas saem às ruas com cartazes dizendo “not in my backyard”.

Os Estados Unidos são o nosso “backyard”, como somos o deles.

Há, às vezes, emoções negativas que resultam de desentendimentos ou interpretações erradas. O acrimonioso encontro entre John Kennedy e Nikita Krushchev, em Viena, em junho de 1961, por exemplo, começou mal a partir do momento em que os dois foram apresentados e o presidente americano mirou  o líder soviético de alto a baixo, repetidas vezes.

Krushchev se sentiu insultado e adotou uma postura belicosa em todas as conversas, que giravam, entre outras coisas, ao redor do destino de Berlim Oriental. O resultado é que, dois meses depois da Conferência, os soviéticos construíram o Muro de Berlim, por eles chamado de “Muralha Anti-Fascista”.

A verdade, bem mais simples, é que Kennedy se sentia inseguro e intimidado.

Dois  meses antes do encontro, Kennedy havia passado pela humilhação da desastrosa invasão da Baía dos Porcos. Até hoje há quem procure eximi-lo daquele fracasso e  diga que ele, pego de surpresa pela incursão militar, adotou uma postura “heróica” ao resistir aos apelos da CIA para dar apoio aéreo aos invasores.

A verdade é que os planos para a invasão da Baía dos Porcos tinham sido minuciosamente traçados pela administração de Dwight Eisenhower e foram passados ao governo Kennedy. Os americanos estavam mancomunados com os exilados cubanos, e os financiavam, desde o início. Os Invasores haviam sido treinados pelos americanos.

Kennedy sabia de tudo e, longe de ser heróico, abandonou  os exilados à própria sorte quando a invasão revelou-se um completo fracasso desde o momento em que eles puseram os pés em Cuba.

Outro incidente famoso esteve no acordo secreto em que Kennedy comprometeu-se a retirar mísseis americanos da Turquia se Krushchev antes retirasse - como o fez - os mísseis soviéticos de Cuba.

Este foi um episódio em que Estados Unidos e União Soviética estiveram a um passo de um conflito nuclear e os estudiosos hoje se perguntam como esta e outras decisões tomadas por Kennedy podem ter sido influenciadas,  positiva ou negativamente, pelas drogas que consumia.

Hoje sabe-se que se Kennedy fosse, por um exemplo, um atleta que se apresentasse para uma competição, seria imediatamente barrado no  exame anti-doping. A conselho de um médico meio pilantra que atendia pelo apelido de “Dr. Feelgood”, Kenedy era injetado diariamente com uma incrível mistura de drogas e medicamentos, que incluíam hormônios, esteróides, células de animais, vitaminas, enzimas, analgésicos e anfetaminas.

Além disso, vivia espremido em um colete para sustentar sua coluna. Tudo por causas de ferimentos sofridos na Segunda Guerra Mundial.

Curiosamente, nesta semana, nos Estados Unidos, o ex-boxeador Mike Tyson lança sua autobiografia em que confessa ter sempre lutado sob o efeito de drogas e faz uma observação que bem poderia se aplicar a Kennedy:

“A história das guerras é a história das drogas. Todo grande general e todo grande guerreiro era drogado”.
(Direto da Redação)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Feminismo

O machismo sutil de quem nos cultua
Por
Marília Moschkovich

celebridades-musica-artista-vinicius-de-moraes-20131015-19-size-620

Na luta feminista, há muito espaço para os homens. Mas alguns deles, tão convictos e extremados, querem… indicar-nos o caminho!

Por Marília Moschkovich, na coluna Mulher Alternativa

Recebi recentemente algumas críticas, ao aproximar a cultura de estupro das ideias um tanto filóginas – a princípio – de autores conhecidos do atual jornalismo brasileiro. A filoginia pode parecer contrária ao machismo, uma vez que coloca as mulheres como objeto de admiração e amor. Se pensarmos um tiquinho, porém, é possível sacar de que maneira a filoginia pode ser absolutamente machista, e como o pensamento do machismo filógino compartilha as ideias mais básicas do que chamamos de “cultura do estupro”.

Vamos pensar por etapas, compreendendo essas definições todas. Vejam, o machismo é uma maneira de pensar que coloca os homens como detentores do poder sobre as mulheres. Até aí, imagino que não seja lá muito difícil entender, certo? Pois então; a filoginia seria um grande amor generalizado pelas mulheres. Vocês já devem ter lido textos como este, de Xico Sá, e este, de André Forastieri, que exaltam qualidades das mulheres, nos elogiam e nos colocam numa posição quase de “seres sagrados” – como são as vacas, para os hindus.

O cavalheirismo, por exemplo – o homem pagar a conta da mulher num restaurante, quando saem como casal, ou abrir a porta do carro para que ela entre, ou afastar e aproximar cadeiras à mesa, etc – é uma confusa mistura dessas duas coisas. Tanto que a atitude é sempre extremamente polêmica, quando as feministas entram na conversa. É desse aparente conflito entre machismo e filoginia que surge a polêmica: amor e admiração não seriam bons? Será que as feministas são mesmo umas mal-amadas?
topo-posts-margem

É justamente esse suposto conflito que precisamos desconstruir. A filoginia é em geral machista, mesmo que o machismo não seja sempre filógino. Eu diria que este é apenas um dos tipos de machismo que podemos identificar numa sociedade como a nossa: o machismo filógino.

Os textos linkados no segundo parágrafo são excelentes exemplos. Os machistas filóginos têm a plena convicção de que estão fazendo um bem, ao definirem publicamente o que é certo, errado, bom e ruim para as mulheres, e o que nós devemos ou não fazer. Usam seu privilégio de homens, numa sociedade estruturalmente machista, com intenções a princípio boas. Por exemplo, validar padrões estéticos diferentes dos mais aceitos (como nos textos citados). Mas reforçam o machismo, porque entendem que realmente teriam o poder de fazer essa validação. Nós mulheres, então, dependeríamos de sua aceitação para nos aceitarmos.

Além da heteronormatividade escancarada nesse tipo de pensamento, também é possível notar que – diferentemente do que qualquer feminismo possa jamais propor – o machismo filógino está baseado em conferir aos homens poder sobre as mulheres. Quando um homem qualquer defende que “as mulheres” façam, ou deixem de fazer, qualquer coisa, simplesmente porque acha que é melhor, esse homem está necessariamente sendo machista.

Isso não significa que não haja espaço para homens na luta feminista. Significa apenas que eles precisam se compreender nesta luta como coadjuvantes. Escutam, apoiam e adotam atitudes que possam conferir mais poder às mulheres com quem convivem e menos a eles mesmos. É só com uma vasta diminuição nas “chances de homens exercerem poder sobre mulheres” (como diria Foucault, para quem o poder não é um bem que se pode possuir) que ultrapassaremos, de vez, o machismo.

Por isso, caríssimos colunistas supracitados, nós feministas dizemos com clareza: guardem para si mesmos suas opiniões sobre as barrigas, bundas, magreza ou dobras de quaisquer mulheres. Vocês não estão em posição de nos dizer como nós devemos ou podemos ser, ou deixar de ser. Nem vocês, nem ninguém. A não ser que desejemos explicitamente ser machistas. Eu (por enquanto) duvido que vocês queiram.
(Outras Palavras)

O. médio

EUA X Irã: como a paz tornou-se possível
Por
Ignácio Ramonet

Mulheres iranianas diante de imagem anti-EUA. Como gesto de boa vontade, cartazes como este estão sendo retirados das ruas, pela prefeitura de Teerã

Mulheres iranianas diante de imagem anti-EUA. Como gesto de boa vontade, cartazes como este estão sendo retirados das ruas, pela prefeitura de Teerã

Para horror dos que ganham com a guerra, Teerã tem liderança esclarecida e Washington já não pode suportar mais um conflito

Por Ignacio Ramonet | Tradução: Maurício Ayer

Os gestos de aproximação entre Teerã e Washington multiplicam-se rápido. Uma nova era parece começar. Agora, parece possível uma solução política, para pôr fim ao conflito a respeito da energia nuclear que opõe, há mais de trinta anos, o Irã e os Estados Unidos. De repente, gestos recíprocos de conciliação tomaram o lugar das ameaças e ofensas proferidas durante décadas. A ponto de a opinião pública se perguntar como passamos tão depressa de uma situação de enfrentamento constante à perspectiva, agora plausível, de um acordo.

Há apenas dois meses, no início de setembro passado, estávamos – uma vez mais – à beira da guerra no Oriente Médio. Os meios de comunicação de alcance global anunciavam em seus títulos o “ataque iminente” dos Estados Unidos contra a Síria, grande aliado do Irã, acusada de ter cometido, em 21 de agosto, um “massacre químico” na periferia de Damasco.

A França, por razões ainda enigmáticas, estava na linha de frente. Pronta a participar desse ataque, sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, sem solicitar a concordância de seu Parlamento e sem esperar o relatório dos especialistas das Nações Unidas… David Cameron, primeiro-ministro britânico, estava igualmente empenhado nesta nova “coalizão internacional” decidida a “punir” Damasco como ela havia “punido” (com o apoio da OTAN), em 2011, a Líbia do coronel Kadhafi… Diversos Estados vizinhos – Arábia Saudita (grande rival regional do Irã), Catar, Turquia –, já muito engajados na guerra civil síria ao lado dos insurgentes, apoiavam o projeto dos “ataques aéreos”.

Tudo apontava para um novo conflito. No centro de uma “zona de todos os perigos”, ele arriscava transformar-se rapidamente em conflagração regional. Pois a Rússia (que dispõe de uma base naval geoestratégica em Tartus, na costa síria, e é fornecedor maciço de armas a Damasco) e a China (em nome da soberania dos Estados) tinham avisado que oporiam seus vetos a qualquer pedido, no Conselho de Segurança, em favor do ataque. De sua parte, Teerã denunciava o uso de armas químicas e temia a intervenção militar, receando que ela permitisse a Israel aproveitar para atacar o Irã e destruir suas bases nucleares… Era portanto o barril de pólvora do Oriente Médio (incluindo o Líbano, o Iraque, a Jordânia e a Turquia) que ameaçava explodir.

Mas de repente, sem transição, esse projeto de “ataque iminente” foi abandonado – para grande estupor de todos os partidários da guerra… Por quê? Por, pelo menos, quatro razões.

Em primeiro lugar, a recusa das opiniões públicas ocidentais, majoritariamente hostis a um novo conflito, cujos principais beneficiários locais seria certamente os grupos jihadistas ligados à Al Qaeda. Grupos estes, aliás, que os ocidentais combatem na Líbia, no Mali, na Somália, no Iraque, no Iêmen, entre outros países… Houve em seguida, no dia 29 de agosto, a humilhante derrota de David Cameron no Parlamento britânico, que tirou o Reino Unido do jogo. Depois, em 31 de agosto, veio a reviravolta de Barack Obama, que decidiu, para ganhar tempo, solicitar um sinal verde do Congresso estadunidense, do qual ele não tinha qualquer necessidade… Enfim, em 5 de setembro, durante a cúpula do G-20 em São Petersburgo, Vladimir Putin propôs formalmente colocar a operação sob controle da ONU e destruir o arsenal químico sírio.
topo-posts-margem

Essa solução (uma indiscutível vitória diplomática de Moscou) servia bem tanto a Washington quanto a Paris, Damasco e Teerã. Paradoxalmente, ela significava, em contrapartida, uma derrota para… vários aliados dos Estados Unidos (inimigos do Irã), a saber: Arábia Saudita, Catar e Israel.

Evidentemente, uma saída como essa – inimaginável apenas dois meses atrás – deveria transformar a atmosfera diplomática geral e acelerar a aproximação entre Washington e Teerã.

Na realidade, tudo havia começado em 14 de junho, com a eleição de Hassan Rohani à presidência do Irã, sucedendo o controverso Mahmoud Ahmadinejad. Desde sua posse, em 4 de agosto, o novo presidente declarou que um momento distinto começava, e que ele procuraria, pelo “diálogo”, tirar seu país do isolamento diplomático e da confrontação com o Ocidente sobre a questão nuclear. Seu principal objetivo: afrouxar as sanções internacionais que estrangulam a economia.

Essas sanções estão entre as mais duras já impostas a um país em tempos de paz. A partir de 2006, o Conselho de Segurança, agindo amparado no capítulo VII da Carta das Nações Unidas 1, adotou quatro resoluções muito rígidas – 1.737 (2006), 1.747 (2007), 1.803 (2008) e 1.929 (2010) – em resposta aos riscos de proliferação que o programa nuclear iraniano supostamente implicaria.

Essas restrições foram reforçadas em 2012 por um embargo petroleiro e financeiro dos Estados Unidos e da União Europeia, que isolaram do mercado mundial o Irã, que está sentado sobre a quarta maior reserva mundial de petróleo e a segunda de gás 2.

Tudo isso degradou brutalmente as condições de vida. Aproximadamente 3,5 milhões de iranianos estão, desde então, desempregados (ou seja, 11,2% da população ativa ), uma cifra que poderia aumentar até 8,5 milhões segundo o ministro da Economia. O salário mínimo mensal é de apenas 6 milhões de rials (200 dólares), enquanto os preços ao consumidor mais que dobraram. E os produtos de base (arroz, azeite, frango) permanecem caros demais. Os medicamentos importados são inencontráveis. A taxa anual de inflação é de 39%. A moeda nacional perdeu 75% de seu valor em 18 meses.

Nesse contexto de mal-estar social agudo, o presidente Rohani multiplicou rapidamente os sinais de mudança. Libertou uma dezena de prisioneiros políticos, entre os quais Nasrin Sotoudeh, militante dos direitos humanos. Em 25 de agosto, houve, pela primeira vez em décadas, a visita a Teerã de um diplomata norte-americano – Jeffrey Feltman, secretário geral adjunto da ONU, enviado para examinar, com o novo chefe da diplomacia iraniana, Mohammad Javad Zarif, a situação na Síria. Ninguém tem dúvida de que eles trataram também das relações Irã-Estados Unidos… Na sequência, produziu-se o insólito: Hassan Rohani e Barack Obama trocaram cartas nas quais se diziam prontos a conduzir as “discussões diretas” para tentar encontrar uma “solução diplomática” para a questão nuclear iraniana.

A partir daí, Hassan Rohani pôs-se a dizer frases que, há anos, os ocidentais queriam ouvir. Durante uma entrevista à CNN, diante de uma questão sobre o Holocausto, o presidente iraniano declarou: “Todo crime contra a humanidade, incluindo os cometidos pelos nazistas contra os judeus, é repreensível e condenável.” Ou seja, o contrário exato do que Mahmoud Ahmadinejad tinha martelado durante oito anos. Para a NBC, Rohani afirmou: “Nunca tentamos produzir uma bomba nuclear e não temos a intenção de fazê-lo”. Por fim, em artigo publicado no Washington Post, o presidente iraniano propunha procurar, pela negociação, soluções de tipo “ganha-ganha”.

Em resposta, Barack Obama, ao discursar na ONU, em 24 de setembro, citou 25 vezes o Irã, pronunciando igualmente as palavras que Teerã queria ouvir. Que os Estados Unidos “não querem mudar o regime” iraniano, e que Washington respeita “o direito do Irã de aceder à energia nuclear para fins pacíficos”. Sobretudo, pela primeira vez, ele não ameaçou o Irã e não repetiu a frase fatídica: “Todas as opções estão sobre a mesa”.

No dia seguinte, um secretário de Estado norte-americano (John Kerry) e um ministro das Relações Internacionais iraniano (Mohammad Javad Zarif) reuniram-se pela primeira vez, desde a ruptura de relações diplomáticas entre os dois países em 7 de abril de 1980 (em seguida à prisão de reféns na embaixada dos Estados Unidos, em 4/11/1979), para tratar da questão nuclear iraniana. E reencontraram-se em Genebra a partir de 15 de outubro, para a reunião do Grupo dos Seis (China, Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia, mais a Alemanha), com a incumbência de debater, no ambiente da ONU, a questão iraniana.

Por fim, um encontro “muito produtivo” entre o Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) ocorreu em Viena, em 30 de outubro. Estabeleceu, segundo afirmaram as duas partes em rara declaração comum, “avanços na questão do programa nuclear iraniano, permitindo vislumbrar as próximas negociações com um certo otimismo”. Acrescentaram, além disso, que “na sequência de discussões substanciais, foi decidido que uma nova reunião aconteceria em 11 de novembro, em Teerã3”. [Nota da Redação: o resultado positivo desse novo encontro está relatado aqui]. Essa atmosfera de frases distensionadoras e pequenos passos no caminho da reconciliação 4 converteu-se em cena espetacular no célebre contato telefônico de 27 de setembro, entre Barack Obama e Hassan Rohani.

No entanto, resta o nó do problema. Washington formula três exigências: 1) que Teerã pare de enriquecer urânio a mais de 20%, um percentual considerado relativamente próximo do nível militar; 2) que os iranianos permitam inspeções mais avançadas; 3) que o Irã conserve, sob seu controle, quantidades muito limitadas de urânio enriquecido. Por seu lado, Teerã reclama que lhe reconheçam seu direito a um programa atômico civil e quer obter um alívio das sanções internacionais que estrangulam sua economia.

De parte a parte, a desconfiança é grande. Quando, em 2006, o Conselho de Segurança da ONU infligiu a Teerã as primeira sanções por causa de seu programa nuclear, o Irã contava com apenas 200 centrífugas para enriquecer seu urânio. Esse número, desde então, multiplicou-se por cem: o país disporia atualmente de cerca de 20 mil centrífugas… Destas, metade teria sido instalada ao longo dos dois últimos anos. Entre os últimos aparelhos, mil seriam de nova geração, com capacidade de produção muito mais forte. Eles permitiriam ao Irã, se assim desejasse, elevar seu urânio enriquecido ao nível militar em prazos muito curtos.

O Irã estaria em condições, desde já, de obter urânio suficientemente enriquecido para fabricar uma bomba em alguns meses… Ignora-se, contudo, se dispõe de uma ogiva nuclear que possa ser eficazmente adaptada a seus mísseis. Quanto a isso, um relatório de 2011 da AIEA5 [5afirmou que a Agência dispunha de provas de que o Irã teria efetuado, ao longo dos anos precedentes, “pesquisas importantes com vistas a desenvolver uma ogiva nuclear”. Segundo esse mesmo relatório, Teerã teria igualmente avançado no sentido de produzir um reator nuclear de água pesada capaz de produzir plutônio para fabricar uma ogiva nuclear. De maneira que os iranianos disporiam de dois caminhos possíveis para construir um artefato atômico bélio: a do urânio e a do plutônio. Aos olhos das potências ocidentais, esses dois caminhos são linhas vermelhas que Teerã não deve ultrapassar.

O Irã sempre negou que seu programa nuclear tinha metas militares. Seu objetivo declarado é civil. Dominar o ciclo da energia atômica, para poder garantir sua autonomia energética depois do esgotamento das reservas de hidrocarbonetos.

Contudo, é inegável que Teerã deseja ter seu lugar na cena internacional. Um lugar que corresponda à sua posição de antigo Império Persa, à sua dimensão demográfica (80 milhões de habitantes) e à sua situação geopolítica (na encruzilhada entre o Afeganistão e o Paquistão, o Cáucaso, o Oriente Médio e a Turquia). Os dirigentes iranianos constatam, com melancolia, que seu país é posto para escanteio, enquanto outros Estados do Sul (Turquia, Índia, Brasil…) emergem e desempenham um papel cada vez mais importante no novo contexto internacional. Eles medem pelo desarranjo de sua economia o que lhes custou três décadas de hostilidade norte-americana.

Ao contrário do governo ultraconservador israelense, que tenta torpedear essa aproximação 6, outros aliados dos Estados Unidos não querem ser os últimos a subir no bonde da paz. Nem, sobretudo, perder suculentos contratos comerciais com um país de 80 milhões de consumidores… Por isso, o Reino Unido imediatamente anunciou que pretendia reabrir sua embaixada em Teerã e relançar suas relações diplomáticas. E, a partir de 24 de setembro, o presidente francês François Hollande apressou-se em ser o primeiro dirigente ocidental a se encontrar e publicamente apertar a mão de Hassan Rohani. É preciso dizer que a França tem importantes interesses econômicos a defender no Irã. Em particular, no setor automotivo, com duas empresas (Renault e Peugeot) presentes no país há décadas (mas que tiveram que parar a produção por conta das sanções). Faz alguns meses que tanto a Renault quanto a Peugeot assistem, com preocupação, à chegada com força dos construtores americanos, notadamente a General Motors.

Tudo indica que o degelo atual vai se intensificar. O Irã e os Estados Unidos, objetivamente, têm interesse nisso. O argumento da diferença abissal entre os sistemas políticos estadunidense e iraniano não se sustenta. Os “compromissos históricos” abundam. Que identidade política haveria, por exemplo, entre a China de Mao Tsé-Tung e os Estados Unidos capitalistas de Richard Nixon? A ausência não impediu esses dois países de normalizar suas relações desde 1972 e de empreender a espetacular aproximação econômica e comercial que se seguiu. Seria possível, igualmente, citar a aproximação insólita, a partir de novembro de 1933, entre os Estados Unidos de Roosevelt e União Soviética de Stalin. Dois sistemas que se opunham em tudo, mas que puderam, juntos, vencer a Alemanha hitlerista e ganhar a II Guerra Mundial.

No plano geoestratégico, o presidente Barack Obama procura desembaraçar-se do Oriente Médio para se voltar para a Ásia, “zona de futuro e de crescimento” do século XXI, segundo Washington. Sólida desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a implantação norte-americana na região justificava-se pela existência das principais fontes de hidrocarbonetos, indispensáveis para a máquina de produção norte-americana. Mas isso mudou com a descoberta, nos Estados Unidos, de importantes reservas de gás e de petróleo de xisto, que poderiam aportar-lhes, num prazo breve, uma quase autonomia energética.

Por outro lado, o estado das finanças americanas, depois da crise de 2008, não permite aos Estados Unidos assumir o custo considerável de seu envolvimento múltiplo nas guerras e conflitos do Oriente Médio. Negociar com o Irã, para que abandone seu projeto nuclear militar, é muito menos caro que uma guerra ruinosa. Além disso, a opinião pública dos EUA mantém-se hostil a um confronto contra o Estado persa. E aliados como a Alemanha e o Reino Unido, tendo em vista o que ocorreu no caso da Síria, certamente não participariam da aventura. Ao contrário, se um acordo for possível, O Irã poderia ajudar a estabilizar o conjunto da região, em especial o Afeganistão, Iraque, Síria e Líbano, o que aliviaria Washington.

Já Teerã tem necessidade absoluta de um acordo, para dissipar o peso das sanções e reduzir as agruras da vida quotidiana da população. Os dirigentes sabem que não estão livre de um grande levante social. Sobre a questão nuclear, o Irã parece ter compreendido que possuir uma bomba que não poderia utilizar, e se reduzir à situação da Coreia do Norte, não é uma opção. Poderia contentar-se, como o Japão, em dominar a técnica, mas manter-se à margem do nuclear militar – que permaneceria a seu alcance7… No momento, tudo o empurra a apostar, para sua defesa, em seus ativos militares tradicionais, que não são desprezíveis. Além disso, o status de potência regional, a que Teerã aspira desde sempre, passa por um acordo (ou mesmo uma aliança com os Estados Unidos, assim como Israel ou a Turquia. Enfim, dado relevante, o tempo corre contra os iranianos: o sucessor de Barack Obama pode ser mais intransigente.

Obstáculos não faltarão, num e noutro campo. O governo Obama, por exemplo, precisa obter o aval do Congresso, onde os amigos de Israel são, sabidamente, numerosos. E será preciso prever o lobby hostil da Arábia Saudita e de outras petro-monarquias do Golfo Pérsico.

Mas o governo Obama deseja, fortemente, obter um grande acordo diplomático com o Irã, semelhante ao que Nixon estabeleceu com a China, em 1972.

Em Teerã, os adversários de um acordo também são poderosos. Mas tudo indica que um novo ciclo foi aberto. A exemplo do que ocorreu na China, após a morte de Mao em 1976, e na União Soviética, à época de Mikhail Gorbachev, há nas profundezas do país um impulso reformador que pode produzir efeitos mesmo no núcleo ideológico da revolução islâmica – desde que preserve a estrutura de poder dos ayatolás.

A lógica da História empurra, portanto, Washington e Teerã – que compartilham uma fé comum no neoliberalismo econômico – rumo ao que poderíamos chamar de um “acordo heroico”

-
1. Este capítulo trata da “ação em caso de ameças à paz, rupturas da paz ou atos de agressão”.

2. As exportações iranianas de petróleo caíram de 2,5 milhões de barris diários, em 2011, para menos de um milhão (segundo os dados mais recentes da Agência Internacional de Energia).

3. Les Echos, Paris, 30/11/2013.

4. Pode-se acrescentar à lista a recente decisão do município de Teerã, que retirou das ruas da capital os cartazes anti-norteamericanos..

5. Le Monde, 9/11/2011.

6. Não se sabe muito bem por quê, já que um acordo entre Washington e Teerã iliminaria o risco, para Israel, de um Irã nuclear; preservaria a supremacia atômica israelense no Oriente Médio (como o recente acordo sobre a Síria preserva a supremacia em armas químicas); e evitaria, para Telaviv, o risco de uma guerra cara e perigosa.

7. As questões técnicas envolvidas nas negociações dizem respeito principalmente ao programa iraniano de enriquecimento de urânio. Washington pede poderes mais amplos para inspecionar as instalações iranianas. Também não quer que o Irã enriqueça o combustível a 20% (um índice próximo do militar) e reivindica que Teerã envie a um país neutro, ou a uma organização internacional, o urânio já enriquecido, para garantir que ele não será destinado a uso militar. O objetivo é que o Irã não possua, em hipótese nenhuma, um estoque suficiente para montar uma bomba, caso seja de seu interesse.
rodapé-posts-margem
(Outras Palavras)

sábado, 9 de novembro de 2013

Chico

'Assustaram os donos do poder, e isso foi ótimo', diz o sociólogo Chico de Oliveira

Socialista inveterado, acadêmico prestigiado, parceiro rompido de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o sociólogo Francisco de Oliveira completou 80 anos quinta-feira passada (dia 7) sem demonstrar qualquer sinal de afrouxamento da energia crítica.

Em entrevista realizada no seu apartamento no bairro da Lapa, em São Paulo, ele falou com entusiasmo dos protestos de junho ("a sociedade mostrou que é capaz ainda de se revoltar") e, sem rodeios, criticou as principais figuras do atual cenário político.

A reportagem é de Ricardo Mendonça e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 09-11-2013.

A presidente Dilma Rousseff é uma "personagem trágica" que deu uma "resposta idiota" às manifestações. Lula "está fazendo um serviço sujo" ao atuar como apaziguador de tensões sociais. Marina Silva é uma "freira trotiskista" adepta de um "ambientalismo démodé". O Bolsa Família, "uma declaração de fracasso". E por aí vai.

O sociólogo não tem receio de expor suas ideias "revolucionárias". Uma delas é separar o Brasil como forma de resolver a questão indígena: "Há um Estado indígena [...] Ninguém tem coragem de dizer isso. Então todo mundo quer integrar", afirma.

Eis alguns trechos da entrevista.

Jornada de junho

"É bom não fazer uma cobrança positivista do tipo "o que é que deu aquilo?". Deu algum resultado, a tarifa de ônibus baixou. Mas deu uma coisa ótima. O ótimo é que a sociedade mostrou que é capaz ainda de se revoltar, é capaz de ir para a rua. Isso é ótimo. Não precisa resultados palpáveis. O que é bom em si mesmo foi o fato de a população, alguns setores sociais, se manifestarem. Assustarem os donos do poder, e isso foi ótimo. Isso é que é importante. Esse objetivo foi cumprido. Eu falava que era inédito porque a sociedade brasileira é muito pacata. A violência é só pessoal, privada, o que é um horror. Quando vai para a violência pública, as coisas melhoram. Esse é o resultado que nos interessa: um estado de ânimo da população que assuste os donos do poder".



"Assustou. Porque era uma coisa realmente inédita, com setores sociais que geralmente dizem que são conformistas, parte da juventude. Esse tipo de manifestação mostrou que não é assim. Isso é bom para a sociedade. Não é bom para os donos do poder. Mas são eles, exatamente, que a gente deve assustar. Se puder, mais do que assustar, derrubá-los do poder. Não acho que essas manifestações tenham esse caráter, essa forma. Mas regozijo-me porque foi manifestado o não conformismo".



O senhor disse que sociedade brasileira é muito pacata. Por que tem essa característica e qual é a melhor explicação?

É um complexo de fatores, não é fácil definir. Quem fala sobre isso geralmente aponta as raízes escravistas. Uma sociedade que não faz muito tempo, faz 100 anos, libertou-se do escravismo. Isso deu lugar a uma sociedade que apanha, mas não reage. Quem melhor estudou isso foi Gilberto Freyre. Ele estudou isso, do ponto de vista saudosista, mas é quem mais foi fundo nessa espécie de conformismo na sociedade. Embora a interpretação de Sérgio Buarque [de Holanda] também seja boa, a sociedade que se conforma. Para ele, é o homem cordial. Gilberto tem outro "approach", ele vai para a cultura. Cultura não no sentido de quem carrega livro, mas na forma pela qual a sociedade se construiu e se reconhece nela. É basicamente a ideia da casa grande. A casa grande é uma formação conformista. Tem uma violência que explode a cada momento. E tem um senhor de escravo que é compadre de escravo. É uma formação muito complexa. Muito interessante para um sociólogo estudar, mas muito pesada para quem sofre os efeitos dessa cultura brasileira. Que não é a portuguesa exatamente, não é a indígena. É um mix de várias fontes. Não tivemos nenhuma grande revolução violenta. A que o Brasil comemora sempre, que é a de 1930, não teve nada de especialmente violenta. Teve os gaúchos saindo do sul, [Getulio] Vargas a frente. Na verdade enfrentaram uns paulistas aí, mas terminou tudo em pizza (risos). Isso marca muito a sociedade brasileira. Esse conformismo que só explode em violência privada, o sujeito que morre de facada. Você liga a televisão e vê: todo dia tem uma tragédia dessa.

Assembleia Constituinte. A proposta de Dilma

"Eu achei idiota. Não gostaria de fazer uma avaliação precipitada do governo Dilma para não dar força à direita que está em cima dela o tempo todo. Mas é uma resposta idiota. Ninguém resolve o problema assim com reforma da Constituição. Ela seria importante para encaminhar os novos conflitos. A Constituição deveria ser o que molda as relações no Brasil. Não é. Ninguém dá bola para a Constituição".

Proposta adequada

"Reconhecer que o país está atravessando uma zona de extrema turbulência devido ao crescimento econômico. Não é que o caráter do povo é violento. Isso é uma bobagem. Não é que uma reforma política vai resolver os problemas da violência pública. Isso é outra bobagem. Ela teria que reconhecer o Brasil está atravessando um período de extrema turbulência porque o crescimento econômico é que cria a turbulência, não é o contrário. Todo mundo pensa que o crescimento apazigua. Não é verdade. O crescimento exalta forças que não existiam, o capitalismo é um sistema econômico violentíssimo. Os EUA, que são o paradigma do capitalismo, são uma sociedade extremamente violenta, tanto pública quanto privada. O Brasil vive uma espécie de adormecimento devido a essa cultura que eu estava comentando. De repente, o tipo de crescimento econômico violento e tenso em pouco tempo quebra todas as amarras, e a violência vai para rua."

José Simão

"O José Simão talvez seja o melhor sociólogo brasileiro".

Sem empolgação. Nem Tarso

"Não tem nenhum governador que inspire empolgação, esperança de que um dia desse casulo nasça uma espécie de borboleta bonita. Nenhum deles. Mesmo o Tarso Genro, do Rio Grande do Sul, que é um tipo mais educado. Vai para o governo e se amolda. O Alckmin: pelo jeito a população aprova esse estilo anódino, que não diz nada com nada. Isso é ruim, viu? Ruim porque é o Estado mais importante da Federação, o que poderia dar uma chacoalhada nesse sistema. Mas não dá. E tudo muito conformado".

Imprensa



"A imprensa tem um papel horroroso: o que for conformismo, ela exalta; o que for rebeldia, ela condena. Daí que o viés conservador no olhar sobre essas manifestações é a tônica. Ninguém vê nisso um processo de libertação da sociedade. Todo mundo quer a passividade. Eu saúdo essas manifestações como uma amostra de que a sociedade pode e deve manifestar-se sempre que as condições de sua existência sejam tão iníquas como são hoje".

"Black bloc"

"Faço uma boa avaliação. Se eles se constituem como novos sujeitos da ação social, é para saudar. Vamos ver se, com a ajuda deles, a gente chacoalha essa sociedade que é conformista. Parece que tudo no Brasil vai bem. Não é verdade. Vai tudo mal. Porque o Estado não age no sentido de antecipar-se à sociedade que está mudando rapidamente. Você tem uma sociedade como a brasileira em que a questão operária tornou-se central. E aí vem o Lula e ele está fazendo um trabalho sujo, que é aquietar aquilo que é revolta. Essa sociedade não aguenta esse tranco"

Trabalho sujo de Lula?

"Ah, tá. A questão operária tem a capacidade de transformar o Brasil e ele está acomodando. De certa forma, está matando a rebeldia que é intrínseca a esse movimento. Rebeldia não quer dizer violência, sair para a rua para quebrar coisa. Rebeldia é um comportamento crítico"

Lula é um conservador

"Lula é um conservador, ele nunca quis ser personagem desse movimento [operário]. Ele foi contra a vontade dele. Mas ele, no fundo, é um conservador. Ele age como. Na Presidência, atuou como conservador. Pôs Dilma como uma expressão conservadora. Porque você não vende uma personalidade pública como gerente. Gerente é o antípoda da rebeldia. Ele vendeu a Dilma como gerente. Uma gerentona que sabe administrar. É péssimo. O Brasil não precisa de gerentes. Precisa de políticos que tenham capacidade de expressar essa transformação e dar um passo a frente. Ele empurrou a Dilma goela abaixo. Não se pode nem ter uma avaliação mais séria dela, pois ele não deixa ela governar. Atrapalha ela, se mete, inventa que ele é o interlocutor. Aí não dá. E ela não pode nem reclamar. É uma cria dele, né?"

Estado indígena

"Indígena é um problema. Porque a sociedade só sabe tratar indígena absorvendo e descaracterizando. Para tratar dessa questão é preciso, na verdade, de uma revolução de alto nível. Qual é essa revolução de alto nível? É reconhecer que há um Estado indígena".

"A real solução. Há um Estado indígena. E o Estado capitalista no Brasil não pode tratar essa questão, não sabe tratar essa questão. Ele só sabe tratar indígena atropelando, matando, trazendo para dentro da chamada civilização. Os irmãos Vilas-Boas são os arautos dessa solução. Eles são ótimos, mas a visão deles estava equivocada. A real solução é de uma gravidade que a gente nem pode propor. Trata-se de um Estado indígena. Separa. Separa. E nada de integrar. Deixa. Ajuda até eles a proporem suas próprias... Ninguém tem coragem de dizer isso no Brasil. Então todo mundo quer integrar. Para integrar, você machuca, você mata, você dissolve as formações indígenas. Já a questão camponesa é falsa. O que existe é um assalariado agrícola pesado que sofre os efeitos de um desenvolvimento acelerado. O Estado do Mato Grosso era uma reserva antigamente. Hoje você passa lá e só não tem mato. É grosso, mas sem mato".

Freira trotskista

"Para mim a Marina Silva é uma freira trotskista (risos). Cheia de revolução sem botar o pé no chão. Ela juntou com o Eduardo Campos, uma jogada política importante. Mas nenhum deles tem proposta nenhuma. A Marina fica com esse ambientalismo démodé, não diz o que quer. Criticar a política de meio ambiente é fácil. Quero ver ela criticar o sistema capitalista nas formas em que ele está se reproduzindo no Brasil. Aí é botar o dedo na ferida. Mas ambientalismo..."

Dilma. Personagem trágica

"Ela (Dilma) é um personagem difícil, coitada. Ela é uma personagem trágica. Porque ela não pode fazer o que ela se proporia a fazer. Ela tem uma história revolucionária. Mas ela não pode fazer isso porque ela está lá porque Lula a colocou. E Lula não é um revolucionário. Ao contrário, ele é um antirrevolucionário. Ele não quer soluções de transformação, ele quer soluções de apaziguamento. E ela está lá para fazer isso. Ela seria mais para o outro lado. Mas não teria força política para isso. Nem existe força social revolucionária. É preciso a gente combater os nossos próprios mitos. Então Dilma está sendo empurrada para a direita. Pelo Lula. Talvez, se as opções estivessem em suas mãos, Dilma faria uma política mais de esquerda no sentido amplo. Mas ela não foi eleita para isso. Nem tem força social capaz de impor essa mudança. A tragédia brasileira de hoje é que o Brasil precisa de uma revolução social, mas não tem forças revolucionárias. O campesinato não existe. O operariado não é revolucionário, é sócio do êxito capitalista no Brasil. Os principais fundos de pensão são todos eles, entre aspas, de propriedade dos trabalhadores. E todos eles atuam nas grandes empresas capitalistas. A burguesia nunca foi revolucionária. Florestan Fernandes deu xeque-mate quando tratou da revolução burguesa no Brasil. É o melhor livro de Florestan".

Sem proposta

"O Aécio Neves não disse a que veio. E não tem proposta nenhuma, na verdade. A dupla Marina-Campos também não tem proposta nenhuma. O ambientalismo... O que é exatamente? Nem ela diz, nem ela sabe. Ela sabe é ficar nesse floreio, que não resolve coisa nenhuma. A Dilma é o que você está vendo. Ela não faz política porque tem de fazer o projeto do Lula. E o projeto do Lula é isso, é conservador. Então é mais do mesmo. A resultante de tudo será um governo muito parecido com o atual: o pouco de virtude que esse governo tem e a carga de irresoluções que ele reproduz".

Bolsa Família

"O Bolsa Família não é solução. Ele é uma espécie de conformismo: deixa como está para ver como fica; dá um pouquinho de comida para isso não virar revolta. Eu não gosto desse tipo de política. Acho o Bolsa Família uma política conservadora que atende uma dimensão da miséria popular, mas não tem promessa de transformação".
(I.H.U.)

Israel

Israel em busca da pureza racial


        Cruzes no muro do apartheid simbolizam a violência israelense


Israel está se tornando uma ilha ariana cercada de semitas por todos os lados.

Que o digam seus governantes, que não satisfeitos com a execução diária de palestinos, resolveram diversificar construindo um paredão de sangue, que a mídia subserviente e racista repercute com o nome de "Barreira de Segurança".

Ao custo de dois bilhões e meio de dólares, o paredão teria a finalidade de proteger os uniformizados discípulos de Hitler das pedras de crianças semitas que protestam contra a ocupação, o que não impedirá que mísseis e helicópteros sionistas atinjam a população palestina.

No fundo, o que esses governantes querem mesmo, como bons arianos, é preservar a pureza racial nem que para isso transformem todos os cidadãos israelenses em carcereiros.

Azar dos palestinos que, como bons semitas, nunca deram a mínima para esse negócio de pureza racial por entender que todos fazemos parte de apenas uma raça: a raça humana.

A continuarem os massacres diários contra os palestinos, em Israel não haverá mais soldados, mas cúmplices.

Aos abismados e perplexos com essa espiral da violência fica o recado. Enquanto esse mísero planeta for dividido por fronteiras físicas e sociais essa espiral não terá fim.

É preciso humanizar a humanidade.
(blog do bourdoukan)

Arafat

A complicada morte de Yasser Arafat
O relatório da equipe de investigadores suíços apontou resquícios de polônio 210, numa quantidade 18 vezes superior à considerada normal.

Flávio Aguiar

Berlim - Yasser Arafat, o líder palestino de 75 anos, vivia em seu refúgio, transformado num verdadeiro bunker em ruínas, em Ramallah, cercado por tropas israelenses. Em outubro de 2004, depois de uma refeição, ele sentiu-se mal, com vômitos, náuseas, dores e diarréia. O diagnóstico inicial foi de uma virose.


Entretanto seu estado piorou rapidamente. Em consequência disto, ele foi retirado de lá por um helicóptero e levado para um hospital militar francês, on de acabou falecendo. Não foi feita uma autópsia então – o que foi um erro.

Naquela época já especulou-se sobre a causa de sua morte. Teorias as mais díspares foram levantadas: AIDS, leucemia, simplesmente velhice e outras – entre elas a de envenenamento. Entre os suspeitos enfileiram-se os governos de Israel e grupos palestinos rivais.

Em 2012 três equipes – uma russa, uma francesa e uma suíça – retiraram espécimes do seu túmulo – restos de ossos, de tecido humano e amostras da terra sob o cadáver – e recolheram objetos do morto, como sua escova de dentes e roupa de baixo.

O primeiro relatório destas equipes – o da suíça – veio a público neste semana, publicado pela Al Jazeera, depois de compartilha-lo com o britânico The Guardian. Ele pode ser conferido neste endereço. São 108 páginas muito detalhadas, com assinatura dos membros da equipe, do Centro Universitário de Medicina Legal da Universidade de Lausanne. A conclusão objetiva do relatório é a de que foram encontrados nos restos mortais do líder palestino e na terra sob seu corpo resquícios de polônio 210, uma substância radioativa letal, numa quantidade 18 vezes maior do que a normal. O resultado não surpreendeu, uma vez que a mesma equipe já dissera ter encontrado resquícios elevados de polônio 210 nas roupas e outros objetos de Arafat.

A partir daí começam a entrar em cena os adjetivos e advérbios, para qualificar – ou desqualificar – a afirmação. Ainda não se tem o relatório russo. Tem-se apenas uma declaração de Vladimir Uibe, presidente da Federação Russa de Medicina Biológica, declarando peremptariamente que não haveria indícios de polônio nos restos de Arafat. Não se tem ainda o relatório dlos franceses – que, de todos, será o mais complicado, porque na França, a pedido da viúva de Arafat, existe uma investigação criminal sobre sua morte.

É óbvio que os olhares se voltam para o governo de Israel e seus agentes secretos, como os possíveis e até prováveis envenanadores do líder palestino.
Algumas das declarações de representantes do governo, citadas na mídia internacional, escolheram o caminho mais complicado ainda: desqualificar o relatório, a equipe e a investigação, apontando-a como parte de uma “novela de tevê” (“soap opera”, em inglês) ao invés de algo cientificamente sério. Aventaram até a possibilidade da euipe suíça ser “parcial”, e que a única de fato independente seria a francesa.

Uma defesa mais apurada do governo israelense veio de mebros do governo de Ariel Sharon, então o primeiro ministro em Tel Aviv, argumentando que Israel não teria motivos para assassinar Arafat, na verdade, para esta visão, um ex-líder isolado entre os palestinos. Comentários reproduzindo declarações do autor de um livro sobre  Arafat, Danny Rubinstein, contestam o argumento: para ele nas semanas que antecederam a sua morte havia seguidamente conversações no círculo próximo a Sharon sobre como “se livrar do líder pelestino”. Mas os autores do arugumento e o governo israelense continuam negando veementemente qualquer participação no episódio.

O próprio relatório afirma que existem suficientes indícios para sustentar “moderadamente” a tese de que Arafat possa ter sido envenenado por polônio 210. Ao final, nas conclusões, o relatório organizar uma tabela com os indícios e os argumentos pró e contra o envenamento. Os principais argumentos pró são os sintomas apresentados por Arafat depois da refeição que parece ter sido o ponto de partida da deterioração de seu estado, mais a presença dos resquícios da substância letal. O principal argumento contrário é o da ausência de dois sintomas característicos do envenenamento por radioatividade: queda de cabelo e deterioração da medula óssea. Entretanto o próprio relatório diz que tais sintomas são obrigatórios no caso de uma exposição externa material radiativo, mas que poderiam não ocorrer numa ingestão do veneno, que é de ação extremamente rápida e também de decomposição moderadamente rápida.

David Barclay, expert britânico de medicina forense, citado em artigo de Angelique Chrisafis (Guardian, 06/11/2013), alega que os indícios do relatório suíço são mais conclusivos do que exprimem seus próprios comentários, dizendo que os resquícios de polônio são como “um revólver fumegante”.

Algumas  coisas são absolutamente certas, no caso de ter de fato havido o envenenamento:

1) É altamente improvável uma presença “natural” na residência de Arafat de tais quantidades de polônio 210. Ninguém mais apresentou aqueles sintomas. Portanto, se polônio houve, ele foi ingerido por Arafat, e só por ele.

2) Os israelenses ao redor de Ramallah mantinham um controle rigoroso sobre tudo o que entrava e saía da residência de Arafat: pessoas, objetos, comida, tudo. Portanto, se o polônio chegou lá, ele passou através deles.

3) Das duas uma: ou o polônio já veio de fora misturado em alguma comida dada a Arafat, ou contou com a cumplicidade de alguém dentro da residência. Ambas parecem possíveis.

Em editorial (08/11/2013) o Guardian expressa a preocupação em nome  de que os assassinatos deixem de ser moeda comum e de troca entre as partes beligerantes na região.

Aguardam-se os relatórios russo e francês, sendo que este último poderá instruir a investigação criminal pedida também, no momento, pela Autoridade Palestina. Este enredo, que nada tem de “soap opera”, vai continuar.

Para a realização deste artigo consultaram-se as seguintes mídias: The Guardian, Der Spiegel, Al Jazeera, New York Times, Haaretz e Jerusalem Post, além de outras fontes citadas por estas.
(Carta Maior)

Cuba

Cuba, uma janela que se abre para fora
Zona Especial de Desenvolvimento Econômico localizada no modernizado Puerto del Mariel, em Havana, começa a funcionar no início de 2014.

Leonardo Padura - IPS
.

Havana - O ano de 2014 deve começar, para a economia cubana, com a abertura das primeiras instalações da chamada Zona Especial de Desenvolvimento Econômico localizada no modernizado Puerto del Mariel, uma baía situada há cerca de 70 quilômetros a oeste de La Habana.

Um porto para contêineres, grandes armazéns, uma zona franca, indústrias criadas com capitais externos e condições avançadas de infraestrutura, entre outros, serão os benefícios deste polo comercial e industrial, o mais importante do país e, desde já, considerado a principal janela cubana ao mundo das importações e exportações.

A partir do momento em que o Puerto del Mariel estiver operando, começarão a tornar-se definitivas a desmontagem e a renovação da histórica baía de Habana, que espera transformar-se em uma marina para iates e cruzeiros, sobretudo quando as restrições do bloqueio/embargo estadunidense, sustentado por mais de meio século, permitirem aos viajantes e navios do país vizinho atracar nas costas cubanas.

A modernização e montagem das instalações do El Mariel está financiada, no essencial (640 dos 900 milhões de dólares investidos), por um empréstimo obtido graças a um convênio intergovernamental firmado entre Brasília e La Habana.

O fato de que o Brasil e suas empresas tenham decidido realizar a obra e o investimento de alguma forma mostra seu interesse por ter um espaço comercial e produtivo nesse ponto privilegiado da geografia caribenha, na entrada do Golfo do México, em frente às praias estadunidenses e em vésperas de tornar-se efetiva a ampliação do calado do também próximo Canal de Panamá (2015), que desde então poderá receber navios de maior tonelagem.

A grande interrogação com respeito ao destino do El Mariel radica em saber quem e sob que condições colocarão seus investimentos nessa zona de desenvolvimento, na qual se espera que existam instalações não só portuárias ou de armazenagem, mas também industriais.

Muito se tem falado a respeito da necessidade de que o governo cubano finalmente declare se modifica suas relações legais com o capital estrangeiro. Já em julho de 2012 foi feito o anúncio oficial de que para fins daquele ano entraria em vigor uma nova lei de investimentos, que viria a substituir o instrumento legal aprovado em 1995 (Lei 77).

Mas a expectativa criada ainda não teve resposta definitiva enquanto, na verdade, o que foi acontecendo é que em meados de 2013 operavam na ilha 190 negócios de capital misto entre o governo cubano e entidades privadas estrangeiras, o que equivale à metade dos que existiram em 2000.

Segundo uma reportagem recentemente lida, da que tomo as cifras anteriores, um vice-ministro cubano de Comércio Exterior afirmou que “está em processo a avaliação de uma política geral e setorial que acompanhe o fomento desse investimento estrangeiro e, ainda que não esteja prevista a modificação da lei, poderão atualizar-se determinadas normativas”.

Ou seja, por enquanto não haverá nova lei e a Zona Especial de Desenvolvimento Econômico do El Mariel moverá seu destino e possibilidades sob uma regulamentação que nos últimos anos espantou a mais investidores do que atraiu, segundo a mais simples das operações aritméticas.

Não obstante, por suas características especiais, Mariel poderia ser regido por mecanismos legais diferentes, que talvez figurem entre as normativas que serão atualizadas.

As transformações econômicas empreendidas pelo governo de Raúl Castro, programadas nos Lineamentos da Política Econômica e Social aprovados no VI Congresso do Partido Comunista (2011), foram modificando certas estruturas e fundamentos da economia cubana.

Foi revitalizado o trabalho por conta própria, a criação de cooperativas agropecuárias e de serviços, a abertura de pequenos negócios privados, os quais melhoraram alguns serviços, a gastronomia, algo do transporte de passageiros, um pouco da produção de alimentos…

Mas por seu minguado nível de incidência na macroeconomia, essas mudanças não conseguiram, nem conseguirão, transformar-se em um motor para acelerar o desenvolvimento de um país urgido de eficiência, produtividade, modernização de toda sua infraestrutura, liquidez e acesso a finanças, ou seja, os elementos capazes de gerar riqueza palpável e, com ela, uma melhoria nos níveis de vida de uma população que vive há quase um quarto de século com salários apertados que não lhe permitem satisfazer todas suas necessidades básicas, incluída a alimentação.

Em várias ocasiões, altos cargos do governo e do Estado cubano advertiram que as mais importantes modificações econômicas estão por vir. Mas a promessa tem um conteúdo desconhecido e uma data de execução incerta.

Se a anunciada nova lei de investimento estrangeiro finalmente não for aprovada de um modo que seja capaz de atrair o capital externo, fica difícil imaginar quem estará interessado em investir em Cuba, inclusive na zona do El Mariel.

Além das empresas brasileiras, chinesas e russas, que previsivelmente estão próximas desse investimento, só o fator geográfico e a esperança de mudanças futuras não parecem ser suficientes atrativos para empresários que, ao chegarem a Cuba, teriam problemas inclusive para comprar um veículo rápido para o transporte de executivos e empregados.

E como pendência restaria saber que espaço terão em toda essa estrutura que se abre às pessoas naturais de Cuba – ou seja, os cubanos de Cuba -, para quem, outra vez segundo o lido, a Zona Especial de Desenvolvimento do El Mariel poderia ser fonte de emprego… mas não de investimento.

*Leonardo Padura, escritor e jornalista cubano, galardoado com o Prêmio Nacional de Literatura 2012. Suas novelas foram traduzidas para mais de 15 idiomas e sua recente obra, “El hombre que amaba a los perros”, tem como personagens centrais León Trotski e a seu assassino, Ramón Mercader.

Tradução: Liborio Júnior
(Carta Maior)

blackblocs

Wanderley Guilherme dos Santos: Os black blocs sem máscara
Um leitor bem-humorado de Paulo Henrique Amorim sugeriu a aproximação entre os black blocs mascarados e os economistas da pré candidata Marina Silva.

Wanderley Guilherme dos Santos

Um leitor bem humorado de Paulo Henrique Amorim, do Conversa Afiada, sugeriu a aproximação entre os blackbocs mascarados que atormentam a cidade e os economistas da pré candidata Marina Silva. Estes seriam, pela ideologia, blackblocs sem máscara. O exagero normal de piadas não deixa de ter fundamento, neste caso, na convergência real entre ideais confessos de uns e ações delinqüentes de outros.

Mascarados e sem máscara, ou desmascarados, são contra tudo que está aí. Sendo o país altamente complexo em sua produção material, vida associativa e política, “tudo que está aí” é muita coisa para ser conhecida e avaliada no atacado. A menos, deve ser reconhecido, que os juízes estejam possuídos por estereótipos bebidos em fundamentalismos religiosos ou ideológicos. Embora rezando por bíblias diferentes, não há dúvida que blackblocs mascarados e sem máscara confraternizam no credo essencial.

Pelo passado de uns, os desmascarados, e presente de outros, os blackblocs mascarados, todos têm por objetivo o desmanche do patrimônio público, seja por destruição material direta, seja por supressão legal ou, ainda, por alienação a terceiros. A variação e bom gosto no modo de vestir dos sem máscara, em contraste com o militarizado uniforme negro dos mascarados, não disfarça a hostilidade à propriedade pública que compartilham. Com ou sem máscara são todos destrutivos blackblocs.

A mídia tradicional e as redes sociais funcionam como atraentes espelhos das manifestações de violência verbal, escrita ou de comportamento. Exibicionistas, anunciam onde vão agir pela força de paus e pedras ou pela compulsão das leis que pretendem elaborar. Discrição e modéstia não fazem parte do cardápio de moral e cívica desses autoritários em disponibilidade.

Entre as convergências avulta a doentia incapacidade de organizar algo construtivo. São parasitas dos movimentos sociais. Não se conhece uma instituição de defesa de coletividades que tenham criado. Mas estão sempre presentes no aproveitamento das atividades e organizações de construtores sociais, sugando-lhes a fama, a energia ou os propósitos. Foi o que fizeram em tempos idos, os sem máscara, com as empresas estatais criadas com os recursos e sacrifício da população. E voltariam a fazê-lo se lhes fosse concedida outra oportunidade. Não facilitaram a emergência de ações coletivas, empreitada sempre difícil e não raro cheia de perigos. Mas os mascarados se aproveitam das naturais e legítimas mobilizações dos setores mais carentes para sugá-los e macular os propósitos de suas paradas e manifestações.

Desprezam as instituições de representação popular (sindicais, políticas, pacificamente reivindicatórias) a elas dirigindo permanente crítica difamatória e humilhante, no que são coadjuvados pela imprensa blackbloc, muito mais do que marrom. Pontificam nas colunas jornalísticas os acometidos de dandismo intelectual, cheios de si pela ausência de contraditório que lhes devolveria a altura própria. Esnobes, só conversam entre si e acham lindas, exemplos de “democratização da democracia” (redundância charlatanesca), as tentativas selvagens de invasão de assembléias legislativas.

Finalmente, o anarquismo cruzado em benefício próprio. Face às tensões entre interesses populares e mercado, são radicalmente contra a regulação do Estado nos conflitos da sociedade (blackblocs mascarados) e no funcionamento a mãos livres do mercado (blackblocs desmascarados).

Há muito mais parentesco entre os blackblocs mascarados e os sem máscara do que é capaz de imaginar o inocente bom humor de observadores. Daria uma narrativa interessante fantasiar o que aconteceria em uma comunidade submetida à ideologia e à ação desses primos em barbárie. Os dois grupos, enjaulados, provariam da própria medicina.

(*) Artigo publicado originalmente no blog O Cafezinho.


quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Blackbocs

Em favor da atuação dos “Blackbocs”, argumenta-se que o seu estilo de atuar é uma resposta à violência policial. Diz-se até que são uma resposta radical à anomia que a sociedade capitalista impõe como norma de comportamento. Fica de pé a questão de serem uma reposta à anomia, ou parte dela. Pode até que entre as suas motivações esteja a resposta à violência da polícia. Mas o fato de ser uma resposta não anula a possibilidade de que seja uma resposta equivocada.

Há fantasias e ilusões a respeito da legitimidade do estilo blackbloc.

Uma fantasia é a de que eles estão inventando a roda no Brasil. Ou melhor, copiando a roda, pois seu estilo romperia com a pasmaceira das manifestações tradicionais seguindo a “norma”de sociedades mais avançadas, como a alemã, origem atual do estilo.

No Brasil o quebra-quebra já foi norma em manifestação. Por exemplo, nas grandes manifestações do final da década de 40, pós-Estado Novo, durante o governo Dutra. Eurico Gaspar Dutra, afinado com a direita que derrubou Getúlio em 45 (não foi a esquerda), não deu um único reajuste de salário mínimo durante todo o seu governo. Na época, o aumento de passagens em São Paulo motivou irrupções de quebra-quebra contra as companhias de transporte da cidade, duramente reprimidas.

Houve depois quebra-quebras pelos mesmos motivos no Rio e em Niterói, além de outras cidades brasileiras. Mas o último grande quebra-quebra aconteceu em 1954, logo depois do suicídio de Vargas. A multidão enfurecida depredou sedes de partidos opositores, sedes da mídia reacionária e até de partidos de esquerda que eram de oposição, acaudilhados pelo pensamento liberal de direita. E isto aconteceu em várias cidades brasileiras.

Depois as manifestações de rua se tornaram proibidas pela ditadura. E na redemocratização se tornaram mais específicas, sem isso de quebrar para todo o lado. Ganharam enorme amplitude com os fóruns sociais mundiais. Mas o tema do quebra-quebra deu a volta por baixo e retornou.

A diferença agora é que há um grupo de jovens que se apresentam como uma vanguarda contestadora da ordem capitalista, e “protetora” das manifestações a que comparecem.

Nào há tal proteção. Ao contrário, há exposição dos movimentos a que eles comparecem.

Agem como parasitas, tomando carona em movimentos alheios. Não há uma “manifestação blackbloc”. Eles vão a outras. Procuram, na verdade, roubar a cena.
E graças à exposição na mídia, em parte conseguem. Esvaziam o conteúdo político das manifestações a que comparecem. São os manifestantes perfeitos, para a violência policial e para a mídia conservadora: justificam tudo o que é preconceito contra manifestações de rua. A mesma mídia que agora os acalenta por porem em cheque os governos petistas, já pediu a sua cabeça e pedirá a seguir, se o governo trocar de mãos. Até mesmo os direitistas que se infiltraram ajudarão a baixar o cacete neles.

Dão como exemplo e modelo os “Autonomen” da Alemanha. Este estilo de comportamento se proclama herdeiro do movimento  Italiano “Autonomia Operaria”, dos anos 70/80. Nada mais fantasmagórico. O que era um movimento “obreiro-anarquista” do radicalismo daqueles anos se transformou hoje num ajuntamento de turismo quebra-quebra concentrado em determinadas manifestações-chave, como as do 1º. de maio em Hamburgo e Berlim, ou as contra as reuniões do G-8, como em Rostock, em 2007.

Há dois estilos predominantes nas manifestações dos “Autonomen”. Ou "Chaoten", como uma ala se denomina.

1) Seguem, como em Rostock, atrás da manifestação principal. Já no caminho, começam a depredar vitrinas de banco, de lojas, etc. Quanto a manifestação atinge o ponto de chegada – em geral uma praça onde há uma grande festa – eles se desgarram em direção a um ponto onde a polícia já está concentrada, e o pau começa. A galera na praça, entre barracas, cerveja, vinho, festa, acompanha à distância. Voam bombas incendiárias e lacrimogênias de parte a parte. As hostes investem umas contra as outras. Afinal as chamas de apagam. Na manhã seguinte – aqui é o país da Ordnung – não há mais vestígios: as vitrinas quebradas estão remendadas, as ruas estão limpas, os “Autonomen” estão voltando para suas casas, da Bulgária à Espanha.


2) O estilo 1º. de maio. Antes, este estilo imitava o primeiro. Agora mudou. No 1º. de maio, em Berlim, há uma grande festa de esquerda no bairro de Kreuzberg, uma confraternização entre nativos e imigrantes, coisa que na Europa é importantíssima, e de esquerda. Depois, quando a festa já está terminando, os “Autonomen” se reúnem e saem em passeata, aos gritos de “anti-anti-anti-capitalista”. O roteiro é previamente combinado. Da última vez pude seguir de perto as conversas entre membros da polícia, em civil ou fardados, e mebros dos  “Autonomen”, em frente à linha de medição mútua. Tudo cochichado, mas era evidente que informações passavam de lado a lado. Do alto da linha do metrô, que é de superfície no bairro, deu para ver a concentração de milhares de policiais no caminho traçado.Pois exatamente para lá seguiu a horda – sem pensar em alternativa. Daí é só atirar a primeira pedra, e pronto, a fumaceira do gás lacrimogênio, dos carros incendiados, das agências de banco queimadas, junto com os estilhaços das vitrinas se espalha pelo bairro. Se você estiver no caminho, azar o seu.

Fico pensando na loucura de tudo isto. É um estilo afeito ao narcisismo individualista que se espalha hoje feito praga. Não é mais necessário ter seu rosto na mídia, em seus quinze minutos, ou segundos, de fama. Basta ver os efeitos, e saber que a sua rede sabe que é você que está lá.

Mesmo que seu rosto seja apenas uma incógnita.

Sem dúvida, um fenômeno a ser estudado, não apenas reprimido.

Mas não a ser imitado. Democracia é outra coisa.
(Caros amigos)

Afeganistão

Como os EUA assassinaram o nº 1 dos Talibã-No-Paquistão
Hakimullah Mehsud raramente permanecia mais de seis horas em cada local

2/11/2013, [*] Rob Crilly (Islamabad), The Telegraph, UK
“How America got Taliban target number one”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Nota dos tradutores: (...) a questão real é o timing do ataque dos drones norte-americanos. Em resumo: por que agora? Evidentemente, se tomou a decisão crucial de iniciar a detonação final dos Talibã-No-Paquistão, para que as conversações de paz com os Talibã-No-Afeganistão possam seguir como o esperado, em trilha paralela à reunião da Loya Jirga em Kabul, que se iniciará em 10-12 dias, para aprovar o acordo pelo qual se estabelecerão nove bases militares dos EUA no Afeganistão”.
[5/11/2013, MK Bhadrakumar, Indian Punchline, em: “US did a favour killing Mehsud”]

Hakimullah Mehsud

Durante anos, Hakimullah Mehsud, o líder de longos cabelos, dos Talibã-No-Paquistão, sempre tomou todos os cuidados com a própria segurança. Raramente passava mais de seis horas num mesmo local, trocando de casa dentre as suas várias fortalezas espalhadas por toda a região tribal paquistanesa.

Mas, com as negociações com o governo do Paquistão já entrando em nova fase, parece que um dos homens mais procurados do mundo teria cometido erro fatal: relaxou, assumindo que o próximo processo de paz significaria que estaria salvo. E demorou-se descuidadamente por tempo demais em sua casa nova. Foi tempo bastante para que os drones dos EUA que sempre rondam os céus da região tribal montanhosa o localizassem – e disparassem dois mísseis contra o carro 4x4 de Mehsud, quando entrava pelo portão de casa, na 6ª-feira. (...)

Assim morreu um dos mais competentes comandantes dos Talibã, homem que, pelo menos aos olhos de Washington, valia até o último tostão da recompensa de US$5 milhões prometida por sua cabeça. Porque Mehsud não só levou o terror ao Paquistão; foi também quem planejou e comandou a execução do mais mortal ataque contra a CIA dos últimos 25 anos, quando um suicida-bomba, que se fazia passar por informante da al-Qaeda, se autoexplodiu numa base no Afeganistão em 2009, matando vários agentes da CIA.


Mas, por mais que o assassinato de Mehsud esteja sendo apresentado no ocidente como silencioso triunfo do controverso programa dos drones da CIA, a reação durante o final da semana, no Paquistão, foi muito diferente.

Ontem à noite, o governo paquistanês convocou o embaixador dos EUA, Richard Olson, ao qual apresentou protesto formal contra o ataque, o qual, ao que se diz, teria interrompido as conversações de paz iniciadas pelo novo primeiro-ministro paquistanês Nawaz Sharif, eleito em maio passado.

Declaração do Serviço Exterior diziam que o ataque da 6ª-feira foi “contraproducente para os esforços do Paquistão na direção de trazer paz e estabilidade ao país e à região”. 

Mas a retórica oficial não calou a especulação segundo a qual o governo paquistanês dera luz verde à operação desde o início, e possivelmente também forneceu a indispensável inteligência sobre os movimentos de Mehsud.

Emb. Richard Olson (E) reunido com o PM Newaz Sharif  (D) em maio/2013
Mehsud foi morto menos de um mês depois de dar uma entrevista à BBC, na qual disse que estava preparado para iniciar conversações de paz com o Paquistão, se os EUA suspendessem o emprego dos drones. (...)

Seja como for, o assassinato de personagem tão importante no contexto do terror paquistanês, criará novo período de incertezas. Ontem, a polícia apertou o cerco de segurança em várias cidades do país, ante o temor de que recomecem os ataques, no momento em que o conselho dos Talibã No Paquistão reúne-se para indicar o substituto de Mehsud.

Enquanto isso, detalhes reunidos de várias fontes de militantes e moradores em Danda Darpa Khel, a vila na qual Mehsud estava morando, permitem reconstruir as circunstâncias nas quais aconteceu o assassinato. Um conjunto de casas de tijolos, a vila fica na periferia da cidade de Miranshah, capital da região do Waziristão Norte, junto à fronteira afegã.

Embora os militares paquistaneses mantenham ali uma base, cujas metralhadoras leves alcançam a vila, esses militares não controlam de fato essa área.

Visitantes contam que a casa de Mehsud era casa simples, do tipo que se espera de um asceta e islamista religioso: quatro quartos e uma espaçosa ala para hóspedes, própria para receber comandantes ou mulás visitantes.

“Mehsud não dormia duas noites no mesmo local” – disse um comerciante da região, que pediu para não ser identificado, temendo represálias dos Talibã – “mas, de fato, todos sabiam onde ele estava, cada noite. Aqui, não é possível manter esse tipo de segredo”.

Manifestação em Danda Darpa Khel contra o assassinato com drones
A vila e a área circundante são controladas pelos Talibã-No-Paquistão, que comandam a região como parte de um miniestado, onde há livre comércio de armas e a lei da Xaria é implantada em sua modalidade mais brutal.

Ocasionalmente, reféns ocidentais são mantidos em casas nessa área, fora do alcance de qualquer autoridade do estado paquistanês. Mas o governo paquistanês mantém também sua rede local de espiões; e o que se diz é que um desses agentes teria transmitido aos norte-americanos a informação sobre os movimentos de Mehsud que levou ao assassinato. Embora a informação, sim, também possa ter vindo de um agente da CIA, fato é que a rede norte-americana tem sido duramente atingida em anos recentes e está muito reduzida, ao mesmo tempo em que se vai configurando uma situação em que o governo do Paquistão vai dando sinais cada vez mais claros de que não quer ser visto como colaborador que estaria operando ao lado dos EUA.

Quem quer que tenha informado sobre o movimento de Mehsud, a informação foi passada a uma sala de operações a milhares de quilômetros de distância, em pleno deserto de Nevada, no oeste dos EUA, de onde os drones são comandados e atacam acionados por controle remoto.

Em uma sala com ar condicionado, cercado de telas de computados, um operador norte-americano examinou imagens de satélites vindas do Waziristão, enviadas de um veículo aéreo armado tripulado à distância, um drone MQ-1 Predator que voava a mais de 7 mil metros de altitude.

Drone MQ-1 Predator idêntico ao que assassinou Mehsud
O Predator é equipado com um sensor constituído de três câmeras com mira a laser e sensores de radar. Um fluxo continuado de imagens é enviado através de um link por satélite, diretamente para a equipe que comanda a operação, para que confirme que o alvo está à vista.

Quando o comboio no qual Mehsud viajava afastou-se de uma mesquita na qual já fora confirmada a presença do líder dos Talibã-No-Paquistão, as imagens na tela, em Nevada, eram tão claras que o operador podia identificar os algarismos da chapa do carro. Com o Predador voando na sua velocidade mínima possível – cerca de 120 km/h – deve ter sido dada a ordem de “disparar míssil”; e partiram dois mísseis Hellfire, diretamente contra o alvo.

Testemunhas disseram que houve nove mortos, entre os quais dois guarda-costas mortos no ataque, que aconteceu segundos depois das 18h da 6ª-feira.

Inúmeros visitantes estiveram no conjunto de casas cercadas por um muro, ontem, para apresentar suas homenagens junto ao que restou da casa de Mehsud; circulavam notícias de que o corpo de Hakimullah teria sido enterrado em local secreto, depois de funeral realizado à noite, para evitar novos ataques de drones dos EUA. Moradores de áreas próximas de Miranshah também assinalaram o dia de luto, ontem, atirando com seus rifles e metralhadoras contra outros drones que sobrevoavam a região, entre os quais um significativamente maior que os demais.

“Pensamos que fosse um avião C-130, mas era avião espião especial, maior que os demais” – disse Farhad Khan, que mora por ali. – “Os militantes atiraram contra ele com suas armas antiaéreas, mas não conseguiram atingi-lo”.

Hakimullah comandou uma campanha para derrubar o governo do Paquistão, que ele desejava substituir por um Emirado Islâmico. Ganhou reputação de comandante impiedoso, que organizava e distribuía onda após onda de jovens homens-bomba.

Latif Mehsud
O primeiro sinal de que o reinado de quatro anos de Mehsud como o homem mais procurado no Paquistão poderia estar sob nova pressão surgiu no mês passado, quando seu “secretário” Latif Mehsud foi capturado por forças dos EUA no Afeganistão.

A função de Latif era levar mensagens e visitantes ilustres até Mehsud, onde estivesse, posição sensível, na qual era mantido atualizado sobre os deslocamentos do chefe, seus contatos e suas medidas contra-drones. Latif esteve em contato com o Diretorado de Segurança do Afeganistão, a agência afegã de inteligência, “por longo período de tempo”, segundo um porta-voz do presidente Karzai. Se foi ele quem deu as informações sobre o deslocamento de Mehsud naquele dia, ou não, é detalhe que talvez jamais seja completamente esclarecido.

Seja como for, contudo, a morte de Mehsud é vingança-acerto de contas promovido pela CIA, que contalibiza seus sucessos em termos de assassinatos bem-sucedidos de terroristas versus mortos em ataques terroristas. Até agora, já foram assassinados muitos dos terroristas “mais procurados” no Paquistão, apesar de alto número de baixas “colaterais” entre civis, cujos números os militares ocultam atentamente. Recentemente, uma família paquistanesa depôs numa audiência pública do Congresso dos EUA, denunciando que a avó da família fora morta num desses ataques dos drones norte-americanos.

“É um duro golpe contra os Talibã No Paquistão, que pode levar a graves divisões dentro do movimento” – disse Bruce Riedel, ex-agente e conselheiro da CIA no governo Obama, que ajudou a criar e desenvolver a campanha dos drones.

O Paquistão sempre condenou os ataques, reclamando que são violação à soberania. Mas várias informações vazadas sugerem que o governo e os militares há muito tempo autorizaram os ataques pelos drones dos EUA e, inclusive, “encomendaram” ataques a determinados alvos.

Shaukat Qadir
O mais recente ataque pode bem ter sido parte de uma estratégia aprovada por Islamabad para bombardear os Talibã-No-Paquistão e empurrá-los na direção da mesa de negociações, segundo opinião de Shaukat Qadir, militar já aposentado, que trabalha hoje como analista militar.

“Hakimullah Mehsud era um impedimento às conversas de paz” – disse Shaukat Qadir. – “Diga o governo o que disser agora, a morte de Mehsud ajudará a atrair os Talibã-No-Paquistão para as negociações”.

Mas isso dependerá de quem assuma agora como novo líder, e se conseguirá manter unidas as várias linhas e grupos e facções que constituem o Talibã-No-Paquistão, ao mesmo tempo em que assume via pragmática, a favor da paz.

Os altos dirigentes Talibã reuniram-se ontem em sua assembleia (shura, também “órgão de aconselhamento”) para definir o novo comandante. Fontes militantes informaram a jornalistas locais que a reunião muda várias vezes de lugar, para que os drones não a localize.

Os candidatos com mais chances são Maulana Fazlullah, conhecido como o “Mulá do Rádio”, chefe dos Talibã-do-Swat. Outro nome possível é Sheheryar Mehsud, do mesmo clã do Waziristão do Sul que Baitullah Mehsud, comandante que antecedeu Hakimullah.

Ou, também, Khan Said – mais conhecido como “Sajna” [“tio”] – que é analfabeto, responsável pelo recrutamento e treinamento de suicidas-bomba. Apesar dessas táticas, sua posição como aliado de comandantes que fizeram mais ataques contra o Afeganistão que contra o Paquistão, e sempre manteve fortes laços com o estado paquistanês, sugere que possa ser mais aberto à ideia de buscar uma acomodação pragmática com Islamabad.

Isso, contudo, depende de se Islamabad ainda deseja conversar – ou se, diferente disso, já entende que possa obter alguma vantagem com uma ofensiva militar no Waziristão Norte.

Quanto ao Talibã, não há dúvida de que haverá mais violência. “Cada gota de sangue de Hakimullah se transformará em um homem-bomba” – disse Azam Tariq, um dos porta-vozes dos Talibã-No-Paquistão. “EUA e seus amigos, que não festejem. Vingaremos o sangue do nosso mártir”.
____________________


[*] Rob Crilly é correspondente do The Telegraph no Paquistão. Anteriormente foi repórter no Oriente Médio e África Oriental do The Times. Fez coberturas das guerras da Somália, Sudão e na República do Congo. É também autor de: Saving Darfur: Everyone’s Favourite African War, uma crítica dos esforços internacionais para trazer a paz para o Sudão.
(Redecastor)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Afeganistão

"Diário de Anne Frank"

"Diário de Anne Frank": as polémicas em torno de um clássico
publicado em artes e ideias por diana ribeiro | 3 comentários

Quando regressou de Auschwitz, Otto Frank soube que fora o único sobrevivente da família e amigos com quem vivera escondido durante dois anos. Segundo o próprio, terá encontrado o diário da filha (na antiga casa) e decidiu publicá-lo pelo seu valor de documento histórico. Mas há quem defenda que o livro que ocupa lugar na estante de quase todos nós pode não ter sido escrito pela mão de Anne Frank.




Em 1947, surgia nas livrarias a primeira edição de um diário que teria sido escrito por uma adolescente judia, Anne Frank, enquanto viveu escondida num anexo de um prédio em Amesterdão, na Segunda Guerra Mundial. Publicado em holandês, sob o título de Het Achterhuis (O anexo), pouco demorou a ser um autêntico êxito de vendas. Sucedeu-se a tradução para inglês, várias edições esgotadas e a adaptação teatral e cinematográfica.

Porém, nos anos 50 houve quem começasse a fazer perguntas, a ter dúvidas e a pôr em causa que fosse realmente Anne Frank a autora do diário. Seria possível nunca ninguém a ter visto escrever? Otto afirmava que a filha o fez às escondidas de todos. E como, com apenas 13 anos, fechada e com acesso limitado à informação, era capaz de tamanhas reflexões filosóficas e descrições sobre a guerra? Claro que isto seria apenas o inicio das “verdades e contradições” do Diário de Anne Frank.

“Mergulhados” num esconderijo

Quando se mudaram para Amesterdão, Otto Frank, criou a sua própria empresa. A “Opekta” vendia especiarias e pectina, usados no fabrico de doces. Em 1940, o nazismo já dominava grande parte da Europa e os ataques e perseguições a judeus não paravam de se repetir. O patriarca tentou então obter vistos para que todos pudessem emigrar rumo ao continente americano. Mas o único que conseguiu (para si mesmo) foi cancelado pouco depois, quando a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos.


A única solução foi passar o negócio aos seus empregados não-judeus e refugiar-se com a família num anexo, nas traseiras do edifício da empresa. Desde Julho de 1942 e durante dois anos, viveram “mergulhados” e constantemente aterrorizados com a possibilidade de serem descobertos. Foi neste período de isolamento que a filha mais nova escreveu um diário.

As confissões de Anne

Anne Frank contava a Kitty, amiga imaginária, o dia-a-dia da sua nova vida. O que acontecia no anexo, as tarefas que partilhava com os outros moradores, as alegrias e zangas que tinha e a esperança de poder sair novamente em liberdade finda a guerra. Segundo Otto, ninguém tinha conhecimento dos seus escritos. A adolescente terá guardado sempre a “sete chaves” o seu segredo - tornado depois público pelo pai.

Em Agosto de 1944, alguém os denunciou. Todos os habitantes do esconderijo foram presos e enviados para campos de concentração na Holanda, e depois Auschwitz. Em Janeiro de 1945, Otto foi salvo pelo exército soviético. Anne morreu em Março, em Bergen-Belsen.

Quando regressou a Amesterdão, Otto fica a saber que fora a único sobrevivente. Ao voltar a casa, descobre entre velhas revistas e jornais um livro de capa dura. Esta é a versão oficial da descoberta do Diário de Anne Frank. Porém, o nome de Miep Gies também está associado a ela. Segundo outra versão, terá sido a holandesa, uma das protectoras da família, a encontrá-lo, e quando oficialmente foi confirmada a morte de Anne tê-lo-á entregue a Otto. Incentivado a trazer a público um verdadeiro testemunho daqueles que sofreram os horrores do Holocausto, decide publicar as confissões da filha.

Ainda nos anos 40, cumpre-se um desejo da menina “Quero continuar a viver depois da minha morte” (escrevia em Abril de 1944). E essa talvez seja a única verdade inquestionável, já que o seu nome é uma das principais referências sobre a II Guerra Mundial.

As teorias sobre o diário

Quanto ao texto que temos na estante de nossas casas ter sido aquilo que Anne realmente escreveu, há muito que divide opiniões. As suspeitas começaram nos anos 50 e o caso acabou mesmo no tribunal. Meyer Levin moveu um processo contra Otto Frank, reclamando os direitos de autor do diário e a falta de pagamento pelo trabalho. O escritor judeu ganhou o caso, tendo o pai de Anne sido condenado a pagar 50.000 dólares.

http://en.wikipedia.org/wiki/Anne_Frank%27s_Diary
© Wikipedia, "O Diário de Anne Frank", 1ª Ed.

Na mesma época, especialistas do American Council Letter, do próprio tribunal e grafologistas, analisaram os textos e afirmaram que estes não tinham sido obra da adolescente. Alegavam letra diferente, além de várias passagens estarem escritas com um tipo de caneta esferográfica inventada anos depois. Confrontado com os factos, Otto declarou que não revelou os originais, porque Anne tecia duras criticas à mãe e revelava pormenores demasiado “íntimos” na sua relação com Peter.

O certo é que a história só sairia no “Washington the Spotlight” e no “Le Monde” em 1981. “Uma das maiores fraudes históricas” e “Uma infindável e lucrativa jogada de marketing” são as palavras que o investigador e especialista Robert Faurisson utiliza para classificar o diário.

No reverso da medalha, outras vozes contestam estas provas e alegam que as investigações provaram a autenticidade do livro. Otto Frank deixou indicações de que “os cortes” só poderiam ser revelados após a sua morte. Quando isso aconteceu, em 1980, o Instituto Holandês de Documentação para a Guerra iniciou um processo para provar que Faurisson estava enganado. E conseguiu.


Pouco depois foi publicado o diário na íntegra, juntamente com os estudos realizados. Miep Gies negou durante toda a vida que o livro fosse uma fraude. Durante esses dois anos de cativeiro, argumentou-se, os estudos que fez e a situação por que passava levaram Anne a reflectir mais seriamente sobre tudo, o que justificaria o alcance dos seus textos.

Verdade ou mentira, autêntico ou forjado, o testemunho de uma jovem a quem a vida foi roubada cedo demais, por razões absurdas, vai mais longe que os factos. Anne Frank é apenas um símbolo de milhares de outros adolescentes cheios de sonhos, de dúvidas e questões, que tentaram escapar como podiam a um destino trágico.

Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2011/08/diario_de_anne_frank_as_polemicas_em_torno_de_um_classico.html#ixzz2jj6LAwp1