Ateu e polêmico, Hitchens, morto aos 62, vai fazer falta "Para Hitchens, ser ateu não basta, há que endurecer contra a própria ideia de Deus, mostrando o caráter destrutivo do que há de valoroso no homem. Os crentes não só estão errados como atrapalham. Numa palavra: Jesus não era legal, seu pai tampouco, Maomé, um ridículo, Moisés, um chato", escreve Luiz Felipe Pondé, professor de Filosofia, recordando Christopher Hitchens, autor do liveo "Deus não é grande", e que morreu anteontem.
O artigo é publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 17-12-2011.
Segundo Pondé, "Hitchens foi um jovem socialista nos anos 70, e um defensor da intervenção americana no Iraque nos últimos anos. De socialista a neoconservador? Ele não era dado a "igrejinhas intelectuais", respondia às questões do mundo a partir de suas próprias ideias e intuições".
Eis o artigo.
Para aqueles que creem em Deus, a morte é o grande momento de revelação dos maiores de todos os mistérios.
Existe vida após a morte? Existe um Deus do outro lado? Valeu a pena ser honesto, fiel e generoso?
Para um ateu, nada disso é importante. A morte é apenas a parada final de seu corpo. A máquina faliu.
O jornalista e escritor britânico Christopher Hitchens morreu anteontem em Houston (EUA), vítima de um câncer no esôfago. Hitchens era ateu. E um ateu famoso por ser ateu.
Ele foi um dos maiores expoentes do chamado neoateísmo, ao lado de autores como Richard Dawkins, Sam Harris e Daniel Dennett. Seu livro "Deus Não É Grande" (Ediouro), de 2007, é um exemplo típico deste chamado neoateísmo: Deus não só não existe como a ideia de Deus é idiota, infeliz e faz mal à saúde física e mental.
Combativo, Hitchens defendia o termo "antiteísta" para sua posição, ao invés do clássico "ateu". E esta diferença é importante.
Um ateu seria alguém que, apesar de não crer em Deus, poderia guardar algum respeito pelo "personagem". Este respeito poderia levá-lo inclusive a reconhecer uma certa autoridade moral na "figura divina", o "Deus de Abraão". De repente, o ateu numa noite insone poderia pensar que "com Deus" o mundo seria melhor.
Para Hitchens, ser ateu não basta, há que endurecer contra a própria ideia de Deus, mostrando o caráter destrutivo do que há de valoroso no homem. Os crentes não só estão errados como atrapalham. Numa palavra: Jesus não era legal, seu pai tampouco, Maomé, um ridículo, Moisés, um chato.
Já um antiteísta seria alguém dedicado a combater a nefasta influência de Deus na sociedade, na moral, no pensamento, no futuro. Hitchens poderia dizer para Dostoiévski, escritor russo do século XIX, em resposta a sua famosa afirmação "Se Deus não existe, tudo é permitido" que: "Ainda bem que Deus não existe, assim ficamos livres de suas bobagens e dos chatos que nelas creem".
Mas suas polêmicas foram além do combater a ideia de Deus. Sua recente biografia publicada em 2010, "Hitch-22" (Nova Fronteira), mostra seu trajeto de intelectual engajado nas controvérsias de nosso tempo e livre das amarras da academia.
Um tipo raro no Brasil onde os intelectuais costumam viver presos à barra da saia da universidade.
Hitchens foi um jovem socialista nos anos 70, e um defensor da intervenção americana no Iraque nos últimos anos. De socialista a neoconservador? Ele não era dado a "igrejinhas intelectuais", respondia às questões do mundo a partir de suas próprias ideias e intuições.
Usou termos como islamofascismo para se referir à associação entre religião islâmica e militância política antidemocrática. Por conta disso, foi odiado pela esquerda e por relativistas que dizem que "toda cultura é legal".
Não, para Hitchens a vida secular, democrática e liberal é a melhor. Concordo.
Ele vai fazer falta.
(Inst. Humanitas Unisinos)
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