Um sacerdote nas barricadas
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admin
– 11 de maio de 2011
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Padre Andrés Tamayo conta em entrevista por que juntou-se à resistência popular de Honduras — e como foi expulso do país, pelo governo golpista e igreja conservadora
Por Geraldina Colotti, no Il Manifesto | Tradução: Moisés Sbardelotto, no IHU
“Honduras é pequeno, mas é um paraíso sobre o qual as multinacionais estenderam as mãos, fazendo grandes lucros sem dar nada às populações locais. A Itália só o conhece por causa da ‘A Ilha dos Famosos’, mas vira o rosto diante das violações dos direitos humanos perpetradas por um golpista de origem bergamasca como Micheletti e das responsabilidades de um magnata da mídia como Rafael Ferrari“.
O padre Andrés Tamayo não usa meias palavras quando se trata de defender os últimos: neste caso, aqueles mais de 63% de hondurenhos que, no país centro-americano tão grande quanto um terço da Itália, vive abaixo da linha da pobreza. “Eu decidi abraçar a causa do povo – diz –, com meios pacíficos, mas sem reservas”. Ao ponto de se tornar um dirigente da Frente de Resistência Popular de Honduras: “Ocupo-me – explica – do setor de Orientação, de fazer crescer a consciência na base”.
O Evangelho de Tamayo é o da Teologia da Libertação. Nascido em El Salvador, foi coroinha de Oscar Romero, o arcebispo de San Salvador assassinado no dia 24 março de 1980 por um mercenário do governo, durante a celebração da missa. Um fim ao qual ele também escapou por pouco, tendo sobrevivendo a cinco atentados em Honduras. Quatro dos seus colaboradores mais próximos foram mortos por assassinos contratados nunca identificados. As duas últimas tentativas de eliminá-lo ocorreram após o golpe do dia 28 de junho de 2009, que obrigou o presidente Manuel Zelaya a se exilar. Desde então, Tamayo é obrigado a se esconder.
“Eu fui expulso – indica – pelo país e por aquela Igreja que não levantou a voz junto com o povo, mas a favor do poder, que fechou os seus espaços ao protesto e, ao contrário da Igreja de base, perdeu a oportunidade de agir como profeta do futuro: e não tem mais espaço entre a população que lutar por uma causa justa”.
Como líder do movimento ambientalista de Olancho (Mao), Tamayo, em 2004, recebeu o prestigiado Goldman Prize, o Nobel Alternativo para o Meio Ambiente. Nestes dias, ele está na Itália para uma turnê de conferências, promovida pelo centro Balducci de Zugliano (Udine) e dos missionários combonianos, e falou conosco sobre a situação em Honduras e o seu compromisso com a justiça social.
Eis a entrevista.
Um sacerdote na política e com um papel proeminente. Como o senhor começou?
Eu sempre tive uma inclinação social pela justiça e pelo bem comum da população e sempre entendi nesse sentido o processo pastoral. Nos anos 1990, quando eu pároco no município de Salamá, participei dos movimentos pela defesa da floresta contra a exploração selvagem das minas de ouro, que poluem os rios, e pela gestão dos recursos naturais. Honduras sempre foi depredado dos seus recursos, especialmente madeira.
No ano 2000, damo-nos conta de que, em dez anos, o país já havia perdido mais de 10% das suas florestas. Grande parte da madeira era cortada ilegalmente, vendida principalmente nos EUA e na Europa: um volume de negócios que permitiria que a população vivesse de modo digno. Ao invés, víamos as árvores desaparecerem, a chuva diminuir, os aquíferos secarem, os agricultores empobrecidos estimulados ao desflorestamento selvagem. Quatro multinacionais – uma dos quais, a Sansoni, é italiana, enquanto a mais importante é cubano-americana, a Aljoma Lumber – se apossaram desses recursos, têm o monopólio da exportação. Na parte nordeste do país, onde está Olancho, o maior departamento, reservas de biosfera como a o Rio Plátano foram devastadas.
No ano 2000, a população começou a protestar, a pedir uma moratória ao corte de madeira. Em 2002, participei de uma greve de fome de 30 dias, e foi posto em marcha o processo que levou a duas marchas pela vida: a primeira, em 2003, de 190 quilômetros, e a de 2004, da qual participaram mais de 50 mil pessoas de todo o país. Buscávamos obter uma mesa de negociação, mas o golpe de Estado contra o presidente Manuel Zelaya, no dia 28 de junho de 2009, fechou todas as saídas. Mesmo assim me coloquei ao lado do povo, para dar coragem ao quem se manifestava pelos seus próprios direitos. O atual governo de Porfirio Lobo está ali para garantir uma mão livre à exploração dos recursos por parte das grandes famílias e das multinacionais que controlam 80% da riqueza. A cada cinco minutos, destrói-se um hectare de floresta.
O índios garifuna, os afro-descendentes que vivem ao longo da costa atlântica e que são os mais atingidos pela devastação do seu próprio território, organizaram em fevereiro a Assembleia Constituinte dos Povos Indígenas e Negros de Honduras e, no dia 1º de abril, deram início a uma marcha contra a repressão. Qual é o seu peso político no movimento de resistência?
Muito forte. Os garifuna vivem em Honduras há mais de 200 anos. Seus territórios são quase um paraíso e, por isso, os índios foram deportados. O pretexto é o turismo. Em Roatan, onde está sendo gravado o reality-show “A ilha dos famosos”, há vilarejos turísticos e lojas administrados por grandes empresas ocidentais que buscam corrompê-los, oferecendo-lhes migalhas. Os afro-descendentes, no entanto, se organizaram e participam com as suas representações na Frente. Muitos pagaram com a vida. Embora a eleição de Porfirio Lobo tenha sido uma farsa da qual mais de 65% dos cidadãos não participaram, neste momento o poder tem todas as chaves na mão. Qualquer um que tente se opor é assassinado.
A CIA, junto com o Exército colombiano e os serviços secretos israelenses, treina os militares para os assassinatos dos opositores e depois finge que se trata de crimes comuns. O governo tem tentado limpar o golpe de Estado com uma Comissão da Verdade constituída unilateralmente, enquanto nós pedimos que seja formada uma comissão verdadeira para jogar luz sobre os assassinatos de professores, jornalistas, sindicalistas… As organizações indígenas e ambientalistas continuam protegendo as fontes, organizam momentos de resistência contra o desmatamento, na esperança de uma mudança política e do retorno à democracia.
Em que se baseia essa esperança?
A Frente de Resistência Popular é uma força alternativa na qual participam grupos de mulheres – que são muito importantes –, organizações de camponeses, intelectuais, índios. Ela nasceu depois do golpe do dia 28 de junho de 2009 e se reforçou ao longo de quase dois anos em termos de representatividade e credibilidade: na defesa da liberdade do povo e pela construção de uma verdadeira mudança social e política em Honduras. Nossos principais objetivos são quatro: o retorno seguro de todos os exilados como eu, começando pelo presidente Manuel Zelaya, coordenador da Frente; o respeito aos direitos humanos e aa punição dos golpistas; a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte, participativa, inclusiva e democrática; o reconhecimento da Frente como organização política e social em Honduras: uma verdadeira organização política, independente e de escala nacional como ela é, e não uma organização de bairro como o governo Lobo quer que acreditemos. Para isso, contamos com nossas próprias forças, mas também com a mediação internacional assumida pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, e pelos países da América Latina, que, dentro da Alba ou daUnasul, apoiam uma mudança progressista de Honduras.
Um dos principais mediadores é Manuel Santos, presidente da Colômbia, um país não exatamente exemplar em direitos humanos.
Mesmo que a política dos governos nem sempre falem a língua do povo (que expressa forte e claramente os seus objetivos), para nós, essa mediação é um passo em frente. Antes, éramos forçados a buscar um diálogo díspar e sem justiça com um poder que detinha o poder. Mas agora haverá alguém que poderá apoiar a nossa proposta de quatro pontos. O obstáculo mais sério, no entanto, é a pressão da direita dos EUA para queHonduras entre na Organização dos Estados Americanos, para que os financiamentos internacionais possam acabar nos bolsos de sempre. Embora as coisas estejam desse jeito, no entanto, é nossa firme intenção prosseguir na autoconvocação da Assembleia Constituinte que levará a uma nova constituição à qual o povo tem o direito: até o dia 28 de junho, dois anos depois do golpe de Estado.
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