Riocentro: após 30 anos, nova testemunha conta detalhes do terror
Na noite de 30 de abril de 1981, Mauro César Pimentel esqueceu a carteira no Fusca do amigo que o acompanhava no Riocentro. Foi buscar, e, na volta, passou pelo Puma que tinha ficado estacionado na frente do Fusca. Viu então o homem no banco do carona do Puma mexer numa espécie de cilindro que estava em seu colo. No banco de trás do carro, mais dois cilindros iguais ao da frente.
Mauro foi até onde tinha ficado seu amigo – e ouviram uma explosão, tão próxima a ponto de eles terem de se jogar no chão. Tinha acabado de passar para a História a bomba do Riocentro, que matou o sargento Guilherme Pereira do Rosário – o homem no banco do carona que Mauro viu manusear o cilindro – e vitimou o capitão Wilson Machado, numa ação de insatisfeitos da direita com a então abertura política no país.
Mais tarde, diz Mauro, os cilindros do banco de trás sumiram. Na época, a imprensa chegou a publicar informações de que teria havido duas outras bombas dentro do Puma, que teriam sido desativadas por peritos no local.
Hoje corretor de imóveis, com 49 anos, Mauro Pimentel nunca havia contado sobre o que testemunhara. Resolveu falar após ver as reportagens publicadas pelo jornal O Globo, nesta semana, revelando a existência de uma agenda de telefones de Guilherme Pereira com nomes de integrantes dos meios militar e policial.
“Na época, eu tinha acabado de cumprir o serviço militar obrigatório e estava indo para a Polícia Militar. Até cheguei a comentar com um sargento do Exército do qual eu era mais próximo, e ele disse: ‘Se você quer seguir com a sua vida, nunca fale isso com ninguém’”, relata Mauro.
“Nunca tinha falado nada, nem para a minha mulher. Mas, agora, percebi que já se passou tempo suficiente, que eu podia falar sem que minha vida fosse prejudicada por causa disso”, agrega a testemunha – que foi da PM de 1982 a 1996, quando pediu baixa para ir trabalhar como gerente de segurança em empresas da iniciativa privada.
Mauro tinha ido ao show no Riocentro com uma amiga e o amigo dono do Fusca – o veículo ficou famoso, pois aparece sempre atrás do Puma destroçado nas fotos tiradas após a explosão. “Quando chegamos para estacionar, o Puma estava parado atravessado no meio do estacionamento, e a gente teve que contorná-lo para conseguir parar numa vaga atrás”, recorda-se.
“Quando passamos por ele pela primeira vez, fiquei olhando o Puma, porque era, na época, um sonho de todo jovem. O homem no carona, então, deve ter ficado incomodado, porque aí me olhou. Eu então disse: ‘Bonito, o carro!’.” Depois que passaram pelo Puma, Mauro lembrou que tinha deixado a carteira no Fusca, e voltou para buscar. Foi quando, ao passar pela segunda vez pelo Puma, viu os cilindros.
O corretor acrescenta: “O homem no carona estava com um objeto cilíndrico, semelhante a um extintor, mas que não era extintor. Ele fazia um movimento como se estivesse rosqueando algo nesse cilindro. Como o Puma era um carro baixo, deu para ver que no banco de trás havia dois cilindros iguais ao outro. Quando cheguei até onde meus amigos estavam, a gente ouviu uma explosão. Olhei para trás e vi pedaços de fibra do carro”.
Ao se aproximarem do Puma, Mauro e o amigo viram, então, o capitão Wilson Machado sair do carro "gritando de dor". Foram socorrê-lo: “Pegamos a carteira dele para ver a identidade, e vimos que era militar. Fomos então pedir socorro. Quando voltamos, já tinha se formado uma confusão, e esse homem que tínhamos socorrido havia sumido – só estava a carteira dele em cima do Puma. Agora, os dois cilindros no banco de trás do carro também tinham sumido”.
Comissão da Verdade
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, vai utilizar as informações sobre o conteúdo da agenda de Guilherme Pereira para pressionar o Congresso pela instalação da Comissão da Verdade. De acordo com a ministra, essas informações "demonstram a importância da comissão".
“É muito importante que essas informações venham à tona, mesmo que 30 anos depois. É um direito que a sociedade tem de conhecer as conexões que esse caso tinha – e que se mantiveram operando depois”, diz Rosário. “O fato de o Superior Tribunal Militar não ter considerado essas informações indica que os inquéritos, restritos ao universo militar, não possibilitaram que as informações desse caso tivessem tomado um curso adequado, não possibilitaram que tivessem efeito.”
Com as informações da agenda, a ministra diz que planeja “reforçar a caminhada pela aprovação da comissão no Congresso. Só com a discussão sobre a criação da Comissão da Verdade, quantas novas informações não estão surgindo? De meios de comunicação, de entidades, universidades... E um ponto importante é que esse debate está sendo trazido sem que se alimentem contradições com o meio militar de hoje”.
Da Redação, com informações do O Globo
(vermelho.0rg)
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