sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Revoluções

O BRASIL VAI BEM ENQUANTO A CHINA CRESCER Entrevistadores: Bárbara Mengardo, Caio de Andréa, Danilo Chaves, Débora Prado, Emmanuel Nakamura, Gabriela Moncau, Jorge Cecin, José Arbex Jr., Lúcia Pinheiro, Nivaldo Inserra, Olívia Carolino Pires, Otávio Nagoya. Professor de economia durante duas décadas na PUC-SP, ex-preso político nos anos 1960, leninista e trotskista durante a maior parte de décadas de militância, Vito Letizia diz-se hoje, em tom levemente irônico, “90% marxista e 100% taoista” – uma equação que, por si só, provocará reação de estranheza entre muitos marxistas. Letizia faz hoje uma severa crítica do legado teórico e prático de Lênin e Trotski. Mas elabora uma crítica rigorosamente situada no campo marxista – ou melhor: marxiano, pois para ele se trata, justamente, de operar um retorno rigoroso à leitura da obra original de Marx, depurada da infindável profusão dos “ismos”. Ele é também um dos arquitetos do recém-lançado site Interludium (www.interludium.com.br), cuja proposta é a de ser um instrumento teórico, analítico, crítico e de mobilização para aqueles que militam nos movimentos sociais em total oposição ao capital e ao Estado burguês. Nesta entrevista exclusiva para Caros Amigos, Vito Letizia analisa a crise atual do capitalismo. Caros Amigos - Como você vê os desdobramentos da crise econômica na Europa e a atual conjuntura mundial? Vito Letizia - Aparentemente, segundo o noticiário, há uma crise na zona do euro, uma crise de acúmulo de dívidas públicas. Já há algum tempo a zona do euro tem um déficit público de 3% do PIB. A Grécia, que é a pior, está em 160% e estão batalhando para que não ultrapasse 200%. Nesse caso, superaria o Japão que, por sua vez, não está na zona do euro. Dizem os economistas que é a zona do euro e não os Estados Unidos. E os EUA, efetivamente, não estão tendo problemas maiores de inadimplência e falta do necessário fluxo de investimentos, investimentos em bônus do tesouro estadunidense, que mantém o dólar como uma moeda forte. Isso é o que se sabe. Então, porque aconteceram nos Estados Unidos as primeiras manifestações contra as finanças? Por causa das medidas de contenção de despesas em benefícios sociais, que indignaram o povo por causa dos tremendos benefícios que foram feitos aos banqueiros. Toda aquela sequência de medidas salvadoras do sistema financeiro privado estadunidense, que resultou finalmente num acordo que dá ao governo o direito de continuar aumentando a dívida pública, porém obrigado a cortar despesas em benefícios sociais. Esse acordo entre o Senado e o presidente Obama contou com apoio da ala democrática. É um acordo que estabelece um sistema de austeridade das finanças americanas, mas é uma austeridade para o público e não para os banqueiros. Já havia uma indignação antiga do povo americano, em relação ao que se gastou para salvar o sistema bancário falido. E agora essa indignação foi se acumulando, imagino que com essas novas medidas chegou-se à última gota da água. Estourou. Eu chamo de crise rastejante, porque pode ser contida e empurrada para frente por causa da grande flexibilidade do Banco Central Americano para criar moeda. No Brasil, a sensação é de crescimento com aumento do consumo, renda, crédito e emprego. CA - Qual é a sua opinião sobre a situação mundial e o otimismo com a situação brasileira? VL - Havia uma apreensão sobre a economia chinesa, mas recentemente surgiram notícias dizendo que a economia continua robusta, com a estatística de 9% do crescimento do PIB chinês. Então os investidores ficaram sossegados. Vamos esperar novos indicadores econômicos. O Brasil está muito atado a esse ciclo de negócios que está ancorado no crescimento chinês. Então não há nenhuma previsão negativa grave para a economia brasileira enquanto a China estiver em crescimento. Estão prevendo uma situação difícil para o Brasil no ano de 2012. A Dilma até alertou o Guido Mantega. E ela tenta apaziguar as pessoas mais apreensivas dizendo que não vai ser uma coisa muito grave, que o Brasil vai se sair mais ou menos bem. Na verdade, ela está contando com a continuidade do crescimento robusto chinês. Por que toda essa preocupação com o ano de 2012? Por causa da crise na zona do euro, claro que o Brasil vai sentir em algum grau os efeitos do aprofundamento dessa crise, mas não será um fator catastrófico. A não ser que seja uma catástrofe tão violenta que afete outras partes do mundo. Por enquanto, se sabe que a zona do euro está mal, vai continuar mal. A salvação da Grécia já está descartada, não se sabe como vai resolver, alguns propõem que deixe escorregar para baixo a Grécia e tente salvar pelo menos Portugal, Espanha, Irlanda e Itália que viriam na sequência, mas que seriam afetados imediatamente pela crise. O perigo maior para o Brasil seria o arrefecimento da economia chinesa. O que pode acontecer é a repercussão dessas medidas de austeridade que foram acordadas entre o Senado e o Executivo dos Estados Unidos, que diminui a capacidade de compra dos EUA da produção chinesa. E a China depende do consumo estadunidense para manter seu ritmo de exportação bom, isso não vai funcionar sem os EUA como um importador dos produtos chineses. CA - Você reportou unicamente às relações com a China. Mas no plano interno brasileiro a economia está sendo movida por endividamento, da família de classe média... VL - Mas isso não é só no Brasil. É em toda economia internacional. Eu já dizia antes de 2008 que a economia internacional estava sobrevivendo de uma maneira artificial, baseada em um endividamento crescente das famílias. No Brasil, é um endividamento tido como moderado, mas de qualquer maneira grande em relação a toda história antecedente de endividamento de famílias no país e que se acentua com crédito consignado. Então, o Brasil está incluído nesse sistema artificial de manutenção de funcionamento do pulmão da economia mundial que é o consumo. É um consumo artificial. Eu dizia naquela época que isso tem limite, não é possível endividar ad infinutum a economia de todos os países do mundo. Ou eles resolvem criar um mercado consumidor baseado em ganhos reais, ou esse negócio tem prazo. Como de fato aconteceu em 2007. Agora, o endividamento está aumentando, no Brasil passando de moderado para grande. Mas temos um trunfo que nem todos os países tem, que é a destruição de recursos naturais. "Destruir a Amazônia é barato e lucrativo e isso mantém certa aparência de bom funcionamento da economia" Destruir a Amazônia é barato e lucrativo e isso mantém certa aparência de bom funcionamento da economia. Razão pela qual o governo Lula já não conseguiu cooptar quem tivesse precauções ecológicas sérias. A Marina sempre foi muito leniente, ela sabia que dependia da destruição da Amazônia para continuar com a economia funcionando e botaram um cara que nem sequer preocupações com o assunto têm. O Partido Verde é uma piada no Brasil em termos de ecologia, pode ser um grande partido em outras coisas, mas para ecologia, não. CA - Voltando para a Europa, fale da heterogeneidade de como a população e os governos têm lidado com a crise em diferentes países. VL - A reação do público em não aceitar as operações desastrosas das finanças realmente só aconteceu na Islândia, onde exigiram um plebiscito para saber se iam pagar os devedores europeus. Teve um banco que apresentou a Islândia como porto seguro para investidores europeus e da zona da libra (da Inglaterra), e encheram a Islândia de moeda forte. Parecia que ia bem até que as oscilações da economia europeia fizeram com que eles, os que tinham depósitos nesses bancos, os tirassem bruscamente, e todo o sistema financeiro da Islândia estava ancorado nisso. A ideia era socorrer esse banco e honrar os compromissos com os credores europeus, e aí o povo insurgiu e fez um plebiscito que disse ‘que se danem os credores europeus’. Mas a Islândia é uma exceção. A Grécia não, estava super feliz por estar na zona do euro, um país atrasado economicamente. Sua fonte de recursos é frete marítimo, que está na mão de proprietários daquelas famílias que não fabricam navios, compram apenas usados, e beneficia muito pouco o país porque recolhem muito poucos impostos, o dinheiro deles vai para bandeiras estrangeiras. Os navios mercantes são de bandeiras mercantes, então eles fazem mais ou menos o que querem e pagam o imposto que acham que é justo para o governo grego. Então uma das questões que o banco central europeu levantou para sanear as finanças gregas era acabar com a sonegação. É ridículo, porque aí o público grego ficou como o grande sonegador, os coitados que não podem escapar de pagar impostos. Qual a vantagem do governo grego de estar na zona do euro? Ter pelo menos uma parte dos benefícios da zona do euro. Que a Grécia entrou, vamos dizer assim, porque é o país mãe da cultura europeia. A Grécia, a civilização helênica, não entrou daquele jeito rastejante que entraram os países do Leste que estavam no socialismo real e de repente entraram no rastro do Mercado Comum Europeu. Aí disseram que o governo grego queria dar muitos benefícios aos funcionários públicos, e o governo resolveu cortar os "Qual a vantagem do governo grego de estar na zona do euro? Ter pelo menos uma parte dos benefícios da zona do euro. Que a Grécia entrou, vamos dizer assim, porque é o país mãe da cultura europeia" benefícios, quer dizer, a razão de sempre: toda a operação de promoção da Grécia finalmente a nível de todas nações civilizadas, porque antes era uma colônia turca, antes mesmo que deixou de ser dependente, era um país de quintal da Europa e aí fizeram isso. Evidentemente, é uma coisa que não entra na cabeça dos gregos, é um choque forte em termos de orgulho da nação pelo fato de serem os helenos, além da perda de benefícios. Então a revolta grega tem uma característica muito particular. CA - Falando de dívidas ilegítimas e retirada de benefícios, os principais atingidos são os assalariados, e o povo mais marginalizado, os imigrantes sem documentos na França, os turcos na Alemanha. Onde eles entrariam? VL - Os sans papiers (sem documentos), preliminarmente, se mobilizam de maneira diferente, porque em cada país há um funcionamento diferente, não tinham muitos sans papiers na França no passado, os imigrantes entravam com direitos. Os sans papiers eram os que entravam clandestinamente. E que se davam, bem apesar de estarem sem papéis porque tinham emprego. Em relação à situação que eles viviam nos países de origem, estavam em situação infinitamente melhor, então não tinha muita agitação de sans papiers no passado, o que se passou depois foi a crise a partir dos anos 1980, com o desemprego crônico. A última vez que fui embora da França, em 1984, começou a se aguçar essa questão, no meu tempo não tinha muito isso. Então a solução é pelo menos proteger o emprego dos imigrantes, que têm direito de ficar, têm filhos lá, já moram há tempos para ter passaporte francês, é difícil tirar toda essa gente de lá, apesar de eles estarem desempregados. Então, a primeira medida é mandar embora os sans papiers, não é contra os imigrantes em geral, mas contra os que entram clandestinamente, que criam um “problema”, o desemprego que atinge principalmente os descendentes de imigrantes, que é aquele pessoal do subúrbio, que se agita. Então essa é a situação que está ocorrendo, hoje em dia está tendo uma política mais forte de evitar clandestinos e, por outro lado, mobilização para proteger a expulsão violenta dos sans papiers que já entraram. Mas é um processo político, vamos dizer assim, que não está integrado no processo geral do movimento operário francês. CA - Como se dá o comércio entre EUA e China e a integração triangular dos outros países? No caso brasileiro, gera uma desindustrialização do país? VL - Luiz Filgueiras, um economista da Universidade Federal da Bahia que escreveu um livro sobre a economia do governo Lula [A Economia Política do Governo Lula], explica essa desindustrialização. Ele diz que o Brasil, ao se abrir totalmente à entrada de produtos estrangeiros, que é uma abertura mais ou menos obrigatória para alguns países que estão inclusos na OMC, sob pena de multa, começou a perder unidades industriais. Algumas empresas se transferiram pra China, empregaram trabalhadores chineses e a indústria aqui foi fechada. A China está na OMC, o que permite que o que eles produzam lá possa entrar aqui. A Embraer foi na China e se deu mal. Isso causou um fechamento de empresas brasileiras. O Luiz Fillgueiras dá, em termos estatísticos, o ritmo dessa desindustrialização brasileira, principalmente do segundo governo Lula. Por outro lado, o Brasil criou uma relação de dependência com as importações chinesas, em insumos industrias, de produtos semi-industrializados e de produtos primários que a China importa. Como o Brasil tem a Amazônia para destruir, ele pode se beneficiar desse tipo de parceria, vamos dizer assim, mas é uma parceria desindustrializante, que significa o enterro do projeto brasileiro de se tornar um grande país industrial da América Latina. E sobre o problema do enterro desse projeto, que a rigor foi assumido pela ditadura, foi nessa época que se criou a maior parte do parque industrial brasileiro, porque antes o Juscelino Kubitschek só tinha criado a automobilística, todo o resto que faz um parque industrial não existia. A importância desse projeto, levado até um certo ponto, e que não foi acabado pela ditadura, foi o aumento do nível médio de salário brasileiro, mas a exportação de produtos primários inevitavelmente cria diferenças de riquezas muito fortes. Significou criar uma classe operária com bons salários, como o de Lula, de torneiro mecânico, e todo pessoal do ABC que ganhava 2.000, 2.500 reais por mês, que não é um salário tradicional no Brasil no tempo que não existia um parque industrial. Mas, o difícil do plano é o recalcamento da população brasileira para um nível de consumo mais baixo. CA - Qual é o papel do BNDES, hoje? VL - O papel do BNDES tem um toque de ironia, porque no tempo que era BNDE, sem S, não tinha desenvolvimento econômico e social, ele desenvolvia o econômico e o social. Aí acrescentaram o S e o social foi para o espaço. Mas isso o taoísmo explica. Quando falam muito de uma coisa é porque ela parou de existir. É o que aconteceu no Brasil. O BNDES financia compras de empresas brasileiras por multinacionais estrangeiras, financiou a compra do Banespa pelo Santander, então o BNDES está nesse papel. CA - Você falou que o Japão estava em um processo ainda mais complicado do que a Grécia, mas ele não faz parte da União Europeia. Como isso torna a situação do Japão melhor? VL - O Japão está com uma dívida pública muito grande, só que os credores da dívida pública são japoneses, então está sossegado. Eles não pagam juros caros, e todo mundo fica de boca calada, porque é o Japão. Então, não corre perigo nenhum desse lado. Ele pode correr perigo se a economia real fraquejar, mas do lado das finanças ele não é visto como fonte de preocupações, diferentemente da Europa, onde mesmo os países fortes estão envolvidos com títulos de investidores. CA - Por diversas vezes você falou sobre a urgência da dívida ilegítima. Poderia falar um pouco mais sobre isso? VL - A China está fazendo uma bandeira de batalha dessa proclamação das dívidas públicas ilegítimas, e eu acho que ela tem razão. Tem um livro é muito bom, recomendo que todos leiam, só que está em francês, precisa ser traduzido, As dívidas ilegítimas, como os bancos fizeram para manipular as políticas públicas, do economista marxista francês François Chesnais. Ele levanta que as dívidas são frutos de operações financeiras parasitárias, e que se pode escolher legitimamente entre atender às exigências dos credores dessas dívidas e atender aos reclames da população, que não é contada pelo surgimento dessas dívidas. Ele fundamenta no seguinte: os bancos centrais em geral, inclusive o Banco Central Europeu, não estão tendo mais as funções de auxiliares do processo produtivo, que é a tradição dos bancos. Os bancos privados forneciam o crédito para o circuito produtivo e comercial. Então, a circulação da mercadoria passa por um ciclo produtivo e um ciclo comercial. Tradicionalmente, os bancos comerciais faziam isso e os bancos centrais dos diversos países forneciam o crédito de última instância. Quer dizer, o comércio descontava nos bancos comerciais e os comerciais nos bancos centrais seus títulos, o que fazia com que fechasse o círculo e todo mundo tivesse dinheiro na mão para pagar seus títulos. Os bancos comerciais praticamente desapareceram, pois passaram a ter operações baseadas em investimentos financeiros e especulações com derivativos. O livro explica muito bem, eu estou fazendo um ultra resumo. Títulos adicionais criados sobre a circulação dos títulos financeiros de investimento primário. Então, são operações que buscam ganhar dinheiro nas diferenças de juros que ocorrem no processo circulatório de títulos financeiros. Então fica circulando. Isso tradicionalmente na economia capitalista, antes, claro, não tinha todo esse circuito financeiro, com derivativos e tal, mas sempre teve uma circulação financeira parasitária, que quando chegava em um certo ponto, um banco ficava inadimplente, porque ele tinha apostado em títulos que não tinham sustentação e produção real. Acontecia aquela sequência de falências de casas financeiras, bancos etc. As pequenas crises sempre começavam com a falência de um banco, porque as grandes é outra história. Os bancos que sobreviviam, enriqueciam e ficavam mais poderosos. E os falidos se suicidavam ou começavam de novo da estaca zero, tentando reerguer seu empreendimento econômico juntamente com as empresas produtivas que também faliam e recomeçavam a história de reerguimento ou saíam do mundo da burguesia e passavam a se tornar trabalhadores, como aconteceu com muitas famílias burguesas que foram para o mercado de trabalho. Os mais orgulhosos se suicidavam, o suicídio vem por causa disso. Essa era a tradição, agora tem o princípio que não podem falir os grandes bancos. Então isso significa um ato contínuo dos fatores da crise, que é excesso de capital. O mais importante e mais diretamente ligado ao excesso de produção e excesso de capital é a impressão que se pode começar qualquer empreendimento, pois tem crédito barato e fácil para qualquer coisa. Antigamente, esse crédito parava em certo ponto, ninguém tinha mais dinheiro para investir. Agora não, porque se eles não deixam os grandes investidores financeiros de risco falir o crédito continua fluindo, então a produção também se torna superior ao consumo possível. CA - Alguns intelectuais sustentam que a forma de organização dos partidos socialistas está superada, e que as massas vão se organizar de forma não partidária, você concorda com eles? VL - A organização que se comunica via eletrônica, entre outros filósofos, sociólogos e economistas da Europa refletem um sentimento muito forte na Europa hoje, que aliás está difuso no mundo inteiro, mas na Europa é bem mais forte do que aqui. Na Europa, os partidos tradicionais tiveram papel relevante muito forte na vida política dos países europeus, o PS francês, o PC francês, o PC italiano, o partido trabalhista inglês, são organizações poderosíssimas. O partido socialista belga é uma potência política até hoje. Esses partidos, que construíram uma tradição de lutas que não foi fácil sustentar e que tem uma carga de história na qual as pessoas depositaram esperança, estão dizendo que tem que aceitar um sacrifício que o capital financeiro exige. Então, a desilusão é muito forte, e não é fácil criar organizações políticas que substituiam isso da noite para o dia. É muito pesado refazer todo aquele trajeto histórico que foi feito por essas organizações políticas, então há um sentimento muito forte de desistir de criar partidos e se organizar de uma maneira mais livre, menos rígida, menos desvinculada. Isso está muito difuso, e não só na Europa. Na minha opinião, eu digo que não sei se o movimentos dos trabalhadores daqui para a frente até o fim dos tempos vão poder dispensar de alguma forma de organização mais sólida e consistente do que uma simples rede de contato, porque precisaria se montar uma espécie de banco de informações que permitisse fazer alguns prognósticos mais seguros. CA - Você diz que o Brasil tem um trunfo que os outros países não tem, que é a destruição da Amazônia. Você acredita na inevitabilidade disso ou em algum grau se a nação brasileira pode se articular para resistir ao processo de destruição da Amazônia? VL - É simples, o Brasil vai crescer ou não vai crescer? Se for crescer vai ser assim, a não ser que compre uma briga com a OMC. Mas existem movimentos de resistência a Belo Monte, por exemplo. A população não está escolhendo que pare de crescer. Qualquer governo vai ter a possibilidade de legitimamente destruir a Amazônia para crescer. Existem filantropos estrangeiros e brasileiros ricos que estão comprando trechos da Amazônia para preservar, e aí entra em choque com a propriedade privada. É um pedaço que não é mais Amazônia, e vai ser complicado fazer isso funcionar como Amazônia, mas isso aí está acontecendo em pequena escala e está de acordo com a tendência dominante. CA - Gostaria que você falasse um pouco sobre o que chama de simbiose entre estado burguês e o capital financeiro. Como isso funciona? VL - A simbiose é uma necessidade do ponto de vista do capital. Quebrar isso significa quebrar o poder do capital. Até onde vai sustentar, até onde existir o capital nessa etapa do desenvolvimento? Pode voltar para trás, mas não vai ser mais capital. A roda da história dos modos de produção não volta pra trás. Essa simbiose pode ser constatada de maneira simplificada através do volume das reservas monetárias. Os volumes de reservas monetárias estão hipertrofiados na atualidade, somente países que não têm condições de constituir reservas de divisas fortes, particularmente dólar, é que não tem uma reserva hipertrofiada. Mas o Brasil, que foi acusado de não ter reservas em quantidades suficientes, hoje em dia está entre os países considerados com boas reservas: 300 bilhões de dólares como reserva de segurança para credibilidade da nossa moeda. O simples fato de existirem reservas dessa envergadura, que correspondem a um terço do PIB, mostra que é um dinheiro que sai da circulação internacional de mercadorias, mas não está na circulação de mercadorias do país, a reserva esta ligada à circulação internacional. É uma reserva para atender compromissos externos, é uma reserva monetária que não é aplicada na produção de mercadorias que circulam no mercado internacional. Portanto é um ônus para processo de circulação de mercadoria. Marx dizia justamente isso, o fato dessa reserva ser pequena, revelava uma boa saúde do sistema de circulação de mercadorias no plano internacional. Quando essas reservas cresciam muito é porque a circulação está emperrando e havia uma ameaça de colapso, de crise, e, a partir daí, havia a busca de salvar o capitalismo, acumulando reservas, foi assim que funcionou sempre. O capitalismo funciona assim, é da natureza dele. Agora, modernamente, quando os países começaram a acumular reservas financeiras monetárias gigantescas foi em função de uma relação estabelecida com o dólar através da finança internacional, da necessidade, por exemplo, no caso do Brasil e de outros países, de um fluxo constante de capital externo para o interior. Para sustentar os investimentos internacionais e moedas, para que a moeda brasileira pudesse ser o nome de títulos que circula no mercado internacional de títulos, que circulam nas bolsa de valores no mundo inteiro. Então, o Brasil adquiriu o direito de emitir títulos em real, de repente, e tem gente que compra. Porque ele tem um fluxo de investimentos externos constante, que entra no Brasil e entra porque a economia brasileira é vista como economia que tem possibilidade de continuar crescendo em função dos recursos naturais e outros elementos, mas também tem a garantia de uma reserva forte. A política brasileira de juros é um escândalo, a medida do juros que o Brasil precisa pagar para manter o seu crédito, o ritmo de fluxo que melhor lhe convém. O fluxo de capitais que melhor lhe convém, que é campeão, em matéria de juros básico, o Brasil tem uma equação que não seja o 12 %, e um pouco menos, descontar inflação, mas mesmo com juros real é alta. Que é outro indicador dessa simbiose e o governo que determina isso. Claro para não determinar isso, esse governo teria que romper os fundamentos de sua política econômica, monetária, no meu entender trocar a moeda, porque essa moeda não se sustenta. CA - E os recentes episódios de resistência popular e manifestações sociais. Como você vê essa onda de protestos globais? VL - Se tiver algum tipo de ameaça, vem daí. Essa ameaça consiste no sentido do “basta!”. Quer dizer que na próxima oportunidade que for proposta uma medida de redução de salários e cortes de benefícios, esse movimento vai ser um centro catalisador de uma resistência popular que pode se ampliar muito rapidamente. Uma coisa é propor corte de benefícios sociais e salários quando não tem ninguém erguido contra a finança. Hoje, existe um sentido de “basta!” que é assustador, essa é a ameaça. Porque isso é realmente assustador para os governos que estão engajados nessa política de sacrifícios da população e para a finança internacional. Isso aí é de gelar o sangue na veia, porque se espalhou por muitos países e tem havido mobilizações significativas. Agora, recentemente, teve na Itália uma mobilização gigantesca. O alvo já está definido e é o mesmo pelo menos na maioria dos países envolvidos, uma unidade quanto ao alvo que é apontado como o culpado pelos governos que são as finanças e as políticas dos estados a favor dessas finanças que eu chamo de simbiose entre Estado e capital financeiro. CA - Você acredita que está no horizonte capitalista a possibilidade de destruição massiva das forças produtivas no Oriente Médio? VL - Se olharmos os exemplos históricos disponíveis, podemos verificar que nas suas crises os grandes impérios foram mais nocivos e destrutivos do que em sua época de boa saúde. Então, na medida que se agrava a situação econômica do império estadunidense, pode perfeitamente acontecer que esse império parta para medidas políticas baseadas na pura força militar. Seria tremendamente destrutivo para partes inteiras da população mundial e, evidentemente, que o alvo mundial a ser destruído é o Oriente Arábico. Isso pode se colocar como uma possibilidade, a não ser que os trabalhadores da Europa e dos EUA e a população... Digo população porque trabalhador sem apoio da opinião pública não funciona muito. Em todas ocasiões que os trabalhadores foram vitoriosos, eles tinham uma corrente de opinião. E, a não ser que isso ocorra com uma dimensão capaz de parar esse processo de salvação do império a todo custo, que está baseado na dominação do capital, se não houver isso, evidentemente, a gente deve esperar ações extremamente destrutivas. (Caros amigos)

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