tag:blogger.com,1999:blog-7549411115345008312024-03-13T18:16:00.312-07:00Espinho no DedoPolítica, Filosofia, Comportamento, Vida! Eis o Blogue!Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.comBlogger2865125tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-90626315787920062032014-03-13T05:35:00.002-07:002014-03-13T05:35:40.480-07:00ComunicadoComunico aos meus inúmeros leitores que estivemos fora do ar devido a dificuldades informáticas.
Queira deus que tudo tenha se normalizado. Palavra de um ateu!Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-45209924470290324022014-03-13T05:28:00.002-07:002014-03-13T05:28:40.522-07:00RepressãoLiberdade ao professor colombiano Francisco Toloza
Escrito por Néstor Kohan
A todo tempo, aprisionam nossos companheiros. Cansamos e nos desgastamos. Não há mês que não tenha que escrever solidarizando-me com algum revolucionário que acabaram de prender. Isto se chama liberdade? Isto se denomina “pluralismo”? Isso é “o mundo livre”? Por favor! Soltam um e no dia seguinte prendem outro. Acabam de soltar o cantor e compositor Julián Conrado e no mesmo momento prenderam o professor Francisco Toloza. Mantêm-nos “ocupados” pedindo e reclamando todo o tempo “soltem o fulano”, “libertem o ciclano”.
Na Colômbia, também na Argentina, Paraguai, em todo o continente. Não basta ver um líder grevista no cárcere que já há outro agricultor sendo preso. Acabaram de soltar um cantor popular e já prenderam um conhecido professor universitário. E é nesse vai e vem que vamos levando a vida. Visitando presos, escrevendo todo tempo estas cartas de solidariedade, tentando conter a repressão, a perseguição, a demonização. Até quando?
E enquanto isso... Eles seguem fazendo seus negócios sujos. Negócios imundos. Com seu sorriso cínico na boca. Mostrando sempre os dentes em cada fotografia, como se fossem modelos da TV que fazem anúncios de creme dental. Falsidade. Seus sorrisos são de fachada. Cinismo nu e cru. Não é uma risada aflorada, relaxada de alegria espontânea e serenidade de espírito. É um sorriso artificial para a foto, duro, petrificado, premeditado, planificado, manipulado. Riem enquanto destilam veneno, odeiam e encarceram o povo. Gente má. Sim, gente má. Não só exploram, degradam, humilham o nosso povo, como entregam nossas riquezas e recursos naturais. São gente má. Sua risada é como a de uma hiena.
O conhecido intelectual, professor universitário colombiano, foi preso. Seu nome é Francisco Toloza. Desta vez se trata dele. Não bastou prender o professor Miguel Ángel Beltrán, grande conhecedor da historiografia sobre Simón Bolivar e do pensamento teórico de José Martí. Não ficaram satisfeitos com as ameaças de morte ao professor Renán Vega Cantor, erudito da sociologia e grande pesquisador colombiano. Não. A lista segue. Agora é Toloza, o jovem e valente intelectual Francisco Toloza. “Pacho” Toloza, para seus amigos e companheiros.
Todos eles vêm a Buenos Aires, passam por aulas universitárias na Argentina, compartilham seus saberes, suas leituras, seus livros, suas teorias, seus debates. O movimento estudantil argentino, seus professores, seus pesquisadores universitários e cientistas são conhecidos. E com todo sabor amargo na boca, com todo ácido no estômago, entendemos agora que estão presos, que são caçados como moscas. São tratados como se fossem delinquentes. Que desgosto. Não escondemos o que sentimos. Que desgosto. Que classe social dominante corrupta, desgraçada, mafiosa, lumpem, que não pode permitir o que até uma burguesia lúcida e bem pensante se permitiria: que haja um par de intelectuais que opinem diferente, que escrevam seus livros, que deem palestras. Não. A burguesia colombiana, submissa e obediente à humilhação do imperialismo norte-americano, em momentos mais papistas que o papa, persegue sem piedade até o último pensador que se atreve a escrever duas linhas expressando um pensamento diferente.
E não só perseguição sistemática a todo pensador, a todo o escritor e a toda voz dissidente. Valas comuns. A última que se encontrou (até onde temos notícias) abrigava nada menos que 2.000 (dois mil) cadáveres sepultados com NN, sem nome nem apelido, sem tumba individual. Nem mesmo um único símbolo religioso para dar conforto à família de cada morto. Nem isso! Não era uma vala comum de cinco décadas ... Era o ano de ... 2007. Muito recente! Nada diferente do Chile de 1973 ou Argentina de 1976.
Até quando vamos continuar permitindo isso? Até quando vamos continuar a aceitar que este país se chame no concerto internacional das nações modernas de "democráticos" e "constitucionais"? Por que o Estado da Colômbia continua a fazer parte das agências multilaterais latino-americanos sem receber sanções diplomáticas ou comerciais que de uma vez por todas disciplinem sua classe dominante e a obrigue, goste ou não, a garantir os direitos democráticos, mesmo que sejam mínimos, típicos de qualquer país burguês? Aqui, não se trata de direitos populares ou socialistas. Não! Na Colômbia, nem os direitos legais burgueses são respeitados. Nem sequer isso.
O professor Francisco Toloza, muito preparado, extremamente lido, culto, erudito, persuasivo, grande orador, inundava cada uma de suas orações com dados empíricos e bibliografia atualizada. A primeira impressão que tivemos dele foi impactante. O professor Francisco Toloza fala rápido e sem parar. Com entusiasmo e energia que não tenta dissimular.
Por trás de suas grandes lentes de plástico preto, sua boina que nunca abandona, tira e põe, volta a tirar e assim fica durante horas, movendo as mãos, fazendo gestos, e que tanto proporciona números esmagadores, dados empíricos, demolidores da sociedade oficial colombiana. Conhece a dedo a história do seu país, sua formação sociológica e sua formação econômico-social.
Mas como viajou por vários países representando a sua organização social e política, a Marcha Patriótica, ao mesmo tempo vai descrevendo a situação do movimento popular de vários países da América Latina. E a coisa não acaba aí. Começa a falar de Europa Ocidental e dá detalhes de cada país europeu, suas tendências, seus debates, como se encontra o movimento trabalhador, estudantil, o que pensam em cada país e em cada movimento popular europeu de Nossa América. Sem falar como o professor Francisco Toloza provoca impacto.
Conhecemo-nos pessoalmente em Buenos Aires. O professor Toloza estava pedindo e clamando por solidariedade para a federação estudante universitária. Entramos em contato, juntamente com Atilio Boron e Jorge Beinstein, todos os professores da Universidade de Buenos Aires (UBA). Certamente deve ter falado com outros pesquisadores também. Depois disso nos encontramos novamente no México, em um seminário internacional organizado anualmente pelo Partido Trabalhista (PT) do México, com participacao de intelectuais de todo o mundo, incluindo a América do Norte e Europa. Em meio à multidão, ouvimos com surpresa: "Ei, professor Nestor! Como está? Tomamos uma cerveja? Quer conversar um pouco?” (sempre me fez rir ao me chamar de "professor", quando na prática Toloza sabe muito mais do que nós uma enorme quantidade de temas).
Suspeitei que, talvez, fosse um costume colombiano falar dessa maneira. E com essa cerveja compartilhamos novamente por horas a bagagem de fatos, números, livros, artigos, textos e debates. Uma grande preparação intelectual. O mesmo estilo de Renan Vega Cantor e Miguel Angel Beltran. Não é por acaso que todos eles têm sido "marcados" pelos poderosos da Colômbia e seu aparato de vigilância e repressão. Não é por acaso que na Colômbia têm sido perseguidos, ameaçados ou diretamente feitos prisioneiros.
Em outros países, seriam premiados (por exemplo, Renan Vega recebeu o "Prêmio Libertador ao Pensamento Crítico" na Venezuela; no México, na UNAM e no âmbito da sua licenciatura em ciências sociais e estudos latino-americanos, os principais pesquisadores não pararam de falar maravilhas de Miguel Angel Beltran, já que ele dava aulas lá). Na Colômbia, no entanto, a sociedade oficial os trata como "criminosos", quando seus pecados graves e seus principais "crimes" foram, e são, atuar como intelectuais comprometidos com seu povo e sua nação. Simplesmente o que qualquer intelectual que se preze deve fazer com sua vida.
Que notável diferença a atitude intelectual destes companheiros (Vega Cantor, Beltran, Toloza) frente a tanto "doutor" que está circulando em Buenos Aires e não consegue articular até duas frases, contidas no pequeno aquário de sua chancela de "especialista"!
Com esses companheiros, no entanto, você pode falar sobre tudo. Lidar com uma incrível variedade de temas, autores e debates. Nota-se à primeria vista que são intelectuais militantes – o que não implica qualquer delito – e por isso mesmo nunca aceitaram ser "especialistas", neste sentido tão medíocre e vulgar que outorga o Banco Mundial.
Especialistas, ruminadores ventríloquos de trabalhos maçantes, inodoros, incolores, insípidos, orgulhosos de sua ignorância em tudo aquilo que não seja seu microscópico e intranscedente “tema de beca” ou de tudo o que suporta em seu mesquinho caminho de ascenção na escala acadêmica. Já dizia nosso querido Deodoro Roca, ideólogo da Reforma Universitária de Córdoba em 1918, que “a pura universidade é uma coisa monstruosa”. O professor Francisco Toloza constitui precisamente a antítese deste tipo de intelectual medíocre e submisso.
Toloza é um intelectual universitário, sim, mas em um sentido muito mais rico e completo, comprometido até o osso com o seu povo, como alegava Deodoro Roca. Por isso, me fez tão feliz de ouvir agora que seu vídeo foi liberado apenas depois de sua prisão ilegal na Colômbia, onde Toloza reivindica por nome e sobrenome o nosso Deodoro Roca e a Reforma Universitária de Córdoba (1918).
De que fala Pacho Toloza cada vez que nos cruzamos? Na Argentina e no México, Pacho Toloza não deixou de denunciar o Estado gângster e mafioso que dirige seu país há décadas. A situação calamitosa da educação pública, a violação sistemática dos direitos humanos, a miséria de seus camponeses e a exploração de sua classe trabalhadora urbana, a perseguição oficial contra qualquer tipo de oposição política. Isso era o que mais incomodava os juízes que o aprisionaram.
Mas o professor Toloza jamais se calou. Se visitou outros países, não era por créditos mesquinhos ou ganância pessoal, para “acomodar-se” nem para mendigar uma migalha de piedade. Não. O professor Francisco Toloza não deixou em nenhum minuto, seja na Argentina, no México ou na Europa, de clamar pelos direitos de seu povo a viver em liberdade, com justiça social e respeito aos direitos humanos. Isso não constitui nenhum crime. Ao contrário! Por isso nos orgulhamos de tê-lo conhecido e ouvido.
Mas, além de sua erudição acadêmica, sua militância incansável e sua paixão política, Pacho Toloza é um homem com um humor hilariante. Nem bem ganha confiança, começa a fazer piadas e brincadeiras. Inclusive é um grande imitador. Quando vivermos no socialismo e já não tivermos mais de nos preocupar com assassinatos a sangue frio, perseguição política da oposição, censura e prisão dos dissidentes, o professor Toloza bem que poderia ganhar a vida em um programa de humor.
Esperamos que a solidariedade internacional não deixe de crescer. Esperamos que em breve possamos voltar a falar com ele em liberdade, falando de Simon Bolívar, a história de seu povo altruísta, e ouvir suas piadas, suas brincadeiras e sua gargalhada.
Nestor Kohan é professor da Universidade de Buenos Aires (UBA).
Tradução: Daniela Mouro, Correio da Cidadania.
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Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-56177036303515019392014-02-06T22:42:00.002-08:002014-02-06T22:42:22.573-08:00Henfil Cartas da mãe - Henfil
"Enquanto acreditarmos em nossos sonhos, nada será por acaso".
"É preciso a certeza de que tudo vai mudar;
É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós:
onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão.
O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração;
Pois a vida está nos olhos de quem sabe ver ...
Se não houve frutos, valeu a beleza das flores.
Se não houve flores, valeu a sombra das folhas.
Se não houve folhas, valeu a intenção da semente". Henfil
O DESENHO FICA
O média-metragem Cartas da Mãe é uma crônica sobre o Brasil dos últimos 30 anos contada através das cartas que o cartunista Henfil (1944/1988) escreveu para sua mãe, Dona Maria. Estas cartas, publicadas em livros e jornais, são lidas pelo ator e diretor Antônio Abujamra enquanto desfilam imagens do Brasil contemporâneo. Política, cultura, amigos e amor são alguns dos temas que elas evocam, criando um diálogo entre o passado recente do Brasil e nossa situação atual. Artistas, políticos e amigos de Henfil, entre eles o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o escritor Luis Fernando Veríssimo, os cartunistas Angeli e Laerte e o jornalista Zuenir Ventura, falam sobre a trajetória do cartunista dos anos da ditadura militar até sua morte. Animações inéditas de seus cartuns complementam o documentário dirigido por Fernando Kinas e Marina Willer.
Diretor: Fernando Kinas, Marina Willer
Narração: Antônio Abujamra
Depoimentos: Luis Fernando Veríssimo, Angeli, Gilse Cosenza, Iza
Guerra, Laerte, Luiz Inácio Lula da Silva, Zuenir Ventura, Frei
Betto.
Ano: 2003
Em 1970, Henfil lançou a revista Os Fradinhos. Nesse momento, a produção de histórias em quadrinhos e cartuns de Henfil já apresentava características específicas: um desenho humorístico político, crítico e satírico, com personagens tipicamente brasileiros. Leia mais
Gibiteca Henfil
Aniversário de Henfil será comemorado com evento no Museu da República
"Por muito tempo, eu pensei que a minha vida fosse se tornar uma vida de verdade.
Mas sempre havia um obstáculo no caminho, algo a ser ultrapassado antes de começar a viver, um trabalho não terminado, uma conta a ser paga. Aí sim, a vida de verdade começaria.
Por fim, cheguei à conclusão de que esses obstáculos eram a minha vida de verdade.
Essa perspectiva tem me ajudado a ver que não existe um caminho para a felicidade.
A felicidade é o caminho! Assim, aproveite todos os momentos que você tem.
E aproveite-os mais se você tem alguém especial para compartilhar, especial o suficiente para passar seu tempo; e lembre-se que o tempo não espera ninguém.
Portanto, pare de esperar até que você termine a faculdade; até que você volte para a faculdade; até que você perca 5 kg; até que você ganhe 5 kg; até que seus filhos tenham saído de casa; até que você se case; até que você se divorcie; até sexta à noite; até segunda de manhã; até que você tenha comprado um carro ou uma casa nova; até que seu carro ou sua casa tenham sido pagos; até o próximo verão, outono, inverno; até que você esteja aposentado; até que a sua música toque; até que você tenha terminado seu drink; até que você esteja sóbrio de novo; até que você morra; e decida que não há hora melhor para ser feliz do que agora mesmo...
Lembre-se: felicidade é uma viagem, não um destino".Henfil
(Blog do Nassif)
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-77446964763256612282014-02-06T22:40:00.001-08:002014-02-06T22:40:26.426-08:00PMs
'PM cria monstros', diz ex-policial que defende desmilitarização
Darlan Menezes Abrantes, ex-soldado da PM que é a favor da desmilitarização da corporação
Darlan Menezes Abrantes, ex-soldado da PM que é a favor da desmilitarização da corporação
Após ser expulso da Polícia Militar do Ceará em janeiro, acusado de distribuir seu livro intitulado "Militarismo, um sistema arcaico de segurança publica", dentro da Academia Estadual de Segurança Pública, o ex-soldado Darlan Menezes Abrantes, 39, voltou a criticar o atual modelo da PM e a militarização da corporação, da qual fazia parte há 13 anos. "Sou a prova viva de que esse sistema de segurança pública é falido" e "cria monstros", declarou, em entrevista ao UOL.
A capa do livro de Abrantes, que defende a desmilitarização
"Quando eu era da cavalaria, fiz muitas coisas das quais me arrependo. Quando eu chegava em casa dizia para a minha esposa 'nossa, eu sou um monstro!'. O treinamento militar é opressivo, e faz com que o policial trate a população como inimigo, e não como um aliado", falou.
Para ele, a violência e os excessos cometidos pelos policiais nas ruas tem origem na opressão vivida pelos praças (PMs de patente inferior) dentro dos quartéis.
"Os oficiais têm poder total sobre os praças. Como uma polícia antidemocrática pode fazer a segurança de uma sociedade democrática? A PM tem uma estrutura medieval".
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Veja cenas de violência policial e depredações em protestos pelo Brasil104 fotos
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13.jun.2013 - Em São Paulo, policial militar atinge cinegrafista com spray de pimenta durante protesto contra o aumento da tarifa do transporte coletivo, em frente ao Theatro Municipal, no centro da capital. Mais de 40 manifestantes foram detidos pela polícia Rodrigo Paiva/Estadão Conteúdo
Segundo Abrantes, "durante os treinamentos os superiores ficam dizendo que você não é nada, que você é um parasita. Lembro que na academia um superior me deu uma folha de papel em branco e disse: 'esses são seus direitos'. Aí quando o policial se forma, já é um pitbull."
PMs são investigados por agressões no CE
Jovens tiveram o rosto pintado pelos policiais
Para ele, o militarismo "serve para as Forças Armadas", e não para a segurança interna do país. "É preciso desmilitarizar a corporação e fundi-la com a polícia civil. A cada ano, a polícia perde de goleada para o crime organizado, e a solução está na modernização e desmilitarização da força".
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará afirmou que à época do ingresso de Abrantes na corporação "a formação de policiais militares se dava pelo extinto Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da PM" e que o atual treinamento conta com um programa de formação cidadã, "trabalhando as concepções de cidadania, respeito aos Direitos Humanos e à diversidade étnica e cultural".
Expulsão
A controladoria da PM expulsou Abrantes "com base em vários artigos do Código Disciplinar e do Código Penal Militar", de acordo com o tenente-coronel Fernando Albano, porta voz da corporação. "Os atos praticados vão de encontro ao pudor e ao decoro da classe. Só isso que a PM tem a falar", disse ele.
A advogada do ex-soldado, Quércia de Andrade Silva, afirmou que já recorreu da expulsão e diz acreditar que a decisão possa ser revertida. "Tem outro processo também na auditoria militar, mas que está ainda em fase inicial. Ele será ouvido pela primeira vez em maio. Estamos aguardando a resposta desse recurso [para possivelmente recorrer à Justiça comum]", diz Quércia.
(UOL)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-16829335961240506472014-02-06T17:25:00.002-08:002014-02-06T17:25:37.601-08:00O Dono da Bola está de ressaca!pois é, depois de amanhã estarei de ressaca. uma ressaca programada, agendada....Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-20284211477128861342014-02-05T02:34:00.000-08:002014-02-05T02:34:11.435-08:00'Gramática' (a pedidos)Redação feita por uma aluna do curso de Letras, da UFPE Universidade Federal de Pernambuco - (Recife), que venceu um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gramática Portuguesa.
Redação:
Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.
Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida.
E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.
Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos.
O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar,
a perguntar, a conversar.
O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos.
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.
Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar
Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.
Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois.
Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo.
É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.
Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.
a perguntar, a conversar.
O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos.
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.
Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar
IV. Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisso a porta abriu repentinamente.
Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.
Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.
Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício.
O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal.
Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto
Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois.
Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva
(Fonte?)
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-19378872529010975462014-02-05T01:50:00.000-08:002014-02-05T01:50:34.334-08:00Cristãos nazistas Partido Nazista dizia se basear em um 'cristianismo positivo'
Hitler teve o apoio de católicos e protestantes
por Austin Cline
para About
A impressão generalizada é de que o nazismo era anticristão e que os cristãos eram antinazistas. A verdade é que os cristãos alemães apoiaram o nazismo porque acreditavam que Adolf Hitler tinha sido um presente de Deus para o povo.
A doutrina cristã alemã combinou seus dogmas com o caráter alemão de então de uma maneira única: o verdadeiro cristianismo era alemão e o verdadeiro nazista tinha de ser cristão.
Isso em parte está no programa do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores ou em alemãoNationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei (NSDAP).
Diz: “Exigimos a liberdade para todas as confissões religiosas, na medida em que elas não coloquem em perigo a existência do Estado ou entrem em conflito com os costumes e os sentimentos morais da raça germânica. O partido, como tal, representa o ponto de vista de um cristianismo positivo, sem estar ligado a uma confissão em especial”.
Esse tipo de cristianismo pregava na época que a religião devia ter um efeito prático na vida das pessoas — um efeito positivo.
Antissemitismo cristão
O antissemitismo era um aspecto importante do Estado nazista, mas os nazistas não o inventaram. Eles se basearam em séculos de antissemitismo cristão e na teologia da comunidade cristã da Alemanha.
Os nazistas acreditavam que o judaísmo era mais do que uma religião, no que foram apoiados por líderes religiosos que lhes forneciam informações sobre batismos e registros de casamento para ajudar na identificação dos judeus convertidos ao cristianismo.
Cristãos anticomunistas
Anticomunismo era provavelmente mais fundamental para a ideologia nazista do que antissemitismo. Muitos alemães estavam com medo do comunismo e viram Hitler como sua salvação cristã. A ameaça dos vermelhos parecia muito real. Os comunistas tinham chegado ao poder na Rússia no final da Primeira Guerra Mundial, além de assumirem momentaneamente o controle na Baviera. Os nazistas também eram intensamente antissocialistas. Eles se opunham ao socialismo tradicional porque se tratava de uma ideologia ateia e supostamente apoiada por intelectuais de origem judaica.
Cristão antimodernistas
A chave para entender a popularidade do nazismo entre os cristãos é que uns e outros condenavam tudo que era moderno.
No entendimento deles, a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial converteu o país em uma república secularista, ateísta e materialista, o que significava traição aos valores tradicionais germânicos e aos dogmas religiosos.
Assim, para os cristãos, a ascensão ao poder dos nazistas significava uma oportunidade para impor um regime que combatesse o ateísmo, a homossexualidade, o aborto, a obscenidade e assim por diante.
Cristianismo e nazismo protestante
É amplamente reconhecido que os protestantes foram mais atraídos pelo nazismo do que os católicos. Isso não era verdade em todos os lugares na Alemanha, mas não se pode ignorar o fato de que os protestantes, e não católicos, organizaram um movimento (cristãos alemães) dedicado a mesclar a ideologia nazista com a doutrina cristã.
Principalmente as mulheres protestantes colaboravam com o nazismo por causa do conservadorismo cultural delas. Além disso, as mulheres se sentiram importantes pelo papel de agentes sociais que passaram a ter no governo de Hitler.
O nazismo foi um regime não denominacional, mas seus líderes sabiam que sempre poderiam contar com os protestantes.
Cristianismo e nazismo católico
De início, líderes católicos criticaram o nazismo. Após 1933, a crítica se tornou em louvor por uma questão de identificação. Os pontos em comum entre os nazistas e católicos eram o anticomunismo, antiteísmo e antissecularismo.
Padres católicos ajudaram os nazistas a identificar os judeus para que os carrascos abastecessem as fornalhas do Holocausto.
Após Segunda Guerra Mundial, líderes católicos ajudaram ex-nazistas a voltarem ao poder, porque entendiam que estes eram melhores do que os socialistas.
O legado do catolicismo da Alemanha nazista é a cooperação, da não de resistência, de defesa do poder social, e não o da sustentação de princípios.
Igrejas cristãs estavam dispostas a tolerar a violência contra judeus, o rearmamento militar, invasões de nações, proibição de funcionamento de sindicatos, prisão de dissidentes políticos, detenção de pessoas que haviam cometido nenhum crime, esterilização dos deficientes, etc.
Por quê?
Porque Hitler era visto como alguém que ia restaurar os valores tradicionais e a moralidade da Alemanha.
Cristianismo em particular, o cristianismo em público
Será que Hitler e os nazistas apenas usaram o cristianismo como uma manobra política, enfatizando-o em público, sem a intenção de promovê-lo na realidade?
Não há nenhuma evidência de que a adesão ao cristianismo era apenas para o “consumo” em público.
Anotações de historiadores mostram que os nazistas de fato acreditavam no “cristianismo positivo”, acreditavam no que diziam.
Os poucos nazistas que endossaram paganismo fizeram isso publicamente, mas sem apoio oficial.
Hitler, nazismo e o nacionalismo cristão
Avaliação tradicional de cumplicidade cristã com o Holocausto e com outros crimes da guerra pressupõe uma distinção entre nazistas e cristãos, o que não existia.
O fato é que cristãos apoiaram ativamente a agenda nazista, e por uma simples razão: a maioria dos nazistas era de cristãos devotos e acreditava que a filosofia de Hitler foi animada pela sua doutrina religiosa.
Os cristãos de hoje acham improvável que a sua religião pudesse ter algo em comum com o nazismo, mas eles precisam reconhecer que o cristianismo é sempre condicionado pela cultura que o cerca.
Para os alemães no início do século 20, o cristianismo era muitas vezes profundamente antissemita e nacionalista.
Este foi o mesmo terreno que os nazistas encontraram tão fértil para a sua própria ideologia. O que fez com que uns e outros colaborassem entre si com naturalidade. Não haveria como eles não agirem em conjunto.
Cristãos nazistas não abandonaram as doutrinas cristãs básicas, como a divindade de Jesus. Sua estranha crença religiosa era uma negação ao judaísmo de Jesus. Mas ainda hoje existem cristãos na Alemanha que se opõem ao judaísmo de Jesus.
Cristãos nazistas não seguiram uma versão idiossincrática do cristianismo nem foram "infectados" pelo ódio e nacionalismo porque eles já eram portadores desses sentimentos antes de o nazismo ser inaugurado oficialmente.
Para os cristãos alemães, a guerra deflagrada por Hitler foi uma espécie de retomada das Cruzadas e da Santa Inquisição.
Fonte: Paulopes
http://www.paulopes.com.br/2014/02/parido-nazista-dizia-se-basear-em-um-cristianismo-positivo.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+blogspot%2FLHEA+%28Paulopes+Weblog%29#.UvBCJvldWSq
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Santo Agostinho e o Diabo, na pintura
de Michael Pacher
São mais de 300 páginas com centenas de histórias pouco santas sobre a vida sexual dos papas da Igreja Católica. O livro do jornalista peruano Eric Frattini, recém-chegado às livrarias portuguesas e editado pela Bertrand, percorre, ao longo dos séculos, a intimidade secreta de papas e antipapas, mas não pretende causar "escândalo". Apenas "promover uma reflexão sobre a necessária reforma da Igreja ao longo dos tempos".
O escritor admite, aliás, que alguns dos relatos possam ter sido inventados, nas diferentes épocas, por inimigos políticos dos sumos pontífices. Lendas ou verdades consumadas, no livro "Os papas e o sexo" há de tudo. Desde papas violadores e zoofílicos a papas homossexuais e fetichistas, além de Santos Padres incestuosos, pedófilos ou sádicos, passando por papas filhos de papas e papas filhos de padres.
Alguns morreram assassinados pelos maridos das amantes em pleno ato sexual. Outros foram depostos do cargo, julgados pelas suas bizarrias sexuais e banidos da história da Igreja. Outros morreram com sífilis, como o papa Júlio II, eleito em 1503, que ficou na história por ter inventado o primeiro bordel gay de que há memória.
Bonifácio IX deixou 34 filhos, a que chamava, carinhosamente, de "adoráveis sobrinhos". Martinho V encomendava contos eróticos, que gostava de ler no recolhimento do seu quarto.
Paulo II era homossexual e Listo IV, que cometeu incesto com os sobrinhos, bissexual. Inocêncio VIII reconheceu todos os filhos que fez e levou-os para a Santa Sé. Um deles tornou-se violador. João XI (931-936) cometeu incesto com a própria mãe, violava fiéis e organizava orgias com rapazes.
Sérgio III teve o infortúnio de se apaixonar por mãe e filha e não esteve com meias medidas: rendeu-se à prática da ménage à trois. Bento V só esteve no Governo da Igreja 29 dias, por ter desonrado uma adolescente de 14 anos durante a confissão. Depois de ser considerado culpado, fugiu e levou boa parte do tesouro papal consigo.
João XIII era servido por um batalhão de virgens, desonrou a concubina do pai e uma sobrinha e comia em pratos de ouro enquanto assistia a danças de bailarinas orientais. Os bailes acabaram quando foi assassinado pelo marido de uma amante em pleno ato sexual. Silvestre II fez um pacto com o diabo. Era ateu convicto e praticava magia. Acabou envenenado.
Dâmaso I, que a Igreja canonizou, promovia homens no ciclo eclesiástico, sendo a moeda de troca poder dormir com as respectivas mulheres. Já o Papa Anastácio, que tinha escravas, teve um filho com uma nobre romana, que se viria a tornar no Papa Inocêncio I (famoso pelo seu séquito de adolescentes). Pai e filho acabaram canonizados.
Leão I era convidado para as orgias do Imperador, mas sempre se defendeu, dizendo que ficava só para ver. Mesmo assim engravidou uma adolescente de 14 anos, que mandou encerrar num convento para o resto da vida. Bento VIII morreu com sífilis e Bento IX era zoófilo. Urbano II criou uma lei que permitia aos padres terem amantes, desde que pagassem um imposto.
Alexandre III fazia sexo com as fiéis a troco de perdões e deixou 62 filhos. Foi expulso, mas a Igreja teve de lhe conceder uma pensão vitalícia, para poder sustentar a criançada.
Gregório I gostava de punir as mulheres pecadoras, despindo-as e dando-lhes açoites. Bonifácio VI rezava missas privadas só para mulheres e João XI violou, durante quatro dias, uma mãe e duas filhas. Ao mesmo tempo.
Resumo de algumas histórias
1. João Paulo II: acusado de ter um filha secreta
imageEm 1995, o norte-americano Leon Hayblum escrevia um livro polêmico, em que dizia ser pai da neta de João Paulo II. Durante a ocupação nazi da Polônia, Wojtyla teria casado, secretamente, com uma judia. Do enlace nasceu uma garota que o próprio pai entregou, com seis semanas, a um convento local. No seu pontificado especulou-se muito sobre as namoradas que teve antes do sacerdócio. O papa admitiu algumas, mas garantiu nunca ter tido sexo. No Vaticano, fazia-se acompanhar por uma filósofa norte-americana, Anna Teresa Tymieniecka, com quem escreveu a sua maior obra filosófica. Romperam o relacionamento supostamente por ciúmes.
2. Paulo VI: homossexual?
Assim que chegou ao Vaticano, Paulo VI mostrou-se muito conservador em relação às matérias ligadas à sexualidade. Em 1976, indignado com as declarações homofobias de Paulo VI, um historiador e diplomata francês, Roger Peyrefitte, contou ao mundo que, afinal, o papa era homossexual e manteve uma relação com um ator conhecido. O escândalo foi tremendo: Paulo VI negou tudo e o Vaticano chegou a pedir orações ao fiéis do mundo inteiro pelas injúrias proferidas contra o papa. Paulo VI morreu em 1978, aos 81 anos, depois de 15 pontificado, vítima de um edema pulmonar causado, em boa parte parte, pelos dois maços de cigarros que fumava por dia.
3. Inocêncio X: amante da cunhada
imageEleito no conclave de 1644, Inocêncio X manteve uma relação com Olímpia Maidalchini, viúva do seu irmão mais velho – fato que lhe rendeu o escárnio das cortes da Europa. Inocêncio X não era, aliás, grande defensor do celibato. Olímpia exercia grande influência na Santa Sé e chegou a assinar decretos papais. A dada altura, o papa apaixonou-se por outra nobre, Cornélia, o que enfureceu Olímpia. Mesmo assim, foi a cunhada quem lhe valeu na hora da morte e quem assegurou o funcionamento do Vaticano quando Inocêncio estava moribundo. Quando morreu, em 1655, Olímpia levou tudo o que pôde da Santa Sé para o seu palácio em Roma, com medo de que o novo papa não a deixasse ficar com nada.
4. Leão X: morreu de sífilis
Foi de maca para a própria coroação, por causa dos seus excessos sexuais. Depois de Júlio II ter morrido de sífilis, em 1513 chega a papa Leão X, que gostava de organizar bailes, onde os convidados eram somente cardeais e onde jovens de ambos os sexos apareciam com a cara coberta e o corpo despido. O papa gostava de rapazes novos, às vezes vestia-se de mulher e adorava álcool. “Quando foi eleito tinha dificuldade em sentar-se no trono, devido às graves úlceras anais de que sofria, após longos anos de sodomia”, escreve Frattini. Estes e outros excessos levaram Lutero a afixar as suas 95 teses – que lhe garantiram a excomunhão em 1521. Leão X morreu com sífilis aos 46 anos.
5. Alexandre VI: o insaciável
imageGostava de orgias e obrigou um jovem de 15 anos a ter sexo com ele sete vezes no espaço de uma hora, até o rapaz morrer de cansaço. Teve vários filhos, que nomeou cardeais. Assim que chegou ao papado, em 1431, trocou a amante por uma mais nova, Giulia. Ela tinha 15 anos, ele 58. Foi Alexandre VI quem criou a célebre “Competição das Rameiras”. No concurso, o papa oferecia um prêmio em moedas de ouro ao participante que conseguisse ter o maior número de relações sexuais com prostitutas numa só noite. Depois de morrer, o Vaticano ordenou que o nome de Alexandre VI fosse banido da história da Igreja e os seus aposentos no Vaticano foram selados até meados do século XIX.
6. Bento IX: sodomizava animais
imageChegou a papa em 1032 com 11 anos. Bissexual, sodomizava animais e foi acusado de feitiçaria, satanismo e violações. Invocava espíritos malignos e sacrificava virgens. Tinha um harém e praticava sexo com a irmã de 15 anos. Gostava, aliás, de a ver na cama com outros homens. “Gostava de a observar quando praticava sexo com até nove companheiros, enquanto abençoava a união”, escreve Eric Frattini. Convidava nobres, soldados e vagabundos para orgias. Dante Alighieri considerou que o pontificado de Bento IX foi a época em que o papado atingiu o nível mais baixo de degradação. Bento IX cansou-se de tanta missa e renunciou ao cargo para casar com uma prima – que o abandonaria mais tarde.
7. Clemente VI: comprou bordel
imageEm 1342, com Clemente VI chega também à Igreja Joana de Nápoles, a sua amante favorita. O papa comprou um “bordel respeitável” só para os membros da cúria – um negócio, segundo os documentos da época, feito “por bem de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Tornou-se proxeneta das prostitutas de Avinhão (a quem cobrava um imposto especial) e teve a ideia de conceder, duas vezes por semana, audiências exclusivamente a mulheres. Recebia as amantes numa sala a poucos metros dos espaços em que os verdugos da Inquisição faziam o seu trabalho. No seu funeral, em Avinhão, foi distribuído um panfleto em que o diabo em pessoa agradecia ao papa Clemente VI porque, com o seu mau exemplo, “povoara o inferno de almas”.
8. Xisto III: violou freira e foi canonizado
imageObcecado por mulheres mais novas, foi acusado de violar uma freira numa visita a um convento próximo de Roma. Enquanto orava na capela, o papa, eleito em 432, pediu assistência a duas noviças. Violou uma, mas a segunda escapou e denunciou-o. Em tribunal, Xisto III defendeu-se, recordando a história bíblica da mulher que foi apanhada em adultério. Perante isso, os altos membros eclesiásticos reunidos para condenar o papa-violador não se atreveram a “atirar a primeira pedra” e o assunto foi encerrado. Xisto III foi, aliás, canonizado depois de morrer. Seguiu-se-lhe Leão I, que também gostava de mulheres mais novas e que mandou encarcerar uma adolescente de 14 anos num convento, depois de a engravidar.
9. João XII: morto pelo marido da amante
imageNos conventos rezava-se para que morresse. João XII era bissexual e obrigava jovens a ter sexo à frente de toda a gente. Gozava ao ver cães e burros atacar jovens prostitutas. Organizou um bordel e cometeu incesto com a meia-irmã de 14 anos. Raptava peregrinas no caminho para lugares sagrados e ordenou um bispo num estábulo. Quando um cardeal o recriminou, mandou-o castrar. Um grupo de prelados italianos, alemães e franceses julgaram-no por sodomia com a própria mãe e por ter um pacto com o diabo para ser seu representante na Terra. Foi considerado culpado de incesto e adultério e deposto do cargo, em 964. Foi
assassinado – esfaqueado e à martelada – em pleno ato sexual pelo marido de uma das suas várias amantes.
(Opinião & Cia)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-63275723292946166202014-02-04T00:35:00.000-08:002014-02-04T00:35:05.055-08:00Walt Disney
Estranhos no paraíso
Passaram-se 47 anos da morte de Walt Disney e, até hoje, nunca se tentou retratar o pai do Mickey no cinema. Mas um novo filme promete fazê-lo.
Passaram-se 47 anos da morte de Walt Disney e, até hoje, nunca se tentou sequer retratar o pai do Mickey em uma produção mainstream. São muitos os motivos: a Disney é uma corporação cuidadosa e agressiva quanto à proteção da figura do pai fundador e ninguém se atreveu a enfrentar seu poder. Mas, surpreendentemente, dois anos atrás a empresa decidiu dar seu aval e até financiar 'Walt nos Bastidores de Mary Poppins' (segundo o título original, Saving Mr. Banks) — filme que estreia na próxima semana na Argentina com o título El sueño de Walt (O sonho de Walt). O roteiro foi produzido de maneira independente e evoca a relação entre P. L. Travers, autora de Mary Poppins, e Walt Disney, com ambiguidades surpreendentes. Tem um olhar sobre esse ícone cultural que não é crítico, mas que também não é cândido. Sem ser revolucionário, atreve-se a humanizar o mito. Quase ao mesmo tempo em que 'Walt nos Bastidores de Mary Poppins' estreia nos cinemas do mundo, passou-se a ser possível conseguir online 'Escape From Tomorrow', um estranho filme de terror filmado clandestinamente na Disney World de Orlando, no qual muitos veem uma representação do lado negativo do reino encantado. Entre a versão oficial e as teorias paranóicas, entre o domínio corporativo e o poder simbólico, esses filmes dão margem a uma possível releitura de um dos mitos mais importantes da cultura popular do século XX.
Na última entrega do Globo de Ouro, a grandiosa Emma Thompson esteve presente para anunciar o prêmio de melhor roteiro com um Martini em uma mão e seus sapatos de salto na outra. Diante de um clamor coletivo e de aplausos, censurou os presentes (“stop it, stop it”) em seu melhor estilo de tutora inglesa de filme, como se invocasse a personagem pelo qual estava indicada na categoria de melhor atriz de comédia: P. L. Travers, a autora de Mary Poppins, que muito relutantemente acabou vendendo os direitos de sua obra mais famosa à Disney.
Alguns dias antes, na cerimônia de outra das entregas da longa temporada de prêmios (que culmina com o Oscar, no início de março), Meryl Streep fora a encarregada de anunciar, diante da National Board of Review, o reconhecimento a Emma Thompson por seu trabalho em Walt nos Bastidores de Mary Poppins, em que interpreta Travers. O filme – que estreia nesta semana na Argentina com o título El sueño de Walt – descreve a complicada relação entre Travers e Walt Disney em torno da adaptação da então já reconhecida criação da escritora, a da babá mágica. Streep não teve ideia melhor do que aproveitar a ocasião para acusar Disney de ter sido racista, misógino e antissemita, entre outros atrativos. Sempre se referindo a Thompson como uma “artista famosa”, “praticamente uma santa” e “uma feminista feroz, devoradora de homens, como eu”, antes de dedicar um poema a ela, se dispôs a mencionar a imagem sagrada, mas sempre questionada, do criador do rato Mickey. Para isso, citou uma declaração de Ward Kimball (um dos veneráveis de Os nove anciões, os veteranos que transformaram a 'companhia do rato' na vanguarda do desenho animado em seu período clássico), em que o homem dizia que Disney não confiava “nem nos gatos, nem nas mulheres”. Em seguida, mencionou uma carta escrita por Disney no final dos anos 30, em que respondia a uma mulher que concorria por uma vaga em sua escola de treinamento explicando que todos os trabalhos qualificados para realizar um desenho animado em sua companhia eram totalmente realizados por homens.
A intervenção de Streep foi recebida com certo espanto, e os especialistas na história de Walt Disney – e alguns de seus vários biógrafos – afirmaram que o que a atriz havia dito era desnecessário, além de incorreto historicamente. Mas, em todo caso, o que Streep fez – que foi, segundo consta, a primeira atriz convidada para interpretar Travers, mas recusou – foi, a despeito de qualquer consideração, expressar a rejeição e a desconfiança que Walt nos Bastidores de Mary Poppins despertou no setor da indústria e da crítica cultural, por ser um filme oficialmente coproduzido pela Walt Disney Pictures e que, previsivelmente, tentaria limpar a imagem do fundador da companhia.
Uma vez mais, trata-se do ataque sobre a figura de Walt Disney – “o americano perfeito”, segundo o título irônico da ópera de Philip Glass – como uma espécie de embate contra um ícone da corporação norte-americana, da banalização e da colonização cultural, etc. Entretanto, para além de algumas considerações e reservas que podem ser feitas sobre Walt nos Bastidores de Mary Poppins, o filme é mais do que uma mera hagiografia como muitos esperam. De fato, é algo bem melhor, uma aposta suficiente e interessantemente ambígua por se tratar do primeiro (e tardio) retrato do mesmíssimo Disney em uma ficção mainstream. Um retrato originado de fora do estúdio, mas eventualmente aprovado e apoiado por ele, que escolhe mostrá-lo humano e vagamente imperfeito, em vez de se apegar a uma imagem etérea, intocável.
O trabalho de Emma Thompson em Walt nos Bastidores de Mary Poppins é formidável. A sua Travers é tudo aquilo que os depoimentos coletados sobre a poeta e escritora dizem sobre ela; que era uma mulher áspera, de trato difícil, nada afetuosa e até beligerante; que se opôs, desde o primeiro momento, a que Walt Disney transformasse sua criação mais famosa e apreciada em outro de seus “desenhos animados bobos”. E que ela colocou todos os obstáculos que pôde durante a pré-produção do filme, até que a necessidade econômica obrigou que se entregasse. O título em espanhol, El sueño de Walt, inverte um pouco a intenção original, passível de ser traduzida como “Salvando o senhor Banks”, já que transfere o foco de um personagem fundamental da vida e da obra de Travers à obstinação e ao ego de Walt Disney, o dono do império, o homem que “não ia aceitar um não como resposta”. O filme tem duas narrativas paralelas até descobrirmos que, na verdade, ambas são a mesma história: a de como Mary Poppins esteve diretamente inspirada na triste infância de sua autora.
A história de Mary Poppins – livro que, em 2014, completa 80 anos de sua primeira edição, e o filme, que em agosto deste ano chegará a seu cinquentenário – começou em 1913, em Nova Gales do Sul, Austrália, com uma menina de 13 anos chamada Helen Goff. Foi encarregada pela mãe de cuidar de suas irmãzinhas enquanto esta se afastava com intenções suicidas. O pai de Helen, Travers Goff, alcoólatra incurável, havia morrido seis meses antes, deixando a viúva quebrada econômica e emocionalmente. O homem, além disso, tinha sido o melhor amigo de Helen, sua filha mais velha – seu maior inspirador e seu iniciador no mundo da poesia e da literatura para crianças e para adultos. Bancário, Travers forçou sua família em seus últimos anos a lhe acompanhar e a se mudar de acordo com cada um de seus novos empregos. Com a sua morte, aos quarenta e poucos, e com a fracassada tentativa de suicídio da viúva, apareceu, na desértica situação em que as quatro viviam abandonadas, a tia Ellie, uma mulher endinheirada que vinha de Sydney disposta a resgatar a família. Dura em sua conduta, imperativa, mandona, foi Ellie quem colocou ordem no lar destruído. Em suas características e atitudes, Mary aparece esboçada pela primeira vez. “Se querem meus dados biográficos – disse Travers em uma das poucas entrevistas que concedeu – Mary Poppins é a história da minha vida”.
Morando em Sydney, Helen passou a se chamar Pamela Lyndon Travers (PL, se supõe, para esconder seu gênero). Em sua primeira juventude, tentou a sorte na atuação, na dança, no teatro itinerante e no jornalismo. Segundo sua biógrafa Valerie Lawson, autora de Mary Poppins, She Wrote (Mary Poppins, Ela escreveu), ela teve uma vida complicada, porém interessante. Manteve longas relações com homens e mulheres, procurando em vão a figura do seu pai. Instalada na Europa, foi criando uma áspera identidade de senhora inglesa, a ponto de muitos se surpreenderem ao saber que ela era de origem australiana. Publicada em 1934, Mary Poppins, sua primeira obra destinada a crianças, foi também o seu primeiro êxito massivo. “Em Mary Poppins – escreve Lawson –, Travers criou muito mais do que a versão branda do filme da Disney; uma personagem tão peculiar quanto amável, tão ameaçadora quanto reconfortante”, que tinha, evidentemente, muito da tia. Walt nos Bastidores de Mary Poppins enfatiza os paralelos visualmente, assim como o senhor Banks, o pai da família protagonista de seu livro, estava diretamente inspirado em uma recordação amorosa de Travers Goff. Daí sua longa reticência em entregar sua criação mais valiosa àquilo que, para ela, não era outra coisa senão um comércio de bobagens infantis.
As tentativas de Walt Disney de convencer Travers a permitir a filmagem de Poppins durou pelo menos vinte anos, começando durante a Segunda Guerra, quando ela estava instalada em Manhattan trabalhando para o Ministério Britânico de Informação. Como bem narra o filme, Walt soube da existência de Mary Poppins por meio de suas filhas fanáticas. Ele leu o livro, marcou os capítulo que mais lhe interessavam e prometeu às meninas que faria um filme. “E eu, Pamela, nunca quebro uma promessa que faço às minhas filhas”.
No início dos anos 60, quando Disney começou a produção do filme, convocando o roteirista Don Da Gradi (autor de, entre outros, A dama e o vagabundo e que, em Walt nos Bastidores de Mary Poppins, é interpretado pelo grande Bradley Whitford, do filme Nos Bastidores do Poder) e os compositores Richard e Robert Sherman, ainda não estava certo sobre os direitos. Havia somente uma opção para a adaptação do livro, com um roteiro em que Travers teria a garantia de algo que Disney não dava a ninguém: a aprovação final. Travers fez mil rodeios antes de aceitar ir a Los Angeles – “esta cidade que cheira a cloro e a transpiração”. Até ali, chegou já hesitante em relação à ideia de incorporar canções e desenhos animados a sua obra, e à ideia de transformar a sua tutora em uma moça encantadora, leve e alegre (e bela, contrariando o que sua descrição literária indica), que soluciona as coisas com poderes mágicos em vez do rigor em que P.L. tanto acreditava. Estava tão indisposta, que colocou sobre os músicos, o roteirista e os produtores uma série de objeções e exigências, que passaram de caprichosas a absurdas, como, por exemplo, que excluíssem a cor vermelha do filme. Opôs-se ao casting – ainda que se saiba que talvez tenha aprovado a jovem e charmosa estreante Julie Andrews – e, particularmente, a Dick Van Dyke (que foi o limpador de chaminés, com um sotaque inglês que, conforme o próprio ator reconheceu anos depois, soa embaraçosamente falso em alguns momentos), além de uma infinidade de detalhes. Mas o que, segundo registra o filme, realmente incomodou Travers em um primeiro momento foi que sentia que os roteiristas condenavam moralmente o Sr. Banks em sua descrição – o pai da família no lar em que a babá chega, o bancário modelo, hierárquico, preso às suas rotinas e com muito pouco tempo para seus filhos. Depois de tudo, Banks não era outro senão 'papai' e, argumenta Travers, no filme, “um pai faz o que pode, e criar um filho pode ser uma tarefa muito difícil que nem todos têm condições de assumir”.
Aparentemente, conservaram-se precisos e fiéis os relatos sobre a relação entre a autora, Disney e os músicos e roteiristas, já que a própria Travers solicitou que as seções conjuntas fossem gravadas. Quando a Disney entrou como coprodutora do filme, os arquivos ficaram à disposição dos responsáveis pelo material. E, de fato, é possível escutar a voz de Travers em uma dessas gravações durante os créditos finais.
O homem que fuma
Pouco mais de uma década atrás, o produtor australiano Ian Collie produziu um documentário sobre Travers chamado The Shadow of Mary Poppins (A sombra de Mary Poppins), trabalho que o convenceu que uma cinebiografia ficcional seria mais interessante para a pouco conhecida história da escritora. Em pouco tempo, somaram-se ao projeto as roteiristas Sue Smith e Kelly Marcel, e a BBC entre os coprodutores. No final de 2011, a obra estava nas listas anuais de “melhores roteiros não produzidos”, que circulam por Hollywood regularmente. Foi quando Sean Bailey, presidente de produção dos estúdios de Walt Disney, se deu conta de sua existência. Um pouco preocupados, os executivos da companhia discutiram qual deveria ser a ação para tomar a frente daquela que poderia ser a primeira representação de Walt Disney em uma produção com essas características. Entre as opções, estava a de comprar o roteiro e encaixotá-lo para garantir que o filme nunca fosse feito. A outra era produzi-lo ou coproduzi-lo eles mesmos, a única maneira de supervisionar de perto o que fariam com a figura do pai fundador. O fato é que Bob Iger, CEO da Disney, achou o roteiro interesse e fez a jogada mais inteligente que estava a seu alcance para proteger seus interesses: convenceu Tom Hanks a interpretar WD. Assim, estaria certo de que a telona refletiria essa qualidade com a qual o império do Mickey sempre ligou seu criador: a do homem perfeitamente comum, com uma criatividade extraordinária.
Thompson descreve o papel de Travers como um dos mais difíceis que interpretou (“uma mulher de grande complexidade e contradição, que escreveu um grande ensaio sobre a tristeza, que teve uma infância muito dura, motivo por que passou toda sua vida em um estado de inconsolabilidade determinante”). Mas o que, para muitos, foi especialmente notável, o mais inesperado, foi que, em se tratando de um filme não apenas avaliado, mas parcialmente financiado pela mesmíssima Walt Disney Pictures, com cenas filmadas no parque original da Disneylândia, inaugurado em 1955 (o de Los Angeles, que tentava reproduzir a “experiência do pequeno povoado do centro-oeste americano”, do Missouri, estado onde Walt Disney foi criado), Disney, o homem, o personagem, não tenha sido endeusado pelo roteiro. E que o relato dos infinitos obstáculos em sua relação com Travers não tenha sido (de modo geral) suavizado. Basicamente, que não conte o que qualquer um esperaria de uma companhia tão cuidadosa com sua imagem e com seu mito – que seu fundador finalmente havia conquistado Travers com seu infinito carisma. Mas sim que encontre matizes do homem de corporação. Um lado B autorizado, a 47 anos de sua morte, de Walt Disney.
Isso – essa “permissividade”, essa abertura da empresa ao retrato desses matizes – não existiu desde sempre. Walt Disney morreu em dezembro de 1966, quando o crítico e historiador norte-americano Richard Schickel estava preparando um dos livros mais importantes já escritos sobre o personagem: The Disney Version, uma análise profunda do homem e do fenômeno cultural e econômico criado. O livro, que estava bem longe de ser uma hagiografia que os herdeiros responsáveis pela corporação considerassem adequada naquele momento para honrar o pai criador, morto prematuramente (de câncer, aos 65), lhe rendeu uma proibição, por anos, de entrar nas funções privadas dos filmes da empresa (uma “distinção” que Schickel dizia ostentar com orgulho). Rendeu também ao homem, um empregado da empresa com quem passeou pelo estúdio e a quem animou para fazer seu livro, sua demissão. Entretanto, na introdução à terceira edição de seu livro, publicada nos anos 90, Schickel observou que seu “livro é muito menos um ataque contra Disney que seus defensores e detratores tanto viram nele, e é muito mais o ajuizado questionamento de seu mito e de suas conquistas que eu sempre propus que fosse”. “De fato, ainda sinto o mesmo que senti quando terminei de escrever: que o meu retrato de Walt Disney o lisonjeava por precisamente lhe garantir uma complexidade como personagem e uma motivação que ninguém tinha oferecido antes… A publicação, uns anos atrás, de outra biografia escabrosa de Disney, que o mostrava passeando sem rumo pelas passagens subterrâneas de seu estúdio e de seu parque temático, bêbado e preso em uma paranoia intensa (…), confirmou minha convicção no equilíbrio e na precisão do meu retrato”. Em uma passagem de seu livro, Schickel escreve coisas como: “Se tem um filho, não poderá escapar dos personagens de Disney, ainda que os odeie”; “Enquanto capitalismo, sua obra é de um gênio, como cultura, é majoritariamente o horror”. Certamente, a companhia não ia dar aval a esse tipo de reflexão e discussão sobre seu império.
Entretanto, quase meio século se passou desde a morte de WD, e um pouco menos desde aquele livro, e ainda que a empresa – depois de atravessar uma enorme crise nos anos 80 em seu departamento de animação – hoje esteja novamente em seu auge de poder, expandindo em passos gigantes (são os proprietários de Os Muppets, da Marvel, da LucasFilm), ela se permite dar uma guinada mais ou menos arriscada, como em Walt nos Bastidores de Mary Poppins. Tanto apoio oficial ao filme suscitou, inevitavelmente, muita desconfiança. O próprio diretor, John Lee Hancock, disse em várias entrevistas que inicialmente temia que, uma vez que a produção entrasse sob a órbita da companhia, fosse obrigado a revisar os detalhes menos amáveis do personagem. Porém, ao final, disse que quase não houve interferência do estúdio. “Imaginei o momento em que me diriam: “Sentimos muito, mas preferimos mostrá-lo como um Deus’. A seu favor devo dizer que foram suficientemente inteligentes para se darem conta de que um Disney humano não era somente um personagem melhor, como era também mais fácil de se gostar”.
P. L. Travers aparece no filme manifestando todas suas objeções à “banalização” a qual Disney e sua equipe querer submeter sua queridíssima criação, assim como seu desprezo pela cultura popular norte-americana, pela Costa Oeste dos EUA etc. E faz isso com tal graciosidade, que, para seu pesar, curiosamente se transforma na personagem mais querida e encantadora do relato. O roteiro, isto é certo, omite parte daquilo que veio depois da estreia de Mary Poppins, filme que foi um dos maiores êxitos comerciais dos anos 60 e ganhou cinco Oscars com cinco nomeações, tornando Travers mais rica e famosa do que nunca. Walt nos Bastidores de Mary Poppins chega a nos dizer que, depois disso, Travers retomou sua personagem. O que não nos diz é que nunca mais autorizou Disney a fazer outra adaptação de sua obra. A sequência de Mary Poppins é representativa quanto ao trecho mais ambíguo do filme: nos conta que Disney decidiu não convidar Travers à pré-estreia (prevenindo um possível escândalo) e que ela se fez ser convidada de todos os modos. Mostra Travers chorando durante a projeção, uma versão atestada por todas as testemunhas disponíveis, mas suscetível a interpretações diversas: sua biógrafa Lawson acredita que tem menos a ver com o conteúdo sentimental do filme do que com um efeito catártico que toda a experiência – e possivelmente também sua origem autobiográfica – tinha para ela naquele momento. Mas há quem diga que suas lágrimas se devem a ter odiado o filme, e ao fato de Disney ter, ao final, traído seu acordo ao, entre outras coisas, incluir sequências de desenhos animados no filme. Travers se aproximou de Walt ao final da projeção para despejar sua lista de reclamações (“os pinguins animados têm que sair”), às quais ele respondeu, sem rodeios: “Pamela, esse trem já passou”. Esse momento, sim, está representado no filme.
A questão mais discutida tem a ver com a viagem final e inesperada que Disney fez a Londres para finalmente convencer Travers. No filme, Walt faz um discurso emotivo para ela, comparando as experiências de infância traumática de ambos ao próprio Mr. Banks (o duro e explorador Elias Disney e o banqueiro Travers Goff) para convencê-la de que a ficção é a maneira que temos “nós, como narradores” de curar nossas histórias, de recuperar com a imaginação “alguma ordem em meio ao caos”, que é a vida real. É uma encenação artificial da empatia que finalmente teria acontecido entre esses dois, criada inteiramente pelos roteiristas, e a convincente guinada emotiva interpretada por Hanks e Thompson. O certo é que não houve testemunhas desse encontro, e o mais provável é que, ao final de tudo, o que se impôs foi a dura e material realidade: Travers precisava de dinheiro.
Em última instância, os estúdios Disney assumiram outra questão menor, que o filme resolve com elegância: o pedido explícito que Disney não aparecesse fumando cigarros em nenhuma cena – um veto que circula como um vírus em Hollywood. Em Walt nos Bastidores de Mary Poppins, Disney – que morreu alguns poucos anos depois dos eventos narrados pelo filme – não é visto com o cigarro na boca, mas ouvimos sua tosse (sintoma cinematográfico que expressa, sem dúvidas, doença) e o vemos apagá-lo apressado, em um cinzeiro, antes da chegada de Travers.
A crítica recebeu o filme com desconfiança e eventualmente com respeito pela equilibrada aproximação de seus personagens, para além das questões mencionadas. Há os que se queixam de que não há menção alguma aos modos de fura-greve mafioso que certa vez impingiram a Disney, nem de nenhuma das características que Meryl Streep mencionou em seu discurso. A verdade é que a história do filme segue outro caminho.
O americano imperfeito
Na sexta-feira 10 de janeiro, três dias depois do discurso de Streep, Abigail Disney, uma sobrinha-neta de Walt, escreveu sobre as acusações da atriz contra seu avô no Facebook. “Antissemita? Sim. Misógino? COM CERTEZA. Racista? Oras, fez um filme, Mogli – O Menino Lobo, sobre como cada um deveria ficar com os de sua própria classe no auge da briga pelo segregacionismo!” Ainda que também dissesse ter sentimentos ambíguos; “Mas, diabos, foi incrivelmente bom fazendo filmes e seu trabalho fez bilhões de pessoas felizes. Não se pode negar, aí está”. De alguma maneira, e um pouco mais discretamente, a própria Streep tinha feito uma ressalva em meio a seu ataque ao indicar que a arte pode redimir um homem “que abriga tantos preconceitos”. E que, para além de “todas as suas falhas, pode-se dizer que Disney trouxe alegria a milhões de pessoas”. Um pouco do equilíbrio e da complexidade de que Schickel tratava em seu livro.
E falando em redenção, é essencial assistir ao curta-metragem que antecede Frozen, uma aventura congelada – último grande sucesso animado da Disney, livre adaptação de A rainha da neve, de Hans Christian Andersen. O curta se chama Hora de viajar! e é uma verdadeira obra-prima protagonizada por Mickey Mouse, que homenageia seu criador recriando sua voz com fragmentos de velhas gravações, interagindo com o octogenário rato – no encantador estilo volátil e flutuante das primeiras animações – com um redesenho retrô do personagem em cores e em 3D. Uma lembrança não tão sutil de que eles estiveram aí primeiro e que não continuam aqui. E que podem dizer milhares de elogios e milhares de insultos sobre aqueles que inventaram tudo isto, mas que, de tudo isto, saíram alguns dos melhores filmes da história. Este é o poder redentor da arte.
(Carta Maior)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-39033436042708695962014-02-03T01:16:00.001-08:002014-02-03T01:16:32.072-08:00MST30 anos do MST e o ódio da mídia
Escrito por Altamiro Borges
Na semana passada, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST, completou 30 anos de lutas. A mídia “privada” – nos dois sentidos da palavra – simplesmente omitiu este importante acontecimento histórico. Alguns jornais, como o oligárquico Estadão, que nasceu vendendo anúncios de trabalho escravo no século retrasado e sempre foi um raivoso inimigo das mobilizações sociais, até publicou um editorial com seus velhos ataques ao MST. Já a impressa alternativa, com seus escassos recursos – o governo prefere bancar anúncios na mídia ruralista –, procurou destacar a prolongada e vitoriosa trajetória deste movimento civilizador e discutir com seriedade os seus futuros desafios.
Vale destacar a entrevista de João Pedro Stédile aos jornalistas Igor Carvalho e Glauco Faria, da revista Fórum Digital. Como lembram os autores, há várias razões para festejar o aniversário. “Com presença em 23 estados, além do Distrito Federal, e com mais 900 assentamentos que abrigam 150 mil famílias, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra completou 30 anos nesta semana. Criado em um encontro nacional que reuniu 80 trabalhadores do campo em Cascavel, no Paraná, em janeiro de 1984, o movimento já realizou, ao longo de sua história, mais de 2,5 mil ocupações, acumulando duas mil escolas instaladas em assentamentos, além de outras conquistas como acesso a crédito para a produção”.
Na entrevista, o integrante da coordenação nacional do MST faz um balanço do movimento e aponta os desafios futuros da luta pela reforma agrária no Brasil. João Pedro Stédile afirma que é preciso atualizar esta bandeira, em decorrência das mudanças ocorridas no campo nos últimos anos. “O capital está adotando um modelo de exploração da agricultura que se chama agronegócio. Nesse modelo, há uma nova aliança das classes dominantes, que aglutina grandes proprietários, empresas transnacionais e a mídia burguesa. Eles usam todos os seus instrumentos, como o Poder Judiciário e o Congresso, para defender sua proposta, desmoralizar a reforma agrária e toda luta social no campo”.
“Houve uma mudança nos últimos anos em nosso programa agrário e construímos o que chamamos de proposta de reforma agrária popular. No período anterior, dominado pelo capital industrial, havia a possibilidade de uma reforma agrária do tipo clássico, que representava democratizar a propriedade da terra e integrar o campesinato nesse processo. Porém, agora a economia mundial é dirigida pelo capital financeiro e internacionalizado. No campo, esse modelo implementou o agronegócio, que exclui e expulsa os camponeses e a mão de obra do campo. Agora, não basta apenas distribuir terra, até porque o processo em curso é de concentração da propriedade da terra e desnacionalização”.
Stédile também critica o atual ritmo das desapropriações de terra. “No governo Dilma, esse processo está totalmente paralisado, fruto de uma correlação de forças mais adversa, pela base social e política que compõe o governo, e por uma incompetência operacional impressionante dos setores que atuam no governo”. Para ele, a luta pela terra passa hoje, mais do que nunca, por mudanças políticas profundas no país. Ele defende a urgência da reforma política, com o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais, e o fim do monopólio dos meios de comunicação. Sem superar estes entraves, entre outros, a reforma agrária não avançará no país.
Na próxima semana, mais de 15 mil lideranças sem-terra estarão reunidas em Brasília num congresso que definirá os próximos passos da luta pela reforma agrária e por mudanças políticas no país. A mídia “privada”, que até agora fez silêncio quase absoluto sobre os 30 anos do MST, até poderá noticiar o evento. Mas tende a seguir a linha reacionária do editorial do Estadão publicado na última terça-feira (21). Para o jornalão, que não esconde seus vínculos com os ruralistas, o movimento “se depara com uma crise muito séria de identidade” e tende a sumir. O editorial elogia o agronegócio, “a galinha dos ovos de ouro da economia nacional”, e condena o “viés ideológico”, socialista, do MST.
Na prática, o texto confirma a tese de Stédile de que a reforma agrária só avançará no país com o fim do latifúndio da mídia.
Altamiro Borges é jornalista; Blog: http://altamiroborges.blogspot.com.br/Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-69268041854806113102014-02-03T01:12:00.002-08:002014-02-03T01:12:37.797-08:00 Woody Allen
De Woody Allen a Francisgleydisson
Por
José Geraldo Couto
Novo filme do diretor norte-americano foca crise financeira e seus desdobramentos sócio-morais. Cearense Halder Gomes explora possibilidades de cine brasileiro pós-Globo
Por José Geraldo Couto, no blog do IMS
Blue Jasmine certamente não é o melhor Woody Allen. Mas está longe de ser o pior. Na história das duas irmãs de trajetórias contrastantes o diretor recicla algumas de suas ideias sobre a moral contida nas relações sociais, situando-as no contexto muito contemporâneo do capitalismo financeiro global. Para isso, interrompeu sua turnê turístico-cinematográfica europeia e voltou à matriz.
A socialite Jasmine (Cate Blanchett) perde o dinheiro, mas não a pose, quando o marido ricaço (Alec Baldwin) é preso por conta de tenebrosas falcatruas com o dinheiro alheio. Com uma mala Vuitton na frente e outra atrás, viaja de Nova York a San Francisco para se instalar na casa da irmã pobretona Ginger (Sally Hawkins), que tem dois filhos e um namorado tosco e folgazão (Bobby Cannavale).
Instaura-se assim, como já se observou, uma situação cômico-dramática análoga à da peça Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams, levada às telas por Elia Kazan em 1951. Até aí, nada de mais. Woody Allen sempre viu a tradição literária, teatral e cinematográfica como um patrimônio a ser explorado livremente. Tolstói, Tchekhov, Bergman e Fellini já foram devidamente saqueados por ele, com resultados variados.
Da sátira à tragédia
Aqui, um certo esquematismo no contraste entre a high society de Manhattan e o ambiente proletário-alternativo de San Francisco, bem como entre a chique Jasmine e a brega Ginger, é essencial para a constituição de um certo tom de parábola: sobre as reviravoltas irônicas do destino, claro, mas também sobre o caráter inconsistente e volátil da riqueza na sociedade atual, em que parecemos viver dentro de uma bolha especulativa: o poderoso milionário de hoje pode ser o falido e humilhado de amanhã.
Além do mais, ao brincar com os estereótipos, Allen acaba por matizá-los, revelando desvãos insuspeitados tanto na irmã ex-rica como na eternamente pobre. Alguém disse que “o filme é Cate Blanchett”. Talvez seja exagero. Mas o fato é que o que eleva Blue Jasmine da sátira ligeira à tragédia é a personagem Jasmine, com sua fragilidade e sua fúria de princesa destronada, no limiar da loucura. É um magnífico trabalho conjunto de roteiro, direção e atuação.
Cine Holliúdy e o cinema popular
Informações preliminares indicam que, depois de se tornar um fenômeno de público no Nordeste, Cine Holliúdy, de Halder Gomes, também está se saindo bem, embora sem o mesmo ímpeto, nas bilheterias do Sudeste.
O caso merece estudo e reflexão. Assumidamente primitivo e visceralmente popular, o longa cearense vem na contramão do cinemão padrão Globo que impera no nosso circuito exibidor viciado e elitizado.
Para quem não sabe, trata-se da história de um empreendedor quixotesco (Edmilson Filho) que tenta criar e manter vivo um cinema numa cidadezinha do Nordeste na década de 1970, momento em que a televisão está desbancando o cinema como principal entretenimento popular. Só a sinopse já faz pensar em uma mistura de Cinema Paradiso com Bye bye Brasil.
O humor do filme vem um tanto da autoironia em face de suas precariedades e outro tanto da exacerbação de traços regionais, a ponto de os personagens falarem uma linguagem tão peculiar que supostamente exige legendas em português.
É uma celebração do cinema de matiz popular, que a hegemonia das telenovelas e a elitização do circuito exibidor (com o fim dos cinemas do interior e das salas “de rua” das grandes cidades) vieram liquidar: as chanchadas, Mazzaroppi, faroeste espaguete etc., ainda que os filmes que Francisgleydisson exibe, dubla e remonta em seu arremedo de Cine Paradiso sejam predominantemente de kung fu, outro gênero popularíssimo.
Ou seja, uma exaltação de todas aquelas produções execradas como “malfeitas” ou de “mau gosto” pelo cidadão colonizado de classe média que predomina hoje nos multiplexes de nossas metrópoles.
Como, então, Cine Holliúdy está conquistando esse público tão deformado pelas telenovelas, pelas sitcoms e pelos blockbusters americanos ou globais?
Desmontando resistências
Tenho duas hipóteses que se complementam. Primeira: o arguto lançamento de Cine Holliúdy, inicialmente no Ceará, em seguida no restante do Nordeste, apelando claramente para o orgulho regional, criou um fenômeno de público e de mídia espontânea que precedeu sua chegada ao Sudeste, criando o “pequeno milagre” que, segundo o crítico Pedro Butcher, é necessário hoje para levar um cidadão a sair de casa para ver um filme brasileiro que não seja da Globo Filmes.
Segunda hipótese: a autogozação do filme, caricaturando traços nordestinos dos quais os paulistas e cariocas adoram zombar (não é por acaso que o protagonista se chama Francisgleydisson), cria uma comunicação fácil com as plateias dessas praças. É como se Cine Holliúdy inoculasse no espectador do Sudeste o antídoto contra o seu preconceito, desmontando resistências.
Tudo isso seria inútil se o filme não fosse, de fato, engraçado, se não contivesse piadas inventivas e bons comediantes – e parece que no Ceará eles proliferam como na Itália e em outros lugares privilegiados do mundo. Irregular e precário, Cine Holliúdy sabe fazer disso uma vantagem, uma fonte de inspiração, humor e festa. O cinema ainda pode ser, contra todas as expectativas, uma diversão popular.
(Outras Palavras)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-74257604914354429392014-02-01T23:38:00.005-08:002014-02-04T00:37:31.788-08:00Daslu, Danuza e Dá o fora!
Daslu, Danuza e Dá o fora!
Os filhos do porteiro da Danuza resolveram ir ao shopping center. E a justiça de SP autorizou guardas a dizer-lhes: Dá o fora!.
Carta Maior -15/01/2014
Arquivo
por: Saul Leblon
O Brasil tem cerca de 500 shoppings centers.
O conjunto fatura R$ 184 bi por ano, ocupa mais de 11 milhões de m2 - uns 2. 200 campos de futebol; emprega 870 mil pessoas.
Em 40 anos, desde 1996 quando surgiu o primeiro até 2006, foram erguidos 350 shoppings no país; de lá para cá a expansão foi geométrica e ininterrupta. Nos últimos sete anos surgiram mais 120.
Outros 30 estão previstos para inauguração em 2014.
O país inteiro – capitais e interior — foi tricotado por esses centros de compra e lazer que tem a cara e a permeabilidade da estrutura social erguida pelo capitalismo por essas bandas.
A rede de shoppings foi planejada para nuclear um público alvo da ordem de 40 milhões de pessoas.
O Brasil tem mais de 190 milhões de habitantes: 150 milhões estão fora.
Uma parcela dos excluídos agora quer entrar.
O rolezinho é uma evidencia da pressão exercida na parede do dique.
Quem quer entrar entende (com ou sem razão) que o Brasil limpo, organizado, atraente, refrigerado, seguro, iluminado, rico, antenado, onde faísca la dernier cru do consumo e, vá lá, bonito, para os padrões dominantes, está lá dentro.
Não nas ruas desoladoras e escaldantes das periferias conflagradas onde vive a maioria dos integrantes do rolê.
Pode-se – deve-se - discordar da matriz de valores que atribui a um bunker do consumo o padrão de sociedade desejável para viver e se divertir.
Mas há razões para isso.
Um dado sugestivo: até o ano passado, apenas 13,5% dos municípios brasileiros dispunham de uma secretaria voltada exclusivamente para a cultura.
Tê-la não é garantia de grande coisa.
Mas a escala da ausência emite um sinal da atenção dispensada a uma área que fala diretamente à juventude --e poderia oferecer-lhe um ponto de fuga à pulsão consumista, diuturnamente martelada ao seu redor.
Esforços de investimento público tem sido feitos nessa direção.
O número de cidades com bibliotecas, por exemplo, saltou para 98% em 2012, praticamente universalizando esse equipamento, restrito a 70% delas até 1999.
Mas uma biblioteca convencional, de mobiliário imaginável e acervo presumível, em qualidade e quantidade, será um espaço suficiente para satisfazer as expectativas de desfrute, encontro e lazer de quem adere a um rolezinho?
Em 2007, o governo criou um Programa para o Desenvolvimento da Economia da Cultura (Procult).
Através do BNDES já financiou a construção ou a reforma de 259 salas de cinema.
Mas a maioria dos cinemas do país fugiu igualmente para o interior dos shoppings por conta da insegurança que também despovoou praças e jardins, capturados pelo consórcio drogas & desmazelo.
Apenas 10% dos municípios brasileiros dispõem de cinemas atualmente.
Pesquisa desta semana do Ibope informa que as ‘classes’ C e D bateram recorde de horas diante da televisão em 2013: média de seis horas e 40 minutos. Por dia.
E convenhamos, não dá para imaginar que todo mundo vá se reunir numa lan house, presente, aí sim, em 82% da malha urbana e, de fato, encontrável em qualquer bairro ou favela por mais pobre que seja.
O espaço virtual tem limites.
O rolezinho se vale da capilaridade digital para convocar os encontros , mas representa ele mesmo (felizmente) a insuficiência da realidade virtual na vida humana.
A dupla insuficiência – material e virtual - misturada a uma revolta difusa, temperada de hormônios e apimentada com o deboche e o anseio por identidade olha em volta e enxerga o quê?
Enxerga aquilo que distraidamente ou de forma deliberada foi sendo construído nas entranhas da velha malha urbana, e para cujo declínio contribuiu ao inocular a decadência no pequeno comércio, a escuridão no jardim, a solidão no centro velho e o sucateamento do (parco) equipamento público.
O shopping center, a nova cidade brasileira.
Prefiguração do sonho neoliberal, ela materializa um ordenamento coletivo onde tudo é privado (leia o blog do Emir, nesta pág).
Por definição, a cidade da mercadoria é o jazigo da cidadania.
Não só.
O anestesiante paradigma de ‘eficiência’ do shopping engorda o descompromisso com que a elite consumidora encara seus deveres em relação ao espaço coletivo ao seu redor.
Por que, enfim, pagar mais pelo IPTU se já tenho o que quero e o que a cidade numa terá no shopping –ainda que esse adicional corresponda, por dia, a uma fração do preço de um cafezinho do Starbucks no Iguatemi?
O rolezinho sacode o pilar dessa ordem excludente deixando aflorar um conflito que há muito incomoda o conforto das elites.
Quem não se lembra do ‘transtorno’ que a vizinha favela Funchal causava ao Vaticano dos shoppings centers no Brasil, a famosa Daslu – 20 mil m2 de pura ostentação, gastos médios de U$ 15 mil/mês por cliente e uma sonegação de imposto de estupendo R$ 1 bilhão?
Ou do desabafo da socialite Danuza Leão, na Folha, em dezembro de 2012?
Inconsolável com o Brasil do PT, a então colunista lamentava como ficou difícil “ser especial” nesses tempos em que “todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais” -- musicais na Broadway, por exemplo, que graça tem se “por R$50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir”.
Os filhos do porteiro da Danuza resolveram agora ir ao shopping.
E a justiça de SP autorizou seis deles a dizer-lhes: ‘Dá o fora!’.
Esse é o capítulo da novela brasileira nos dias que correm.
As raízes desse enredo de paralelas que agora se cruzam em conflito aberto na porta de santuários do consumo remetem à mutação inconclusa verificada no país desde 2003.
Qual seja, a pobreza caiu pela metade; o mercado de trabalho atingiu as franjas do pleno emprego; o salário mínimo ganhou quase 60% de poder de compra, acima da inflação.
A desigualdade continua obscena, mas as placas tectônicas se moveram.
Privilégios obcecados em preservar um ordenamento social patológico defendem como virtude macroeconômica restituir as fronteiras do conflito original aos marcos do cordão sanitário instituído nos anos 90.
O superávit fiscal ‘robusto’ para assegurar o ganho dos rentistas é um desses marcos.
Outro: o salto adicional nas taxas de juros, até encostar a faca recessiva na garganta da massa ignara.
A crispação em torno dos rolezinhos mostra o quanto será difícil devolver a pasta de dente ao tubo da história.
Nesse empurra-empurra, subjacente à disputa presidencial de outubro, há nuances que dizem respeito diretamente à esquerda.
O ‘rolezinho’ denuncia uma dimensão da luta política rebaixada nos últimos anos na conta da ilusão economicista de que o holerite e o crescimento resolviam o resto.
São imprescindíveis, diga-se.
Mas o discernimento histórico que requer a longa construção de uma sociedade justa e virtuosa nunca será um dote intrínseco à conquista do legítimo direito de viajar de avião, ou comprar bens duráveis a crédito, nem tampouco uma qualidade imanente a governantes eleitos pelos pobres.
Erguer essas linhas de passagem é tarefa das organizações progressistas que se propõem a mudar as formas de viver e de produzir em sociedade.
É delas a obrigação de associar à luta econômica sua contrapartida de ideias emancipadoras que ampliem o horizonte subjetivo para além do consumismo individualista.
Do contrário, o futuro ficará emparedado entre o horizonte do rolezinho e o interdito do dinheiro graúdo.
No limite, ambos poderão se unir em torno de um tênis Nike, contra uma repactuação mais arrojada do desenvolvimento que implique outra modulação do consumo.
O mais difícil na luta pelo desenvolvimento é produzir valores, dizia o saudoso Celso Furtado, em palavras de atualidade inexcedível.
Não apenas esse, mas sobretudo esse passo a esquerda deve ao Brasil.
E não parece recomendável adiá-lo mais uma vez ‘para depois da próxima eleição’.
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(Blog do Saraiva)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-21956499113873336972014-02-01T23:37:00.000-08:002014-02-01T23:37:04.683-08:00Dona Zelite
Dona Zelite reclama: meteram a mão no meu IOF
A Zelite está inconformada. Agora, seu rolezinho no exterior ficou mais caro. Fui vítima de um atentado violento ao meu direito de livre compra, diz ela.
Estanislaw Castelo
Maringoni
Paris - Tendo chegado à capital francesa na semana passada, Dona Zelite cumpriu uma estafante agenda de entretenimento que incluiu um rolezinho básico pela célebre avenida dos Champs-Elysées, de manhã, uma tarde na Eurodisney e um colóquio com Joaquim Barbosa, à noite.
Mas nada disso foi suficiente para acalmá-la. Dona Zelite está possessa.
"Fui vítima de um atentado violento ao meu direito de livre compra" - disse a cidadã do mundo que tem sua residência oficial em Higienópolis, o bairro chiquérrimo de São Paulo.
“Ofende a Declaração Universal dos Direitos Humanos”!”.
“A da ONU”? perguntei.
“Não”, ela respondeu. “Esta é coisa de comunista. É a do FMI”.
O suposto atentado teria sido cometido pelo governo brasileiro, que elevou o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF) de 0,38% para 6,38% para as transações de débito em cartão no exterior.
As transações na opção crédito já eram debitadas nesse valor. A medida igualou o imposto do cartão pelo patamar mais alto.
Perguntei à Zelite quando ela percebeu que haviam passado a mão em seu IOF.
"Senti algo estranho assim que desci da primeira classe da aeronave. De repente, percebi que estava sendo bolinada em meus valores mais profundos. Quando olhei para trás, vi o ministro Guido Mantega passando a mão no meu IOF".
Segundo a Zelite, o aumento do IOF é quase um confisco da propriedade privada, uma reforma agrária no mundo das finanças, além de ser uma quebra de contrato gravíssima e um pecado capital, na verdade, um pecado contra o capital.
Em sua opinião, é pior que o confisco da poupança perpetrado pelo governo Collor.
Como bem conheço a Zelite de outros carnavais, retruquei imediatamente que, se bem me lembro, à época do confisco, a Zelite não reclamou de nada. Muito pelo contrário. Apoiou entusiasticamente.
"Muito fácil de explicar. Rico não tem dinheiro em poupança. A gente se garante pondo nosso dinheirinho nas Ilhas Virgens".
Lembrei à socialaite que as tarifas bancárias abocanham muito mais que o IOF.
Dona Zelite empinou o nariz, deu com os ombros e, simulando um sorriso irônico, explicou como se fosse a coisa mais natural do mundo: "mas banco é privado, meu querido. Privado pode. Governo é que não pode. Banco pode fazer o que bem entender. Quem quiser que troque de banco. Agora, neste nosso país difícil é trocar de governo, com esse povinho votando sempre no mesmo".
Minha tentativa de vencê-la pelo cansaço prosseguiu para mais um round. Lembrei à Zelite que ela gasta mais com o garçom e com o couvert do restaurante do que com IOF. "Exatamente. Eu agora não sei como cobrir essas despesas, vai fazer falta. O aumento do IOF prejudica o garçom, vai ter gorjeta de menos. Agora, no meu couvert ninguém mexe.".
Cá entre nós, foi algo realmente desolador. A Zelite quase me convenceu.
Apontando para o Museu do Louvre, como se tivesse da Vinci, Rodin e Rembrandt por testemunhas, mostrou-me o quanto o aumento do IOF na opção débito do cartão foi um duro golpe para a humanidade.
Seu argumento mais forte ainda estava por vir: "eu já saquei qual é a desse governo. Ele quer que eu troque Paris, Miami e Nova York pela 25 de março ou pela Feira de São Cristóvão. Jamé!".
Se não me engano, "jamé" quer dizer "jamais". Acho até que se escreve do mesmo jeito em Português, só que com um toque de classe.
Então, a quem interessar possa: de agora em diante, para dizer "jamé" na opção débito tem que pagar 6,38% de IOF. Ser chique anda cada dia mais caro. Assim não dá.
(Carta Maior)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-46702432157832584882014-02-01T23:34:00.005-08:002014-02-01T23:34:44.547-08:00Idosos
Contra a indústria da medicina para idosos
A vida saudável no Brasil é cara. Há sempre um remédio a ser vendido ao idoso, que acaba hipermedicado. Prometem curar até com a infelicidade.
Léa Maria Aarão Reis*
Roberto Brilhante
“Dizer ‘coma de forma saudável’ em um país subdesenvolvido soa como uma piada. Significa comer frutas quatro vezes por dia, folhas, alimentos orgânicos, sem agrotóxicos. É um discurso que se deve fazer, sim, para alertar as pessoas, mas a prática é difícil. De qualquer modo, o Brasil está comendo melhor, as pessoas fazem mais exercícios e isso é parte da prevenção secundária de doenças.”
A observação é do médico Ernani Saltz, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Federal Cardoso Fontes do Ministério da Saúde, no Rio de Janeiro. Ele atende a um grande número de mulheres e homens idosos por força da sua especialização, que trata do câncer, hoje considerado uma moléstia “crônico-degenerativa” por conta da longevidade esticada, como ele lembra.
Saltz coordenou a Campanha Nacional de Combate ao Câncer incluída na Campanha Nacional de Combate ao Fumo e comenta também: “A vida saudável é cara; há sempre um medicamento para vender ao idoso e um laboratório oferecendo remédio para tudo. O idoso acaba hipermedicado. Ora, não existe experiência médica sobre uma pessoa que toma seis, sete remédios ao mesmo tempo; ela ainda não foi realizada e não se sabe qual o resultado da interação desses diversos medicamentos no organismo.” Ele ressalta: “A indústria farmacêutica está vendendo a ideia de que, para cada transtorno, inclusive para a infelicidade, temos um remédio. Às vezes, as pessoas estão tristes por causa de um fato muito concreto, mas a sociedade não aceita.”
Na virada do século 19 para o 20, ele lembra, a expectativa de vida no Brasil era de 35 anos. As pessoas morriam de infecções e de acidentes. Hoje, no sul e no sudeste do país essa expectativa é igual à da Bélgica. “O país passou da fase da mortalidade infantil para a da doença crônico-degenerativa.”
As linhas entre meia idade, juventude, envelhecimento e velhice começam a se apagar. Muita gente madura atua com energia e vitalidade e vive conforme suas expectativas. Já as novas gerações dão mais atenção à saúde preventiva – o que não ocorria antes. Para garantir um futuro confortável para os novos velhos de agora é importante promover campanhas e ações educativas para desconstrução de estereótipos, para a valorizar e estimular a participação deles na sociedade. Vale lembrar que, segundo relatório recente do Banco Mundial do fim de 2013, a produtividade nos mercados de trabalho pode aumentar em até 25% com a inclusão dos idosos no processo.
Da parte da sociedade é preciso reivindicar e estimular a criação de centros de convivência para os mais velhos e o aprofundamento das políticas públicas de saúde existentes, embora elas tenham dado um passo adiante no Brasil, de onze anos para cá, com as diversas ações inclusivas do governo. També é necessário resistir à indústria da doença, que despreza a preservação da saúde e cuja clientela preferencial é composta pelos idosos, mais vulneráveis à dependência da figura do médico onipotente e às drogas químicas.
O programa Farmácia Popular que distribui medicamentos de uso contínuo aos idosos é um exemplo. Outro, a inclusão obrigatória nos planos de saúde privada de determinados tratamentos necessários à grande maioria dos mais velhos - fisioterapia em geral, fisioterapia cardíaca, RPG.
Mas é necessário mais: apoiar, por exemplo, a prática dos chamados cuidados de longa duração. O estado tem obrigação, segundo a Organização Mundial de Saúde, de fornecê-los, assim como apoio social para as pessoas com alguma limitação severa. Considerado pela OMS como direito humano fundamental, esta prática tem sido formalizada em acordos internacionais. A responsabilidade dos cuidados de longa duração, serviço que já faz parte do sistema de seguridade social em países desenvolvidos, deve ser “compartilhada entre estado, família e mercado privado”, assinala a demógrafa Ana Amélia Camarano no volume ''Cuidados de longa duração para a população idosa / um novo risco social a ser assumido?'' (Ipea/2010.)
O estado deve aumentar os investimentos no desenvolvimento de programas domiciliares e comunitários eficazes, de custos mais baixos, para atender à população necessitada, é o que registra Camarano. “Qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade de vida, por mais e melhores serviços”, acaba de lembrar a presidenta Dilma Roussef em seu discurso em Davos.
Outro aspecto de saúde pública relacionado aos idosos é apontado pelo neurologista e psiquiatra Marco Aurelio Negreiros, com vasta clientela de indivíduos de mais idade, no Rio de Janeiro. Ele chama a atenção para o fato de, às vezes, ser o próprio paciente idoso quem busca as tais “soluções mágicas” através de pílulas. O próprio paciente reforça a cultura da indústria médica da hipermedicalização.
“As substâncias que causam dependência e contidas em tranquilizantes, benzodiazepínicos e medicamentos com tarja preta, quando receitados de forma exagerada - para dizer o mínimo - são muito usadas pelos idosos. Proporcionam conforto químico, mas tornam o idoso dependente. Acalmam e aplacam a ansiedade, mas não tratam o distúrbio. Geram depressão e distúrbios da memória,” ele diz. O uso excessivo de benzodiazepínicos, típico da cultura brasileira, no entender de Negreiros, é caso de saúde pública. Eles não são mais tão usados na Europa nem nos Estados Unidos, onde o assunto vem sendo discutido cada vez mais amiúde apesar do lobby agressivo da indústria farmacêutica.
Os benzodiazepínicos têm efeitos prejudiciais cognitivos que ocorrem com frequência nos idosos e também podem piorar um quadro de demência. Em 2012, um estudo concluiu que a utilização de benzodiazepínicos por pessoas com 65 anos ou mais está associada ao aumento de aproximadamente 50% no risco de demência.
O psiquiatra americano Peter Breggin, da Universidade de Ithaca, estado de Nova Iorque, reforça: ”Atualmente, as pessoas usam estas drogas para a ansiedade, para a obesidade, para a menopausa, para tudo. Elas são as mais complicadas na hora de abandoná-las. É mais difícil deixá-las do que a sair do vício do álcool ou de opiáceos.''
No Brasil, segundo Negreiros, há até pessoas físicas vendendo essa medicação. “Certa vez, um paciente me contou,” diz ele, “que comprava benzodiazepínicos sem receita médica com alguém que os vendia em seu apartamento. Como se fosse uma boca de fumo de benzodiazepínicos.”
“A opinião corrente, infelizmente,” diz por sua vez Ernani Saltz, “é a de que os remédios e os exames são mágicos. Na medicina, o exame mais sofisticado é hoje relegado ao segundo plano: o exame físico. Poucos médicos examinam de fato o paciente. As pessoas se referem a esta prática como a dos ‘médicos de antigamente’ e isso é terrível.”
“Temos que examinar e apalpar os pacientes; mas a prática caiu em desuso. Há uma fantasia corrente de que os exames radiológicos e de laboratório vão resolver tudo – e não resolvem. Há uma falsa segurança das pessoas ao se submeter a eles. Ouvir e examinar, apalpar os pacientes e, eventualmente, encontrar alguma lesão precoce, apenas a mão experiente do médico e o seu conhecimento são capazes de descobrir.”
Houve um movimento de alegada falta de equipamentos médicos em cidades do interior do país, por parte de alguns profissionais da saúde, ano passado, quando se iniciou o programa Mais Médico que se inclui com destaque nas ações públicas da saúde favorecendo também os novos velhos brasileiros: seis mil e 600 profissionais atuando em mais de duas mil cidades do país e beneficiando 23 milhões de indivíduos. Em março próximo, 13 mil médicos atenderão a 45 milhões de pessoas – crianças, moços e idosos. São os dados apresentados pela presidenta Dilma Rousseff no seu discurso de fim de ano.
Se por um lado há situações em que há falta de equipamentos – como mamógrafos, por exemplo - por outro, em alguns locais distantes de centros urbanos, não existem técnicos nem médicos capacitados para operar as máquinas com eficiência e analisar com precisão os exames.
Os estrangeiros e os brasileiros contratados para o Mais Médicos são orientados para trabalharem na saúde da família e na medicina geral. É o que ocorre em Cuba, por exemplo, onde os estudantes se formam apesar da carência de recursos materiais. O oposto de alguns jovens médicos – nem todos eles, é claro - formados nas universidades brasileiras os quais, em seguida, com a prática vigente, acabam sendo parceiros da indústria farmacêutica no mercantilismo da saúde (principalmente da saúde dos idosos e das crianças) e no desinteresse pelo paciente.
Nos recentes resultados do exame de suficiência aplicado pelo Conselho de Medicina de São Paulo quase 60% dos formandos foram reprovados. Segundo o próprio Cremesp a deficiência se deu na “solução de eventos frequentes no cotidiano da prática médica.” Muitos desses jovens médicos demonstraram não conhecer o diagnóstico ou tratamento adequados para situações comuns e problemas de saúde tais como pneumonia, tuberculose, hipertensão e atendimento de urgência – vários deles, distúrbios que atingem com frequência os mais velhos.
E 67% dos formandos não souberam afirmar que o grau de redução da pressão arterial é o principal fator determinante na diminuição do risco cardiovascular em paciente hipertenso – geralmente pacientes mais idosos.
Atualmente, há uma procura maior por parte dos estudantes de Medicina, no país, pela especialidade da Geriatria. “Investir” no idoso, adotando expressão mercantil própria do sistema neoliberal, se torna “bom negócio”. Que seja assim desde que o negócio beneficie ricos e pobres em atendimento adequado e digno. Todos os indivíduos, ricos e pobres, desejam envelhecer ativos, com saúde e reivindicam qualidade de vida.
Como anota Saul Leblon nesta página, “a desigualdade continua obscena, mas as placas tectônicas se movem.” Isto se aplica à velhice dourada dos bairros elegantes e dos condomínios de luxo aos idosos das favelas e das comunidades dos conjuntos populares. Aos velhos pacientes do SUS e aos dos planos privados de saúde.
A professora de Psicologia Social da PUC-RJ, Teresa Creuza Negreiros, costuma descrever a nossa época como o mundo do “aperta botão e passa cartão”. Um mundo que pode ser vivido pelo idoso com maior dificuldade, como ela diz, o que não significa que a maioria deles se furte a ele: “O velho não é mais o estorvo que era no passado; não é um cidadão de segunda classe e não deseja se ver excluído.”
*Autora do livro Novos velhos – viver e envelhecer bem (Ed. Record)
(Carta Maior)
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Indústria farmacêutica, mentiras e dinheiro
Por
Martha Rosenberg
Seis casos revelam: efeitos graves de medicamentos são omitidos, para sustentar consumo e lucros. Verdade aparece quando patentes estão expirando…
Por Martha Rosenberg | Tradução: Gabriela Leite
Quando um medicamento causa efeitos colaterais, esta informação muitas vezes não é exposta durante anos, o que permite à indústria farmacêutica continuar ganhando muito dinheiro.
O Food and Drug Administration (FDA) [órgão governamental dos EUA para alimentos e medicamentos] e a indústria farmacêutica argumentam que os efeitos colaterais perigosos em uma droga só aparecem quando é usada por milhões de pessoas – e não no grupo relativamente pequeno de pessoas que fazem testes clínicos. Mas existe outra razão pela qual os consumidores acabam sendo cobaias. Os remédios são levados apressadamente ao mercado, após um período muito curto (de apenas seis meses) para que a indústria possa começar a ganhar dinheiro, enquanto a segurança ainda está sendo determinada.
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Tanto a droga para os ossos Fosamax, repleta de riscos, quanto a analgésica Vioxx, ambas da indústria Merck, foram ao mercado após seis meses de revisão. No caso da Vioxx, isso ocorreu porque “o medicamento potencialmente provia uma vantagem terapêutica sinificativa sobre outras drogas já aprovadas”, disse a FDA.
Obrigado por isto. E cinco drogas (Trovan, Rezulin, Posicor, Duract e Meridia), que entraram no mercado em 1997 por pressões da indústria e do Congresso sobre a FDA, diz a PublicCitizen, foram em seguida retirados.
Abaixo, algumas drogas cujos riscos não impediram que seus fabricantes fossem autorizados a colocá-las a venda e exercer seu “valor de patente”.
1. Singulair
Você imaginaria que a Merck aprendesse, após os problemas com Vioxx e a Fosamax, que marketing agressivo pode esconder apenas por algum tempo os riscos emergentes das drogas. Mas não. Para vender o Singulair, sua droga contra asma e alergias para crianças, a indústria fez uma parceria com Peter Vanderkaay, o nadador medalha de ouro nas Olimpíadas, com acadêmicos e com a Academia Norte-americana de Pediatras – mesmo após a FDA advetir sobre os “eventos neuropsiquiátricos” do medicamento, incluindo agitação, agressão, pesadelos, depressão, insônia e pensamentos suicidas.
Enquanto a Merck fazia a propaganda do Singulair (que vem em fórmula mastigável e com gosto de cereja), com slogans como “Singulair é feito pensando nas crianças”, a Fox TV e mais de 200 pais relataram, no site askapatient [“pergunte a um paciente”] que suas crianças, ao tomar o remédio, exibiam humor alterado, depressão e déficit de atenção (ADHD), hiperquinesia e sintomas suicidas. Cody Miller, um garoto de 15 anos de Queensbury, Nova York, tirou sua própria vida dias após tomar o medicamento, em 2008. Ainda assim, o Singulair arrecadou 5 bilhões de dólares para a empresa, em 2010. Após sua patente expirar, em 2012, a Administração de Bens Terapêuticos da Austrália (equivalente à FDA ou à Anvisa) reportou 58 casos de eventos psiquiátricos adversos em crianças e adolescentes, primariamente pensamentos suicidas. Quem sabia?
2. Zyprexa
Como vender uma droga que provoca ganho de peso de cerca de 10kg, em 30% dos pacientes, chegando até 45kg, em alguns? Enterrando seus riscos. O antipsicótico Zyprexa era a nova aposta da Eli Lilly, depois de seu antidepressivo campeão de vendas Prozac – mesmo que o laboratório soubesse, já em 1995, de acordo com o New York Times, que a droga está ligada a um ganho de peso incontrolável e até diabetes. Os efeitos colaterais do Zyprexa de “ganho de peso e possível hiperglicemia fazem um grande mal ao sucesso de longo prazo desta molécula criticamente importante”, havia escrito Alan Breier, da Lilly, segundo documentos obetidos pelo jornal. Mais tarde Alan tornou-se médico-chefe da empresa.
Mesmo após a Lilly ter pagado multas, após acusada de ocultar informações sobre a relação entre a droga e altos níveis de açúcar no sangue ou diabetes (e de ter comercializado ilegalmente a droga para pacientes com demência), o Zyprexa rendeu 5 bilhões de dólares em 2010, acima até do Prozac. Quem disse que crime não compensa? O Zyprexa foi especialmente comercializado para os pobres e virou um dos medicamentos principais do Medicaid, o programa público de saúde norte-americano, extraindo pelo menos 1,3 bilhões de dólares do orçamento do país, só em 2005. Em 2008, a empresa estabeleceu um acordo para cobrir o custo dos pacientes do Medicaid que desenvolveram diabetes após usar a Zyprexa. Como raposa vigiando galinheiro, a Lilly ofereceu um “serviço gratuito” para “ajudar” os estados a comprar drogas como a Zyprexa para doenças mentais — e vinte deles aceitaram a oferta. A patente do remédio acabou em 2012.
3. Seroquel
O antipsicótico Seroquel, produzido pelo laboratório AstraZeneca, do Reino Unido, tornou-se um dos medicamentos mais vendidos nos EUA, arrecadando mais de 5 bilhões de dólares em 2010, apesar de seus riscos, frequentemente relatados. O remédio foi comercializado tão vastamente para crianças pobres que, em 2007, o Departamento de Justiça para a Juventude da Florida comprou duas vezes mais Seroquel que Advil. Sua elevada aquisição no serviço militar, para usos não aprovados — como para estumular o sono e para distúrbio de estresse pós-traumático (PTSD) — também foi espantosa. Relatos de mortes repentinas de veteranos que utilizavam a droga emergiram quando as compras do Seroquel pelo Departamento de Defesa dos EUA cresceram 700%.
Poucos meses após a aprovação da Seroquel, em 1997, um artigo no Jornal de Medicina de Dakota do Sul já levantava questões sobre a interação perigosa da droga com outros onze medicamentos. Passados três anos, pesquisadores da Cleveland Clinic questionavam o efeito da Seroquel na atividade elétrica do coração. Mas mesmo quando as famílias de veteranos falecidos prestaram testemunhos em audiências no FDA, em 2009, e exigiram respostas de dirigentes e legisladores, o órgão protegeu a empresa. Depois, em 2011, com pouco alarde, o FDA emitiu novos avisos que confirmavam as notícias devastadoras: tanto o Seroquel quanto sua versão estendida, que fora lançada, “deveriam ser evitados” na combinação com pelo menos outros 12 remédios. A droga também deveria ser evitada pelos idosos e pessoas com doenças cardíacas, por causa de seus claros riscos ao coração. Ops… A patente expirou no ano seguinte.
4. Levaquin
Os antibióticos à base de fluoroquinolona estão entre os mais vendidos. Muitas pessoas lembram-se do Trovan (na época dos ataques com antrax, logo após o 11 de setembro), mas a indústria farmacêutica espera que não nos lembremos de que foi retirado de circulação por causa de danos ao fígado, e do Raxar, removido por causar eventos cardíacos e morte súbita. O Levaquin, da Johnson & Johnson, igualmente baseado em fluoroquinolona, foi o antibiótico mais ventido nos EUA em 2010, com receitas acima de US$1 bilhão por ano — mas agora é tema de milhares de processos.
Em 2012, um ano após a patente do Levaquin expirar, uma enxurrada de efeitos colaterais começou a emergir, sobre este medicamento e toda a classe de fluoroquinolonas, lançando dúvidas sobre sua segurança. A revista da Associação Médica Norte-Americana relatou que, de 4.384 pacientes diagnosticados com descolamento de rotina, 445 (10%) foram expostos a fluoroquinolone no ano anterior ao diagnóstico. A Revista de Medicina da Nova Inglaterra relatou no mesmo ano que o Levaquin estava ligado a um risco crescente de morte cardiovascular, especialmente morte súbita por distúrbios no ritmo cardíaco.
Embora a FDA tenha alertado sobre as rupturas de tendão — especialmente os tendões de Aquiles — provocadas por fluoroquinolonas em 2008, e adicionado uma tarja preta de advertência na embalagem, novos avisos graves foram feitos dois anos após o fim da patente do Levaquin. Em 2013, a FDA advertiu sobre o “efeito colateral sério de neuropatia periférica” — um tipo de dano nos nervos no qual as vias sensoriais são prejudicadas — nas fluoroquinolonas. Neuropatias periféricas causadas por esta classe de antibióticos podem “ocorrer logo após a administração destas drogas, e podem ser permanentes”, alertou a ageência. Fluoroquinolonas também estão ligadas ao Clostridiumdifficile, também chamado de C. Diff, um micróbio intestinal sério e potencialmente mortífero.
5. Topamax
Antes de sua patente expirar, em 2009, a droga Topamax deu à Johnson & Johnson um bilhão de dólares por ano, e foram mais US$ 538 milhões depois disso. O remédio foi tão preferido, para condições de dor no serviço militar, que recebeu o apelido de “Stupamax” – uma referência à maneira com que diminuia os tempos de reação e prejudicava a coordenação motora, a atenção e a memória, de acordo com o ArmyTimes. Não era muito bom para o combate…
Um ano antes de cair a patente do Topamax, a FDA alertou que ela e outras drogas estão correlacionadas com suicídios, e pediu a seus fabricantes para adicionar avisos na caixa. Quatro pacientes usuários da droga mataram-se, contra nenhum sob placebo, declarou a FDA após rever os testes clínicos. Já em 2011, o órgão anunciou que o Topamax pode causar defeitos de nascimento nos lábios, nos bebês de mães que ingerem a droga. “Antes de começar com o topiramato, grávidas e mulheres em idade fértil devem discutir outras opções de tratamento com seu profissional de saúde”, alertou o FDA, mas isso não impediu o órgão de aprovar uma nova dieta de medicamentos contendo o genérico do Topamax, em 2012.
6. Oxycontin
O Oxycontin, do laboratório Purdue Pharma, é a avó de drogas que geram muito dinheiro, apesar de seus efeitos colaterais letais. Junto de outros opióides, ele causou o número assutador de 17 mil mortes no ano passado — quatro vezes mais que em 2003. “O aumento [no uso] foi alimentado em parte por médicos e organizações de defesa de analgésicos, que recebiam dinheiro de empresas e faziam alegações enganosas sobre a segurança e a efetividade de opióides — inclusive afirmando que o vício é raro”, relatou o Journal Sentinel. A Sociedade de Geriatras Norte-Americanos usou pesquisadores ligados à indústria farmacêutica para reescrever guias clínicos em 2009, diz a publicação. Após reescritos, eles especificavam opióides para todos os pacientes com dor moderada a severa
Devido a sua fórmula, que lhe permite agir por um longo período, pensou-se que o Oxycontin teria toxidade e potencial de provocar dependência reduzidos – ao menos até seus efeitos tornarem-no mais popular que a cocaína nas ruas (todos os 80mg de pílulas podíam ser tomados de uma vez). Em 2010, respondendo aos vícios, overdoses e mortes associadas à droga, a Purdue Pharma desenvolvou um Oxycontin inviolável, e, dois anos depois, passou a pressionar por leis que exigissem inviolabilidade de todos os opiácios. A empresa garantiu que sua maior preocupação era a saúde pública, mas muitos se perguntaram sobre o porquê desta preocupação só se revelar às vésperas do fim da patente da droga, em 2013…
(Outras Palavras)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-80925470896635897742014-02-01T00:01:00.001-08:002014-02-01T00:01:28.900-08:00Filmes
De Woody Allen a Francisgleydisson
Por
José Geraldo Couto
Novo filme do diretor norte-americano foca crise financeira e seus desdobramentos sócio-morais. Cearense Halder Gomes explora possibilidades de cine brasileiro pós-Globo
Por José Geraldo Couto, no blog do IMS
Blue Jasmine certamente não é o melhor Woody Allen. Mas está longe de ser o pior. Na história das duas irmãs de trajetórias contrastantes o diretor recicla algumas de suas ideias sobre a moral contida nas relações sociais, situando-as no contexto muito contemporâneo do capitalismo financeiro global. Para isso, interrompeu sua turnê turístico-cinematográfica europeia e voltou à matriz.
A socialite Jasmine (Cate Blanchett) perde o dinheiro, mas não a pose, quando o marido ricaço (Alec Baldwin) é preso por conta de tenebrosas falcatruas com o dinheiro alheio. Com uma mala Vuitton na frente e outra atrás, viaja de Nova York a San Francisco para se instalar na casa da irmã pobretona Ginger (Sally Hawkins), que tem dois filhos e um namorado tosco e folgazão (Bobby Cannavale).
Instaura-se assim, como já se observou, uma situação cômico-dramática análoga à da peça Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams, levada às telas por Elia Kazan em 1951. Até aí, nada de mais. Woody Allen sempre viu a tradição literária, teatral e cinematográfica como um patrimônio a ser explorado livremente. Tolstói, Tchekhov, Bergman e Fellini já foram devidamente saqueados por ele, com resultados variados.
Da sátira à tragédia
Aqui, um certo esquematismo no contraste entre a high society de Manhattan e o ambiente proletário-alternativo de San Francisco, bem como entre a chique Jasmine e a brega Ginger, é essencial para a constituição de um certo tom de parábola: sobre as reviravoltas irônicas do destino, claro, mas também sobre o caráter inconsistente e volátil da riqueza na sociedade atual, em que parecemos viver dentro de uma bolha especulativa: o poderoso milionário de hoje pode ser o falido e humilhado de amanhã.
Além do mais, ao brincar com os estereótipos, Allen acaba por matizá-los, revelando desvãos insuspeitados tanto na irmã ex-rica como na eternamente pobre. Alguém disse que “o filme é Cate Blanchett”. Talvez seja exagero. Mas o fato é que o que eleva Blue Jasmine da sátira ligeira à tragédia é a personagem Jasmine, com sua fragilidade e sua fúria de princesa destronada, no limiar da loucura. É um magnífico trabalho conjunto de roteiro, direção e atuação.
Cine Holliúdy e o cinema popular
Informações preliminares indicam que, depois de se tornar um fenômeno de público no Nordeste, Cine Holliúdy, de Halder Gomes, também está se saindo bem, embora sem o mesmo ímpeto, nas bilheterias do Sudeste.
O caso merece estudo e reflexão. Assumidamente primitivo e visceralmente popular, o longa cearense vem na contramão do cinemão padrão Globo que impera no nosso circuito exibidor viciado e elitizado.
Para quem não sabe, trata-se da história de um empreendedor quixotesco (Edmilson Filho) que tenta criar e manter vivo um cinema numa cidadezinha do Nordeste na década de 1970, momento em que a televisão está desbancando o cinema como principal entretenimento popular. Só a sinopse já faz pensar em uma mistura de Cinema Paradiso com Bye bye Brasil.
O humor do filme vem um tanto da autoironia em face de suas precariedades e outro tanto da exacerbação de traços regionais, a ponto de os personagens falarem uma linguagem tão peculiar que supostamente exige legendas em português.
É uma celebração do cinema de matiz popular, que a hegemonia das telenovelas e a elitização do circuito exibidor (com o fim dos cinemas do interior e das salas “de rua” das grandes cidades) vieram liquidar: as chanchadas, Mazzaroppi, faroeste espaguete etc., ainda que os filmes que Francisgleydisson exibe, dubla e remonta em seu arremedo de Cine Paradiso sejam predominantemente de kung fu, outro gênero popularíssimo.
Ou seja, uma exaltação de todas aquelas produções execradas como “malfeitas” ou de “mau gosto” pelo cidadão colonizado de classe média que predomina hoje nos multiplexes de nossas metrópoles.
Como, então, Cine Holliúdy está conquistando esse público tão deformado pelas telenovelas, pelas sitcoms e pelos blockbusters americanos ou globais?
Desmontando resistências
Tenho duas hipóteses que se complementam. Primeira: o arguto lançamento de Cine Holliúdy, inicialmente no Ceará, em seguida no restante do Nordeste, apelando claramente para o orgulho regional, criou um fenômeno de público e de mídia espontânea que precedeu sua chegada ao Sudeste, criando o “pequeno milagre” que, segundo o crítico Pedro Butcher, é necessário hoje para levar um cidadão a sair de casa para ver um filme brasileiro que não seja da Globo Filmes.
Segunda hipótese: a autogozação do filme, caricaturando traços nordestinos dos quais os paulistas e cariocas adoram zombar (não é por acaso que o protagonista se chama Francisgleydisson), cria uma comunicação fácil com as plateias dessas praças. É como se Cine Holliúdy inoculasse no espectador do Sudeste o antídoto contra o seu preconceito, desmontando resistências.
Tudo isso seria inútil se o filme não fosse, de fato, engraçado, se não contivesse piadas inventivas e bons comediantes – e parece que no Ceará eles proliferam como na Itália e em outros lugares privilegiados do mundo. Irregular e precário, Cine Holliúdy sabe fazer disso uma vantagem, uma fonte de inspiração, humor e festa. O cinema ainda pode ser, contra todas as expectativas, uma diversão popular.
(Outras Palavras)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-34140270964392259582014-01-31T23:59:00.000-08:002014-01-31T23:59:09.833-08:00Guantanamo
Guantanamo é a maior vergonha mundial no tratamento de seres humanos. Guantanamo continua como o pior atentado aos direitos humanos em muitas décadas.
por Emir Sader
Já passaram 12 anos da sua instalação, 5 da promessa do presidente Obama de que iria fechá-lo, promessa agora reiterada para este ano. Mas Guantanamo continua como o pior atentado aos direitos humanos em muitas décadas. Nada se compara no mundo, hoje, às violações dos direitos mais elementares dos seres humanos que tudo o que acontece em Guantanamo.
Por isso os EUA a instalaram fora do seu território, fora de qualquer circunscrição, de qualquer tipo de controle jurídico. No limbo constituído por essa outra monstruosidade – um território imperial incrustrado em território cubano, contra a vontade soberana do povo de Cuba.
Assim, nesse território de ninguém – ou, melhor do terror imperial – continuam sucedendo-se as piores formas de tratamento animalesco de seres humanos. Eles já chegam à prisão amarrados com animais, com capuzes, desfigurados de qualquer fisionomia que recordasse que sem trata de seres humanos, para que possam ser tratados como animais.
Presos em jaulas como animais ferozes, amarrados todo o tempo, com capuzes, sem sequer poder ler o Corão, alimentados à força todos os desenas de presos em greve de fome – essa é a situação mais desumana que se conhece no mundo de hoje.
Acusados de terrorismo sem qualquer prova, sem nenhuma obrigação de cumprimento de qualquer norma jurídica, com os seus acusadores sem ter que provar nada a ninguém, eles são vítimas da covardia internacional. Não há nenhuma grande iniciativa no mundo hoje que busque acusar e punir o que os EUA fazem em Guantanamo, como se fosse seu quintal na era da guerra fria.
Cerca de 800 pessoas passaram por esse inferno, 150 ainda estão ali, 9 morreram, apenas 7 foram condenadas – 5 delas se declararam culpadas para apelar a acordos que lhes permitiram sair da prisão. 6 dos suspeitos podem ser condenados à morte.
Os EUA deveriam, além de ser condenados expressamente por todos os organismos internacionais que tenham a ver com os direitos humanos, estar excluídos de participar e de se pronunciar sobre a situação dos direitos humanos em qualquer lugar do mundo, enquanto siga existindo Guantanamo. Menos ainda poderiam os EUA continuar a ser sede da Comissao Interamericana dos Direitos Humanos da OEA
Guantanamo é a maior vergonha mundial no tratamento de seres humanos. Os países que reivindicam políticas externas soberanas, tem que se unir e exigir o fim da prisão de Guantanamo e, além disso, a devolução desse território a quem lhe pertence, Cuba.
(Carta maior)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-62331255963812105882014-01-31T01:01:00.002-08:002014-01-31T01:01:24.442-08:00Compra de armasBrasil: um incrível (e enorme) erro geopolítico
Escrito por Atilio A. Boron
Uma das derivações mais inesperadas da crise nas relações entre Brasil x Estados Unidos, a mesma que dera origem ao duro discurso da presidente Dilma Rousseff ante a Assembleia Geral da ONU e o cancelamento da “visita de Estado” a Washington – programada para outubro passado – repercutiu diretamente sobre um tema que rondava os despachos oficiais de Brasília, desde 2005, e que há até poucos dias permanecia irresoluto: a muito controvertida renovação da frota de 36 aviões-caças que o Brasil precisa para controlar seu espaço aéreo e, principalmente, a enorme bacia amazônica e sub-amazônica.
Na opinião de especialistas brasileiros, a frota de que dispõe atualmente o país é obsoleta ou, no melhor dos casos, insuficiente, e a necessidade de sua urgente renovação não poderia demorar. Mesmo assim, depois de anos de estudos, informes e provas não se chegava a um acordo entre os atores envolvidos na decisão.
As propostas consideradas pela licitação convocada em 2001 pelo governo brasileiro eram três: o Boeing F/A-18 E/F Super Hornet (originalmente fabricado pela empresa norte-americana McDonnell Douglas, posteriormente adquirida pela Boeing); os Dassault Rafale da França; e o SAAB Gripen-NG sueco. Uma alternativa, descartada ab initio por razões nunca esclarecidas, mas indubitavelmente políticas, foi o Sukhoi Su-35, de fabricação russa.
Assim, em um primeiro momento uma parte majoritária do alto mando da Força Aérea Brasileira (FAB) e diversos setores da burocracia política e diplomática de Brasília se inclinavam em adquirir os novos equipamentos dos Estados Unidos, enquanto outros favoreciam os Rafale franceses, e um setor francamente minoritário os Gripen-NG suecos.
O dissenso conduziu à paralisia e Lula, pese sua indiscutível autoridade, teve de se resignar em terminar seu mandato sem poder resolver o impasse, ainda que fosse conhecido por todos que se inclinava pelo Rafale. A indecisão terminou há alguns dias, com uma decisão muito desafortunada – a menos ruim, mas muito longe de ser a melhor –, como se verá mais adiante: a aquisição dos Gripen-NG suecos.
Brechas em uma relação muito especial
A surpreendente revelação da espionagem realizada por Washington sobre o governo e a dirigência do Brasil – quer dizer, um país que sempre foi um de seus mais incondicionais aliados nas Américas – estava chamada a inclinar o fiel da balança contra os F-18.
Incondicionalidade no vínculo de sucessivos governos brasileiros com os Estados Unidos, dizíamos, que era arqui-sabida, mas que veio irrefutavelmente à luz com a desclassificação, em agosto de 2009, de um memorando da CIA, no qual se dava conta do “construtivo” intercâmbio de ideias, travado em 1971, entre os presidentes Emilio Garrastazu Médici e Richard Nixon, com o propósito de explorar modalidades idôneas para desestabilizar os governos de esquerda em Cuba e Chile.
O anterior é um dos muitos exemplos de “colaboração” entre Brasília e Washington. Basta recordar a participação do Brasil na segunda guerra mundial, batalhando lado a lado com o US Army, ao que podemos agregar mais um: em fevereiro de 1976, Henry Kissinger viajou ao Brasil para formalizar o que pretendia ser uma sólida e duradoura aliança entre o gigante sul-americano e os Estados Unidos.
A humilhante derrota sofrida no Vietnã exigia o pronto fortalecimento das relações com a América Latina que, tal como Fidel e Che repetiram até o cansaço, é o quintal estratégico do império. Nada melhor que começar pelo Brasil, em cuja capital Kissinger foi recebido como uma celebridade mundial e firmou um histórico acordo com o ditador brasileiro Ernesto Geisel.
Segundo ele mesmo, os dois maiores poderes do hemisfério ocidental (para usar uma linguagem da época) se comprometiam em manter consultas regulares, e no mais alto nível, sobre assuntos de política exterior. Subjazia este acordo o conhecido axioma de Kissinger, que diz que “para onde se inclinar o Brasil, se inclinará a América Latina”.
Acordo que morreu ao nascer, porque, como recorda permanentemente Noam Chomsky, Washington não admite restrição alguma a suas decisões, tanto se brotam de um tratado bilateral como de qualquer outra fonte do direito internacional. Se a Casa Branca quer consultar, o faz, mas não se sente obrigada a isso, muito menos a se submeter aos termos de um tratado ou uma convenção. Em todo caso, o anterior revela intenção de ambas capitais em coordenar suas políticas.
Neste contexto histórico, a coordenação se produziu no terreno das atividades repressivas a desenvolver-se no Cone Sul, como demonstra com sobras o sinistro Plano Condor. Em datas mais próximas, em 2007, Lula e George Bush firmaram um acordo para compartilhar tecnologia com o propósito de fomentar a produção de agrocombustíveis – bom negócio para os Estados Unidos, depredação ecológica para Brasil – reforçando novamente os tradicionais “laços de amizade e cooperação” entre Washington e Brasília.
Agora, bem: a ilegal – além de ilegítima – interdição dos cabos, mensagens e telefonemas da presidente brasileira (assim como muitos governantes e funcionários de outros países da área) teve, no caso do Brasil, um agravante de muito peso, porque Washington também incorreu em erro grosseiro contra a Petrobras. Não era aventurado, portanto, prognosticar que esse cúmulo de circunstâncias, quase certamente, precipitou o desenlace da prolongada indecisão em relação ao reequipamento da FAB. Depois do ocorrido, seria uma insensatez que o Brasil decidisse renovar seu material aéreo com aviões estadunidenses. Mas quais seriam as alternativas? Como substituir aquele que, publicamente, era o avião predileto da FAB?
Alternativas de reequipamento
Um relatório secreto da própria FAB, de janeiro de 2010 (alguém se encarregou de vazar para a imprensa), e enviado ao Ministério da Defesa para avaliar os três principais candidatos à renovação da frota de caças, classificava os Gripen-NG claramente atrás do francês Rafale e do F-18 Super Hornet. De acordo com o relatório, as suas capacidades técnicas e militares eram inferiores aos dos seus congêneres franceses e norte-americanos.
É verdade também que seu preço era inferior, estimado em 70 milhões de dólares, enquanto o preço do F-18 girava em torno de $ 100 milhões e o Rafale, muito mais caro, aumentava para 140 milhões. Uma vez que o relatório foi divulgado, em seguida, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi rápido para esclarecer duas coisas: primeiro, que a decisão final sobre a aquisição da aeronave seria tomada pelo governo e não pela FAB; em segundo lugar, descartou-se, em concordância com Lula, declarando que o preço da aeronave poderia tornar-se um fator determinante na decisão.
A possibilidade insinuada na época por Nicolas Sarkozy de que o Brasil poderia receber tecnologia e fabricar o Rafale em suas próprias instalações industriais e, em seguida, vendê-las – embora apenas na América Latina –, foi o que inclinou Lula em favor do Rafale. Mas a sua decisão não convenceu a liderança da FAB e de outros setores do governo, favoráveis firmemente a fechar o negócio com a Boeing. É claro que, ao contrário do francês, o construtor do Super Hornet não parecia muito disposto a falar sobre a transferência de tecnologia, ao que se somou o fato de que a história recente registrou um precedente preocupante: "o regime de Washington" costumava proibir a venda de peças de reposição de aviões norte-americanos para países classificados pelo Departamento de Estado como "hostis aos Estados Unidos" ou "não cooperativos", na nebulosa e vaga guerra contra o narcotráfico e o terrorismo internacional. Ou seja, um país que teve a audácia de fazer uma política de não alinhamento com os EUA. E este era um risco que não poderia ser subestimado pelos compradores.
Em outras palavras, enquanto o Super Hornet parecia mais atraente, tanto economicamente como pela sua tecnologia avançada e pela continuidade que ofereceria com parte da dotação atual da FAB, o fato é que o incidente diplomático ligado à espionagem, unido ao risco de que, em caso de um conflito entre Brasília e Washington, este fizesse com o Brasil, por exemplo, o que fez há pouco mais de dez anos com a Venezuela chavista, contribuiu para enfraquecer a frente "pró-americana".
Como se pode recordar, na ocasião o presidente George W. Bush impôs um embargo à venda de partes e peças de reposição e, mais importante, ao envio dos sistemas computadorizados de navegação e combate que, como os softwares dos computadores, se renovam a cada poucos meses. E sem a versão mais recente, o “hardware”, neste caso dos aviões, deixa de prestar os serviços que se espera deles. Bastaria, no caso de uma disputa, a Casa Branca decidir embargar, ainda que temporariamente, o fornecimento de novas versões desses sistemas para que estes aviões permanecessem praticamente inutilizados e a Amazônia desprotegida. Se foi feito com Chávez, por que não repetir esse comportamento no caso de um conflito de interesses com o Brasil?
Lamentável ausência de uma reflexão geopolítica
A paralisia que bloqueou por tanto tempo a renovação de material aéreo da FAB seria facilmente destravada se as pessoas envolvidas na tomada de decisão tivessem formulado esta simples pergunta: “quantas bases militares na região têm cada um dos países que nos oferecem suas aeronaves para monitorar nosso território”?
Se eles tivessem a resposta, teria sido: a Suécia não tem nenhuma; a França tem uma base aeroespacial na Guiana Francesa, administrada em conjunto com a OTAN e com a presença de militares norte-americanos; já os EUA, têm 77 bases militares na região (última contagem, a partir de dezembro de 2013), um punhado delas alugadas ou co-administradas com três países, como Reino Unido, França e Holanda. Algum burocrata do Itamaraty ou algum militar brasileiro treinado em West Point pode argumentar que estes estão em países distantes, que são no Caribe e cuja missão é monitorar a Venezuela bolivariana.
Mas eles estão errados: a dura realidade é que, enquanto esta é perseguida por 13 bases norte-americanas em seus países vizinhos, o Brasil está literalmente cercado por 24, que passam a ser 26 se somarmos as duas bases britânicas ultramarinas disponíveis para os EUA – via OTAN – no Atlântico equatorial e Atlântico Sul, as Ilhas Falkland e Ascensão, respectivamente. E no meio da linha imaginária se encontra nada menos que o grande campo petrolífero do Pré-Sal. É óbvio que comprar armas de quem ameaça com tão formidável presença militar não parece exemplo de sabedoria e astúcia na sofisticada arte da guerra.
Por outro lado, ao adotar uma decisão dessa envergadura, deveria ter sido ponderada a probabilidade de algum tipo de conflito aberto, inédito até agora na história das relações brasileiro-estadunidenses, mas não por isso impossível. Probabilidade extremamente baixa, mas não inexistente, se de Rússia ou China se trata, mas cada vez maior no caso dos Estados Unidos ou alguns de seus “proxis” – talvez “seguidores” seria o termo mais apropriado – europeus, embarcados em uma caça cada vez mais violenta e inescrupulosa de recursos naturais.
Portanto, as chances de que no curso dos próximos dez ou quinze anos possa surgir um sério enfrentamento entre Brasília e Washington pela disputa de algumas das enormes riquezas abrigadas na Amazônia – água, minerais estratégicos, biodiversidade etc. – ou pela eventual recusa do Brasil em seguir os Estados Unidos em uma aventura criminosa, como a que planejam contra Síria e Irã, ou a que executaram na Líbia e Iraque, não são nada marginais.
Além disso, diríamos que os Estados Unidos, assediado pela desestabilização da ordem neocolonial imposta no Oriente Médio com a ajuda de aliados tão nefastos como Israel e Arábia Saudita, e suas crescentes dificuldades na Ásia, põem em questão o fornecimento de petróleo e de matérias-primas e minerais estratégicos demandados por sua ganância insaciável de consumo.
Essa combinação de fatores torna altamente provável que, mais cedo ou mais tarde, um claro confronto entre Washington e Brasília seja acionado. Se tal evento fosse um mero jogo de imaginação e de muito baixa, se não nula, probabilidade de ocorrência, não dá pra entender as razões pelas quais tantas bases dos EUA são implantadas ferreamente, cercando o Brasil por terra e mar.
Se Washington o fez não foi por acidente ou acaso, mas na expectativa de alguma disputa que seus estrategistas estimaram que seria difícil ou impossível de resolver por meios diplomáticos. Se instalaram as bases é porque, sem dúvida, o Pentágono contempla a hipótese de conflitos com o Brasil. Caso contrário, as custosas implantações de tais unidades de combate seriam ridículas e completamente incompreensíveis.
A chantagem estadunidense sobre os aviões europeus
Dado este fato inocultável, uma parte crescente dos atores deste processo de decisão começou a inclinar-se para os Rafale franceses, até que o presidente François Hollande jogou ao mar toda a tradição gaullista ao declarar que seu governo estava disposto a endossar qualquer plano criminoso de Barack Obama para bombardear a Síria!
O anúncio foi feito depois que o Parlamento britânico recusou-se a acompanhar a estranha iniciativa, com a qual fez surgir de imediato a seguinte questão: que garantias poderia ter o Brasil de que, em uma disputa com os Estados Unidos, Paris não se curvaria ante um pedido da Casa Branca de bloquear o envio de peças e softwares para os Rafales adquiridos pelo Brasil?
Se, apenas alguns meses atrás, Hollande demonstrou cumplicidade incondicional com um plano criminoso, como o bombardeio indiscriminado da Síria, por que pensar que agiria de modo diferente em um conflito aberto entre Brasília e Washington? Nesse caso, a Casa Branca iria recorrer ao manual, contendo seus "procedimentos padronizados de operação" (SOP, sigla em inglês), e rapidamente denunciaria que Brasília "não colabora" na luta contra o terrorismo e o tráfico de drogas, tornando-se assim uma ameaça à "segurança nacional" dos Estados Unidos e, se escondendo atrás de um ato do Congresso, embargaria a remessa de peças e softwares para o país sul-americano, ao fazer o mesmo pedido aos seus aliados europeus. Pode-se confiar na França ou, no caso, a Suécia não se dobraria às exigências norte-americanas? De jeito nenhum!
Vejamos o registro histórico: atualmente, países como a Coreia do Norte, Cuba, Irã, Síria, Sudão e, para certos produtos, a República Popular da China, são vítimas de diversos tipos de embargos, e em todos os casos Washington conta com a solidariedade de seus comparsas europeus. No caso de Cuba, o mais radical de todos, o que é mais do que um embargo para certos tipos de produtos, é um bloqueio integral, cujo custo para os cubanos equivale a dois Planos Marshall ao contrário.
No que diz respeito aos aviões franceses e suecos, o governo brasileiro deveria saber qual a proporção de peças e tecnologia estadunidenses do Rafale e do Gripen-NG. Porque se tiverem mais de 10% - não de todo o avião, mas de cada uma de suas partes principais: de navegação, fuselagem, sistemas eletrônicos, informática etc. – bastaria para que, em caso de conflito com o Brasil, Washington exigisse a aplicação de um embargo, sem que os governos atuais (e previsíveis) da França ou Suécia pudessem recusar-se a obedecer, sob pena de violar a legislação concebida para assegurar nada menos do que a segurança nacional dos Estados Unidos.
Tome nota do seguinte: o motor que impulsiona o Gripen-NG é um desenvolvimento de uma turbina fabricada pela empresa dos EUA General Electric. Só isso já é o suficiente para que, diante de uma controvérsia entre Washington e Brasília, a Suécia se veja obrigada a interromper o fornecimento de peças e softwares para os aviões vendidos ao Brasil, a menos que esteja disposta a enfrentar os custos de um sério conflito com os Estados Unidos.
Sukhoi: a carta russa
Deste modo, a única coisa que poderia garantir a independência militar do Brasil seria ter adquirido seus aviões em países que, por seu poder, por razões de sua própria inserção no sistema internacional e por sua estratégia diplomática fossem isentos do risco de se tornarem obedientes executores dos mandatos da Casa Branca. Só existem dois países que detêm essas características e contam com a capacidade tecnológica para construir aviões de caça de última geração: Rússia e China, fabricantes do Sukhoi e o Chengdu J-10, respectivamente.
Consequentemente, o debate sobre quem forneceria as novas aeronaves ao Brasil – e aos países com os quais partilha a Bacia Amazônica! – chegou abruptamente a um ponto completamente inesperado: descartados os F-18 e os Rafale, a opção mais razoável seria abrir novas licitações e permitir a entrada dos aviões russo e chinês. Infelizmente, este não foi o caminho escolhido por Brasília.
Alguém poderia se perguntar o que há de errado com os Gripen-NG suecos. Não só o que indica o relatório secreto vazado à imprensa e detalhado acima, mas também do ponto de vista político, não há garantia alguma de que Estocolmo – ou seja, a Suécia de hoje, não a que existia nos tempos de Olof Palme, que por algum motivo foi assassinado – vá se comportar de forma diferente, ante uma requisição de Washington de embargar a remessa de peças e softwares para os Gripen-NG à FAB. Por isso, em 18 de dezembro de 2013, o ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, anunciou os resultados da licitação, com premiação da empresa sueca SAAB, fabricante dos Gripen-NG. "A escolha foi baseada em critérios de desempenho, transferência de tecnologia e custo", disse ele na conferência de imprensa convocada para esta finalidade.
Infelizmente, a eleição não considerou as decisões mais importantes para a tomada de decisões em matéria de auto-determinação e critérios de defesa nacional: a geopolítica. Como poderia ignorar um relatório oficial do Parlamento Europeu, de 14 de fevereiro de 2007, que estabeleceu que, após os atentados de 11 de setembro – entre 2001 e 2005 – a CIA operou 1.245 voos ilegais no espaço aéreo europeu, transferindo “presos fantasmas” ("ghost detainees") a centros de detenção e tortura na Europa (especialmente na Romênia e Polônia) e no Oriente Médio?
Entre os governos que se prestaram a tão sinistro tráfego, se encontra o país onde se fabrica os aviões encarregados de vigiar o espaço aéreo brasileiro, a Suécia. Apesar de ter sido citada no relatório, não é acusada de ter admitido “interrogatórios” em seu território, mas permitiu que esses “voos da morte” norte-americanos encontrassem apoio logístico em seus aeroportos. Sendo assim, como confiar que um país que se presta a uma manobra tão atroz de violação aos direitos humanos possa se recusar a “colaborar” com Washington, em caso deste solicitar interromper o fornecimento de peças e softwares dos Gripen-NG para a FAB?
Conclusão
Por isso dizíamos antes e reiteramos agora, com mais ênfase, que a única escolha verdadeiramente autônoma da presidente Dilma Rousseff seria comprar o russo Sukhoi, mesmo à custa de ter de suportar as críticas virulentas dentro e fora do Brasil.
Dentro, porque a ninguém escapa o fato de existirem setores internos que propõem esquecer a América Latina e militam a favor de uma aliança incondicional com os Estados Unidos e a Europa, em que prevalece a mentalidade dominante da Guerra Fria que os Estados Unidos se esforçam em manter viva ao longo dos anos, com um pouco de maquiagem.
Por exemplo, não se fala do “perigo soviético”, mas da “ameaça terrorista” da Rússia, ao dar asilo e proteção ao ex-agente da Agência de Segurança Nacional (NSA) Edward Snowden. Isso confirma que não se está do lado da liberdade e da democracia, mas precisamente na linha de frente oposta. E críticas fora do Brasil, porque os Estados Unidos não só haviam pressionado pelo aborto de uma possível decisão a favor dos Sukhoi, mas que, em caso de concretização da aquisição, hostilizaria Brasília com condenações e sanções de todo tipo.
A ambição desmedida do imperialismo e seus abusos sistemáticos à legalidade internacional e à soberania nacional brasileira não deixaram à presidente Dilma Rousseff nenhuma outra alternativa. Sua única saída para garantir o controle da bacia amazônica, mais por necessidade do que por convicção, eram os Sukhoi. Qualquer outra opção colocaria seriamente em risco a autodeterminação nacional.
Lamentavelmente, estas considerações geopolíticas não foram levadas em conta e se tomou uma péssima decisão – menos mal, porque pior teria sido adquirir os F-18 – mas ruim, porque no final é antagônica aos interesses nacionais brasileiros e, por consequência, às aspirações de autodeterminação da América do Sul. Com esta decisão, o Brasil poderá monitorar a integridade da Amazônia somente enquanto não existir uma disputa com os Estados Unidos ou algum de seus companheiros. Mas se houver um conflito o Brasil estará completamente desarmado, refém das chantagens e da prepotência de Washington.
O problema não era tão somente com os aviões da Boeing, mas também com os de qualquer outro país que previsivelmente se mostrasse solícito diante das requisições de Washington, como todos os europeus. Comprar os aviões de caça dos aliados que espionam as autoridades e as empresas brasileiras do país com vinte e seis bases militares é um gesto inacreditável de insensatez política e que revela um imperdoável amadorismo na arte da guerra, erros estes que vão custar muito caro ao Brasil e, consequentemente, a toda a América do Sul.
Com a aquisição dos Gripen-NG, se desperdiçou uma grande oportunidade de avançar na autodeterminação militar, pré-requisito da independência econômica e política. O Brasil não só tomou uma péssima decisão que prejudica a sua soberania, como também perdeu a UNASUL, porque com ela difilculta a clara percepção de quem é o verdadeiro inimigo que nos ameaça com sua infernal maquinaria militar.
Portanto, é um momento muito triste para a nossa América. Como se costuma dizer no jargão de jogos de guerra, "game over", e, infelizmente, ganharam os vilões! Esperemos que os movimentos sociais e as forças políticas patrióticas antiimperialistas no Brasil tenham a capacidade de reverter uma decisão tão infeliz.
Atilio Borón é sociólogo e professor da Universidade de Buenos Aires.
Traduzido por Daniela Mouro, do Correio da Cidadania.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-75823874097741609252014-01-31T00:58:00.002-08:002014-01-31T00:58:54.883-08:00Leningrado70 anos do fim do cerco de Leningrado: 872 dias de assédio e 1,2 milhões de mortos
Rusia conmemora este lunes el 70º aniversario del fin del bloqueo de Leningrado. El asedio duró casi 2,5 años y se llevó la vida de más de 1,2 millones de personas, entre víctimas de bombardeos, desnutrición y congelación.
El objetivo de las tropas fascistas era borrar a Leningrado (actualmente, San Petersburgo) de la faz de la tierra: acabar con la cuna de la revolución y el símbolo de la cultura rusa sería una solución perfecta para socavar la resistencia soviética. Había otros factores también: era un puerto marítimo estratégico y alojaba la única fábrica productora de tanques pesados, coches y trenes blindados del mundo. Los comandantes nazis analizaron la posible escalada de la resistencia y decidieron matar a la ciudad de hambre.
Durante uno de los asedios más largos de la historia de la humanidad, 872 días, la urbe tenía solo una vía de comunicación -y bastante inestable- con el resto del territorio soviético: a través del lago congelado Ládoga, llamado el ‘Camino de la Vida’. Pero los cargamentos que lograron transportar por esa vía fueron totalmente insuficientes para abastecer una ciudad con una población de millones de personas. Durante el bloqueo, los ancianos y los niños, como elementos más vulnerables, tenían derecho a 125 gramos de pan al día. En la ciudad prácticamente no había electricidad, ni calefacción y dejó de circular el transporte. Se hicieron frecuentes los casos de canibalismo.
Ser niño no te protegía de los horrores de la guerra, cuenta una de las sobrevivientes del bloqueo, Tatiana Moiséyenko. El asedio empezó cuando solo tenía 7 años de edad. “Cuando hay miedo, uno se hace mayor más rápido, nos convertimos en pequeños ancianos. Los niños nos enfrentamos a los mismos problemas que los adultos”, asegura.
Rusia conmemora este lunes el 70º aniversario del fin del bloqueo de Leningrado. El asedio duró casi 2,5 años y se llevó la vida de más de 1,2 millones de personas, entre víctimas de bombardeos, desnutrición y congelación.
El objetivo de las tropas fascistas era borrar a Leningrado (actualmente, San Petersburgo) de la faz de la tierra: acabar con la cuna de la revolución y el símbolo de la cultura rusa sería una solución perfecta para socavar la resistencia soviética. Había otros factores también: era un puerto marítimo estratégico y alojaba la única fábrica productora de tanques pesados, coches y trenes blindados del mundo. Los comandantes nazis analizaron la posible escalada de la resistencia y decidieron matar a la ciudad de hambre.
Durante uno de los asedios más largos de la historia de la humanidad, 872 días, la urbe tenía solo una vía de comunicación -y bastante inestable- con el resto del territorio soviético: a través del lago congelado Ládoga, llamado el ‘Camino de la Vida’. Pero los cargamentos que lograron transportar por esa vía fueron totalmente insuficientes para abastecer una ciudad con una población de millones de personas. Durante el bloqueo, los ancianos y los niños, como elementos más vulnerables, tenían derecho a 125 gramos de pan al día. En la ciudad prácticamente no había electricidad, ni calefacción y dejó de circular el transporte. Se hicieron frecuentes los casos de canibalismo.
Ser niño no te protegía de los horrores de la guerra, cuenta una de las sobrevivientes del bloqueo, Tatiana Moiséyenko. El asedio empezó cuando solo tenía 7 años de edad. “Cuando hay miedo, uno se hace mayor más rápido, nos convertimos en pequeños ancianos. Los niños nos enfrentamos a los mismos problemas que los adultos”, asegura.
(Desacato)
“Te daban por libretas unos alimentos, al principio eran bastantes, pero empezaron a bajar y bajar y bajar, hasta caer y llegar a 125 gramos de pan negro. Bueno, se le llamaba pan, pero no era de harina, era una sustancia pastosa, de color negro. Bueno, no parecía pan”, cuenta otra sobreviviente del asedio, Nadezhda. Cuando comenzó el sitio tenía 12 años. Desde hace décadas vive en La Habana.
“Cuando empezó el invierno, empezó la tragedia… Nosotros vivíamos en la isla Yelaguin y por esa zona pasaba el camino al cementerio, el Cementerio de Serafím. La gente llevaba en los trineos infantiles a sus seres queridos envueltos en frazadas, pero al entrar en el parque Yelagin no les quedaban fuerzas para avanzar y dejaban ahí a los muertos”, recuerda Nadezhda. En el asedio de Leningrado murieron más personas de las que perdieron EE.UU. y el Reino Unido juntos a lo largo de toda la Segunda Guerra Mundial. Solo en el cementerio de Serafím fueron enterradas más de 100.000 personas.
El Ejército Rojo logró recuperar el control sobre la ciudad rusa de Leningrado asediada por las tropas de la Alemania nazi y sus aliados el 27 de enero de 1944. Con el fin de conmemorar la valentía de los lugareños, la fecha recibió el nombre de Día de la Gloria Bélica de Rusia. Este lunes por el 70 aniversario del fin del asedio, en San Petersburgo ha tenido lugar un desfile militar y se ha abierto un museo al aire libre que expone detalles de la vida cotidiana bajo el cerco.
Fuente: http://actualidad.rt.com/actualidad/view/118194-rusia-asedio-nazi-leningrado
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Escrito por Ramez Philippe Maalouf
Em 11 de janeiro de 2014, faleceu, aos 85 anos de idade, o general e ex-primeiro-ministro israelense Ariel Scheinerman, mais conhecido como Ariel Sharon ou simplesmente “Arik” para os amigos. Amado por alguns e odiado por muitos, inclusive pelos próprios israelenses civis e militares, a vida e especialmente sua conduta militar e política confundem-se com a do próprio Estado de Israel, sempre marcada pelo uso sistemático da extrema violência para a “solução de problemas” políticos. Em Israel, por causa da sua notória arrogância, conduta espalhafatosa, ambição desmesurada nas carreiras militar e política e sua corpulenta figura, ele foi apelidado de bulldozer, um termo visto quase como um elogio.
Eterno destruidor das possibilidades de paz
Mas há um cruel duplo sentido neste apelido: os bulldozeres são usados para destruir residências dos palestinos (com os moradores dentro, inclusive) nos territórios árabes ocupados militarmente pelos israelenses. O extermínio do povo palestino e dos demais árabes foi a verdadeira profissão de Sharon. Entretanto, segundo a mídia ocidental (da qual a brasileira se filia colonialmente), o velho general foi no máximo uma pessoa “controversa”.
De acordo com o governo dos EUA, ele foi uma “pessoa complexa para tempos complexos”. Para a maioria dos árabes, especialmente os não-liberais, os libaneses e os palestinos, será sempre lembrado como “carniceiro”, cuja “obra-prima” foi o Massacre de Sabra e Chatila, como uma das consequências da invasão israelense do Líbano em 1982. Pelo menos 3 mil árabes (palestinos e libaneses) foram assassinados no Massacre.
Na realidade, Sharon foi, desde a invasão do Líbano de 1982, uma espécie de catalisador do ódio da chamada “esquerda” israelense, que parece preferir o estilo low-profile de líderes “esquerdistas” como Ben-Gurion, Golda Meir, Yitzhak Rabin ou mesmo de Ehud Barak ao estilo espalhafatoso de Menachem Begin e do general Scheinerman. Isto ficou evidente quando, durante os depoimentos à Comissão Kahan, estabelecida em 1983 para investigar a participação israelense no Massacre de Sabra e Chatila, Sharon cinicamente questionou por que o general Yitzhak Rabin (um “esquerdista”, segundo o jargão israelense) não sofreu a mesma investigação, uma vez que este estava diretamente envolvido no Massacre de Tal al-Za’atar, ocorrido em 1976, também durante a Guerra do Líbano (1975-90), no qual mais de 2 mil palestinos foram exterminados por milícias libanesas direitistas cristãs ultra-liberais, apoiadas simultaneamente, na época, pela Síria e Israel, que era governada por Rabin.
O questionamento de Sharon apenas revelava o que pesquisadores acadêmicos sobre o Oriente Médio têm afirmado, inclusive dentro de Israel: o extermínio e a expulsão dos palestinos não são programas de governo de um determinado partido ou coalizão política (“esquerdista” ou “direitista”), mas, sim, uma política de Estado levada a cabo por todas as correntes políticas existentes no suposto “Estado judeu”. Deste modo, “esquerda” (os nacionalista-socialistas do Partido Trabalhista, por exemplo), o “centro” (como o liberal Partido Kadima) e a “direita” (como o nacionalista-liberal Likud) são sócios do mesmo projeto de construção de um Estado “100% judeu” entre o Mar Mediterrâneo e o rio Jordão, a qualquer preço.
Baluarte do apartheid palestino
Ainda podemos afirmar que, a partir da grave denúncia de Sharon, não há verdadeiramente um partido de esquerda antissionista em Israel. Existem, no máximo, críticos do sionismo, ou seja, críticos dos “excessos” (o que quer que isto signifique) da implantação do projeto sionista. Não se questiona a reivindicação de um Estado ou de um governo fundamentado no exclusivismo comunitário numa região marcada pelo pluralismo étnico e confessional e pelo entrelaçamento multimilenar destas comunidades religiosas e étnicas.
Devemos ressaltar que a fundação de Israel, como um “Estado judeu”, só foi possível mediante a limpeza étnica e o extermínio de milhares de palestinos em 1948, como resultado culminante da balcanização da Palestina. Assim sendo, mais de 700 mil palestinos foram expulsos de suas terras e as tropas enviadas pelos governos árabes conservadores (atrelados ainda às potências coloniais europeias) para estancar a limpeza étnica nada mais fizeram do que apenas acertar os novos limites de seus países com o novo “Estado judeu”.
Ariel Sharon foi, portanto, uma das encarnações deste projeto racista e segregacionista (sendo, por isto, muito bem aceito pelos liberais em todo mundo): o sionismo. Como militar ou como político direitista ultra-liberal, atuou em comum acordo com as geoestratégias do líder trabalhista Ben-Gurion, que preconizava a aliança com os libaneses cristãos maronitas ultra-liberais e a invasão do Líbano.
Em 1953, o então tenente-coronel Sharon comandou a tristemente célebre Unidade 101 e executou uma operação militar contra uma aldeia palestina, Qibya, na Cisjordânia, ainda em poder dos jordanianos, que assassinou 77 pessoas, em sua maioria mulheres e crianças. Escândalo internacional, o Massacre de Qibya foi levado à ONU, enquanto as lideranças israelenses se preparavam secretamente para a almejada guerra contra o Egito, liderado pelo nacionalista árabe coronel Gamal Abdel Nasser. Durante estes preparativos, o ambicioso e indisciplinado Sharon e sua Unidade 101 promoveram outro massacre contra soldados egípcios estacionados na Faixa de Gaza, em 1955, no qual assassinaram 37 pessoas, ferindo outras 31. O ataque ao QG egípcio em Gaza forçou o pró-americano Nasser a comprar armas da URSS (a extinta União Soviética), que estreitou relações com a potência socialista.
Estes massacres contra árabes também tinham propósitos políticos internos, revelando a ambição desmesurada do então jovem oficial do exército. No final do mesmo ano, comandando uma brigada de pára-quedistas, atacou forças sírias ao norte do Mar da Galileia, assassinando cerca de 60 soldados sírios. A ofensiva tinha o objetivo de beneficiar a política “ativista” do então ministro da defesa (sic) Ben-Gurion para desmoralizar a “moderação” do premier de Moshe Sharret, favorável a uma acomodação com os países árabes. A mesma tática sangrenta (assassinar árabes para derrubar rivais políticos internos e galgar o poder) seria usada na invasão do Líbano de 1982. Com estes massacres, o ultra-direitista Sharon tornou-se uma espécie de pupilo do suposto esquerdista Ben-Gurion.
Já no curso do ataque tripartite anglo-franco-israelense ao Egito, em 1956, Sharon e suas tropas, ao desobedecerem ordens superiores, caíram numa emboscada egípcia no Passo de Mitla no Sinai, causando a morte de dezenas de soldados israelenses. Uma outra característica de sua carreira militar foi a habilidade em manipular a mídia sobre seus feitos militares, posta em prática nas guerras de 1967 e 1973, onde teve um papel de destaque, liderando campanhas vitoriosas.
Porém, em 1973, na Guerra do Yom Kippur, mais uma vez desobedeceu ordens e atravessou o Canal de Suez para cercar tropas egípcias. A manobra de duvidosa eficácia foi vitoriosa unicamente porque Sadat não pretendia vencer os israelenses, mas, sim, forçá-los a aceitarem uma negociação de paz. A indisciplina do general causou fúria entre os seus superiores, mas a sua enorme popularidade entre os civis já era notória.
Das guerras à carreira política
Foi somente, contudo, com a administração de Menachem Begin (1977-83), do partido Likud, nacionalistas direitistas ultra-liberais, que Sharon transmutou-se de uma vez por todas de militar para político. O Likud era um partido que advogava o expansionismo máximo de Israel, o “Grande Israel”, “do Nilo ao Eufrates”, se possível. A coalizão ultra-liberal e nacionalista chegara ao poder em decorrência do esgotamento da política dos trabalhistas, marcada pela derrota (vista como tal para maioria dos israelenses) na Guerra do Yom Kippur, em 1973, pelos escândalos de corrupção do governo de Yitzhak Rabin e pelo avanço do liberalismo até mesmo nos kibutzins (fazendas de trabalho coletivo).
Com os likudistas no poder, liderados por Menachem Begin, a geoestratégia trabalhista forjada por Ben-Gurion de promover a invasão do Líbano voltava à tona. Esta geoestratégia compreendia uma aliança e apoio aos libaneses cristãos maronitas ultra-liberais, que eram refratários à entrega do poder aos libaneses “muçulmanos”, uma das causas da guerra que incendiava o Líbano desde 1975. O plano de ataque ao Líbano, contra qual Israel promovia raids aéreos desde 1968, só seria possível se fosse assegurada a “paz” com o maior exército árabe, o Egito. Em março de 1978, uma vez iniciadas as negociações que levariam à Paz de Camp David (EUA) com os egípcios, Begin ordenou a primeira grande invasão terrestre do Líbano (outra menor havia ocorrido em 1972 e foi rechaçada pelo exército libanês), que exterminou mais de 2 mil árabes (libaneses e palestinos) sem conseguir eliminar as forças da OLP (Organização para a Libertação da Palestina).
O fracasso foi tão retumbante que ajudou a aproximar dois inimigos: a liberal OLP com o regime nacionalista da Síria de Hafez al-Assad. Para agravar a situação do “maximalista” Begin, uma das cláusulas do Acordo de Paz de Camp David (1978) e do Tratado de Paz de Washington (1979), com os egípcios, estipulava não apenas a devolução da Península do Sinai ao Egito, mas também o imediato desmantelamento das “colônias” israelenses naquela região. No inverno de 1982, Ariel Sharon, um dos mais fervorosos defensores do “colonialismo” e do expansionismo israelense, foi o encarregado desta tarefa. Pelo visto, ele ficou muito contrariado e determinado a derrubar ou, pelo menos, desmoralizar Menachem Begin (tal como fizera nos anos 1950 com Moshe Sharret) quando houvesse oportunidade, segundo o historiador israelense Baruch Kimmerling, autor de uma biografia nada complacente do general.
Podemos afirmar que a invasão israelense do Líbano de 1982 foi o resultado do planejamento e ação de dois homens de origens distintas, mas unidos ideologicamente pelo ódio aos palestinos e pela defesa do Liberalismo (e, portanto, do racismo, do segregacionismo, do autoritarismo, do elitismo, da livre iniciativa e do Estado mínimo): Ariel Sharon e Bachir Gemayel, líder da milícia libanesa cristã direitista e ultra-liberal Falanges (originalmente fundada em 1936, sob inspiração do nazismo).
Martírio libanês
Bachir queria ser presidente do Líbano e expulsar as forças “estrangeiras” e “terroristas” do país (leia-se sírios e palestinos). Segundo o ex-chefe de segurança de Bachir, o sinistro Elie Hobeika, foi Bachir quem pediu pessoalmente a Ariel Sharon para que as tropas israelenses não invadissem apenas 40 km fronteira adentro do Líbano; era necessário que também atacassem e ocupassem Beirute, a capital do país, pois seria a única maneira de fazê-lo presidente da República. Ainda de acordo com Hobeika e o jornalista israelense Ehud Ya’ari, Bachir Gemayel não escondia de ninguém, muitas vezes em tom de zombaria, os planos de “transformar” os campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, na zona sul de Beirute, num estacionamento ou num zoológico.
Sharon, por sua vez, tinha planos muito mais ambiciosos. Por meio da ofensiva ao Líbano pretendia, ao mesmo tempo: expulsar os palestinos do País dos Cedros em direção à Jordânia para lá instalarem o Estado palestino, derrubando a monarquia hachemita, tradicional aliada de Israel; expulsar os sírios do Líbano para, assim, expulsar a URSS (tradicional aliada de Damasco) do Oriente Médio; desmantelar a resistência palestina à ocupação militar israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza; implodir o País dos Cedros em pequenos Estados fundamentados no exclusivismo étnico e confessional, à imagem e semelhança de Israel, mas sem poderio militar. A implosão do Líbano serviria de modelo para todo o Oriente Médio, é o que podemos depreender das ações no campo, uma vez que estes objetivos jamais foram declarados explicitamente por nenhum membro de governo israelense.
Em 6 de junho de 1982, mais de 100 mil soldados israelenses, comandados pessoalmente pelo ministro da defesa (sic) general Ariel Sharon, invadiam o Líbano para de lá sair somente em maio de 2000, mesmo assim mantendo as Fazendas de Sheba’a sob ocupação até os dias de hoje. O objetivo oficial era expulsar a OLP para longe dos 40 km da fronteira líbano-israelense. Em 13 de junho do mesmo ano, a blitzkrieg alcançava Beirute. Ao longo de 70 dias, a capital libanesa foi cercada e ocupada pelas tropas israelenses lideradas por Sharon, com direito a corte de luz e água.
Begin (o seu gabinete e o parlamento israelense) desconhecia os planos para o ataque a Beirute, o que lhe causaria um enorme desgaste político e queda inevitável de seu gabinete no ano seguinte. Enquanto a seleção brasileira de futebol fazia uma brilhante apresentação na Copa do Mundo da Espanha, a capital libanesa era martelada por bombardeios de saturação por mar, ar e terra, com bombas de diversos tipos: napalm, fragmentação, vácuo, fósforo branco, urânio empobrecido, disparadas sobre os civis indiscriminadamente.
Somente no dia 10 de agosto de 1982, foram 19 horas de ataques ininterruptos sobre a capital libanesa para forçar a retirada dos palestinos do país. Nem mesmo a única sinagoga da cidade foi poupada dos bombardeios israelenses, sendo parcialmente destruída. Durante o cerco, Sharon tentou persuadir Yasser Arafat, líder da OLP, a levar a organização de volta para a Jordânia (de onde foi expulsa em 1970 pelo rei Hussein) e disse que, se a proposta fosse aceita, Israel “forçaria” o rei da Jordânia a abrir caminho para o grupo palestino. Somente com a presença de uma força de paz da ONU, liderada pelos EUA, foi possível a evacuação total das forças da OLP e das tropas sírias de Beirute, em 21 de agosto.
Após a expulsão da OLP, Bachir Gemayel foi “eleito” presidente do parlamento libanês, cercado pelas tropas invasoras. Mas, em seu discurso de presidente “eleito”, revelava algo fora do script combinado com os invasores: ele se proclamava presidente de todos os libaneses e não apenas dos cristãos. Foi “convidado” a dar explicações, como um garoto de recado, a Begin e Sharon, em Nahariya, norte de Israel, em 1 de setembro de 1982. O encontro, que era para ser secreto para não revelar o profundo envolvimento de Bachir Gemayel com a invasão do Líbano e o arrasamento de Beirute, foi divulgado amplamente pelas rádios israelenses, não tardando a chegar a Beirute.
Duas semanas após o encontro, Bachir morreu num atentado ao QG das Forças Libanesas (milícia “cristã” que congregava todas as milícias direitistas ultra-liberais, inclusive as Falanges), em 14 de setembro de 1982, promovido por um cristão membro da resistência à invasão, Habib Chatourni, em 21 de agosto. Não há dúvidas de que Israel, ao divulgar o encontro de Nahariya, tinha o objetivo de fazer que os opositores de Bachir (que não eram poucos mesmo entre a direita cristã) soubessem da cumplicidade do líder libanês com os invasores e o liquidassem sem a necessidade de os israelenses “sujarem as mãos”.
Mais tragédia para os palestinos
A sorte dos palestinos estava lançada. Sharon e os líderes das Forças Libanesas não perderam tempo em acusar os “terroristas” (ou seja, os palestinos) pelo assassinato do presidente “eleito”. Sem autorização do parlamento e do primeiro-ministro Begin, e sem esperar por uma investigação sobre o atentado, no dia seguinte à morte de Bachir, Sharon ordenou o ataque a Beirute Ocidental. O objetivo declarado era caçar os “terroristas” que supostamente assassinaram o presidente eleito. Logo chegando aos campos de refugiados de Sabra e Chatila, ordenou os membros das Forças Libanesas e do Exército do Sul da Síria para que entrassem nos campos e os “limpassem” da presença de “terroristas” supostamente escondidos ali.
Em 72 horas de orgia de sangue sem precedentes até mesmo para os padrões do conflito até aquele momento, mais de 3 mil pessoas (homens, mulheres, idosos e crianças) e até cavalos foram assassinados pelo único fato de serem palestinos (ou supostamente, pois havia entre as vítimas libaneses xiitas e mulheres judias casadas com palestinos na época do mandato britânico). Homens, idosos e crianças foram esquartejados e/ou estripados antes de serem assassinados. As mulheres, grávidas ou não, idosas ou não, foram, em sua maioria, estripadas, esquartejadas e, sobretudo, estupradas antes de serem assassinadas, com fetos arrancados, se fosse o caso.
O principal chefe dos comandos que invadiram Sabra e Chatila foi Elie Hobeika, então chefe de segurança de Bachir Gemayel. O objetivo não declarado do Massacre era provocar “choque e pavor” nos palestinos de maneira a forçá-los a fugir em direção à Jordânia, de onde deveriam derrubar a monarquia hachemita, aliada de Israel (tal como ocorrera com o Massacre de Deir Yassin, em abril de 1948, no curso da fundação do “Estado judeu”), afinal foi esta a exigência de Sharon enviada a Arafat nas negociações para a retirada da OLP.
Houve clamor mundial pelo massacre nos campos de refugiados em Beirute (considerada pela ONU como genocídio), que derrubou o prestígio de Begin em Israel, obrigando-o a instalar a Comissão Kahan. Sharon foi demitido do ministério da defesa por recomendação da Comissão, que o responsabilizou pela autoria indireta da atrocidade. O veterano general, no entanto, permaneceria no poder como ministro sem pasta. Ele era tão popular, segundo o semanário brasileiro Veja, especialmente entre os judeus de mizrahins (de origem árabe) e sefraditas (de origem “oriental”), que não seria surpresa se ele fosse eleito primeiro-ministro de Israel, como previu a revista poucas semanas após a carnificina.
Como resultado da visão distorcida da realidade do Líbano e do mundo árabe de Ariel Sharon, compartilhada pelos demais líderes políticos e chefes militares israelenses, a invasão do Líbano de 1982 revelar-se-ia em pouco tempo uma retumbante derrota para Israel, apesar dos mais de 20 mil árabes calcinados pelos bombardeios de saturação aos libaneses, palestinos e sírios, ao longo de 70 dias, excluindo as vítimas do Massacre de Sabra e Chatila.
No entanto, todas as vitórias israelenses foram anuladas, uma a uma, pelo “reingresso” da Síria (apoiada pela URSS) no Líbano, a partir de 1983, para impor sua hegemonia na estabilização da crise libanesa. Os sírios conseguiram impedir que o País dos Cedros se tornasse um satélite de Israel ao fazerem Amin Gemayel, irmão e sucessor de Bachir na presidência do Líbano e na liderança da milícia Falanges, se reaproximar do presidente sírio Hafez al-Assad e anular de facto o Acordo de Paz israelo-libanês assinado em maio de 1983; ao expulsarem a OLP do Líbano, após os palestinos reconhecerem Israel nas duas Cúpulas Árabes de Fez (Marrocos, 1982 e 1983), ainda em 1983; e ao também expulsarem do Líbano, de forma humilhante, as tropas dos EUA e da França, que sob os capacetes azuis da ONU agiam como gendarmes de facto do presidente Gemayel, no início de 1984.
Toda impunidade aos genocidas
Como punição à tentativa da OLP em reconhecer Israel, que isolaria a Síria, Hafez al-Assad, no dia seguinte ao fim do conflito libanês, em 13 de outubro de 1990, impôs nada mais e nada menos do que o chefe dos comandos do Massacre de Sabra e Chatila, Elie Hobeika, como ministro dos Recursos Hídricos e da Eletricidade ao novo governo libanês, permanecendo no cargo até a quarta invasão israelense do Líbano, em 1996.
A impunidade de Hobeika e dos demais autores do Massacre de Sabra e Chatila, além dos demais chefes milicianos que promoveram outras carnificinas na longa Guerra do Líbano, garantiria a impunidade de Ariel Sharon e a sobrevida de sua carreira política e criminosa em Israel. Duro opositor dos Acordos de Oslo de 1993, com base na lógica “terra por paz”, não perdia a oportunidade de combater a paz entre palestinos e israelenses. Mesmo que esta “paz” apenas legitimasse a subjugação dos palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e as ocupações militares do sul do Líbano e das Colinas de Golã (território sírio).
Portanto, a oposição de Sharon ao processo de Oslo foi apenas para desmoralizar, frente aos “maximalistas” ultra-direitistas israelenses, o então primeiro-ministro e líder trabalhista general Yitzhak Rabin, cuja conduta low-profile escamoteava a brutalidade de seu governo na repressão à Intifada (levante popular palestino anti-ocupação entre 1987 e 1993), na qual ordenou a quebra dos ossos dos manifestantes (homens, mulheres e crianças) e o uso de armas de fogo para assassinar quem arremessasse paus e pedras contra as forças repressivas. Rabin seria assassinado por um “colono” extremista israelense, em 1995, contrário à suposta devolução de terras aos palestinos em troca da suposta paz.
Pelo desaparecimento da Palestina
Visando um pretexto para esmagar definitivamente os palestinos, que se recusaram a aceitar as imposições dos EUA e de Israel nas supostas negociações de paz em Camp David, entre o então primeiro-ministro trabalhista general Ehud Barak e o líder da OLP Yasser Arafat no verão de 2000, Ariel Sharon, em comum acordo com o premier trabalhista, entrou na Esplanada das Mesquitas (em Jerusalém, sendo o terceiro lugar mais sagrado para os muçulmanos) acompanhado por seguranças fortemente armados, num verdadeiro ato de provocação aos palestinos muçulmanos. O plano macabro deu certo, os palestinos se rebelaram mais uma vez e Sharon, sempre brutal e muito popular, foi eleito primeiro-ministro em uma inédita eleição direta, em 2001, prometendo acabar com a chamada Segunda Intifada, desta vez, muito mais brutal e sangrenta em ambos os lados do que primeira. Se na Primeira Intifada a proporção entre palestinos e israelenses assassinados era de 10 para 1, com a Segunda Intifada (2000 – 2006), a proporção cairia para 3 por 1.
Sharon, no entanto, já havia evoluído em sua geoestratégia “maximalista” e de eliminação do “problema palestino”. A partir de 2002, em total desprezo à proposta de paz saudita na Cúpula Árabe de Beirute (ou talvez em decorrência dela), após promover o Massacre de Jenin, na Cisjordânia, com o assassinato de dezenas de palestinos, ordenara a construção de um muro para separar os territórios palestinos de Israel, num aparente plano de desengajamento dos territórios palestinos ocupados.
Mais uma vez o “desengajamento” não era mais do que uma falácia, apesar da retórica da mídia ocidental em defesa do muro em nome da “segurança” de Israel. Especialistas, tais como o geógrafo brasileiro Gilberto Rodrigues Jr., afirmam que o traçado do muro anexava mais territórios palestinos, sobretudo os mais ricos em recursos hídricos, separando famílias palestinas, impedindo-as de ir e vir.
Em busca da “solução final”
Na espiral de violência que impunha aos palestinos, na qual recebera luz verde dos EUA, sedentos de sangue após os atentados de 11 de setembro de 2001, Sharon realizava sua “guerra ao terror” criando a sinistra campanha de “assassinatos seletivos”. O primeiro alvo foi o líder espiritual do Hamas (a resistência islâmica palestina) xeque Ahmed Yassin, que era paralítico, bombardeado por um helicóptero, em março de 2004, logo seguido pelo assassinato do sucessor de Yassin, Abdel Aziz Rantissi, em abril do mesmo ano.
Ao mesmo tempo, as tropas de Sharon confinaram Yasser Arafat em sua residência oficial em Ramallah, na Cisjordânia. Arafat só sairia da residência com saúde seriamente debilitada sob circunstâncias misteriosas, morrendo num hospital em Paris, em 11 de novembro de 2004, sob causas jamais esclarecidas. Acusações de assassinato do líder palestino não tardaram a aparecer nos diversos meios de comunicação, inclusive ocidentais, como no Le Monde Diplomatique. Sharon finalmente havia cumprido a missão de assassinar Arafat, como pretendia fazer no cerco a Beirute em 1982?
De certa forma, o espectro da invasão de 1982 ainda assombrava o líder liberal israelense. Elie Hobeika ameaçava revelar a profundidade da participação israelense e de Ariel Sharon, sobretudo, no Massacre de Sabra e Chatila no Tribunal Penal de Bruxelas, mas foi assassinado pela detonação de uma bomba em seu carro, em 2002. No mesmo ano, seu motorista particular foi assassinado em São Paulo, no Brasil. Ambos os crimes são de autoria oficialmente desconhecida e deram o início a uma campanha de assassinatos de políticos no Líbano, que perdura até os dias de hoje. Não faltou quem apontasse Israel como autor destes homicídios.
Quanto mais atrocidades Sharon cometesse contra os palestinos, sem qualquer reação internacional, mais aumentava a popularidade do veterano general em Israel. Foi reeleito facilmente para o cargo de premier, em 2003, e não perdeu tempo em atacar a Síria, pela primeira vez em 30 anos. A política genocida de Sharon era um complemento à invasão da coalizão anglo-australo-americana do Iraque, apoiada pelo Irã e Israel, que exterminara, até aquele momento, centenas de milhares de iraquianos. A contribuição israelense para a destruição do Iraque pela coalizão colonial anglo-saxã foi o envio de “assessores” militares aos “esquadrões da morte” curdos, no norte do país mesopotâmico. Em último ato de uma trajetória marcada por crimes contra a Humanidade, o veterano general ordenou a retirada dos 8 mil “colonos” israelenses que ocupavam a Faixa de Gaza, no verão de 2005.
A “retirada” israelense obedecia a um cruel cálculo político: não era viável a manutenção de 8 mil sionistas fanáticos num pequeno território habitado por 1,3 milhão de palestinos hostis. O mesmo cálculo justificava a manutenção e ampliação dos “assentamentos” de mais de 500 mil judeus extremistas numa Cisjordânia habitada por 2,5 milhões de palestinos. Após o “desengajamento” da Faixa de Gaza, Sharon impôs um bloqueio por mar, ar e terra, em comum acordo com o então ditador egípcio, brigadeiro Hosni Mubarak.
Portanto, a geoestratégia de Sharon era clara: o genocídio como “solução final” para os palestinos da Faixa de Gaza, enquanto que a limpeza étnica era a única solução possível para a Cisjordânia, denunciou o historiador israelense Ilan Pappé, exilado na Inglaterra. O bloqueio à Faixa de Gaza não foi uma retaliação pela vitória do Hamas nas eleições parlamentares de 2006, sob estritas leis eleitorais impostas pelos próprios israelenses, mas, sim, um resultado da lógica da racionalização do genocídio. Sem os “colonos”, Gaza era um campo aberto para ataques irrestritos dos israelenses. Somente em 22 dias de bombardeio ao pequeno território, na virada de 2008 para 2009, mais de 1.500 palestinos foram exterminados. Dois terços dos mortos eram civis.
Lento e melancólico final
Com o bloqueio, o pequeno território se convertera no maior campo de concentração já conhecido até os dias de hoje. Apesar deste cruel objetivo político, a “retirada” de Gaza foi vista pelos “colonos”, tão beneficiados por Sharon em toda sua carreira política, como ato de “traição”, e de herói dos fanáticos “maximalistas” o veterano general passou a ser execrado por estes. A mídia ocidental liberal logo o transformou num “estadista”, capaz de fazer grandes sacrifícios em favor da paz com os palestinos. Com os filhos acusados de corrupção, Sharon foi internado num hospital sob circunstâncias pouco esclarecidas e logo foi induzido ao coma por recomendação médica em janeiro de 2006.
Pouco mais de 8 anos depois morreria. Seu funeral só teve o parco comparecimento de políticos internacionais decadentes. Nem mesmo o presidente dos EUA esteve presente, uma prova de que o general genocida nada mais era do que um capacho do império. O legado de Sharon não difere dos demais líderes israelenses: limpeza étnica e genocídio em larga escala contra os árabes, especialmente, os palestinos. Pois estes são os únicos meios pelos quais um Estado fundamentado no exclusivismo comunitário religioso pode sobreviver numa região marcada pelo pluralismo e pela coexistência étnico-confessional multimilenares.
Portanto, não podemos estranhar que os mais importantes grupos armados do mundo árabe, encarnação dos piores pesadelos dos cidadãos israelenses nos dias de hoje, fossem resultantes (“dano colateral”) das políticas de Sharon para o Líbano e a Palestina ocupada: o Hizbollah, fundado em 1985, como resposta à invasão israelense do Líbano, e o Hamas, fundado em 1988, como uma resistência à política expansionista dos “assentamentos” nos territórios palestinos, iniciada por ele como ministro da Agricultura no governo Begin. O Hizbollah, liderando a resistência árabe (palestina e libanesa), após expulsar a ocupação militar israelense do sul do Líbano, em maio de 2000, repeliu a quinta invasão israelense do Líbano, em 2006, na qual mais de 1200 árabes foram exterminados. Trata-se, portanto, do legado de ódio de um liberal dedicado ao extermínio de um povo.
Ramez Philippe Maalouf é Historiador (Uerj) e doutorando em Geografia Humana (USP)
(Correio da Cidadania)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-6786939227452596932014-01-29T22:43:00.001-08:002014-01-29T22:43:07.208-08:00Idosos
Contra a indústria da medicina para idosos
A vida saudável no Brasil é cara. Há sempre um remédio a ser vendido ao idoso, que acaba hipermedicado. Prometem curar até com a infelicidade.
Léa Maria Aarão Reis*
Roberto Brilhante
“Dizer ‘coma de forma saudável’ em um país subdesenvolvido soa como uma piada. Significa comer frutas quatro vezes por dia, folhas, alimentos orgânicos, sem agrotóxicos. É um discurso que se deve fazer, sim, para alertar as pessoas, mas a prática é difícil. De qualquer modo, o Brasil está comendo melhor, as pessoas fazem mais exercícios e isso é parte da prevenção secundária de doenças.”
A observação é do médico Ernani Saltz, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Federal Cardoso Fontes do Ministério da Saúde, no Rio de Janeiro. Ele atende a um grande número de mulheres e homens idosos por força da sua especialização, que trata do câncer, hoje considerado uma moléstia “crônico-degenerativa” por conta da longevidade esticada, como ele lembra.
Saltz coordenou a Campanha Nacional de Combate ao Câncer incluída na Campanha Nacional de Combate ao Fumo e comenta também: “A vida saudável é cara; há sempre um medicamento para vender ao idoso e um laboratório oferecendo remédio para tudo. O idoso acaba hipermedicado. Ora, não existe experiência médica sobre uma pessoa que toma seis, sete remédios ao mesmo tempo; ela ainda não foi realizada e não se sabe qual o resultado da interação desses diversos medicamentos no organismo.” Ele ressalta: “A indústria farmacêutica está vendendo a ideia de que, para cada transtorno, inclusive para a infelicidade, temos um remédio. Às vezes, as pessoas estão tristes por causa de um fato muito concreto, mas a sociedade não aceita.”
Na virada do século 19 para o 20, ele lembra, a expectativa de vida no Brasil era de 35 anos. As pessoas morriam de infecções e de acidentes. Hoje, no sul e no sudeste do país essa expectativa é igual à da Bélgica. “O país passou da fase da mortalidade infantil para a da doença crônico-degenerativa.”
As linhas entre meia idade, juventude, envelhecimento e velhice começam a se apagar. Muita gente madura atua com energia e vitalidade e vive conforme suas expectativas. Já as novas gerações dão mais atenção à saúde preventiva – o que não ocorria antes. Para garantir um futuro confortável para os novos velhos de agora é importante promover campanhas e ações educativas para desconstrução de estereótipos, para a valorizar e estimular a participação deles na sociedade. Vale lembrar que, segundo relatório recente do Banco Mundial do fim de 2013, a produtividade nos mercados de trabalho pode aumentar em até 25% com a inclusão dos idosos no processo.
Da parte da sociedade é preciso reivindicar e estimular a criação de centros de convivência para os mais velhos e o aprofundamento das políticas públicas de saúde existentes, embora elas tenham dado um passo adiante no Brasil, de onze anos para cá, com as diversas ações inclusivas do governo. També é necessário resistir à indústria da doença, que despreza a preservação da saúde e cuja clientela preferencial é composta pelos idosos, mais vulneráveis à dependência da figura do médico onipotente e às drogas químicas.
O programa Farmácia Popular que distribui medicamentos de uso contínuo aos idosos é um exemplo. Outro, a inclusão obrigatória nos planos de saúde privada de determinados tratamentos necessários à grande maioria dos mais velhos - fisioterapia em geral, fisioterapia cardíaca, RPG.
Mas é necessário mais: apoiar, por exemplo, a prática dos chamados cuidados de longa duração. O estado tem obrigação, segundo a Organização Mundial de Saúde, de fornecê-los, assim como apoio social para as pessoas com alguma limitação severa. Considerado pela OMS como direito humano fundamental, esta prática tem sido formalizada em acordos internacionais. A responsabilidade dos cuidados de longa duração, serviço que já faz parte do sistema de seguridade social em países desenvolvidos, deve ser “compartilhada entre estado, família e mercado privado”, assinala a demógrafa Ana Amélia Camarano no volume ''Cuidados de longa duração para a população idosa / um novo risco social a ser assumido?'' (Ipea/2010.)
O estado deve aumentar os investimentos no desenvolvimento de programas domiciliares e comunitários eficazes, de custos mais baixos, para atender à população necessitada, é o que registra Camarano. “Qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade de vida, por mais e melhores serviços”, acaba de lembrar a presidenta Dilma Roussef em seu discurso em Davos.
Outro aspecto de saúde pública relacionado aos idosos é apontado pelo neurologista e psiquiatra Marco Aurelio Negreiros, com vasta clientela de indivíduos de mais idade, no Rio de Janeiro. Ele chama a atenção para o fato de, às vezes, ser o próprio paciente idoso quem busca as tais “soluções mágicas” através de pílulas. O próprio paciente reforça a cultura da indústria médica da hipermedicalização.
“As substâncias que causam dependência e contidas em tranquilizantes, benzodiazepínicos e medicamentos com tarja preta, quando receitados de forma exagerada - para dizer o mínimo - são muito usadas pelos idosos. Proporcionam conforto químico, mas tornam o idoso dependente. Acalmam e aplacam a ansiedade, mas não tratam o distúrbio. Geram depressão e distúrbios da memória,” ele diz. O uso excessivo de benzodiazepínicos, típico da cultura brasileira, no entender de Negreiros, é caso de saúde pública. Eles não são mais tão usados na Europa nem nos Estados Unidos, onde o assunto vem sendo discutido cada vez mais amiúde apesar do lobby agressivo da indústria farmacêutica.
Os benzodiazepínicos têm efeitos prejudiciais cognitivos que ocorrem com frequência nos idosos e também podem piorar um quadro de demência. Em 2012, um estudo concluiu que a utilização de benzodiazepínicos por pessoas com 65 anos ou mais está associada ao aumento de aproximadamente 50% no risco de demência.
O psiquiatra americano Peter Breggin, da Universidade de Ithaca, estado de Nova Iorque, reforça: ”Atualmente, as pessoas usam estas drogas para a ansiedade, para a obesidade, para a menopausa, para tudo. Elas são as mais complicadas na hora de abandoná-las. É mais difícil deixá-las do que a sair do vício do álcool ou de opiáceos.''
No Brasil, segundo Negreiros, há até pessoas físicas vendendo essa medicação. “Certa vez, um paciente me contou,” diz ele, “que comprava benzodiazepínicos sem receita médica com alguém que os vendia em seu apartamento. Como se fosse uma boca de fumo de benzodiazepínicos.”
“A opinião corrente, infelizmente,” diz por sua vez Ernani Saltz, “é a de que os remédios e os exames são mágicos. Na medicina, o exame mais sofisticado é hoje relegado ao segundo plano: o exame físico. Poucos médicos examinam de fato o paciente. As pessoas se referem a esta prática como a dos ‘médicos de antigamente’ e isso é terrível.”
“Temos que examinar e apalpar os pacientes; mas a prática caiu em desuso. Há uma fantasia corrente de que os exames radiológicos e de laboratório vão resolver tudo – e não resolvem. Há uma falsa segurança das pessoas ao se submeter a eles. Ouvir e examinar, apalpar os pacientes e, eventualmente, encontrar alguma lesão precoce, apenas a mão experiente do médico e o seu conhecimento são capazes de descobrir.”
Houve um movimento de alegada falta de equipamentos médicos em cidades do interior do país, por parte de alguns profissionais da saúde, ano passado, quando se iniciou o programa Mais Médico que se inclui com destaque nas ações públicas da saúde favorecendo também os novos velhos brasileiros: seis mil e 600 profissionais atuando em mais de duas mil cidades do país e beneficiando 23 milhões de indivíduos. Em março próximo, 13 mil médicos atenderão a 45 milhões de pessoas – crianças, moços e idosos. São os dados apresentados pela presidenta Dilma Rousseff no seu discurso de fim de ano.
Se por um lado há situações em que há falta de equipamentos – como mamógrafos, por exemplo - por outro, em alguns locais distantes de centros urbanos, não existem técnicos nem médicos capacitados para operar as máquinas com eficiência e analisar com precisão os exames.
Os estrangeiros e os brasileiros contratados para o Mais Médicos são orientados para trabalharem na saúde da família e na medicina geral. É o que ocorre em Cuba, por exemplo, onde os estudantes se formam apesar da carência de recursos materiais. O oposto de alguns jovens médicos – nem todos eles, é claro - formados nas universidades brasileiras os quais, em seguida, com a prática vigente, acabam sendo parceiros da indústria farmacêutica no mercantilismo da saúde (principalmente da saúde dos idosos e das crianças) e no desinteresse pelo paciente.
Nos recentes resultados do exame de suficiência aplicado pelo Conselho de Medicina de São Paulo quase 60% dos formandos foram reprovados. Segundo o próprio Cremesp a deficiência se deu na “solução de eventos frequentes no cotidiano da prática médica.” Muitos desses jovens médicos demonstraram não conhecer o diagnóstico ou tratamento adequados para situações comuns e problemas de saúde tais como pneumonia, tuberculose, hipertensão e atendimento de urgência – vários deles, distúrbios que atingem com frequência os mais velhos.
E 67% dos formandos não souberam afirmar que o grau de redução da pressão arterial é o principal fator determinante na diminuição do risco cardiovascular em paciente hipertenso – geralmente pacientes mais idosos.
Atualmente, há uma procura maior por parte dos estudantes de Medicina, no país, pela especialidade da Geriatria. “Investir” no idoso, adotando expressão mercantil própria do sistema neoliberal, se torna “bom negócio”. Que seja assim desde que o negócio beneficie ricos e pobres em atendimento adequado e digno. Todos os indivíduos, ricos e pobres, desejam envelhecer ativos, com saúde e reivindicam qualidade de vida.
Como anota Saul Leblon nesta página, “a desigualdade continua obscena, mas as placas tectônicas se movem.” Isto se aplica à velhice dourada dos bairros elegantes e dos condomínios de luxo aos idosos das favelas e das comunidades dos conjuntos populares. Aos velhos pacientes do SUS e aos dos planos privados de saúde.
A professora de Psicologia Social da PUC-RJ, Teresa Creuza Negreiros, costuma descrever a nossa época como o mundo do “aperta botão e passa cartão”. Um mundo que pode ser vivido pelo idoso com maior dificuldade, como ela diz, o que não significa que a maioria deles se furte a ele: “O velho não é mais o estorvo que era no passado; não é um cidadão de segunda classe e não deseja se ver excluído.”
*Autora do livro Novos velhos – viver e envelhecer bem (Ed. Record)
(Carta Maior)
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-1048806025821734772014-01-29T22:39:00.002-08:002014-01-29T22:39:21.348-08:00Palestina
Jamal Juma: Primavera Árabe não ajudou Palestina. Situação é insustentável
Em entrevista à Carta Maior, o ativista palestino Jamal Juma fala sobre a situação de seu povo e sobre a realidade política na região pós-Primavera Árabe.
Marco Aurélio Weissheimer
Porto Alegre - A situação na Palestina está chegando a um ponto insustentável. O processo de negociação capitaneado pelo secretário de Estado dos EUA, John Kerry, não visa a oferecer uma solução de justiça e paz para os palestinos, mas sim dar a Israel a possibilidade de continuar a construir mais assentamentos. Desde a retomada das negociações, 42 palestinos foram mortos pelo exército israelense, quatro comunidades palestinas foram despejadas no Vale do Jordão e aumentou o processo de judaização de Jerusalém. A chamada Primavera Árabe, para o povo palestino, teve apenas o efeito de desviar a atenção de sua luta e diminuir a possibilidade de apoio de outros países árabes. A avaliação é de Jamal Juma, coordenador da Campanha Popular Palestina contra o Muro do Apartheid, Stop the Wall.
Jamal esteve em Porto Alegre na última semana participando do Fórum Social Temático 2014. Em entrevista à Carta Maior, ele fala sobre a situação de seu povo e sobre a mensagem que trouxe nesta visita ao Brasil: “Nós estamos aqui para trazer uma mensagem para nossos amigos da América Latina e, em particular, do Brasil, que é um grande país e tem uma longa história de luta contra o colonialismo e a opressão. Estamos pedindo ao Brasil e aos demais países da América Latina que cortem as relações econômicas e militares com Israel”.
Qual é a situação vivida pela Palestina neste momento? Qual a sua avaliação sobre a retomada do processo de negociações com Israel, capitaneado pelos Estados Unidos?
Jamal Juma: 2014 é um ano muito importante para a Palestina. Foi retomado um processo de negociação, mas essa negociação não visa chegar a uma solução com justiça, mas sim dar a Israel a possibilidade de continuar a construir mais assentamentos. Essas negociações não vão levar a nenhum lugar bom para os palestinos. Elas começaram em agosto (de 2013) e, de lá para cá, 9.500 novas unidades habitacionais começaram a ser construídas em assentamentos em diferentes áreas da Palestina. Isso significa que Israel prossegue sua política de colonização e de construção de fatos consumados para inviabilizar na prática a existência de um Estado palestino.
Desde a retomada das negociações, 42 palestinos foram mortos pelo exército israelense, quatro comunidades palestinas foram despejadas no Vale do Jordão. Neste período, também ocorreram ataques praticamente diários na zona da mesquita de Al Aqsa contra a comunidade muçulmana, criando uma situação muito explosiva em Jerusalém. Os colonos israelenses continuam atacando os palestinos em suas aldeias, fazendo incursões noturnas para queimar mesquitas e casas e para atacar pessoas nas ruas. A judaização de Jerusalém também prossegue, visando aniquilar qualquer sinal das culturas muçulmana e cristã e construir uma identidade unicamente judaica na cidade. Essa política se traduz, por exemplo, na mudança de nomes de rua ou na criação de colônias no centro de Jerusalém.
Ao mesmo tempo, como parte dessas negociações, os palestinos são proibidos de pedir reconhecimento como Estado membro junto à Organização das Nações Unidas e a outras organizações internacionais. Então, podemos esperar que essa retomada das negociações pode trazer paz para a Palestina? É claro que não. O que ocorre é uma forte pressão internacional para convencer os palestinos a se render e a aceitar a atual situação. É isso que Israel, os Estados Unidos e seus aliados querem.
Qual é a posição das forças políticas palestinas em relação a essas negociações?
Jamal Juma: Há um consenso entre todas as forças políticas e entre o povo palestino contra essas negociações. Nas ruas, percebe-se também uma raiva muito forte contra esse processo. Estamos aguentando esse processo para evitar que digam ao mundo que os palestinos são os responsáveis pelo fracasso das negociações. John Kerry tentou obter algumas concessões de Israel como o reconhecimento do Vale do Jordão como território palestino, a definição de um status compartilhado em Jerusalém ou algum outro reconhecimento dos direitos dos palestinos. Obviamente, não conseguiu nada disso. Neste momento, Kerry trabalha somente para conseguir um marco geral para continuar as negociações pela eternidade afora.
O secretário de Estado dos EUA está fazendo isso somente para não ter que admitir um fracasso completo, mas ninguém vai dar ele o mandato para prosseguir essas negociações indefinidamente. Então, em abril, quando terminar o período de nove meses de negociação, a situação tende a se deteriorar. Ou a Autoridade Palestina aceita as condições impostas, o que seria um suicídio político, ou parte para criar um consenso entre as forças políticas palestinas e abrir uma batalha legal contra Israel usando as leis e o direito internacional em todos os organismos internacionais, inclusive o Tribunal Penal Internacional, buscando conseguir o isolamento de Israel como um poder colonial e de apartheid.
Como está o movimento internacional de boicote a Israel? Parece que ele conseguiu ampliar sua força, principalmente em alguns países europeus.
Jamal Juma: Sim. Na Europa, diversos governos começaram a fazer pressão sobre suas empresas para que não invistam nos assentamentos israelenses localizados em territórios ocupados. É muito importante que no Brasil e na América Latina também se adotem essas diretrizes para cortar relações com empresas e instituições israelenses em vários níveis. Para citar um exemplo de relações comerciais, temos o caso da Mekorot, empresa de águas israelense que rouba água dos palestinos e a revende aos próprios palestinos pelo dobro do preço, e que está expandindo muito fortemente seus negócios na América Latina, em cidades como Buenos Aires e São Paulo, entre outras.
Nós estamos aqui para trazer uma mensagem para nossos amigos da América Latina e, em particular, do Brasil, que é um grande país e tem uma longa história de luta contra o colonialismo e a opressão. Estamos pedindo ao Brasil e aos demais países da América Latina que cortem as relações econômicas e militares com Israel. Até porque, historicamente, Israel apoiou as ditaduras nesta região e foi cúmplice das violações de direitos humanos. Queremos discutir esse tema. Não é possível que o Brasil seja o segundo maior importador de armas israelenses. É preciso revisar os acordos militares e econômicos firmados com Israel.
Como os recentes acontecimentos políticos em países como Egito e Síria estão afetando a luta dos palestinos? A chamada Primavera Árabe trouxe efeitos positivos ou negativos para a causa palestina?
Jamal Juma: O impacto que houve foi ter retirado atenção da luta palestina e desviar a atenção dos países da região para o que está acontecendo na Síria e no Egito. Como consequência disso também a possibilidade de ter mais apoio no mundo árabe ficou menor neste momento. Neste sentido o impacto foi negativo. A situação nestes países é muito incerta. Mas creio que temos todas as condições para a chegada de uma primavera palestina. A situação atual é insustentável. É uma situação de contínua humilhação e ocupação. Aceitar a negociação nos termos em que estão sendo colocados significa render-se a uma situação de apartheid e de escravidão.
Qual é a situação econômica do povo palestino hoje? Como são as condições de trabalho? Qual o cotidiano econômico?
Jamal Juma: Em realidade, não se pode sequer falar de uma economia palestina, pois ela se resume hoje praticamente às doações que chegam de fora. Uma vez que se corte essas doações não há mais economia palestina. Há algumas fábricas, mas a maior parte de quem está empregado depende diretamente dessas doações internacionais. Nossos recursos naturais, nossa terra e nossa água estão sob controle israelense. Nossas fronteiras estão sob controle israelense. Para exportarmos algo precisamos passar pelo controle israelense. Não há como construir uma economia sob tais condições de ocupação e controle.
(Carta Maior)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-79275614303085938182014-01-29T01:00:00.002-08:002014-01-29T01:00:12.738-08:00Holocausto Brasileiro
Holocausto Brasileiro. Vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil. Entrevista especial com Daniela Arbex
“Os funcionários alegavam não ter tido a dimensão da tragédia, que apenas seguiam a cartilha dos mais antigos. Eles também acabaram se desumanizando com o tempo”, reflete a jornalista.
Foto: Luiz Alfredo/Museu da Loucura (1961)
Durante o regime militar da Alemanha nazista, estima-se que cerca de 6 milhões de judeus perderam suas vidas nos campos de concentração. Ainda que um holocausto de tamanhas proporções jamais tenha se repetido na história desde então, a barbárie, a crueldade e a desumanização encontraram eco em vários lugares do mundo. No Brasil, uma das experiências mais emblemáticas é a do Hospital Colônia de Barbacena (MG), caso que se tornou conhecido pela alcunha de “holocausto brasileiro”.
Fundado em 1903, no interior de Minas Gerais, a história do Colônia ganhou espaço na mídia nos últimos anos a partir de uma série de reportagens publicadas no jornal Tribuna de Minas em 2012 e que deu origem ao livro Holocausto Brasileiro - Vida, Genocídio e 60 Mil Mortes no Maior Hospício do Brasil (São Paulo: Geração Editorial, 2013). Obrigados a andarem nus, a defecarem no chão em que dormiam e a enterrar seus próprios mortos, os internos eram enviados ao hospital literalmente para morrer. De acordo com a jornalista Daniela Arbex, autora da publicação, a vida dos internos do Colônia envolvia “um cotidiano de muita limitação, de frio, de fome, de maus tratos físicos e tortura psicológica”.
Os pacientes, que muitas vezes eram internados sem qualquer critério, eram os excluídos da sociedade. Pessoas indesejáveis, oponentes políticos, mendigos, prostitutas, homossexuais e, é claro, aqueles verdadeiramente doentes mentais, segregados da convivência diária para longe dos olhos da sociedade. “Pessoas que foram esquecidas pela sociedade, pela família, que eram ignoradas pelos próprios funcionários e pelos médicos, que testemunharam tudo e nada fizeram.”
Holocausto Brasileiro é o título escolhido por Daniela para registrar este período que, tal qual o Shoah, representou um crime não apenas contra aquelas pessoas, mas contra toda humanidade e que nunca deve ser esquecido. Em entrevista por telefone à IHU On-Line, ela relata detalhes da crueldade cometida contra os pacientes, que eram tratados por nomes de animais; destaca a venda de corpos e ossadas dos mortos sem consentimento das famílias e a visão dos funcionários do Colônia, que não conseguiam ter a dimensão de seus atos e alegavam apenas seguir a cartilha das práticas anteriormente aplicadas.
Foto: Luiz Alfredo/Museu da Loucura (1961)
“Estas pessoas foram se desumanizando, foram deixando de ver, e aquilo foi incorporado na rotina delas. Isso nos leva a parar, olhar para trás e refletir sobre o quanto a indiferença provoca barbárie”, alerta a jornalista. “A indiferença é você ignorar o que se passa, é fingir que não vê. É essa indiferença que contribui para a existência de barbáries como a do Colônia”, finaliza.
Daniela Arbex é jornalista graduada pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente é repórter especial do jornal Tribuna de Minas, veículo pelo qual foi vencedora por três vezes do Prêmio Esso de Jornalismo, além de diversos reconhecimentos nacionais e internacionais.
Confira a entrevista.
Daniela Arbex.
Regime político vigente à época com o tratamento dado aos pacientes? Os momentos finais do Colônia, em que ele esteve isolado da população, se deu durante o governo militar.
Daniela Arbex - Há uma relação forte, porque foi a época em que o hospital ficou o maior período blindado. Durante 18 anos nenhum repórter entrou no Colônia, então penso que há essa relação. Mas acredito também que não é só o momento político. A história do Colônia foi construída em cima da teoria eugenista de limpeza social, de se livrar de tudo que incomodava a sociedade. O Colônia foi uma forma de fazer isso acontecer, para que a sociedade pudesse ficar livre desse tipo de gente que incomodava tanto.
O que sustentou esse modelo foi exatamente essa cultura, que existe até hoje. Mesmo hoje em dia as pessoas continuam fingindo não ver, ignorando o sofrimento do outro. É só ver o caso dos grandes hospitais psiquiátricos, onde ainda há relatos de violação da dignidade humana. Esta é uma realidade que persiste mais de 100 anos depois.
Entre 1969 e 1980 foram vendidos 1.853 corpos para 17 faculdades de medicina sem que as famílias tivessem autorizado
IHU On-Line - Que importância a luta antimanicomial teve para dar fim ao holocausto brasileiro?
Daniela Arbex - A luta antimanicomial teve e tem seu lugar. Ela foi fundamental para se começar a pensar na extinção de um modelo que segregava mesmo, modelos que violavam a dignidade, que confiscavam a humanidade do indivíduo. Ela tem um valor incrível para a história e para a humanização dos modelos de atendimento.
Foi muito importante, no momento em que não se falava disso, que essas pessoas começassem a gritar e fizessem a sociedade discutir sobre uma realidade tão ignorada. Ignorada e cômoda também. Porque enquanto o hospício permanece cercado por muros, nós não precisamos saber o que está acontecendo ali.
Acredito que teve um valor incrível, agora há um longo caminho a ser percorrido, o desafio é imenso. Ainda não se venceu essa guerra e precisamos fazer com que os serviços essenciais, terapêuticos, ou o serviço substitutivo sejam capazes de substituir esse modelo hospitalar ultrapassado. Então acho que a sociedade brasileira precisa cobrar a implantação da rede substitutiva e, mais do que isso, que ela funcione com qualidade.
IHU On-Line - Por onde andam os “filhos do Colônia”? As crianças que nasceram lá?
Daniela Arbex - Então, eu encontrei duas. A filha da paciente Sueli Rezende, que nasceu lá. Hoje ela é graduada e formou uma família. Encontrei também o João Bosco, que é bombeiro e membro da banda do corpo de bombeiros da polícia militar de Minas Gerais. É uma pessoa muito batalhadora, muito digna. Ele conseguiu reconstruir, refazer essa história, mas passou a maior parte da vida sem saber que era órfão de uma mãe viva. Ele não sabia que a mãe estava viva, e a mãe também não sabia que o filho vivia; os dois se encontraram mais de 40 anos depois. Então essa lacuna que foi deixada na vida dessas pessoas, que deixaram de conviver com seus pais, com suas mães, é uma coisa que não se resgata. Apesar de essas pessoas terem, de alguma forma, dado a volta por cima, e elas são muito valorosas por isso, vai sempre haver uma lacuna na vida delas.
IHU On-Line - Quem eram os responsáveis/gestores do Colônia (Estado, Município, União)? Alguém foi responsabilizado pelos maus-tratos?
Daniela Arbex - Não, ainda não teve um responsabilização. Eu vejo muitas pessoas hoje cobrando uma responsabilização, algumas críticas que, inclusive, afirmam que o livro não dá nomes, mas eu não podia ser injusta. Eu não podia citar um nome, sendo que essa foi uma barbárie cometida durante cinco décadas. Durante 50 anos passaram pelo hospital milhares de pessoas, funcionários, médicos e profissionais de toda sorte, isso sem falar da própria população de Barbacena (MG) e dos familiares dos pacientes espalhados pelo país inteiro. Eu acho muito difícil que haja uma individualização dessa responsabilidade. Para mim, o mais correto e talvez o caminho possível fosse a responsabilização do Estado de Minas Gerais que foi responsável pela manutenção do Hospital, porque essas pessoas estavam sob a custódia do Estado.
Foto: Luiz Alfredo/Museu da Loucura (1961)
IHU On-Line – Você chegou a conversar com funcionários? Como eles enxergavam o tratamento que era aplicado aos pacientes?
Daniela Arbex - Na verdade eles não enxergavam. Eu conversei com muitos funcionários e a resposta era sempre a mesma. Eles alegavam não ter tido a dimensão da tragédia, que apenas seguiam a cartilha dos mais antigos e aprenderam que era daquela forma que devia ser feito. Eles também acabaram se desumanizando com o tempo. Alguns tentaram fazer alguma coisa (poucos na verdade), mas eu acho que essa rotina acabou desumanizando essas pessoas de alguma forma. Elas não tinham a dimensão exata da gravidade dos atos e do que estava acontecendo ali. Agora, olhando para trás, muitos confidenciaram que se arrependem e que podiam ter feito mais, que podiam ter evitado mortes, e isso para mim foi surpreendente.
IHU On-Line – Foi uma escolha muito feliz o termo Holocausto Brasileiro, porque esse comportamento dos funcionários lembra muito o que Hannah Arendt fala da banalidade do mal no próprio Holocausto.
Daniela Arbex - Exatamente. Eu tive pouquíssimas críticas em relação ao nome, mas uma pessoa colocou publicamente que achava que nada podia ser comparado ao nazismo. E o livro mostra exatamente o contrário, pode ser comparado sim, pois o Colônia foi também um campo de extermínio em massa. As condições nas quais as pessoas foram mantidas, a forma com que elas foram tratadas, as vítimas tendo que enterrar seus próprios mortos, enfim, penso que se assemelha muito ao que aconteceu na Alemanha nazista.
IHU On-Line – A banalidade do mal se caracteriza por um comportamento que segue a cartilha, segue a técnica, sem que haja nenhuma reflexão humana sobre o acontecimento. Como você vê isso no caso do Colônia?
Daniela Arbex - Volto à questão da construção da cultura da época. Aquelas pessoas não eram vistas como gente, porque elas nunca foram tratadas como gente. Ao contrário, muitas não tinham nem nome de gente. Quando entravam no hospital eram rebatizadas e recebiam nomes de animais. Uma delas, por exemplo, foi apelidada de gansa, outra de boi... Começava ali, ao não considerar essas pessoas como gente. Passa também pelo pensamento de achar que essas pessoas, por serem tidas como loucas, não mereçam um tratamento digno, humanizado. Os psicofármacos também foram introduzidos no país na década de 1950; então tem tudo isso.
Todo o estigma da loucura, toda a falta de recursos da época, todas essas limitações levaram aos abusos sistemáticos. Agora, eu entendo que a segregação fazia parte da cultura da época e faz parte da cultura de hoje, mas o que eu nunca vou conseguir entender e jamais irei aceitar são os abusos que foram cometidos. Porque uma coisa é você segregar, é tirar essa pessoa do seu convívio social. Outra é maltratar, deixar passar fome, passar frio, é você violar a dignidade dessa pessoa de todas as formas. Para mim, isso é grave, é crime de lesão à humanidade em qualquer tempo.
Quanto a essa banalização do mal, eu entendo que as pessoas foram se desumanizando, foram deixando de ver, aquilo foi incorporado na rotina delas. “É assim mesmo, eu não consigo mudar e o que eu vou fazer?”. Elas passaram a cometer os mesmos equívocos de outras pessoas e, quando se viu, isso durou quase um século. Então se você pensar que a abertura dos porões da loucura começou na década de 1980, você vai ver que durante oito décadas isso foi admissível. Como? Isso nos leva a parar, olhar para trás e refletir sobre o quanto a indiferença provoca barbárie. A indiferença é você ignorar o que se passa, é fingir que não vê. É essa indiferença que contribui para a existência de barbáries como a do Colônia.
IHU On-Line - Você tem planos para outras publicações?
Daniela Arbex - Tenho. Estou iniciando as entrevistas para um próximo livro que já está sendo preparado. Não vai ser sobre esse tema, mas também trata de uma história encoberta no país. É um livro que fala sobre o funcionamento de instituições, de acolhimento de forma irregular, mas não é sobre a loucura. Não especificamente, porque é sobre outras loucuras que o ser humano faz e comete.
(Por Andriolli Costa e Ricardo Machado)
(I.H.U.)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-52644847357000868252014-01-29T00:57:00.002-08:002014-01-29T00:57:55.559-08:00Escravidão
Recife (PE) - Esta semana, foi notícia no Jornal Nacional e em todas as visões e tevês:
O Brasil pode ter o primeiro casal de beatos. Eles viveram nos séculos 19 e 20, no Rio de Janeiro, e tiveram uma vida totalmente dedicada à igreja e à caridade. Jerônimo de Castro Abreu Magalhães nasceu em Magé, na Baixada Fluminense, em 1851. Zélia Pedreira Abreu Magalhães, em Niterói, no ano de 1857.
O casal era rico, dono de uma fazenda de café na época da escravidão e eram considerados um exemplo de bondade. “Todos aqueles que os serviam, e nesse período eram os escravos, 500 escravos, mas todos eles tinham salários, todos eram tratados com dignidade, tinham moradia. A grande preocupação não era acumular dinheiro”, ressalta Dom Roberto Lopes, da Arquidiocese do Rio de Janeiro..
"A partir de agora, a história de Zélia e Jerônimo vai ficar mais conhecida. E o casal já conquista novos devotos. Nesta primeira etapa, a Arquidiocese do Rio vai recolher documentos e ouvir testemunhas. Depois, encaminhar ao Vaticano. A beatificação depende de um milagre”.
Por isso não, o milagre já foi conseguido: tornaram santa a boa escravidão no Brasil.. Amigos, não vou entrar no mérito dos processos de beatificação em geral, para não cair em desgraça ou exibição do meu desconhecimento sobre as vidas dos beatos e dos santos. Mas aqui, no caso particular de Zélia e Jerônimo, saímos do capítulo da mistificação para um crime contra a história: como é possível um processo de beatificação para senhores escravocratas? Mais: como é possível que esse paradoxo se noticie sem uma sombra sequer de pluma da dúvida?
Mesmo em se tratando de personagens do século XIX, de ricos senhores das almas e corpos em fazendas de café, não podemos deixar de ver um dilema. Se Jerônimo e Zélia algum dia fizessem um exame honesto de consciência, daqueles exames feitos antes de uma honrada confissão, eles não poderiam fugir desta encruzilhada: ou libertavam os seus escravos, ou eram parasitas do suor de homens e mulheres negros. Não pode haver honra que sobreviva em um escravocrata, por mais bem intencionado que seja. O papel que ele exerce é um pecado sem remissão.
O interessante, como um mal sem cura, como o desenvolvimento de uma doença, é que as tentativas de amaciamento da crueldade da escravidão no Brasil continuam nesse processo de beatificação, com a imagem do bom senhor de escravos. “Zélia e Jerônimo nunca tratavam seus escravos como sendo propriedade sua, lá eles viviam em liberdade e recebiam inclusive salário”, dizem sobre os novos santos. E mais: “o tratamento dispensado ao elevado número de escravos que trabalhavam na Fazenda Santa Fé era tão humano que, após a abolição da escravatura, nenhum dali saiu, aí continuando a viver e trabalhar.” Mas como? Esse comportamento não foi único, na vontade de homens tornados escravos também na alma, que não tinham opção: ou continuavam com seus bondosos, ou saíam para morar na rua e viver na fome.
De uma descrição de arquitetos que visitaram a antiga fazenda Santa Fé, a propriedade dos santos senhores de escravos, copio o trecho: “as senzalas possuíam construções distintas para homens e mulheres.”. O que era um ato piedoso, sem dúvida, comento aqui, pois assim evitavam a promiscuidade da negraria no cio. E mais: “A Fazenda Santa Fé, ainda segundo Antônio Pinto Corrêa Júnior, produzia anualmente 20 mil arrobas de café, chegando a produzir 40 mil arrobas em alguns anos”. Agora imaginem tamanha fortuna se construindo sob o regime de uma caridosa escravidão.
O gênio Charles Darwin no diário da sua passagem no Brasil, em 1871, escreveu que uma vez, ele irritado, falando alto, gesticulou com a mão próxima ao rosto de um escravo. E teve como resposta, diante de si, um homem com os braços soltos para baixo, com a fisionomia transfigurada pelo terror, com os olhos semicerrados, na atitude de quem esperava uma bofetada, e dela não podia se esquivar, paralisado. E Darwin anotou: “Nunca me hei de esquecer da vergonha, surpresa e repulsa que senti ao ver um homem tão musculoso ter medo até de aparar um golpe, num movimento instintivo. Este indivíduo tinha sido treinado a suportar degradação mais aviltante que a da escravidão do mais indefeso animal”.
Agora, a Igreja deseja tornar santos dois senhores de escravos. As pessoas de Jerônimo e Zélia, como novos Romeu e Julieta, para o conjunto de escravocratas talvez fossem até generosas. Talvez oprimissem mais suave, sob a doce e benevolente coerção, quem sabe, algo do gênero “se o negro faltar à produção, papai do céu castiga”. Jerônimo e Zélia podem ter sido até mesmo boas almas, cristãs, fervorosas. Mas santificar o casal de escravocratas é o mesmo que santificar uma ordem injusta. Ninguém jamais foi santo possuindo escravos.
Urariano mota
(Direto da Redação)Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-754941111534500831.post-2196641274976208412014-01-29T00:51:00.002-08:002014-01-29T00:51:41.248-08:00AllendeO governo de Salvador Allende: um legado inspirador?
Escrito por Jorge Magasich
Quando, em 1970, a coalizão que reuniu praticamente toda a esquerda lançou um programa de promoção da socialização e liberdades democráticas, muitos olhos se voltaram para Santiago. O impacto do sucesso excederia a América Latina: os estudantes, entre outros, aqueles que pensam na Espanha pós-Franco, aqueles que buscam formar uma coalizão semelhante na Itália, ou aqueles que preparam a l'Union da gauche francesa. Quase quatro décadas depois do fim trágico, seu legado parece ganhar importância. É talvez uma das poucas experiências socialistas do século XX que pode inspirar outras no século XXI. A edição chilena do Le Monde Diplomatique ofereceu uma série de artigos, traduzidos pelo Correio da Cidadania, sobre os principais aspectos do governo da Unidade Popular (UP) e sua projeção para os nossos tempos. Aqui vamos dar uma visão geral dos temas a serem discutidos.
Instalado em La Moneda, o governo de Salvador Allende lança seu projeto de nova sociedade. Transformar 4.400 fazendas obsoletas em cooperativas, num total de 5,8 milhões de hectares. Nacionalizar o sal, carvão, ferro e cobre, talvez a medida econômica mais transcendental do século. Organizar o setor social da economia, incluindo quase todos os bancos e mais de 150 empresas que produzem a plena capacidade, sem que haja denúncias de corrupção. E implantar um sistema de planejamento computadorizado inovador (então chamado cibernética). O aumento da produção permite um aumento significativo na receita para a maior parte dos quase 10 milhões de chilenos, especialmente os mais humildes.
Não se conhece mudanças tão profundas e rápidas na América Latina. Nem o presidente mexicano Lázaro Cárdenas, pai da primeira reforma agrária e da nacionalização do petróleo, nem Jacobo Arbens na Guatelama, nem João Goulart no Brasil, nem o próprio Fidel Castro, transformaram tanto em tão pouco tempo.
Embora os resultados econômicos sejam difíceis de avaliar em virtude do boicote, que desde 1972 se traduz em filas e mercado negro, pode-se constatar que os resultados do primeiro ano, quando o projeto se desenvolveu em condições normais, são positivos. Em 1971, os deserdados viviam melhor, o que se traduziu nos resultados eleitorais: a Unidade Popular passa dos 36,4% obtidos nas eleições presidenciais de 1970 a 50,2%, alcançados nas eleições municipais de abril de 1971, sendo assim, o primeiro bloco político que propõe o socialismo que consegue a maioria absoluta. Nas parlamentares de março de 1973, chega a 43,7%, um dos melhores resultados de uma coligação governante aos três anos de mandato e, neste caso, afrontando os efeitos da crise econômica instalada.
Fazendo história
O "governo popular" suscita uma torrente de esperanças para operários, agricultores, empregadas domésticas e servidores de todos os tipos, até então desprezados pelas elites. Os despossuídos vivem pela primeira vez a sensação fascinante de poder forjar destinos, de ser protagonistas da revolução para incidir no curso da história. E atenção: o tratamento aos humildes é o reconhecimento mais respeitoso com a mudança dos tempos.
O clima de contentamento popular é revelado nos rostos dos manifestantes de esquerda, dos que emanam alegria e esperança, ao contrário de seus adversários que refletem uma mistura de raiva e angústia (2).
E neste triênio de efervescência, discutiu-se iradamente de política, mas também arte, em todas as suas formas. Um clima excepcionalmente inovador incentivou, como nunca, voltar-se à cultura. A produção cinematográfica, musical e literária vive um momento especial. A edição em grande cadência dos clássicos nacionais e estrangeiros, em tiragens impressionantes, de 50 a 100 mil exemplares vendidos nas bancas a preços pouco acima de um maço de cigarros.
O país em mutação acolhe numerosos estrangeiros, como terra de asilo ou simplesmente de observação. Nas universidades, construiu-se um amplo restaurante para os delegados da UNCTAD, aberto ao público em 1972 a preços populares, escutava-se o espanhol em todas as suas faixas, incluindo ressonâncias portuguesas, norte-americanas e europeias.
A transgressão das hierarquias é subversiva na sociedade classista chilena, a tal ponto que muitos setores altos e médios não toleravam a emergência de "inferiores" e, de fato, temem irracionalmente, a ponto de clamar para que alguém restabeleça a "ordem "a qualquer preço.
Desde o primeiro ano de governo, as correntes conservadoras conhecem uma mudança surpreendente. De defensores dos valores tradicionais se transformam em organizadores da insurreição, que toma a forma de greves destinadas a paralisar o aparato produtivo, campanhas de imprensa extremamente agressivas nos meios que controlam, chegando inclusive a difundir falsas informações. E recorrem ao terrorismo contra as ferrovias, pontes e dutos para matar pessoas. No entanto, a direita sozinha não poderia agir. A CIA se orgulha, segundo o relatório Covert, da ação no Chile, de ter influenciado os democratas cristãos a se unir com o Partido Nacional de extrema-direita com o objetivo de derrubar o governo.
Golpe documentado
Embora algumas sombras existam, o golpe de 1973 é um dos mais bem documentados. As comissões parlamentares organizadas pelos EUA para investigar seu envolvimento no Chile fizeram relatórios esclarecedores, ao que se adiciona a publicação de documentos secretos “desclassificados”.
Foram as medidas da UP pouco ou radicais demais que provocaram o golpe? Hoje sabe-se que não. A decisão foi tomada na Casa Branca em 15 de setembro de 1970, 50 dias antes da posse de Allende.
Já em março de 1970, Agustín Edwards alerta David Rockefeller que os “EUA teriam que impedir a eleição de Allende”, e conseguem contatar Henry Kissinger. Depois da eleição, o proprietário do El Mercúrio tem duas decepções: descobre que os rumores de uma revolta naval não são mais que isso (3) e o embaixador Edward Korry responde que os EUA não farão nada (4).
Voa para Washington. Numa segunda-feira, 14, na casa de Donald Kendall, presidente da PepsiCola e aliado de Richard Nixon, "adverte" Kissinger e o procurador-geral John Mitchell sobre as "consequências de derrubar Allende". Em outra reunião, Edwards discute com o diretor da CIA, Richard Helms, as chances de parar Allende legalmente e também "uma possível ação militar." Kendall parte para fazer lobby na Casa Branca.
No dia 15, Nixon convoca Kissinger, Mitchell e Helms. Determina que o governo Allende não é aceitável e ordena a CIA a organizar uma "operação secreta" para impedir a posse de Allende, tomar ou derrubar seu governo: "Há talvez uma possibilidade em 10, mas salvem o Chile", "10 milhões disponíveis, mais se for necessário", " trabalho em tempo integral, os melhores homens"," faça a economia gritar de dor", "48 horas para um plano de ação".
Os fatos são categóricos. Primeiro, impacta o desprezo de Edwards e Kendall pela vontade popular, só podem existir os governos "aceitáveis" para eles. Em seguida, o poder de influência da Casa Branca, que também zomba do processo democrático. E, finalmente, a reveladora documentação. É - diz Peter Kornbluh - o primeiro registro de um presidente americano dando instruções para derrubar um governo democrático.
Notas:
1.Martner G. Gonzalo, 1988, O governo do presidente Salvador Allende, 1970-1973. Uma avaliação, Ed. Programa de Estudos e Desenvolvimento Nacional e Edições literatura americana reunida, p. 161
2. Esta observação foi confirmada por pessoas que, na época, eram ativistas de direita.
3. ARANCIBIA Patricia, de 2005, conversando com Roberto Kelly V. Memórias de uma vida, Ed. Biblioteca Americana de Santiago, p 124.
4. As atuações de Edwards quando ele vai para os Estados Unidos para insistir que um golpe de Estado no Chile são expostas por Peter Kornbluh em 2003; Os EUA e a derrubada de Allende. Uma história desqualificada. Ed B. Os documentos foram publicados pelo Arquivo de Segurança Nacional.
Jorge Masasich é historiador chileno e leciona em Bruxelas.
Próximo artigo: O desemprego de outubro de 1972 e a primeira tentativa de derrubar o governo, freada por uma a mobilização original popular.
Traduzido por Daniela Mouro, Correio da Cidadania. Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/12128769705771596778noreply@blogger.com0