Quanta ingenuidade ou
sonho escrito algum dia
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Por Julia Pascali, de Pirinópolis, Goiás
É esta a moral da história de amor mais curta e onírica já vivida com a Lídia.
Chegar no motel não foi nada, era uma grande brincadeira, um jogo de conhecimento da vida.
No primeiro momento, ela foi tomar um banho e eu fiquei querendo lhe preparar uma surpresa. Descobri o telefone e tentei encomendar um suco para aquele que me atendeu.
Ele tinha um tom estranho na voz e não desfez a ligação mesmo quando eu percebi que se queríamos o suco para dali a uma hora e meia ou duas horas, eu teria que chamar novamente, à cozinha, dali a uma hora e meia, duas horas.
Mas, ele continua, insistentemente, a me oferecer o café e, dizendo não várias vezes, desligo com certo quê de surpresa.
Mas minha atenção estava toda tomada por Lídia, por aquele momento tão especial em que duas pessoas que se amam vão se revelar de alguma forma tão carinhosa, tão espontaneamente. E continuei feliz, muito feliz.
Batem à porta do quarto. Era o café que eu não queria e que com certeza jamais requisitaria em toda a minha vida.
Quatro grandes homens invadem o quarto: uns trazendo o café, outros limpando com grandes panos o piso do quarto. Eu, numa paralisia geral, não sabia o que fazer. Fiquei olhando do corredor para o quarto, do quarto para o corredor, com o queixo quase no peito, sem nenhuma ação além dessa de virar a cabeça da esquerda para a direita e da direita para a esquerda.
Lídia saiu do banheiro toda molhada, com a toalha branca escorrida na frente do corpo e, surpreendida e indignada pela invasão da sua nudez. Ato contínuo a abrir a porta do banheiro, ela começou a gritar e a enxotá-los do quarto. Entrei na mesma loucura de botar quatro homens para fora de um quarto de motel, grandes, semi-nus e sarcásticos. Precisamos chutá-los várias vezes, literalmente falando. Mas a resistência deles não se expressava de uma maneira normal de quem está apanhando. Eles simplesmente riam, e tornavam cansativa a expulsão. Mas conseguimos.
Toda a agitação me deixou de cabelo em pé, com uma sensação de atordoamento que só foi voltando ao natural através de uma ducha, graduando do quente até o frio, e com toda a atenção e carinho de Lídia.
Assim recomeçamos a nos curtir e a curtir a vida. Pegamos o cardápio e nos divertimos com os primeiros serviços oferecidos: cegos, um pouco coxos, paraplégicos. Rindo, com uma leve desconfiança e deixando para lá, ficamos ali até que bateu aquela moleza que se confunde com preguiça, vontade de pensar na vida, indecisão quanto à próxima ação, um deixar rolar.
Duas poltronas destas que quase se juntam para formar um sofá nos serviam de apoio. Nossa posição era idêntica: olhando para a frente, com as pernas dobradas, abraçadas pelos próprios braços, lado a lado.
A única coisa que não coincidia, por isso não posso dizer que correspondíamos às imagens de espelho, a real e a imaginária, era a posição dos nossos queixos: o meu estava apoiado nos meus joelhos; o dela estava mais acima e para trás, pois sua cabeça encostava nos espaldar da poltrona. Ficamos assim por um período tão longo quanto é necessário para que dois corpos humanos se comuniquem e se estimulem pela energia que um transmite ao outro.
Eu pedi proteção. Quis encostar minha cabeça no seu ombro. Para meu maior aconchego e comodidade, e para não deixar aquele quê de sem-graça interromper aquele gesto de carinho extremo, ela passou o braço pelas minhas costas e eu pude recostar-me mansamente naquele vãozinho entre o ombro e os seios, do seu lado direito.
Ela me apertou mais gostosamente e num segundo toda a moleza se transformou em ânsia de se dar, de se entregar, de viver conjuntamente aquele momento de tanto prazer. Sua cabeça se dirigiu para o meu pescoço, ajeitamos nossos corpos mais frente a frente e nos abraçamos atirando toda nossa energia, num respirar compassado.
O tesão foi chegando, intenso, tomando o dedão do pé, a barriga da perna, nossas flores, a barriga, o peito, os braços, a cabeça, a boca e neste abraço de igual para igual, nossos dedos médios, agora eu posso dizer como que num espelho, começaram, no mesmo instante e no mesmo ritmo, a fazer movimentos de pulsação, apalpando as costas. Meu ombro sentia aquele mexer delicioso como se fosse na própria xoxota, estávamos muito próximas do êxtase quando... de uma voz absolutamente terrorífica, saída de cima de nós, ouvimos:
– Aqui estou eu, bonecas, para resolver.
Olhei para cima e vi um bofe. É! Com aquela imagem entre o alterofilista e o boneco de esquina, bonitão, mas amedrontador. Meu choque desta vez foi fatal. Senti meu coração se esvaziar, minhas forças irem embora, os meus gritos se calarem e o meu corpo relaxar.
Percebi ainda que com a ajuda de Lídia pegávamos nossas roupas em total desespero, chorando, interrompidas naquele instante de liberdade e vida. Minha penúltima ação foi dar com o salto dos tamancos nas costas do monstro, mas minhas forças já estavam tão reduzidas que Lídia tinha que me ajudar a andar.
Cambaleando saímos do quarto com o homem do lado, Lídia gritava e eu a seguia, até que chegamos a uma tal de portaria; eu absolutamente muda, ela gritando, protestando, o homem da portaria se desculpando mal e porcamente e o olhar sarcástico do bofe lembrando o episódio anterior dos quatro homens do café e da limpeza.
Minha ingenuidade, minha falta de proteção, não suportou. Minha última ação? Esqueci.
6/6/2009
Fonte: ViaPolítica/A autora
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