A "operação Líbia" e a batalha pelo petróleo: redesenhar o mapa da África
Escrito por Michel Chossudovsky
17-Mar-2011
As implicações geopolíticas e econômicas de uma intervenção militar do bloco EUA-OTAN contra a Líbia são de grande alcance.
A Líbia está entre as maiores economias petrolíferas do mundo, com aproximadamente 3,5% das reservas globais de petróleo, mais que o dobro das dos EUA.
A "Operação Líbia" faz parte de uma agenda militar mais vasta no Oriente Médio e na Ásia Central, a qual consiste em ganhar controle e propriedade corporativa sobre mais de 60% da reservas mundiais de petróleo e gás natural, incluindo as rotas de oleodutos e gasodutos.
"Países muçulmanos, incluindo a Arábia Saudita, Iraque, Irão, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Iêmen, Líbia, Egito, Nigéria, Argélia, Cazaquistão, Azerbaijão, Malásia, Indonésia, Brunei, possuem de 66,2 a 75,9 por cento do total das reservas de petróleo, conforme a fonte e a metodologia da estimativa" (ver Michel Chossudovsky, The "Demonization" of Muslims and the Battle for Oil, Global Research, 04/01/2007).
Com 46,5 bilhões de barris de reservas provadas (10 vezes as do Egito), a Líbia é a maior economia petrolífera do continente africano, seguida por Nigéria e Argélia (Oil and Gas Journal). Em contraste, as reservas provadas dos EUA são da ordem dos 20,6 bilhões de barris (dezembro de 2008), segundo a Energy Information Administration - U.S. Crude Oil, Natural Gas, and Natural Gas Liquids Reserves.
Nota
As estimativas mais recentes situam as reservas de petróleo da Líbia nos 60 bilhões de barris. As suas reservas de gás em 1.5 trilhão de metros cúbicos. A sua produção tem estado entre 1,3 e 1,7 milhão de barris/dia e a produção de gás de 2,6 bilhões de pés cúbicos por dia, segundo números da National Oil Corporation (NOC).
A BP Statistical Energy Survey de 2008 (em alternativa) colocava as reservas provadas da Líbia nos 41.464 bilhões de barris no fim de 2007, os quais representam 3,34% das reservas provadas do mundo (Mbendi Oil and Gas in Libya - Overview).
O petróleo é o "troféu" das guerras conduzidas pelos EUA-OTAN
Uma invasão da Líbia sob um pretexto humanitário serviria os mesmos interesses corporativos da invasão de 2003 e subsequente ocupação do Iraque. O objetivo subjacente é tomar posse das reservas de petróleo da Líbia, desestabilizar a National Oil Corporation (NOC) e finalmente privatizar a indústria petrolífera do país, nomeadamente transferir o controle e propriedade da riqueza petrolífera Líbia para mãos estrangeiras.
A National Oil Corporation (NOC) está classificada entre as 25 maiores companhias de petróleo do mundo (The Energy Intelligence ranks NOC 25 among the world's Top 100 companies – www.Libyaonline.com).
A planejada invasão da Líbia, a qual já está em curso, é parte da "Batalha pelo petróleo" mais vasta. Aproximadamente 80% das reservas de petróleo da Líbia estão localizadas na bacia do Golfo de Sirte da Líbia Oriental (ver mapa abaixo).
A Líbia é uma economia valiosa. "A guerra é bom para os negócios". O petróleo é o troféu das guerras efetuadas pelos EUA-OTAN.
A Wall Street, os gigantes anglo-americanos do petróleo e os produtores de armas dos EUA e União Européia seriam os beneficiários tácitos de uma campanha militar dos EUA-OTAN contra a Líbia, pois seu petróleo é uma mina de ouro para eles.
Embora o valor de mercado do petróleo bruto esteja atualmente pouco acima dos 100 dólares por barril, o custo do petróleo líbio é extremamente baixo, tão baixo como US$1,00 por barril (segundo estimativas). Como comentou um perito do mercado algo criticamente: "A US$110 no mercado mundial, a simples matemática da a Líbia uma margem de lucro de US$109" ( Libya Oil , Libya Oil One Country's $109 Profit on $110 Oil, EnergyandCapital.com March 12, 2008).
Interesses petrolíferos estrangeiros na Líbia
Dentre as companhias petrolíferas estrangeiras que operavam antes da insurreição na Líbia incluem-se a Total da França, a ENI da Itália, a China National Petroleum Corp (CNPC), British Petroleum, o consórcio espanhol REPSOL, ExxonMobil, Chevron, Occidental Petroleum, Hess, Conoco Phillips.
Muito significativamente, a China desempenha um papel central na indústria petrolífera líbia. A China National Petroleum Corp (CNPC) tinha, até o seu repatriamento, uma força de trabalho de 30 mil chineses na Líbia. A British Petroleum (BP), em contraste, tinha uma força de trabalho de 40, a qual foi repatriada.
Onze por cento (11%) das exportações de petróleo líbias são canalizadas para a China. Se bem que não haja números sobre a dimensão e importância da produção e atividades de exploração da CNPC, há indicações que são apreciáveis.
Mais geralmente, a presença da China na África do Norte é considerada por Washington como uma intrusão. De um ponto de vista geopolítico, a China é uma intrusa. A campanha militar dirigida contra a Líbia pretende excluir a China da África do Norte.
O papel da Itália também tem importância. A ENI, o consórcio italiano, extrai 244 mil barris de gás e petróleo por dia, os quais representam quase 25% do total das exportações da Líbia (Sky News: Foreign oil firms halt Libyan operation , 23/02/2011).
Dentre as companhias estadunidenses na Líbia, a Chevron e a Occidental Petroleum (Oxy) decidiram há cerca de seis meses (outubro de 2010) não renovar as suas licenças de exploração de petróleo e gás na Líbia (Why are Chevron and Oxy leaving Libya?: Voice of Russia , 06/10/2010). Em contraste, em novembro de 2010 a companhia alemã R.W. DIA E assinou um acordo de grande alcance com a NOC da Líbia, que envolve a exploração e partilha de produção (AfricaNews - Libya: German oil firm signs prospecting deal - The AfricaNews).
As apostas financeiras bem como "os despojos de guerra" são extremamente elevados. A operação militar pretende desmantelar instituições financeiras da Líbia e também confiscar bilhões de dólares de ativos financeiros líbios depositados em bancos ocidentais.
Deve ser enfatizado que as capacidades militares da Líbia, incluindo o seu sistema de defesa aérea, são fracas.
Redesenhar o mapa da África
A Líbia tem as maiores reservas de petróleo da África. O objetivo da interferência dos EUA-OTAN é estratégico: consiste no roubo sem rodeios, em roubar a riqueza petrolífera do país sob o disfarce de uma intervenção humanitária.
Esta operação militar pretende estabelecer a hegemonia dos EUA na África do Norte, uma região historicamente dominada pela França e em menor extensão pela Itália e Espanha.
Em relação à Tunísia, Marrocos e Argélia, o desígnio de Washington é enfraquecer os laços políticos destes países com a França e pressionar pela instalação de novos regimes políticos que tenham um estreito relacionamento com os EUA. Este enfraquecimento da França, como aspecto do desígnio imperial dos EUA, faz parte de um processo histórico que remonta às guerras na Indochina.
A intervenção dos EUA-OTAN que conduza à futura formação de um regime fantoche dos EUA pretende também excluir a China da região e por para fora a chinesa National Petroleum Corp (CNPC). Os gigantes anglo-americanos, incluindo a British Petroleum que em 2007 assinou um contrato de exploração com o governo Kadafi, estão entre os potenciais "beneficiários" da proposta operação militar EUA-OTAN.
Mais na generalidade, o que está em causa é o redesenho do mapa da África, um processo de redivisão neocolonial, o descarte das demarcações da Conferência de Berlim de 1884, a conquista da África pelos Estados Unidos em aliança com a Grã-Bretanha, numa operação conduzida pelos EUA-OTAN.
Líbia: Portão saariano estratégico para a África Central
A Líbia tem fronteiras com vários países que estão na esfera de influência da França, incluindo a Argélia, Tunísia, Níger e Chade.
O Chade é potencialmente uma economia rica em petróleo. A ExxonMobil e a Chevron têm interesses no Chade do Sul, incluindo um projeto de oleoduto. O Chade do Sul é um portão de entrada para a região do Darfur, no Sudão, a qual também é estratégica em vista da sua riqueza petrolífera.
A China tem interesses petrolíferos tanto no Chade como no Sudão. A China National Petroleum Corp (CNPC) assinou em 2007 um acordo de grande alcance com o governo do Chade.
O Níger é estratégico para os Estados Unidos devido às suas vastas reservas de urânio. No presente, a França domina a indústria de urânio no Níger através do conglomerado nuclear francês Areva, anteriormente conhecido como Cogema. A China também tem interesse na indústria de urânio do Níger.
Mais geralmente, a fronteira sul da Líbia é estratégica para os Estados Unidos na busca pela extensão da sua esfera de influência na África francófona, um vasto território que se estende desde a África do Norte até a África Central e Ocidental. Historicamente, esta região fazia parte dos impérios coloniais da França e da Bélgica, cujas fronteiras foram estabelecidas na Conferência de Berlim de 1884.
Os EUA desempenharam um papel passivo na Conferência de Berlim de 1884. Esta nova redivisão no século XXI do continente africano, baseada no controle sobre o petróleo, gás natural e minerais estratégicos (cobalto, urânio, cromo, manganês e platina) apoia amplamente os interesses corporativos anglo-americanos.
A interferência dos EUA na África do Norte redefine a geopolítica de toda uma região. Mina a China e ensombra a influência da União Europeia.
Esta nova redivisão da África não enfraquece apenas o papel das antigas potências coloniais (incluindo a França e a Itália) na África do Norte. Ela também faz parte de um processo mais vasto de deslocamento e enfraquecimento da França (e da Bélgica) sobre uma grande parte do continente africano.
Regimes fantoches dos EUA foram instalados em vários países africanos que historicamente estavam na esfera de influência da França (e Bélgica), incluindo a República do Congo e o Ruanda. Vários países na África Ocidental dentro da esfera da França (incluindo a Costa do Marfim) estão destinados a tornarem-se estados proxy dos EUA.
A União Europeia está fortemente dependente do fluxo de petróleo líbio. Oitenta e cinco por cento do seu petróleo é vendido para países europeus. No caso de uma guerra com a Líbia, a oferta de petróleo à Europa Ocidental poderia ser interrompida, afetando grandemente a Itália, França e Alemanha, as quais estão fortemente dependentes do petróleo líbio. As implicações destas interrupções são de extremo alcance. Elas também têm relação direta sobre o relacionamento entre os EUA e a União Europeia.
Observações conclusivas
A mídia de referência, através da desinformação maciça, é cúmplice na justificação de uma agenda militar, que se executada teria conseqüências devastadoras não apenas para o povo líbio: os impactos sociais e econômicos seriam sentidos em escala mundial.
Há atualmente três diferentes teatros de guerra na região do Oriente Médio e Ásia Central: Palestina, Afeganistão, Iraque. No caso de um ataque à Líbia, o quarto teatro de guerra seria aberto na África do Norte, com o risco de escalada militar.
A opinião pública deve tomar conhecimento da agenda oculta por trás deste empreendimento alegadamente humanitário, apregoado por chefes de Estado e chefes de governos de países da OTAN como uma "Guerra Justa". A teoria da Guerra Justa, tanto nas suas versões clássica como contemporânea, defende a guerra como uma "operação humanitária". Ela apela à intervenção militar sobre bases éticas e morais contra "Estados vilões" e "terroristas islâmicos". A teoria da Guerra Justa demoniza o regime Kadafi na sua fase de preparação.
Os chefes de Estado e de governo dos países da OTAN são arquitetos da guerra e destruição no Iraque e no Afeganistão. Numa lógica absolutamente enviesada, eles são apregoados como as vozes da razão, como os representantes da "comunidade internacional".
As realidades são invertidas. Uma intervenção humanitária é lançada por criminosos de guerra em altos cargos, os quais são os guardiões da teoria da Guerra Justa.
Abu Ghraib, Guantánamo, baixas civis no Paquistão resultantes de ataques dos EUA com aviões sem piloto a cidades e aldeias, ordenados pelo presidente Obama, não estão nas primeiras páginas dos noticiários nem tampouco as duas milhões de mortes civis no Iraque. Não existe isso de "Guerra Justa".
A história do imperialismo dos EUA deveria ser entendida. O Relatório 200 do Project of the New American Century (PNAC) intitulado "Rebuilding Americas' Defenses" apela à implementação de uma longa guerra, uma guerra de conquista. Um dos principais componentes desta agenda militar é: "Combater e vencer decisivamente em múltiplos teatros de guerra simultâneos".
A operação Líbia faz parte desse processo. É um outro cenário na lógica do Pentágono de "teatros de guerra simultâneos".
O documento PNAC reflete fielmente a evolução da doutrina militar dos EUA desde 2001. Os planos dos EUA para se envolver simultaneamente em vários teatros de guerra em diferentes regiões do mundo.
Embora a proteção da América, nomeadamente a "Segurança Nacional" dos EUA, seja mantida como objetivo, o relatório do PNAC explica claramente porque estes teatros de guerra múltiplos são requeridos. A justificativa humanitária não é mencionada.
Qual é o objetivo do roteiro militar da América?
A Líbia é alvejada porque é um dentre os vários países que permanecem fora da esfera de influência da América, por não se acomodar às exigências dos EUA. A Líbia é um país que foi selecionado como parte de um "roteiro" militar que consiste de "múltiplos teatros de guerra simultâneos". Nas palavras do antigo comandante-chefe da OTAN, general Wesley Clark:
"No Pentágono em novembro de 2001, um dos oficiais superiores do staff teve tempo para uma conversa. ‘Sim, ainda estamos a caminho de ir contra o Iraque’, disse ele. Mas havia mais. Isso estava sendo discutido como parte de um plano de campanha de cinco anos, disse ele, e havia um total de sete países, começando com o Iraque e seguindo por Síria, Líbano, Líbia, Irã, Somália e Sudão (Wesley Clark, Winning Modern Wars, p. 130).
Parte I: Insurreição e intervenção militar: Os EUA-OTAN tentaram golpe de Estado na Líbia?
Parte III: "War is Good for Business": The Libya Insurrection has Triggered a Surge in Oil Prices. Speculators Applaud... (a publicar)
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=23605
Este artigo foi retirado de http://resistir.info/.
Michel Chossudowsky é membro do Centro de Pesquisas sobre a Globalização e autor de ‘A globalização da pobreza’.
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