quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Religião

Os padres sobem ao púlpito outra vez


"Com o púlpito, a pregação se separa do altar, isto é, a explicação do Evangelho se afasta da Eucaristia. De forma que o Evangelho se converte em 'sermão', e a Eucaristia se reduz a um 'ritual' sagrado."
A reflexão é do teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado em seu blog, Teología Sin Censura, 09-01-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Acabo de regressar da Itália (Verona), onde dei um breve curso (só três dias) sobre a fé cristã. A Itália é um país em que a presença da religião continua sendo forte. É um fato que se nota em seguida. Sem dúvida, a proximidade do Vaticano e a abundância de pequenas dioceses são dois fatos determinantes na religiosidade de milhões de italianos.
Mas ocorre que, precisamente porque a religiosidade é notada mais do que em outros países, por isso mesmo também se nota mais e se percebe melhor a orientação que, em determinados setores do povo, a prática religiosa vai tomando. Trata-se de uma orientação claramente regressiva. Ou, para ser mais preciso, cada vez que vou à Itália (e costumo ir duas ou três vezes por ano), dou-me conta da força que dois fenômenos enormemente significativos vão tomando:
1) Por um lado, nota-se que as práticas religiosas tradicionais não só se reforçam, mas também, além disso, vão em claro retrocesso no sentido de ir recuperando usos e costumes que (talvez ingenuamente) acreditávamos estar definitivamente superados.
2) Por outro lado, à medida que se recuperam práticas religiosas de tempos antigos, quase na mesma medida aumenta o número de pessoas que anseiam e buscam outra forma de entender e praticar a vida cristã, outra forma menos atada a determinadas práticas medievais e mais vinculada ao Evangelho e às primeiras origens do cristianismo.
Esses dois fenômenos são claríssimos e, pela informação que tenho neste momento, acredito que é na Itália onde melhor se advertem e mais se notam essas duas tendências, que, em não poucas coisas, vão em direções estritamente opostas.
Pois bem, se prestarmos um pouco de atenção no primeiro desses fenômenos, o da recuperação e intensificação das práticas religiosas de antigamente, uma das coisas que mais me surpreenderam é que, em não poucas paróquias do noroeste italiano (penso, por exemplo, na diocese de Údine, na fronteira com a Áustria), vão abundando os padres que estão utilizando outra vez os púlpitos para as homilias das missas ou simplesmente para pregar seus sermões ao povo fiel. E é importante notar que há muitas pessoas que gostam disso. E, mais, abundam as pessoas que gostam que o pregador vista roupagens especialmente solenes e chamativas para fazer o seu sermão.
Isso me deu o que pensar. Porque não acredito que a explicação do retorno a esse velho costume deva ser buscado na vaidade dos pregadores. Sem dúvida, é evidente que alguém que põe por cima todas as roupagens que tem ao seu alcance, por mais que faça isso com o convencimento de que assim é como deve proceder, pode dar a impressão de que faz isso motivado por um orgulho mal dissimulado.
Mas o fundo da questão não está nos sentimentos que o pregador de turno pode abrigar. O problema está em que o púlpito representa em si mesmo. O mais evidente que ocorre com o púlpito é que a pregação se separa do altar, isto é, a explicação do Evangelho se afasta da Eucaristia. De forma que o Evangelho se converte em "sermão", e a Eucaristia se reduz a um "ritual" sagrado. E então, no sermão, o pregador se destaca com a sua retórica. E, no ritual, o sacerdote executa um cerimonial que fomenta a devoção de alguns, tranquiliza a consciência de outros, mas, em geral, não evoca a quase ninguém o que Jesus fez e disse na ceia aquela em que se despediu de seus discípulos e amigos.
O que fizemos com o Evangelho? O que nos resta da Eucaristia? Aonde vamos por esse caminho? Segundo dizem os entendidos, o "púlpito" foi, originalmente, parte do cenário do teatro romano. A parte diferenciada da orchestra, isto é, a parte onde os atores recitavam e atuavam. Não estaremos fazendo das nossas celebrações litúrgicas uma espécie de teatro pelo qual todos passamos um pouco, mas ninguém se converte?
(Inst. Humanitas Unisinos)

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