terça-feira, 30 de outubro de 2012
Millôr, o genio de direita
Os três porquinhos e o lobo bruto (nossos velhos conhecidos)
Era uma vez Três Porquinhos e um Lobo Bruto(1). Os Três Porquinhos eram pessoas de muito boa família, e ambos(2) tinham herdado dos pais, donos do Porcão, um talento deste tamanho. Pedro, o mais velho, pintava que era uma maravilha - um verdadeiro Beethoven. Joaquim, o do meio, era um espanto das contas de somar e multiplicar, até indo à feira fazer compras sozinho. E Ananás, o menor, esse botava os outros dois no bolso - e isso não é maneira de dizer. Ananás era um mágico admirável.
Mas o negócio é que - não é assim mesmo, sempre? - Pedro não queria pintar, gostava era de cozinhar, e todo dia estragava pelo menos um quilo de macarrão e duas dúzias de ovos tentanto fazer uma bacalhoada.
Joaquim vivia perseguindo meretrizes e travestis, porque achava matemática chato, era doido por imoralidade aplicada.
E Ananás detestava as mágicas que fazia tão bem - queria era descobrir a epistemologia da realidade cotidiana.
Daí que um Lobo Bruto, que ia passando um dia, comeu os três e nem percebeu o talento que degustava, nem as incoerências que transitam pela alma cultivada.
MORAL: É INÚTIL ATIRAR PÉROLAS AOS LOBOS.
1 - No sentido de inculto, não lapidado.
2 - Três é ambos?
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A esperteza
À maneira dos...croatas
- Deus do céu, meu sobrinho, este pano ainda está aqui? - disse o velho comerciante eslavo (1), quando, ao mexer na prateleira de fazendas, encontrou uma peça que tinha colocado ali há mais de seis meses.
- Mas, tio, como é que eu posso vender essa fazenda? - perguntou-respondeu o sobrinho. - Está velha, manchada, mofada, e o padrão saiu de moda há muito tempo.
- Ora, meu caro sobrinho, vendendo. Olha! Vem a calhar. Veja e aprenda - disse o velho fazendeiro (2) ao ver entrar na loja uma velhinha, daquelas que, a essa altura, nem velhinha deveria ser mais (3).
- Que deseja, minha senhora? - falou ele, cheio de mesuras. E, antes que a velhinha se explicasse em sua voz já longínqua, passou a mostrar rolos e rolos de fazenda, sem mostrar, naturalmente, a que pretendia mesmo vender, mas deixando sempre que ficasse bem visível aos olhos(4) da velhinha. E, como os leitores já adivinharam(5), depois de algum tempo a velhinha saía da loja com a peça de fazenda velha e mofada, tendo pago por ela o dobro do preço que pagaria por uma peça nova. Mas aparentemente convencida do que lhe dissera o vendedor: estava comprando uma rarirade inglesa, um desenho único, etcétera, etcétera, etcétera(6). Quando a velha saiu, o velho mercador mostrou pro sobrinho a nota de quinhentão que ela deixara e lhe deu a lição definitiva e eterna da história do comércio:
- Vê, meu sobrinho, uma mercadoria jamais se vende pelas suas qualidades, mas sim pelas qualidades do vendedor. A mercadoria tem o valor de quem a propõe no mercado.
O garoto olhou a nota espantado e disse ao tio:
- Maravilhoso, meu tio, e profundamente verdadeiro. Mas tem também o valor da malandragem do comprador que faz sempre o preço da mercadoria reverter a seu valor verdadeiro(7). Vê só, tio: a velhinha pagou ao senhor uma nota falsa. Bota os óculos.
MORAL: Não há vitória definitiva.
1 - Ao fundo e ao cabo, todo comerciante é eslavo.
2 - O que vende fazendas.
3 - No máximo, poderia ser uma ex-velhinha.
4 - Embaraçados.
5 - Não sei pra que é que eu escrevo!
6 - Etcétera.
7 - Mais ou menos por aí começa a lei da oferta e da procura.
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Certas coisas figadais
À maneira dos... egrégios
Quando Tongo Tango, interrogado por Jango Lomango sobre a morte de seu pai, respondeu que ele tinha morrido depois de comer patê de foagrá (pasta feita com fígado de ganso), Lomango se espantou:
- Como? O fígado estava podre?
- Não – explicou Tongo Tango -, estava bom. Mas todos sabem que não se deve comer fígado de ganso, porque é uma coisa terrivelmente tóxica. Mortal.
- Que bobagem mais boba! – riu-se Lomango. – Se o fígado de ganso fosse tóxico, os gansos não andariam por aí, lampeiros. Não resistiriam ao próprio fígado.
- Resistem – concordou Tongo -, mas resistem pouco. Os gansos vivem 2% do que vive o ser humano exatamente por causa do fígado.
Lomango calou-se, abalado. E como ele próprio possuía um ganso, nessa noite, na surdina, pegou um facão, foi ao quintal, abriu o ganso e lhe tirou o fígado. E ao ver que o ganso morria, concluiu sabiamente:
- Tongo tem toda razão. Se o fígado fora do ganso lhe faz tanto mal, imagina se permanecesse mais tempo lá dentro.
MORAL: TODA LÓGICA É MORTAL
(Saite do Millôr)
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