quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Capitalismo

Wallerstein: “nenhum sistema é para sempre” Posted in: Capa, Geopolítica, Mundo Por: admin - 12/11/2012. Print Friendly Para sociólogo, capitalismo não sobreviverá à crise, mas o que emergirá é imprevisível. Por isso, próximas décadas serão cruciais Entrevista a por Lee Su-hoon | Tradução: Hugo Albuquerque e Inês Castilho Em dois sentidos, pelo menos, o sociólogo norte-americano Immanuel Wallerestein parece disposto a contrariar as ideias que ainda predominam sobre a crise iniciada em 2007. Primeiro, no diagnóstico do fenômeno. Para ele, estamos diante de algo muito mais profundo que uma mera turbulência financeira. Foram abaladas as bases do próprio capitalismo. Ou, para usar um conceito caro a Wallerstein, do “sistema-mundo” que se desenhou a partir do século 16, em algumas partes da Europa, e se tornou globalmente hegemônico desde os anos 1800. Tal sistema teria atingido “o limite de suas possibilidades”, sendo incapaz de sobreviver à crise atual. Se ainda temos dificuldade para compreender o alcance das transformações em curso é porque, presos à inércia, demoramos a aceitar que “há alguns dilemas insolúveis”. “Nada dura para sempre – nem o Universo”, lembra Wallerstein, um tanto irônico. O segundo ponto de vista não-convencional deste sociólogo – também um pesquisador de enorme repercussão internacional nos terrenos da História e da Geopolítica – diz respeito ao que virá, diante do eventual colapso do atual sistema-mundo. Ele diverge dos que pensam, baseados numa interpretação pouco refinada do marxismo, que podemos permanecer tranquilos – já que o declínio do sistema atual dará necessariamente lugar a uma ordem fraterna e socialista. Não – diz Wallerstein – o futuro está mais aberto que nunca. O declínio do capitalismo pode abrir espaço, inclusive, a um sistema mais desumano – como sugere a forte presença, em todo o mundo, de correntes de pensamento autoritárias e xenófobas. Estamos, portanto, condenados à ação, sugere este pensador, em cuja obra destaca-se a tetralogia “O Sistema Mundial Moderno”. Se o sentido do século 21 é imprevisível, isso deve-se ao fato de ele estar sendo construído neste exato momento, “em uma infinidade de nano-ações, desempenhadas por uma infinidade de nano-atores, em múltiplos nano-momentos. Em outras palavras, convoca Wallerstein, não se trata de prever o futuro, mas de construí-lo, inclusive em ações e atitudes quotidianas. Para transformar, contudo, é preciso conhecer. Talvez por isso, embora aos 83 anos e consagrado por vasta obra teórica, Wallerstein dedica-se, em seu site, a análises quinzenais sobre temas contemporâneos muito concretos. Boa parte do material produzindo nos últimos dois anos traduzida e publicada por “Outras Palavras”. Entrevistado há poucas semanas pelo cientista político coreano Lee Su-hoon, ele avança no exame destes temas, muitas vezes expressando pontos de vista pouco usuais. Indigado sobre a Europa, onde os cortes de direitos sociais e serviços públicos parecem não têm fim, propõe que se busque alternativas olhando, por exemplo, para a Argentina e Malásia. Estes países saíram da crise porque contrariaram, nas décadas de 1990 e 2000. Agora, pensa Wallerstein, o espaço para fazê-lo é ainda maior – mas é preciso ter coragem política. O mundo irá tornar-se mais seguro se o Irã for impedido de desenvolver energia atômica? A resposta é “não”, garante este professor da Universidade de Yale: o atual Tratado de Não-Proliferação nuclear (TNP) é absolutamente hipócrita e será cada vez mais ineficaz. Contra o que ele preconiza, prevê Wallerstein, diversos países do Sul desenvolverão armas atômicas nos próximos anos – inclusive o Brasil… China e Estados Unidos tendem a se converter em potências globais inimigas? Nada demonstra esta hipótese, frisa ele. A despeito da retórica, e da necessidade de satisfazer audiências locais, na prática Washington e Beijing mantêm cada vez mais interesses em comum. A entrevista completa, publicada pelo ótimo jornal sul-coreano Hankioreh, vem a seguir. (A.M.) “O sentido do século depende do que fizermos agora”: Wallerstein encontra o subcomandante Marcos no México, em 2007 Lee Su-hoon: Você disse: “Nos próximos 50 anos o mundo vai mergulhar em uma turbulência econômica séria e, mais tarde, o capitalismo vai enfrentar uma crise tremenda, como a da Grande Depressão”. As pessoas dizem que a crise se deve à ganância de Wall Street e à bolha imobiliária etc. Como você analisa essa crise? Wallerstein: Faz cinco anos que eu não mudo de opinião. Basicamente, a meu ver, estamos em uma crise estrutural da economia capitalista mundial desde os anos 1970, e ela vai continuar. E não vai ser totalmente resolvida até talvez 2040 ou 2050. É difícil prever a data exata, mas vai levar muito tempo. No momento, o sistema mundial está bifurcado. Tem problemas de tal magnitude que não poderá sobreviver, está tão longe do equilíbrio que não há como voltar atrás. Mas para onde ele vai é totalmente incerto, porque, como disse, essa bifurcação significa que, tecnicamente, há duas formas de resolver uma mesma equação, o que não é normal. Em linguagem leiga, isso significa simplesmente que o futuro sistema mundial, ou sistemas mundiais (porque não sabemos se haverá um só) que vai ou vão surgir no final desse processo podem ter, no mínimo, duas variedades fundamentais. Assim, não se pode prever qual sistema teremos, porque ele vai ser uma consequência de uma infinidade de nano-ações, desempenhadas por uma infinidade de nano-atores, em múltiplos nano-momentos – e ninguém é capaz de elaborar tanta coisa. Mas vai acontecer. Então, aqui estamos nós, no meio de tudo isso. É caótico, como se diz. E o que significa dizer “É caótico”? Significa que as flutuações são enormes e, portanto, há incertezas inclusive no prazo muito curto. Isso significa que uma pessoa que preveja qual será a relação entre o iene, o dólar, o euro e a libra dentro de um ano será alguém muito corajoso. Não há como saber. Mas os empresários precisam dessa informação. Eles têm de ter o mínimo de estabilidade, do contrário correm o risco de sofrer perdas enormes. Isso os deixa paralisados, com muito receio de se envolver em qualquer tipo de investimento, uma das coisas que está acontecendo no mundo todo. É por isso que o desemprego explodiu. E é também por isso que os governos estão em tal dificuldade financeira, pois sem essa produção adicional não há receitas fiscais, e sem receitas os governos passaram a sofrer um grande aperto. E então o desemprego aumenta, o que coloca mais pressão sobre o governo. É o que acontece hoje em praticamente todos os países do mundo. Os governos têm menos dinheiro e enfrentam demandas para gastar mais. Isso, naturalmente, é impossível: não se pode ter menos e gastar mais. Então, eles vêm com tudo quanto é tipo de solução. Nenhuma parece funcionar. É onde nos encontramos atualmente. Lee: E muitos países europeus estão enfrentando uma crise fiscal, uma espécie de moratória, o que os leva a tentar obter ajuda da UE (União Europeia) e do BCE (Banco Central Europeu). Wallerstein: Os europeus têm um problema básico. Possuem pelo menos nove moedas, e 17 países compartilham o euro. Mas não têm um governo federal. É uma situação muito complicada, pois significa que os governos não podem intervir em sua própria moeda. Uma dos instrumentos que os governos utilizam tradicionalmente para lidar com suas dificuldades é aumentar ou diminuir o valor da moeda. Ao diminuir o valor da moeda pode-se vender mais; aumentando o seu valor, pode-se comprar mais. Os países da zona do euro não têm essa opção, porque nenhum país tem moeda própria. E eles estão enfrentando os mesmos problemas de todos os outros. Ou seja, exigências crescentes, porque o aumento do desemprego gera mais demandas sobre o governo. Ao mesmo tempo, a receita do governo diminui, porque não há empregos. Sua única opção (da Grécia, Espanha, Portugal ou Irlanda) é obter ajuda, algum tipo de solidariedade. Então eles se deparam com a relutância, por parte dos países mais ricos, em “salvar” os mais pobres. Isso não leva em conta o fato de que o único e maior beneficiário da zona do euro é, de fato, a Alemanha. E é justamente o país que está fazendo o maior estardalhaço sobre não querer ajudar outros países, a menos que façam X, Y ou Z – medidas que, na verdade, só pioram a situação. Essa é a questão da zona do euro. É o problema enfrentado por todo o mundo, acrescido do fato de que esses países não podem manipular individualmente suas próprias moedas. Mas o problema básico não é diferente daquele dos EUA, da Rússia, do Egito ou de qualquer outro lugar onde haja aperto. Lee: Aqui na Coreia, os especialistas e a mídia apresentam dois argumentos diferentes. A Irlanda, a Grécia e outros gastam muito dinheiro em benefícios sociais – essa é uma linha de argumentação. A outra é o efeito de contágio, por causa da facilidade de migração na zona do euro. Wallerstein: Vamos lidar com os dois argumentos. O primeiro é “a Grécia está em apuros porque exagerou no bem-estar social”. Isso é exatamente o que o Partido Republicano diz sobre os EUA. É um mesmo argumento para todo o mundo, não um argumento especial para a Grécia. A reação das forças mais conservadoras a essa crise é dizer “corte benefícios”, o que significa “reduzir os gastos do governo”. Mas se você cortar benefícios reduz também o poder de compra das pessoas. Cria assim uma demanda menos eficaz. Por exemplo, uma pessoa que fabrica camisetas, ou algo assim, tem menos clientes. De forma que essa não parece ser a solução. Para mim, só piora o problema. De qualquer forma, a questão é que não é um problema específico da Grécia, da Espanha ou de Portugal. É um problema de todos os países. Agora, o efeito de contágio. O que acontece é que, como os governos estão sem recursos, precisam de dinheiro emprestado. E para obter esse dinheiro, dependem do mercado. As pessoas emprestam dinheiro com mais facilidade quando veem possibilidades de obter reembolso. Então há, sim, um efeito de contágio na Europa: a Grécia começa a ter problemas, Portugal e Irlanda começam a ter problemas, e Espanha e Itália começam a ter problemas. E agora é a França que está se metendo em encrencas, e depois a Holanda e a própria Alemanha. É o efeito de contágio, em parte criado pelas agências de classificação de risco – que não são neutras –, mas também um problema muito real. O efeito de contágio vai da Europa para os EUA, e da Europa para o resto do mundo. Vai deixando as pessoas paralisadas. Isso significa que, quando veem as coisas indo tão mal, dizem “bem, pode dar errado em outros lugares também, portanto, não vamos emprestar o dinheiro”, ou “vamos exigir taxas de juro mais elevadas”. Mas se tomamos o dinheiro emprestado a taxas de juros mais altas, sobra ainda menos dinheiro para gastar em outras coisas. Esse é exatamente o problema mundial. Então, novamente, não vejo isso como um problema especialmente europeu. A questão na Europa, no momento, é saber se as forças que dizem ”os países europeus estariam em situação melhor se não houvesse euro” conseguirão aboliro euro e voltar para suas moedas nacionais. Há um certo movimento nessa direção, tanto da direita como de alguns setores de esquerda. A esquerda europeia não gosta do fato de que Bruxelas, com tanta influência, tenha um viés neoliberal tão forte. Diz-se (em alguns países escandinavos e mesmo na França): “estaríamos melhor se estivéssemos livres do controle de Bruxelas”, em oposição ao ponto de vista ainda dominante – o de que o euro fortalece a posição europeia frente ao resto do mundo e, mais especificamente, frente aos Estados Unidos. Está acontecendo uma luta política, não há dúvida. Tendo a acreditar que, em geral, deve-se separar a retórica política da realidade e das pressões geopolíticas. A retórica política é em geral uma resposta a uma circunstância política imediata de um país. Se a chanceler Angela Merkel diz certas coisas na Alemanha, não é necessariamente porque ela acredita naquilo, mas porque, na próxima eleição, que pode ser muito em breve, ela julga que com isso ganharia votos. A mesma coisa vale para Obama. Vale também, tenho certeza, para o presidente da Coreia. Os políticos têm de se preocupar com a próxima eleição. Isso não significa que: (a) eles querem realmente dizer o que falam, e (b) o que dizem tem importância. Não acho que importe muito. Ainda que, numa situação muito volátil, a estupidez possa prevalecer. Em geral, o que acontece é decorrente de pressões geopolíticas. Então, penso que a pressão para manter o euro, os benefícios em termos de geopolítica, são muito maiores do que a pressão para voltar às moedas individuais. A chanceler Merkel está dizendo às pessoas, em toda a Europa, “deixem-me fazer isso, e então terei cacife político para convencer os políticos e eleitores alemães a me acompanhar”. Penso que a Europa vai concordar com um aumento do federalismo, ainda que não chamem isso de federalismo, porque não gostam dessa palavra. Mas um fortalecimento do poder central e, em consequência, um aumento do fluxo de dinheiro. Nos EUA, um estado como o Mississippi só não vai à falência porque o governo federal pode redirecionar dinheiro para lá. É disso que a Europa precisa. É isso o que querem realmente dizer as pessoas que estão clamando por “solidariedade”. Se você me pedir que faça previsões, penso que a probabilidade de vermos, em três anos, não apenas um euro, mas um euro fortalecido, é muito maior do que o contrário. E algum tipo de mecanismo que permita enfatizar menos a prosperidade e mais a volta de recursos, ter o dinheiro fluindo novamente, é a única solução de curto prazo para os problemas europeus, assim como para os dos EUA. Lee: Gostaria de acrescentar algo em sua análise da situação da zona do euro. Você mencionou os países escandinavos, que são mais fortes em termos de benefícios sociais. São os que mais gastam com bem-estar social e os que pagam mais impostos. Mas não estão em crise, embora se argumente que o chamado “populismo do bem-estar” social é inteiramente errado. Wallerstein: Sim, evidente. Isso pode ser demonstrada de várias maneiras. É claro, existem cinco países nórdicos diferentes, cada um com uma situação um pouco diferente, inclusive aqueles que estão e aqueles que não estão na zona do euro, e os que estão e os que não estão na OTAN. Mas, em geral, você tem toda a razão ao dizer que aqueles cinco países nórdicos ainda são estados de bem-estar fortes, com impostos relativamente altos. Lee: Sim, na verdade o problema fiscal da Europa é um problema mundial. Quando você olha para países específicos, há diferenças. Em alguns países, a corrupção é mais grave do que em outros. Wallerstein: Vamos nos deter um pouco na corrupção. Penso que a corrupção é mais grave nos EUA, na Grã-Bretanha, na França e na Alemanha, do que em alguns casos de países muito citados em todo o mundo. Eles são fichinha, perto da corrupção real. Temos escândalos o tempo todo nos EUA, França e Grã-Bretanha. Quando você se depara com esses escândalos, de repente descobre que se trata de trilhões de dólares. Já quando ocorre algo do tipo em Myanmar ou no Iraque, por exemplo, estamos lidando com milhões, nem sequer com bilhões de dólares. Assim, a corrupção é uma arma deveras etnocêntrica. Os países do Norte tendem a dizer que os do Sul são imorais, porque são corruptos. Mas não dizem que somos imorais porque somos corruptos. A corrupção é geral em nosso sistema. É geral porque, se você tem um sistema em que o principal objetivo é a acumulação de capital, a corrupção é simplesmente um aluguel que as pessoas que estão no lugar certo cobram, da acumulação sem fim do capital. Dizer que “eles não deveriam” é uma posição moral correta, mas retórica, porque eles irão até onde der, já que a opinião pública não gosta de enxergar a corrupção. E talvez uma ou duas pessoas sejam presas por um tempo relativamente pequeno, mas, basicamente, nada mais é feito contra a corrupção. Quando foi a última vez que uma pessoa corrupta dessas foi mandada para uma prisão de verdade, por um período realmente longo e teve de devolver todo o dinheiro que levou? Isso simplesmente não acontece. Lee: Quando ouvi o discurso de feito por Obama ao se candidatar à reeleição, anotei o que ele apresentou como receitas para salvar os EUA dos tempos difíceis: criar mais postos de trabalho na indústria, reconstruir a classe média, enfatizar a educação, cortar tributos sobre a riqueza, uma nova política energética, a redução das importações e benefícios sociais que incluíssem assistência médica – um tema sempre muito controverso nas eleições norte-americanas. Mas eu me surpreendi ao ouvir as mesmas coisas dos candidatos presidenciais aqui na Coreia do Sul. Claro, a Coreia tem uma situação peculiar: a divisão da península, razão pela qual a questão da paz e a questão nuclear são importantes. Fora isso, os programas e políticas socioeconômicas eram mais ou menos idênticos. Isso me levou a pensar se a Coreia do Sul seria como os EUA socioeconomicamente. Cerca de vinte anos atrás a Coreia do Sul foi saudada como modelo para os países de Terceiro Mundo, uma vez que alcançou o crescimento econômico com relativa igualdade. Mas após as crises de 1997 e 2008 a Coreia do Sul revelou-se muito parecida com os EUA, e então as receitas políticas são quase idênticas nos dois países, penso eu. Wallerstein: Bem, não discordo. Dentre os países mais ricos do mundo, a Coreia do Sul não está no topo, mas não está muito mal. As opiniões sobre o bem-estar social parecem estar divididas entre os conservadores e as pessoas de esquerda. Mas penso que, na verdade, a divisão pode ser mais ampla. Quando se olha para o papel do governo nos países mais pobres do mundo, ainda há a questão de quanto eles têm de benefícios sociais. Uma das coisas que o neoliberalismo, como um movimento atuante desde os anos 1980, tem prescrito para os países do Sul é: “Vejam, ocês têm todos esses problemas econômicos. Querem emprestar dinheiro de nós? Então reduzam os benefícios sociais, porque isso é dinheiro jogado fora”. A teoria age como uma força conservadora contra o governo local, que está atuando mais à esquerda. É o mesmo tipo de debate. Você se lembra da chamada ”crise da dívida asiática” de 1997? De repente, uma série de países do Leste e do Sudeste da Ásia se viu encrencado economicamente. Ou seja, o dinheiro desapareceu. Os governos viram-se em apuros. Alguns buscaram ajuda, dizendo: “emprestem-nos dinheiro.” E esses governos contaram que a resposta recebida em geral foi: “emprestar dinheiro para vocês? Sim, desde que façam assim e assado”. O único país que se recusou a tomar dinheiro emprestado nesses termos foi a Malásia — e ela foi o que se recuperou mais rapidamente, por ter recusado. Ao aceitar as exigências, a Indonésia provocou a queda de Suharto. E eu gostaria de citar este episódio. Trata-se de uma famosa atuação de Henry Kissinger, um político reconhecidamente de direita. Após a queda de Suharto, ele escreveu: ”como vocês (FMI e governo dos EUA) podem ser tão estúpidos? Vocês prescrevem para o governo de Suharto medidas que provocam sua queda e colocam, no seu lugar, um governo à esquerda dele. É mais importante manter Suharto no poder do que negar-lhe dinheiro. Vocês não entenderam suas prioridades. A prioridade é geopolítica, e não econômica”. Ele os repreendeu por fazer o que vinham fazendo há dez ou vinte anos em países menos importantes que a Indonesia. A Coreia ficou no meio, tendo em vista o modo como respondeu. Teve uma atuação melhor do que a dos países que se entregaram completamente ao FMI, mas não tão boa quanto a da Malásia. Uma das coisas que se aprende com isso, e depois do que aconteceu na Argentina, é que esses países têm mais poder geopolítico do que acreditam ter e são mais capazes de reagir contra agências tipo FMI. Naturalmente, o FMI e o Banco Mundial aprenderam a lição. E começaram a falar em programas contra a pobreza. De repente, sua linguagem mudou, como resultado da crise da dívida asiática, porque se deram conta daquilo que Kissinger estava lhes dizendo: precisam ser mais astutos politicamente; não podem ser estritamente econômicos em suas exigências. Lee: Na convenção do Partido Democrata norte-americano deste ano, Joseph Biden afirmou, repetidamente, que “os EUA não estão em declínio”, e Obama disse que “os EUA são um país do Pacífico”. Isso pode ser interpretado como um retorno dos EUA à zona asiática do Pacífico, inclusive sugerindo a contenção da China. Wallerstein: Aqui há duas questões. Uma delas é afirmar que os EUA não estão em declínio. A outra é o que eles estão tentando fazer com essa ênfase na Ásia e no Pacífico. “Os EUA não estão em declínio” é um mantra nos Estados Unidos. Nenhum político pode dizer que os EUA estão em decadência. Na verdade, todos eles se esforçam para negar essa realidade, porque a população dos EUA não está preparada para aceitar o fato de que os EUA não são mais o “Número 1”, um exemplo admirado no mundo inteiro. Eles não vão dizer isso publicamente. É uma pena porque, a meu ver, uma das coisas importantes é tornar a população dos Estados Unidos mais consciente da realidade geopolítica e do fato de que os EUA são um país muito forte – mas não mais, em nenhum sentido, acima dos demais. Há vários países com avaliação melhor que os EUA em determinadas questões. E a capacidade de os EUA para influenciar a situação em várias partes do mundo diminuiu enormemente. Então, penso que é preciso separar a retórica política da realidade política. E agora, o que os Estados Unidos estavam fazendo na Ásia? A primeira coisa a notar é que os EUA não têm força econômica e militar suficiente para engajar-se por completo, como costumavam, na Europa e na Ásia. Se eles dizem publicamente “vamos estar fazer isso na Ásia”, querem dizer ao mesmo tempo que não vão fazer isso na Europa. Isso não está sendo ignorado pelos europeus. Está sendo ignorado pela opinião pública dos Estados Unidos. Ou seja: isso, em parte, é admitir o declínio. Agora, a segunda parte é ”conter” a China. Os comunistas chegaram ao poder em 1948. A China não tem sido politicamente popular nos EUA. A Guerra da Coreia, entre o Norte e o Sul da península, foi também uma guerra entre os EUA e a China. Não a denominamos assim, mas essa é a realidade. E a linha de armistício não é tão diferente da linha anterior à guerra. Considero que houve um empate militar entre a China e os EUA. Nenhum dos lados ganhou. No entanto, a retórica era muito forte nos dois lados, China e EUA denunciando um ao outro de todas as maneiras possíveis, até que Nixon foi à China, guiado por seus instintos geopolíticos e os de Henry Kissinger. A combinação era bastante forte. Ambos eram muito cínicos e muito inteligentes. Naquele momento, a China travava uma grande disputa com a União Soviética. Tinham um terreno comum. Uniram-se contra a União Soviética, é simples assim. Agora, a Guerra Fria acabou, e a União Soviética não existe mais, e há algo chamado Rússia, que é o mesmo país e ao mesmo tempo um país extremamente diferente. A China ficou mais forte do que era antes – militarmente e economicamente. Mas não se deve exagerar. A China está se afirmando geopoliticamente como líder da Ásia. Mas, trinta anos atrás, ninguém na África ou na América Latina pensava na China. A China simplesmente não fazia parte da cena. Agora, mudou. A China ambiciona ser uma potência, e uma potência mundial precisa interessar-se por todas as partes do mundo, da mesma forma que os EUA e a Grã-Bretanha, que são potências mundiais, estão interessados em todas as partes do mundo. Nesse sentido, a União Soviética era uma potência mundial. A China e os Estados Unidos têm muitas diferenças sobre questões imediatas, e esfregam isso na cara um do outro, de modo errado, de tempos em tempos. E atualmente há um monte de difamadores da China nos EUA. Os políticos gostam de culpá-la por tudo. Isso irrita os chineses, mas é um jogo. Se você olhar para a realidade das políticas dos Estados Unidos e a realidade das políticas chinesas ao longo dos últimos trinta anos, verá que eles nunca fizeram nada que ultrapassasse os limites um do outro. Têm sido muito cuidadosos em manter boas relações geopolíticas. Então, não considero tão significativa a nova ênfase dos EUA na Ásia e no Pacífico. Primeiro, vejo isso como um show de retórica, em parte para os EUA e em parte para os outros países da Ásia, porque há que se preocupar com a Coreia do Sul, Japão, Vietnã e Filipinas. Estes países são ambivalentes com relação aos EUA. Eles gostam dos EUA, porque Washington os ajuda em certas coisas. Por outro lado, não querem realmente os EUA. Então, têm relações complicadas. E os EUA sentiram que precisavam reassegurar a esses aliados que não os haviam excluído da cena completamente. Não acho que seja mais do que isso. Penso que, quanto a isso, os dois lados não vão cruzar a linha, a não ser a linha retórica, no máximo. Agora, a península coreana é de fato uma das questões cruciais nas relações EUA-China, porque temos um país chamado Coreia do Norte e outro chamado Coreia do Sul. Ambos são muito coreanos, e o nacionalismo coreano é muito forte. A pressão geopolítica pela reunificação é enorme. E agora os EUA e a China têm de se preocupar com isso. Se as tropas americanas tiverem que sair, isso significa que a Coreia reunificada possuiria armas nucleares? E se eles tiverem armas nucleares, o que os japoneses diriam sobre isso? E Taiwan? Penso que a pressão para nuclearizar, para acabar com a abstenção de armas nucleares na Coreia do Sul, no Japão e em Taiwan é muito forte. Não acho que os EUA estejam felizes com isso. Nem a China. O que leva à aproximação, não ao distanciamento dos EUA e da China. E ambos estão tentando descobrir, “podemos parar este processo?” Não posso enxergar o que têm em mente, mas suspeito que isso está no topo da sua lista de preocupações. O fato é que eles antecipam, não que a Coreia do Norte vá se desnuclearizar, mas que a Coreia do Sul, o Japão e Taiwan venham a se nuclearizar. Se você me pedir novamente uma previsão, diria que em dez anos, todos eles estarão nuclearizados. E não acho isso desastroso. O fato de os EUA e a União Soviética terem, ambos, armas nucleares, foi um fator importante para garantir que não haveria guerra entre eles. Foi uma coisa positiva, e não negativa. Agora, é claro, com armas nucleares existe sempre a possibilidade de desastre. As armas nucleares estão em determinado lugar, sob um comandante militar. Ele pode apertar um botão qualquer e dispará-las. Nossa aposta é que ele, como indivíduo, irá obedecer ao comandante-em-chefe do seu país. Em 999 das vezes, é possível contar com isso. Mas há sempre uma chance em mil de haver um oficial descontrolado. Ademais, é bem verdade que, havendo mais armas nucleares no mundo, as pessoas podem roubá-las. Isso vem sendo discutido com relação ao Paquistão. Continua-se a dizer: ”Você sabe, o Paquistão tem de 70 a 80 armas nucleares e bombas” e “Será que os lugares onde estão armazenadas são realmente bem protegidos?”, “Alguém, afiliados à Al Qaeda ou talvez a outro grupo, poderia atacá-los e roubá-los?” Assim, não excluo o potencial negativo da nuclearização generalizada. Mas não penso que isso significa que o Irã irá bombardear alguém. Na verdade, os governos usam as armas nucleares como um mecanismo de defesa, e não um mecanismo agressivo. Usam como um modo de se safar de ser bombardeados. Os EUA foram para o Iraque não porque ele tinha armas nucleares, mas porque ele não tinha. Os EUA sabiam que, portanto, Bagdá não poderia responder com uma arma nuclear. Penso que essa é a lição que o Irã e a Coreia do Norte tiraram imediatamente do que aconteceu no Iraque. Na verdade, do ponto de vista da Coreia do Norte, essa é a única proteção real que eles têm militarmente, no momento. Minha previsão é de que, em dez anos, todos os países da Ásia Oriental terão essas armas. E também muitos outros países, como Brasil e Argentina. Suécia, Egito e Arábia Saudita as terão. Sempre pelas mesmas razões: para evitar de ser bombardeado pelos outros. Lee: E se todo mundo desistisse das armas nucleares, inclusive aqueles que já as possuem? Wallerstein: Isso seria o ideal, se você considera possível convencer os EUA ou o Paquistão, Índia, Israel, França e Grã-Bretanha. Mas não há política que possa persuadir esses países a reduzir os armamentos nucleares a zero. Você poderá persuadi-los a reduzir o número de bombas que têm, em certas condições. Mas voltar a zero não seria prático. Pela simples razão de que é difícil verificar se os outros estão de fato reduzidos a zero. Há muitas maneiras de esconder essas coisas. É por isso que eles não vão aceitar. Mas essa é a razão porque o tratado de não-proliferação nuclear é uma farsa, pois basicamente o que ele diz é que ninguém deve possuir armas nucleares, exceto os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. O resto de vocês, o mundo todo, deve renunciar a qualquer tentativa de ter armas nucleares, e em troca disso nós prometemos duas coisas: (1) vamos reduzir significativamente o nosso estoque, e (2) vamos permitir que você desenvolva a energia nuclear para fins pacíficos. Desde que o tratado entrou em vigor, não houve uma redução significativa, e agora todo o mundo está falando novamente em renovar e expandir. Os três únicos países que se recusaram a assinar o tratado são a Índia, o Paquistão e Israel. E isso agora está praticamente aceito. Eles desafiam o mundo, desafiam todas as regras, e agora são membros do clube. Os EUA têm boas relações com os três países, e nenhum foi penalizado por ter armas nucleares. Lee: Então, o que você diz sobre a nossa tentativa de persuadir a Coreia do Norte a desistir das armas nucleares… Wallerstein: É que é impossível. Se eu estivesse dirigindo a Coreia do Norte, certamente não concordaria. Lee: Se for esse o caso, acha que o impasse atual entre os EUA e a Coreia do Norte vai continuar? E o que dizer da China? Wallerstein: Mais uma vez, há a retórica e a realidade. De fato, os diplomatas norte-americanos sabem, todos, que essa proibição é impossível. Mas não sabem o que fazer. Eles certamente não podem dizer, por razões políticas internas, que “não há esperança”. Então imaginam que, colocando pressão sobre a China, estão, por tabela, pressionando a Coreia do Norte. E usam um mecanismo de retardo, não um mecanismo sério. Os militares dos EUA dizem “não vamos enviar tropas ao Irã em hipótese nenhuma”. Por outro lado, os EUA estão comprometidos com Israel e Israel, por sua vez, está dizendo: “Temos que bombardear o Irã”. Então, o que fazem os EUA? Operam com seu mecanismo de retardo. Isso reflete as limitações essenciais do poder dos EUA, o que revela parte de seu declínio. Houve um tempo em que eles não precisavam retardar. Houve um tempo em que podiam tomar decisões fortes sobre outros países. Já não podem. Aqui estamos. Separemos a retórica da realidade geopolítica. Lee: Isso deixa muitos coreanos progressistas, que são-aliança, pró-negociações, pró-diplomacia, pró-processo de paz, muito pessimistas. Wallerstein: Por que? Há muitos possíveis acordos entre as Coreias do Norte e do Sul, a começar pelas questões econômicas. Veja, se você está no comando de um regime como o da Coreia do Norte, tem que levar em conta a realidade geopolítica. Por outro lado, quer permanecer no poder. Até agora, eles contaram com um regime de mão pesada, muito repressivo, e o apoio do exército. Podem tentar continuar a reprimir a maioria, os famintos, podem tentar ludibriá-los com a ideologia, tentando fazê-los acreditar que vivem maravilhosamente bem. Mas hoje é cada vez mais difícil fazê-los acreditar nisso. Então é preciso dar-lhes um pouco de bem-estar social – o que significa que deve haver algumas mudanças na política econômica da Coreia do Norte, na linha das que foram feitas pela China e Vietnã. Tanto a China quanto o Vietnã mostraram a eles um modelo, no qual um partido único pode permanecer no poder e ainda assim promover uma abertura econômica. E acho que o novo líder está tentado pela idéia, mas é um caminho difícil. Ele tem as mesmas dificuldades em negociar com o seu público interno que a chanceler Merkel tem, que Obama tem, e certamente todo o mundo precisa se preocupar em manter a retórica satisfatória, internamente. Assim, ele pode ser capaz de ter algo equivalente ao que os chineses fizeram, como as Zonas Econômicas Especiais. Lee: Se você fosse o presidente da Coreia do Sul, interessado em desenvolver boas relações com a Coreia do Norte, se esforçaria mais para ajudá-la nesse esforço? Wallerstein: Se eu fosse o presidente da Coreia do Sul é o que eu faria, até onde fosse politicamente possível. Você precisa assegurar um equilíbrio, mantendo o poder político na sua base e as demandas geopolíticas. Mas penso que esse vai ser o caminho a seguir. Sei que a resposta das forças mais conservadoras na Coreia do Sul seria dizer ”bem, nós tentamos uma política de diálogo e não funcionou.” E a resposta é ”sim, não funcionou, em parte porque os tempos eram diferentes, o líder era diferente, com uma atitude diferente. E em segundo lugar porque as coisas foram feitas sem entusiasmo. Talvez a gente tenha que fazer ainda mais.” Esse tipo de debate acontece o tempo todo na política. Lee: Tocamos em muitas questões hoje. Uma última questão é sobre o capitalismo fundamentalista. Depois da crise de 2008, houve uma volta à abordagem keynesiana do mercado. Pessoalmente, acho que eles não estão certos, mas isso levanta a questão do futuro do capitalismo. Wallerstein: Algumas reformas vão resolver esse problema. Mas as pessoas estão muito reformistas na sua abordagem dos problemas. É muito difícil para elas aceitar o fato de que há alguns dilemas insolúveis. Quando digo que alguma coisa é insolúvel, elas dizem “oh, nós gostamos do seu argumento até aqui, mas esse ponto nos incomoda.” Os sistemas têm vida. Nenhum sistema dura para sempre. Seja o universo, o maior sistema que possamos conhecer, ou o menor dos nano-sistemas que não podemos ver, nenhum deles vai durar para sempre. Em sua vida, os sistemas se movem gradualmente para mais e mais longe do equilíbrio até atingir um ponto em que já não podem equilibrar-se novamente. E nós somos um sistema. É o chamado sistema mundial moderno. Foi um sistema bem sucedido, mas atingiu o limite das possibilidades. Quando comecei a dizer isso, trinta anos atrás, as pessoas riam. Agora elas não riem, argumentam contra. Já é um progresso. Penso que daqui a vinte anos as pessoas vão estar bem conscientes disso. Pelo menos assim espero, porque é muito difícil empenhar-se em políticas inteligentes para tentar empurrar o mundo para a direção certa, sem que se esteja ciente da realidade. (Outras palavras)

Primeira frase

A primeira frase: uma leitura de Kafka e de outros escritores publicado em recortes por mauricio de boni Pegue um livro e leia a primeira frase. Este (nem sempre) breve conjunto de palavras tem um enorme peso em todos os outros que se seguirão até o último ponto. Contém traços do estilo de seu autor que, em certos casos, o elevam ao máximo. Alguns são mestres em criar frases para abrir suas obras e, em consequência disso, indispensáveis. bolaño, garcia, hemingway, kafka, kerouac, literatura, marquez, philip, roberto, roth © Jack Kerouac, 1956 (Wikicommons). Francine Prose, autora de “Para ler como um escritor – Um guia para quem gosta de livros e para quem quer escrevê-los” (2008, Jorge Zahar Editor), organizou . Sua maneira de ensinar análises e citar obras obrigatórias revela que para os iniciantes da arte da escrita a paixão é pedra fundamental. Uma das lições iniciais de seu livro fala sobre a insuperável importância da frase de abertura das obras. Grande parte dos escritores é apaixonada por construir belas frases, principalmente esta primeira, fundamental. Prose aponta a leitura desacelerada e atenta como método para o trabalho estilístico - em alguns casos levado ao extremo – não passar despercebido. Dada a importância da primeira frase, é ela que evidencia o que será desenrolado pelo resto das páginas e define se o leitor seguirá até o fim. Não importa o tamanho ou o rebuscamento; a frase pode tanto conter apenas quatro palavras como ser abarrotada de subordinações ordenadas em cascata. É ela que desencadeia o mistério, revela o estilo, introduz a trama, em suma, captura o leitor. É notável como, de acordo com Prose, os autores dão importância a isso. Tanto os por ela citados como os escolhidos ao acaso. Jack Kerouac, escritor cerne da geração Beat, logo de cara joga o leitor no meio de suas andanças e peregrinações sem roteiro que, desenroladas, não acabam necessariamente com o fim do livro. Sem rodeios, Kerouac quer mesmo transmitir certa falta de noção em suas grandes viagens, e faz isso bela e energicamente, levando o leitor junto, sem lenço nem documento. Ernest Hemingway constrói com clareza quase infantil. Philip Roth entrega em poucas linhas as agonias de seus protagonistas. Escritores latinos, como Gabriel Garcia Marquez e Roberto Bolaño, iniciam normalmente com reflexões do personagem ou do ambiente em que estão. O leitor deve permanecer por algum tempo lendo até se encontrar - depois, não há mais como fugir. bolaño, garcia, hemingway, kafka, kerouac, literatura, marquez, philip, roberto, roth © Ernest Hemingway em sua casa em Cuba, 1953 (Wikicommons). Com Kafka, segundo Prose, tem-se muito a aprender. Foi um exímio construtor de frases; um mestre das linhas de abertura – e das frases ao longo de todas suas obras. Buscava as doses certas nos momentos certos, logo, a frase primordial tornava-se de extrema importância para a sincronia do que viria a seguir. bolaño, garcia, hemingway, kafka, kerouac, literatura, marquez, philip, roberto, roth © Kafka, estátua em Praga, (Wikicommons). Em A Metamorfose, obra largamente lida e estudada em todo o mundo , Kafka abre com “certa manhã, ao despertar de sonhos intranqüilos, Gregor Samsa encontra-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.” Tão vastos são conteúdo e importância presentes apenas nessas poucas palavras que toda uma análise poderia ser construída sobre a curta introdução. Uma incógnita tão grande quanto a traição de Capitu na obra de Machado de Assis (outro escultor de frases) são as questões que se levantam em torno de Gregor Samsa: quem era, por que se tornara um inseto monstruoso e ainda que inseto monstruoso era esse. Atravessada a primeira frase e logo a primeira página, o caminho é um só. mauricioboni mauricio de boni volta e meia é encontrado em livrarias admirando títulos e capas, e, esporadicamente, na cozinha criando coragem ao assumir experiências cada vez mais complexas (o mesmo ocorre com a escrita). Saiba como fazer parte da obvious. Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2012/11/a_primeira_frase_um_ensaio_sobre_kafka_e_outros_escritores.html#ixzz2C3epDg58

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Mabelle M. Arruda

É minha bellzinha, só p lembrar...

Obesidade entre elefantes

Preocupadas com os altos índices de obesidade entre elefantes, autoridades na Índia estão adotando medidas para tentar controlar o peso dos animais. Em algumas regiões do país, por razões religiosas, elefantes são mantidos em templos, participando de cerimônias e festivais. No Estado de Tamil Nadu, na região sul, quase todos os elefantes que vivem nos templos estão obesos. Em entrevista à BBC, funcionários dos templos disseram que as dietas dos animais estão sendo modificadas por orientação de veterinários. "A elefante fêmea do templo, Parvathi, de 15 anos, está 500 kg acima do peso e estamos tentando reduzir isso", disse Pon Jayaraman, administrador do templo Madurai Meenakshi Amman. Outro elefante, no templo Kallazagar, está pesando 700 kg a mais do que o recomendado para a sua idade - segundo Ravindran, guardião oficial da fêmea Madhuravalli, de 48 anos. Vida Sedentária Os veterinários explicam, no entanto, que obesidade e vida no cativeiro estão intimamente ligados. Elefantes que vivem na floresta comem cerca de 200 tipos de alimentos, incluindo frutos, flores, raízes e galhos. No cativeiro, sua dieta deixa de ser tão variada. Os especialistas dizem também que os animais que vivem soltos nunca comem alimentos como arroz, sal e açúcar. Elefantes selvagens caminham, sobem morros, cruzam rios e andam em terrenos variados. Eles também competem com outros animais pelos recursos naturais disponíveis. Um veterinário-chefe de Tamil Nadu disse: "No cativeiro, elefantes comem constantemente e isso, aliado à falta de exercícios, torna os animais obesos". Funcionários de templos argumentam que os animais são levados regularmente para caminhadas de pelo menos 5 km diários. Mas pesquisas indicam que elefantes selvagens têm de varrer áreas de pelo menos 20 km quadrados diariamente para que possam ingerir os cerca de 250 kg de vegetais de que precisam todos os dias. 'Pecado Grave' O ex-diretor do Wildlife Institute of India, AJT John Singh, disse que manter os animais no cativeiro é um "grave pecado". "Elefantes são animais sociais e têm incríveis vínculos sociais uns com os outros. Romper isso, e manter o animal sozinho, é como confinamento solitário, a maior forma de punição para um ser humano". Administradores dos templos argumentam que ambientes muito semelhantes aos naturais foram criados para os elefantes que vivem nos templos. Militantes pelos direitos dos animais, no entanto, contestam essas afirmações. Estudos mostraram que muitos dos elefantes que habitam templos por toda a Índia - inclusive em 37 templos situados no Estado de Tamil Nadu - estão vivendo em condições terríveis. Superstições também contribuem para o desconforto dos animais. Por exemplo, astrólogos sugerem que alimentar elefantes afasta o mal. Uma opção sensata, segundo John Singh, seria que vários templos se unissem para comprar um pedaço de terra com vegetação natural, água e alimento para que os animais pudessem viver soltos. Eles seriam trazidos para o templo em ocasiões festivas. Militantes vêm argumentando, há bastante tempo, que manter os animais no templo é uma forma de abuso e viola os direitos dos animais. Os veterinários dizem que até mesmo alimentar os animais com alimentos diferentes daqueles que eles encontrariam no seu habitat natural já é, indiretamente, uma forma de abuso. (BBB)

Cinema

Taxi Driver: um filme sobre a solidão em cinema por Isabel Nobre em 27 de jul de 2012 às 15:40 Taxi Drive é um filme sobre “um homem solitário de Deus”, como o protagonista mesmo afirma durante o desenrolar do enredo. Uma solidão acompanhada por um sentimento de deslocamento diante de um mundo de contornos tão perversos e que não propõe grandes expectativas para um cidadão comum. Taxi Driver estreou no cinema 1 de Nova York no dia 8 de fevereiro de 1976, ao meio dia. O roteiro foi escrito por Paul Schrader, filho de calvinistas holandeses, que se baseou nos seus sentimentos reprimidos para escrevê-lo (certa vez, quando ele era ainda uma criança, sua mãe enfiou uma agulha debaixo de sua unha para que ele pudesse “saber como era o inferno” e fazer de tudo para não ir para lá, não podia assistir televisão, ir ao cinema ou ler livros, seu pai considerava quase tudo pecado e batia no garoto e seu irmão, Lucas Schrader, também roteirista, diariamente). Paul escrevia sempre com um revólver carregado ao seu lado, ele afirmava que o ajudava a escrever, era como se ele “se ameaçasse”. Martin Scorsese lutou com unhas e dentes para dirigir o filme, não queriam permiti-lo, pois era um diretor iniciante e todos tinham adorado o roteiro, todos queriam fazê-lo. Depois de Martin dirigir Caminhos Perigosos, um filme pessoal, de baixo orçamento e com um sucesso inesperado de críticas, finalmente foi escalado para dirigir Taxi Driver. Paul e Scorsese se deram bem logo de cara, pois os dois eram marcados pela culpa da religião (Martin cresceu numa família católica, e a sua culpa pode ser vista em quase todos os seus filmes). Travis Bickle, o motorista interpretado brilhantemente por Robert De Niro, é mais uma dessas almas perdidas e solitárias sem rumo nos EUA. Ex-combatente da guerra do Vietnã, mal adaptado socialmente, sofredor de insônia, vai procurar emprego como taxista noturno para ocupar seu tempo e fazer algum dinheiro. Consegue o trabalho, tem-se início a sua jornada pelas ruas “sujas” pela madrugada de Nova York. Sua repulsa por negros, prostitutas, drogados é crescente, ao passo que apaixona-se pela jovem secretária de comitê de campanha de um senador à Presidência interpretada por Cybill Shepherd – sobretudo detentora de uma beleza um tanto ariana. Desajeitado, ou melhor, desajustado, leva a garota para um cinema pornô. Obviamente o romance parou por ali, o que faz agravar ainda mais o lado doentio de Bickle. Ao fazer um filme sombrio e nada glamoroso, colocando Bickle e Betsy (Cybill) num ambiente decadente, contemporâneo e urbano, e frustrando completamente o caso de amor entres eles, Scorsese e Schrader transformaram sua história numa narrativa de pura brutalidade. A “consciência cindida” do taxista dá lugar a um perfil de assassino, uma mente obsessiva que quer fazer justiça por meio de um atentado ao senador/candidato. É no meio desse redemoinho emocional que o personagem pronuncia, sozinho diante do espelho, a que é possivelmente uma das falas mais famosas do cinema: “Are you talkin’ to me?" [Você está falando comigo?]. A frase, segundo reza a lenda, foi totalmente improvisada por De Niro. No desenrolar deste processo (que inclui um árduo treinamento físico e uma progressiva paranoia), Travis depara-se com a jovem prostituta de 12 anos Iris, interpretada por Jodie Foster. Ele quase conclui o atentado ao candidato, mas um dos seguranças não o permite e ele gasta todas suas energias para salvar a pequena Iris do mundo da prostituição, resultando em um tiroteio sangrento. Quando a mídia trata Travis Bickle como um herói, a intenção é fazer uma crítica à mídia. Personagens como Travis são justificados pela divulgação, se você está na capa da Vogue você é importante. O motivo pelo qual você está na capa não é importante. Mas no fim das contas, a crítica não ficou clara. Fontes: Texto de Juliano Mion para o Cineplayers e Livro “Como a geração sexo-drogas-e-rock’n’roll salvou Hollywood” de Peter Biskind. isabelnobre Artigo da autoria de Isabel Nobre. Gasta todo o dinheiro que ganha em livros e é Cinéfila por natureza. Teve que ser várias vezes pra desentender melhor e vive em seu próprio mundo, bem mais divertido que o real.. Saiba como fazer parte da obvious.

Chico

A mulher e o lirismo de Chico Buarque em Música por Joachin Azevedo em 12 de set de 2012 às 03:27 | 4 comentários Ao longo desse breve escrito, busco analisar a construção de alguns arquétipos femininos na música do carioca Chico Buarque, destacando um pouco das ambivalências e complexidades que a figura da mulher possui na produção musical desse renomado compositor e músico. Assim como a produção intelectual de Chico Buarque, abrangendo desde suas composições até sua literatura, é diversificada e labiríntica, a temática da mulher em suas músicas é sinuosa e complexa. Em 1994, a gravadora Polygram lançou uma série de discos em homenagem ao artista divididos em Chico Buarque 50 anos: O amante; O cronista; O malandro; O político e O trovador. Aos interessados, recomendo que, caso queiram conhecer melhor a forma pela qual a mulher é representada nas composições de Chico Buarque, não se atenham apenas a escutar o disco O amante. Procurem elaborar outras analogias entre o tema do feminino em O amante e nas outras coletâneas, como O trovador e O político, por exemplo. Em O amante, a música “Não sonho mais” pode servir como uma amostra da capacidade artística de Chico Buarque de mostrar ao ouvinte o mundo como se fosse percebido pela ótica de uma mulher. A protagonista de um horrível pesadelo, na qual seu companheiro é torturado por brutamontes, mortos-vivos e flagelados revela que diante de tal cena teve “vontade de gargalhar” e além de tudo: Ao pé da ribanceira acabou-se a liça E escarrei-te inteira a tua carniça E tinha justiça nesse escarrar. Te "rasgamo" a carcaça Descendo a ripa. "Viramo" as tripas, Comendo os "ovo", ai!, E aquele povo pôs-se a cantar. Ao terminar a composição com um pedido de perdão ao companheiro por parte da protagonista desse devaneio onírico nada romântico e com pitadas de sadismo, temos, apesar de tudo, uma aposta lírica ainda no romantismo e no amor. É como se, para Chico, as frustrações e as mágoas dessa mulher que urgiram na sua relação são tão profundas que se projetaram em seu inconsciente. Porém, ao clamar pelo perdão do marido – e entenda-se aqui que o termo “perdão” possui forte implicações éticas, pois perdoar significa amar mais ao nosso oponente do que a si mesmo – existe nessa composição um sofisticado e subliminar otimismo em torno da capacidade humana de exercer a arte da compreensão. Na música “Bastidores” temos uma incursão as amarguras sofridas por causa do término de uma relação por uma personagem que parece encarnar a figura de uma cantora melancólica de cabarés. É após tomar “um calmante, um excitante e um bocado de gim”, que a cantora sobe aos palcos e, mesmo certificando-se de “como é cruel cantar assim”, tem uma das suas mais aplaudidas performances. Em meio a essa verdadeira pintura musical, a protagonista da música revela ao ouvinte que jamais cantou “tão lindo assim / e os homens lá pedindo bis / bêbados e febris”. No final das contas, a capacidade da artista de comunicar sua dor por meio de uma apoteótica habilidade torna-se uma forma de sublimar e contornar a tristeza provocada pelo desatar dos laços amorosos. A antítese da dona de casa ciumenta, de classe média baixa e devota aos afazeres domésticos de “Com açúcar, com afeto” é a prostituta libertina que protagoniza a música “Geni e o zepelim”. A citada música é ambientada em um universo urbano ficcional e provinciano no qual fervilham diversas práticas corruptas, viciosas e abjetas que, certamente, muito deve as descrições bíblicas de Sodoma e Gomorra. Geni é uma resignada prostituta que vivencia toda sorte de perseguições por causa dos preconceitos dirigidos a sua pessoa. Essas hostilidades são motivadas pela solene hipocrisia dos respeitáveis cidadãos da província em que mora. Hipocrisia porque os homens da cidade, de qualquer classe social e etária, procuram os favores sexuais de Geni para aplacarem sua luxúria e depois de satisfeitos a execram publicamente. Em meio a esse quadro desolador, um oficial militar em um imponente zepelin decide bombardear a cidade assumindo ares de um Deus onisciente e sanguinário. Ao encartar-se com a Geni, desiste de provocar seu apocalipse particular em troca de uma noite de prazeres com a errante cortesã. A questão é que Geni deixa bem claro que “ao deitar com homem tão nobre / Tão cheirando a brilho e a cobre / Preferia amar com os bichos”. Chico Buarque realiza uma denúncia eloquente ao nos colocar diante de uma prostituta dotada de mais altivez e princípios do que todos os habitantes desse micromundo fictício, porém verossilmente cruel. Somente para atender as súplicas dos seus outrora carrascos é que Geni cede aos cortejos do oficial. O mesmo, após sua noite de luxúria levanta voo no zepelim e segue seu rumo. No próximo instante, Geni passa a ser alvo das mesmas discriminações apesar de ter salvado a vida dos seus algozes. A galeria das personagens femininas criadas por Chico Buarque é ampla e trabalhar em torno de uma análise mais detalhada ultrapassa os limites que a formatação de um breve texto informativo impõe. Se o leitor desse escrito sentir a necessidade de ouvir as composições desse artista para tirar suas próprias conclusões já me seria bastante compensador. O que é interessante perceber, para um bom começo de conversa, é o fato de que Chico Buarque domina uma forma de sensibilidade artística também muito presente na literatura: aquela sensibilidade graças a qual o escritor ou o compositor consegue calar suas convicções mais acirradas, e até mesmo sua masculinidade, para dar voz ao outro; a pluralidade e a alteridade. joachinneto Artigo da autoria de Joachin Azevedo. Não há comunidade viva sem uma fenomenologia da apresentação em que cada indivíduo afronta - atrai ou repele, deseja ou devora, olha ou evita - o outro.. Saiba como fazer parte da obvious

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Revoluções

O BRASIL VAI BEM ENQUANTO A CHINA CRESCER Entrevistadores: Bárbara Mengardo, Caio de Andréa, Danilo Chaves, Débora Prado, Emmanuel Nakamura, Gabriela Moncau, Jorge Cecin, José Arbex Jr., Lúcia Pinheiro, Nivaldo Inserra, Olívia Carolino Pires, Otávio Nagoya. Professor de economia durante duas décadas na PUC-SP, ex-preso político nos anos 1960, leninista e trotskista durante a maior parte de décadas de militância, Vito Letizia diz-se hoje, em tom levemente irônico, “90% marxista e 100% taoista” – uma equação que, por si só, provocará reação de estranheza entre muitos marxistas. Letizia faz hoje uma severa crítica do legado teórico e prático de Lênin e Trotski. Mas elabora uma crítica rigorosamente situada no campo marxista – ou melhor: marxiano, pois para ele se trata, justamente, de operar um retorno rigoroso à leitura da obra original de Marx, depurada da infindável profusão dos “ismos”. Ele é também um dos arquitetos do recém-lançado site Interludium (www.interludium.com.br), cuja proposta é a de ser um instrumento teórico, analítico, crítico e de mobilização para aqueles que militam nos movimentos sociais em total oposição ao capital e ao Estado burguês. Nesta entrevista exclusiva para Caros Amigos, Vito Letizia analisa a crise atual do capitalismo. Caros Amigos - Como você vê os desdobramentos da crise econômica na Europa e a atual conjuntura mundial? Vito Letizia - Aparentemente, segundo o noticiário, há uma crise na zona do euro, uma crise de acúmulo de dívidas públicas. Já há algum tempo a zona do euro tem um déficit público de 3% do PIB. A Grécia, que é a pior, está em 160% e estão batalhando para que não ultrapasse 200%. Nesse caso, superaria o Japão que, por sua vez, não está na zona do euro. Dizem os economistas que é a zona do euro e não os Estados Unidos. E os EUA, efetivamente, não estão tendo problemas maiores de inadimplência e falta do necessário fluxo de investimentos, investimentos em bônus do tesouro estadunidense, que mantém o dólar como uma moeda forte. Isso é o que se sabe. Então, porque aconteceram nos Estados Unidos as primeiras manifestações contra as finanças? Por causa das medidas de contenção de despesas em benefícios sociais, que indignaram o povo por causa dos tremendos benefícios que foram feitos aos banqueiros. Toda aquela sequência de medidas salvadoras do sistema financeiro privado estadunidense, que resultou finalmente num acordo que dá ao governo o direito de continuar aumentando a dívida pública, porém obrigado a cortar despesas em benefícios sociais. Esse acordo entre o Senado e o presidente Obama contou com apoio da ala democrática. É um acordo que estabelece um sistema de austeridade das finanças americanas, mas é uma austeridade para o público e não para os banqueiros. Já havia uma indignação antiga do povo americano, em relação ao que se gastou para salvar o sistema bancário falido. E agora essa indignação foi se acumulando, imagino que com essas novas medidas chegou-se à última gota da água. Estourou. Eu chamo de crise rastejante, porque pode ser contida e empurrada para frente por causa da grande flexibilidade do Banco Central Americano para criar moeda. No Brasil, a sensação é de crescimento com aumento do consumo, renda, crédito e emprego. CA - Qual é a sua opinião sobre a situação mundial e o otimismo com a situação brasileira? VL - Havia uma apreensão sobre a economia chinesa, mas recentemente surgiram notícias dizendo que a economia continua robusta, com a estatística de 9% do crescimento do PIB chinês. Então os investidores ficaram sossegados. Vamos esperar novos indicadores econômicos. O Brasil está muito atado a esse ciclo de negócios que está ancorado no crescimento chinês. Então não há nenhuma previsão negativa grave para a economia brasileira enquanto a China estiver em crescimento. Estão prevendo uma situação difícil para o Brasil no ano de 2012. A Dilma até alertou o Guido Mantega. E ela tenta apaziguar as pessoas mais apreensivas dizendo que não vai ser uma coisa muito grave, que o Brasil vai se sair mais ou menos bem. Na verdade, ela está contando com a continuidade do crescimento robusto chinês. Por que toda essa preocupação com o ano de 2012? Por causa da crise na zona do euro, claro que o Brasil vai sentir em algum grau os efeitos do aprofundamento dessa crise, mas não será um fator catastrófico. A não ser que seja uma catástrofe tão violenta que afete outras partes do mundo. Por enquanto, se sabe que a zona do euro está mal, vai continuar mal. A salvação da Grécia já está descartada, não se sabe como vai resolver, alguns propõem que deixe escorregar para baixo a Grécia e tente salvar pelo menos Portugal, Espanha, Irlanda e Itália que viriam na sequência, mas que seriam afetados imediatamente pela crise. O perigo maior para o Brasil seria o arrefecimento da economia chinesa. O que pode acontecer é a repercussão dessas medidas de austeridade que foram acordadas entre o Senado e o Executivo dos Estados Unidos, que diminui a capacidade de compra dos EUA da produção chinesa. E a China depende do consumo estadunidense para manter seu ritmo de exportação bom, isso não vai funcionar sem os EUA como um importador dos produtos chineses. CA - Você reportou unicamente às relações com a China. Mas no plano interno brasileiro a economia está sendo movida por endividamento, da família de classe média... VL - Mas isso não é só no Brasil. É em toda economia internacional. Eu já dizia antes de 2008 que a economia internacional estava sobrevivendo de uma maneira artificial, baseada em um endividamento crescente das famílias. No Brasil, é um endividamento tido como moderado, mas de qualquer maneira grande em relação a toda história antecedente de endividamento de famílias no país e que se acentua com crédito consignado. Então, o Brasil está incluído nesse sistema artificial de manutenção de funcionamento do pulmão da economia mundial que é o consumo. É um consumo artificial. Eu dizia naquela época que isso tem limite, não é possível endividar ad infinutum a economia de todos os países do mundo. Ou eles resolvem criar um mercado consumidor baseado em ganhos reais, ou esse negócio tem prazo. Como de fato aconteceu em 2007. Agora, o endividamento está aumentando, no Brasil passando de moderado para grande. Mas temos um trunfo que nem todos os países tem, que é a destruição de recursos naturais. "Destruir a Amazônia é barato e lucrativo e isso mantém certa aparência de bom funcionamento da economia" Destruir a Amazônia é barato e lucrativo e isso mantém certa aparência de bom funcionamento da economia. Razão pela qual o governo Lula já não conseguiu cooptar quem tivesse precauções ecológicas sérias. A Marina sempre foi muito leniente, ela sabia que dependia da destruição da Amazônia para continuar com a economia funcionando e botaram um cara que nem sequer preocupações com o assunto têm. O Partido Verde é uma piada no Brasil em termos de ecologia, pode ser um grande partido em outras coisas, mas para ecologia, não. CA - Voltando para a Europa, fale da heterogeneidade de como a população e os governos têm lidado com a crise em diferentes países. VL - A reação do público em não aceitar as operações desastrosas das finanças realmente só aconteceu na Islândia, onde exigiram um plebiscito para saber se iam pagar os devedores europeus. Teve um banco que apresentou a Islândia como porto seguro para investidores europeus e da zona da libra (da Inglaterra), e encheram a Islândia de moeda forte. Parecia que ia bem até que as oscilações da economia europeia fizeram com que eles, os que tinham depósitos nesses bancos, os tirassem bruscamente, e todo o sistema financeiro da Islândia estava ancorado nisso. A ideia era socorrer esse banco e honrar os compromissos com os credores europeus, e aí o povo insurgiu e fez um plebiscito que disse ‘que se danem os credores europeus’. Mas a Islândia é uma exceção. A Grécia não, estava super feliz por estar na zona do euro, um país atrasado economicamente. Sua fonte de recursos é frete marítimo, que está na mão de proprietários daquelas famílias que não fabricam navios, compram apenas usados, e beneficia muito pouco o país porque recolhem muito poucos impostos, o dinheiro deles vai para bandeiras estrangeiras. Os navios mercantes são de bandeiras mercantes, então eles fazem mais ou menos o que querem e pagam o imposto que acham que é justo para o governo grego. Então uma das questões que o banco central europeu levantou para sanear as finanças gregas era acabar com a sonegação. É ridículo, porque aí o público grego ficou como o grande sonegador, os coitados que não podem escapar de pagar impostos. Qual a vantagem do governo grego de estar na zona do euro? Ter pelo menos uma parte dos benefícios da zona do euro. Que a Grécia entrou, vamos dizer assim, porque é o país mãe da cultura europeia. A Grécia, a civilização helênica, não entrou daquele jeito rastejante que entraram os países do Leste que estavam no socialismo real e de repente entraram no rastro do Mercado Comum Europeu. Aí disseram que o governo grego queria dar muitos benefícios aos funcionários públicos, e o governo resolveu cortar os "Qual a vantagem do governo grego de estar na zona do euro? Ter pelo menos uma parte dos benefícios da zona do euro. Que a Grécia entrou, vamos dizer assim, porque é o país mãe da cultura europeia" benefícios, quer dizer, a razão de sempre: toda a operação de promoção da Grécia finalmente a nível de todas nações civilizadas, porque antes era uma colônia turca, antes mesmo que deixou de ser dependente, era um país de quintal da Europa e aí fizeram isso. Evidentemente, é uma coisa que não entra na cabeça dos gregos, é um choque forte em termos de orgulho da nação pelo fato de serem os helenos, além da perda de benefícios. Então a revolta grega tem uma característica muito particular. CA - Falando de dívidas ilegítimas e retirada de benefícios, os principais atingidos são os assalariados, e o povo mais marginalizado, os imigrantes sem documentos na França, os turcos na Alemanha. Onde eles entrariam? VL - Os sans papiers (sem documentos), preliminarmente, se mobilizam de maneira diferente, porque em cada país há um funcionamento diferente, não tinham muitos sans papiers na França no passado, os imigrantes entravam com direitos. Os sans papiers eram os que entravam clandestinamente. E que se davam, bem apesar de estarem sem papéis porque tinham emprego. Em relação à situação que eles viviam nos países de origem, estavam em situação infinitamente melhor, então não tinha muita agitação de sans papiers no passado, o que se passou depois foi a crise a partir dos anos 1980, com o desemprego crônico. A última vez que fui embora da França, em 1984, começou a se aguçar essa questão, no meu tempo não tinha muito isso. Então a solução é pelo menos proteger o emprego dos imigrantes, que têm direito de ficar, têm filhos lá, já moram há tempos para ter passaporte francês, é difícil tirar toda essa gente de lá, apesar de eles estarem desempregados. Então, a primeira medida é mandar embora os sans papiers, não é contra os imigrantes em geral, mas contra os que entram clandestinamente, que criam um “problema”, o desemprego que atinge principalmente os descendentes de imigrantes, que é aquele pessoal do subúrbio, que se agita. Então essa é a situação que está ocorrendo, hoje em dia está tendo uma política mais forte de evitar clandestinos e, por outro lado, mobilização para proteger a expulsão violenta dos sans papiers que já entraram. Mas é um processo político, vamos dizer assim, que não está integrado no processo geral do movimento operário francês. CA - Como se dá o comércio entre EUA e China e a integração triangular dos outros países? No caso brasileiro, gera uma desindustrialização do país? VL - Luiz Filgueiras, um economista da Universidade Federal da Bahia que escreveu um livro sobre a economia do governo Lula [A Economia Política do Governo Lula], explica essa desindustrialização. Ele diz que o Brasil, ao se abrir totalmente à entrada de produtos estrangeiros, que é uma abertura mais ou menos obrigatória para alguns países que estão inclusos na OMC, sob pena de multa, começou a perder unidades industriais. Algumas empresas se transferiram pra China, empregaram trabalhadores chineses e a indústria aqui foi fechada. A China está na OMC, o que permite que o que eles produzam lá possa entrar aqui. A Embraer foi na China e se deu mal. Isso causou um fechamento de empresas brasileiras. O Luiz Fillgueiras dá, em termos estatísticos, o ritmo dessa desindustrialização brasileira, principalmente do segundo governo Lula. Por outro lado, o Brasil criou uma relação de dependência com as importações chinesas, em insumos industrias, de produtos semi-industrializados e de produtos primários que a China importa. Como o Brasil tem a Amazônia para destruir, ele pode se beneficiar desse tipo de parceria, vamos dizer assim, mas é uma parceria desindustrializante, que significa o enterro do projeto brasileiro de se tornar um grande país industrial da América Latina. E sobre o problema do enterro desse projeto, que a rigor foi assumido pela ditadura, foi nessa época que se criou a maior parte do parque industrial brasileiro, porque antes o Juscelino Kubitschek só tinha criado a automobilística, todo o resto que faz um parque industrial não existia. A importância desse projeto, levado até um certo ponto, e que não foi acabado pela ditadura, foi o aumento do nível médio de salário brasileiro, mas a exportação de produtos primários inevitavelmente cria diferenças de riquezas muito fortes. Significou criar uma classe operária com bons salários, como o de Lula, de torneiro mecânico, e todo pessoal do ABC que ganhava 2.000, 2.500 reais por mês, que não é um salário tradicional no Brasil no tempo que não existia um parque industrial. Mas, o difícil do plano é o recalcamento da população brasileira para um nível de consumo mais baixo. CA - Qual é o papel do BNDES, hoje? VL - O papel do BNDES tem um toque de ironia, porque no tempo que era BNDE, sem S, não tinha desenvolvimento econômico e social, ele desenvolvia o econômico e o social. Aí acrescentaram o S e o social foi para o espaço. Mas isso o taoísmo explica. Quando falam muito de uma coisa é porque ela parou de existir. É o que aconteceu no Brasil. O BNDES financia compras de empresas brasileiras por multinacionais estrangeiras, financiou a compra do Banespa pelo Santander, então o BNDES está nesse papel. CA - Você falou que o Japão estava em um processo ainda mais complicado do que a Grécia, mas ele não faz parte da União Europeia. Como isso torna a situação do Japão melhor? VL - O Japão está com uma dívida pública muito grande, só que os credores da dívida pública são japoneses, então está sossegado. Eles não pagam juros caros, e todo mundo fica de boca calada, porque é o Japão. Então, não corre perigo nenhum desse lado. Ele pode correr perigo se a economia real fraquejar, mas do lado das finanças ele não é visto como fonte de preocupações, diferentemente da Europa, onde mesmo os países fortes estão envolvidos com títulos de investidores. CA - Por diversas vezes você falou sobre a urgência da dívida ilegítima. Poderia falar um pouco mais sobre isso? VL - A China está fazendo uma bandeira de batalha dessa proclamação das dívidas públicas ilegítimas, e eu acho que ela tem razão. Tem um livro é muito bom, recomendo que todos leiam, só que está em francês, precisa ser traduzido, As dívidas ilegítimas, como os bancos fizeram para manipular as políticas públicas, do economista marxista francês François Chesnais. Ele levanta que as dívidas são frutos de operações financeiras parasitárias, e que se pode escolher legitimamente entre atender às exigências dos credores dessas dívidas e atender aos reclames da população, que não é contada pelo surgimento dessas dívidas. Ele fundamenta no seguinte: os bancos centrais em geral, inclusive o Banco Central Europeu, não estão tendo mais as funções de auxiliares do processo produtivo, que é a tradição dos bancos. Os bancos privados forneciam o crédito para o circuito produtivo e comercial. Então, a circulação da mercadoria passa por um ciclo produtivo e um ciclo comercial. Tradicionalmente, os bancos comerciais faziam isso e os bancos centrais dos diversos países forneciam o crédito de última instância. Quer dizer, o comércio descontava nos bancos comerciais e os comerciais nos bancos centrais seus títulos, o que fazia com que fechasse o círculo e todo mundo tivesse dinheiro na mão para pagar seus títulos. Os bancos comerciais praticamente desapareceram, pois passaram a ter operações baseadas em investimentos financeiros e especulações com derivativos. O livro explica muito bem, eu estou fazendo um ultra resumo. Títulos adicionais criados sobre a circulação dos títulos financeiros de investimento primário. Então, são operações que buscam ganhar dinheiro nas diferenças de juros que ocorrem no processo circulatório de títulos financeiros. Então fica circulando. Isso tradicionalmente na economia capitalista, antes, claro, não tinha todo esse circuito financeiro, com derivativos e tal, mas sempre teve uma circulação financeira parasitária, que quando chegava em um certo ponto, um banco ficava inadimplente, porque ele tinha apostado em títulos que não tinham sustentação e produção real. Acontecia aquela sequência de falências de casas financeiras, bancos etc. As pequenas crises sempre começavam com a falência de um banco, porque as grandes é outra história. Os bancos que sobreviviam, enriqueciam e ficavam mais poderosos. E os falidos se suicidavam ou começavam de novo da estaca zero, tentando reerguer seu empreendimento econômico juntamente com as empresas produtivas que também faliam e recomeçavam a história de reerguimento ou saíam do mundo da burguesia e passavam a se tornar trabalhadores, como aconteceu com muitas famílias burguesas que foram para o mercado de trabalho. Os mais orgulhosos se suicidavam, o suicídio vem por causa disso. Essa era a tradição, agora tem o princípio que não podem falir os grandes bancos. Então isso significa um ato contínuo dos fatores da crise, que é excesso de capital. O mais importante e mais diretamente ligado ao excesso de produção e excesso de capital é a impressão que se pode começar qualquer empreendimento, pois tem crédito barato e fácil para qualquer coisa. Antigamente, esse crédito parava em certo ponto, ninguém tinha mais dinheiro para investir. Agora não, porque se eles não deixam os grandes investidores financeiros de risco falir o crédito continua fluindo, então a produção também se torna superior ao consumo possível. CA - Alguns intelectuais sustentam que a forma de organização dos partidos socialistas está superada, e que as massas vão se organizar de forma não partidária, você concorda com eles? VL - A organização que se comunica via eletrônica, entre outros filósofos, sociólogos e economistas da Europa refletem um sentimento muito forte na Europa hoje, que aliás está difuso no mundo inteiro, mas na Europa é bem mais forte do que aqui. Na Europa, os partidos tradicionais tiveram papel relevante muito forte na vida política dos países europeus, o PS francês, o PC francês, o PC italiano, o partido trabalhista inglês, são organizações poderosíssimas. O partido socialista belga é uma potência política até hoje. Esses partidos, que construíram uma tradição de lutas que não foi fácil sustentar e que tem uma carga de história na qual as pessoas depositaram esperança, estão dizendo que tem que aceitar um sacrifício que o capital financeiro exige. Então, a desilusão é muito forte, e não é fácil criar organizações políticas que substituiam isso da noite para o dia. É muito pesado refazer todo aquele trajeto histórico que foi feito por essas organizações políticas, então há um sentimento muito forte de desistir de criar partidos e se organizar de uma maneira mais livre, menos rígida, menos desvinculada. Isso está muito difuso, e não só na Europa. Na minha opinião, eu digo que não sei se o movimentos dos trabalhadores daqui para a frente até o fim dos tempos vão poder dispensar de alguma forma de organização mais sólida e consistente do que uma simples rede de contato, porque precisaria se montar uma espécie de banco de informações que permitisse fazer alguns prognósticos mais seguros. CA - Você diz que o Brasil tem um trunfo que os outros países não tem, que é a destruição da Amazônia. Você acredita na inevitabilidade disso ou em algum grau se a nação brasileira pode se articular para resistir ao processo de destruição da Amazônia? VL - É simples, o Brasil vai crescer ou não vai crescer? Se for crescer vai ser assim, a não ser que compre uma briga com a OMC. Mas existem movimentos de resistência a Belo Monte, por exemplo. A população não está escolhendo que pare de crescer. Qualquer governo vai ter a possibilidade de legitimamente destruir a Amazônia para crescer. Existem filantropos estrangeiros e brasileiros ricos que estão comprando trechos da Amazônia para preservar, e aí entra em choque com a propriedade privada. É um pedaço que não é mais Amazônia, e vai ser complicado fazer isso funcionar como Amazônia, mas isso aí está acontecendo em pequena escala e está de acordo com a tendência dominante. CA - Gostaria que você falasse um pouco sobre o que chama de simbiose entre estado burguês e o capital financeiro. Como isso funciona? VL - A simbiose é uma necessidade do ponto de vista do capital. Quebrar isso significa quebrar o poder do capital. Até onde vai sustentar, até onde existir o capital nessa etapa do desenvolvimento? Pode voltar para trás, mas não vai ser mais capital. A roda da história dos modos de produção não volta pra trás. Essa simbiose pode ser constatada de maneira simplificada através do volume das reservas monetárias. Os volumes de reservas monetárias estão hipertrofiados na atualidade, somente países que não têm condições de constituir reservas de divisas fortes, particularmente dólar, é que não tem uma reserva hipertrofiada. Mas o Brasil, que foi acusado de não ter reservas em quantidades suficientes, hoje em dia está entre os países considerados com boas reservas: 300 bilhões de dólares como reserva de segurança para credibilidade da nossa moeda. O simples fato de existirem reservas dessa envergadura, que correspondem a um terço do PIB, mostra que é um dinheiro que sai da circulação internacional de mercadorias, mas não está na circulação de mercadorias do país, a reserva esta ligada à circulação internacional. É uma reserva para atender compromissos externos, é uma reserva monetária que não é aplicada na produção de mercadorias que circulam no mercado internacional. Portanto é um ônus para processo de circulação de mercadoria. Marx dizia justamente isso, o fato dessa reserva ser pequena, revelava uma boa saúde do sistema de circulação de mercadorias no plano internacional. Quando essas reservas cresciam muito é porque a circulação está emperrando e havia uma ameaça de colapso, de crise, e, a partir daí, havia a busca de salvar o capitalismo, acumulando reservas, foi assim que funcionou sempre. O capitalismo funciona assim, é da natureza dele. Agora, modernamente, quando os países começaram a acumular reservas financeiras monetárias gigantescas foi em função de uma relação estabelecida com o dólar através da finança internacional, da necessidade, por exemplo, no caso do Brasil e de outros países, de um fluxo constante de capital externo para o interior. Para sustentar os investimentos internacionais e moedas, para que a moeda brasileira pudesse ser o nome de títulos que circula no mercado internacional de títulos, que circulam nas bolsa de valores no mundo inteiro. Então, o Brasil adquiriu o direito de emitir títulos em real, de repente, e tem gente que compra. Porque ele tem um fluxo de investimentos externos constante, que entra no Brasil e entra porque a economia brasileira é vista como economia que tem possibilidade de continuar crescendo em função dos recursos naturais e outros elementos, mas também tem a garantia de uma reserva forte. A política brasileira de juros é um escândalo, a medida do juros que o Brasil precisa pagar para manter o seu crédito, o ritmo de fluxo que melhor lhe convém. O fluxo de capitais que melhor lhe convém, que é campeão, em matéria de juros básico, o Brasil tem uma equação que não seja o 12 %, e um pouco menos, descontar inflação, mas mesmo com juros real é alta. Que é outro indicador dessa simbiose e o governo que determina isso. Claro para não determinar isso, esse governo teria que romper os fundamentos de sua política econômica, monetária, no meu entender trocar a moeda, porque essa moeda não se sustenta. CA - E os recentes episódios de resistência popular e manifestações sociais. Como você vê essa onda de protestos globais? VL - Se tiver algum tipo de ameaça, vem daí. Essa ameaça consiste no sentido do “basta!”. Quer dizer que na próxima oportunidade que for proposta uma medida de redução de salários e cortes de benefícios, esse movimento vai ser um centro catalisador de uma resistência popular que pode se ampliar muito rapidamente. Uma coisa é propor corte de benefícios sociais e salários quando não tem ninguém erguido contra a finança. Hoje, existe um sentido de “basta!” que é assustador, essa é a ameaça. Porque isso é realmente assustador para os governos que estão engajados nessa política de sacrifícios da população e para a finança internacional. Isso aí é de gelar o sangue na veia, porque se espalhou por muitos países e tem havido mobilizações significativas. Agora, recentemente, teve na Itália uma mobilização gigantesca. O alvo já está definido e é o mesmo pelo menos na maioria dos países envolvidos, uma unidade quanto ao alvo que é apontado como o culpado pelos governos que são as finanças e as políticas dos estados a favor dessas finanças que eu chamo de simbiose entre Estado e capital financeiro. CA - Você acredita que está no horizonte capitalista a possibilidade de destruição massiva das forças produtivas no Oriente Médio? VL - Se olharmos os exemplos históricos disponíveis, podemos verificar que nas suas crises os grandes impérios foram mais nocivos e destrutivos do que em sua época de boa saúde. Então, na medida que se agrava a situação econômica do império estadunidense, pode perfeitamente acontecer que esse império parta para medidas políticas baseadas na pura força militar. Seria tremendamente destrutivo para partes inteiras da população mundial e, evidentemente, que o alvo mundial a ser destruído é o Oriente Arábico. Isso pode se colocar como uma possibilidade, a não ser que os trabalhadores da Europa e dos EUA e a população... Digo população porque trabalhador sem apoio da opinião pública não funciona muito. Em todas ocasiões que os trabalhadores foram vitoriosos, eles tinham uma corrente de opinião. E, a não ser que isso ocorra com uma dimensão capaz de parar esse processo de salvação do império a todo custo, que está baseado na dominação do capital, se não houver isso, evidentemente, a gente deve esperar ações extremamente destrutivas. (Caros amigos)