Heroico Uruguai, merece um prêmio Nobel da Paz por legalizar a maconha!
Simon Jenkins, The Guardian, UK
“Heroic Uruguay deserves a Nobel peace prize for legalising cannabis”
Traduzido por João Aroldo
A guerra contra a guerra às drogas é a única guerra que importa. A postura do Uruguai levam a ONU e os EUA à vergonha.
O Uruguai não somente legalizou o consumo da maconha, mas corajosamente também sua produção e venda. Ilustração de Satoshi Kambayashi
Eu pensava que as Nações Unidas fossem um lugar inofensivo de conversa oca, com empregos livres de impostos para burocratas que, de outra maneira, estariam desempregados. Agora eu percebo que é uma força do mal. Sua resposta para uma tentativa verdadeiramente significativa para combater uma ameaça global – o novo regime de drogas do Uruguai – foi declarar que ele “viola leis internacionais”.
Ver a maré mudar quanto às drogas é como tentar detectar um movimento de uma geleira. Mas ela está se movendo. O estatuto de quarta-feira foi introduzido pelo presidente uruguaio, José Mujica, “para livrar as futuras gerações desta praga”. A praga não são as drogas em si, mas a guerra a elas, que coloca a juventude do mundo à mercê de traficantes criminosos e à prisão arbitrária. Mujica declarou-se um legalizador relutante, mas determinado a “tirar os usuários dos negócios clandestinos. Nós não defendemos a maconha ou qualquer outro vício, mas pior que qualquer droga é o tráfico”.
Uruguai vai legalizar não só o consumo de maconha, mas crucialmente, sua produção e venda. Os usuários devem ser maiores de 18 anos e uruguaios registrados. Enquanto pequenas quantidades podem ser cultivadas privadamente, empresas vão produzir cânhamo sob licença estatal e os preços serão estabelecidos para minar traficantes. O país não tem um problema na escala da Colômbia ou México – apenas 10% dos adultos admitem usar maconha – e reforçam que a medida é experimental.
Esta abordagem comedida está muito à frente mesmo de estados americanos como Colorado e Washington, que legalizaram tanto o uso recreativo como o consumo medicinal da maconha, mas não a produção. Apesar da lei uruguaia não cobrir outras drogas, ao negar aos traficantes uns 90% estimados de seu mercado, a esperança é tanto minar o grosso do mercado criminoso e diminuir a efeito de porta de entrada a outras drogas pelos traficantes.
A coragem de Mujica não deveria ser menosprezada.
José Mujica, Presidente do Uruguai
Seu país é um país levemente antiquado, e dois terços dos entrevistados se opuseram à medida, apesar disto ser acima de 3% uma década atrás. Além disso, alguns lobbies pró-legalização se opõem à nacionalização de facto. Uma questão em aberto é se um cartel estatal será tão eficaz como o livre mercado regulado. Mas o secretário de drogas, Julio Calzada, é contundente: “Há 50 anos nós estamos tentando tratar o problema das drogas apenas com uma ferramenta – penalização – e isso fracassou. Como resultado, temos mais consumidores, organizações criminosas maiores, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e danos colaterais”.
Raymond Yans
A resposta do Painel Internacional de Controle de Narcóticos da ONU (International Narcotics Control Board) foi entoar clichês fúteis. “A medida”, disse o diretor Raymond Yans, “colocaria em perigo os jovens e contribuiria para um prematuro início de dependência”. Ela também estaria rompendo com “um tratado universalmente aceito e aprovado”. Apesar disso, a ONU admite que meio século de tentativa de supressão levou a 162 milhões de usuários de maconha no mundo todo, ou 4% da população adulta total.
Mujica, com seus 78 anos, nota a ironia que muitos de seus contemporâneos sul-americanos concordam com ele, mas só após deixarem o governo. Fernando Henrique Cardoso, do Brasil; Ernesto Zedillo, do México; e César Gaviria, da Colômbia, todos eles propõem a descriminalização do mercado de drogas para que possam começar a regular um comércio cujos operadores rivais estão matando milhares de pessoas todos os anos.
O valor do tráfico de drogas só é menor que o do tráfico de armas . Mesmo assim, os EUA resistem à descriminalização para que possam continuar a combater a produção de cocaína e ópio na América Latina e Afeganistão, para evitar enfrentar o verdadeiro inimigo: o consumo doméstico, que está fora de controle.
Por tudo isso, a futilidade da supressão está levando a leis decadentes no ocidente. Vinte estados norte-americanos legalizaram o uso medicinal da maconha. A Califórnia rejeitou por pouca margem taxar o consumo (recusando algo em torno de 1,3 bilhão de dólares em receita anual) e ainda pode voltar atrás. O uso de drogas é aceito em boa parte da América Latina e, de fato, na Europa. Mesmo na Inglaterra, onde a posse pode ser punida com cinco anos de prisão, apenas 0,2% dos casos julgados resultam em tal sentença. Os usuários de drogas mais intensos estão nas próprias prisões do estado. A lei efetivamente desabou.
A dificuldade agora é resolver a inconsistência de autoridades “fazendo vista grossa” ao consumo enquanto deixam a oferta (e assim, o marketing) não taxado e não regulado nas mãos dos traficantes de drogas. Isto é quase um subsídio estatal ao crime organizado. A indulgência pode salvar a polícia e os tribunais do custo da aplicação da lei, mas deixa todas as ruas abertas a um enorme risco, da maconha ao uso de drogas pesadas.
Acabar com esta inconsistência requer ação dos legisladores. Mas eles continuam reféns de uma combinação legal de tabu, tribalismo e medo da mídia. A política britânica quanto a todos os entorpecentes e narcóticos (do álcool ao benzodiazepam) é caótica e perigosa. O governo (inglês) admitiu na quinta-feira sua “incapacidade controlar as “drogas legais”, novas, inventadas toda semana. Eles estão correndo com laboratórios ambulantes mostrando mandados de prisão e proibição como os Keystone Cops, a seguir:
A catástrofe de morte e anarquia que a fracassada supressão de drogas levou ao México e a outros narcoestados faz a obsessão ocidental com a guerra às drogas parecer uma atração secundária insignificante. O caminho para fora desta escuridão está sendo mapeado não no velho, mas no novo mundo, cujos heroicos legisladores merecem receber um prêmio Nobel da Paz. Foram eles que assumiram o desafio de combater a guerra que realmente importa – a guerra contra a guerra às drogas. É significativo que os países mais corajosos são os menores. Graças a Deus pelos países menores.
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[*] Simon Jenkins é jornalista e escritor. Escreve artigos para o The Guardian e para rádio e TV da BBC. Foi editor do Times e do London Evening Standard. Atualmente também dirige o National Trust. Seu último livro é England's Hundred Best Views.
(Redecastor)
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