Bem-vindos ao Cabaret
publicado em artes e ideias por Marisa Figueiredo em 15 fev 2011
Welcome, bienvenue, willkommen. Ou, simplesmente, bem-vindos. É desta forma que o espectador é recebido no mais famoso cabaret da história da Broadway e do cinema, o Kit Kat Club. Em Berlim, a encantadora Sally Bowles canta e encanta, enquanto nas ruas a ascensão do partido nazi torna-se impossível de ignorar.
Estamos no início dos anos 30. Em Berlim, a decadência impera e o ódio anti-semita vai-se infiltrando. Afinal, o Partido Nacional Socialista tem cada vez mais força e maior apoio da população alemã. Um cabaret torna-se símbolo do declínio moral da sociedade e metáfora para a agitação política na Alemanha. É neste Kit Kat Klub que cantoras e uma banda ao vivo actuam noite após noite, no submundo de uma realidade sensual e sem regras.
É este o cenário de Cabaret, o musical da Broadway estreado em 1966, com adaptação ao cinema em 1972, por Bob Fosse. Mais uma vez, a fórmula não falhou: sucesso nos palcos de Nova Iorque é sinónimo de bilhete para Hollywood.
Dentro deste cabaret peculiar, o espectador é recebido pelo Emcee (mestre de cerimónias), figura bizarra cujos números musicais constituem o comentário à Alemanha que se transfigura apressadamente fora de portas. O coro grego dá lugar a um ser solitário e paradoxal, entertainer como nenhum outro, voz da verdade e canto da sereia da decadência. O papel de Emcee permitiu a Joel Grey ganhar um Tony Award e um Óscar da Academia, respectivamente no musical da Broadway e no filme. Mais tarde, a versão de Sam Mendes (West End, 1993) apresenta um Emcee mais sexualizado, explicitamente bissexual e intensamente envolvido na engrenagem narrativa.
Não obstante, falar de Cabaret é falar de miss Sally Bowles (Jill Haworth, no elenco original). Cantora principal do Kit Kat Klub, Sally é instável e solitária. Uma inglesa em Berlim, que decidiu levar a sua vida como um cabaret. Aliás, “Cabaret” é o mote dado e também uma das canções mais emotivas do musical da Broadway, em que Sally se vai descontrolando a pouco e pouco. É, talvez também, a visão moralista perante a decadência de um cabaret onde tudo é permitido. E o reflexo de um país que se desmorona cada vez mais em prol do ideal nazi, à semelhança do desmoronar do sonho de Sally por uma vida melhor. A dar música a tudo o que se passa no clube berlinense, uma orquestra em palco, vestida apenas com trajes menores – como, aliás, as bailarinas do Kit Kat – dá som às melodias cantadas e contribui para a riqueza cénica da peça.
Fora do palco do Kit Kat Klub, o enredo secundário explora as questões da ascensão do nazismo de forma fracturante. Entre o romance impossível da dona de uma pensão com o seu inquilino judeu e a arrepiante interpretação cristalina do Tomorrow Belongs to Me, acompanhada pelo desfraldar da conhecida bandeira com a suástica, o espectador ganha consciência de que o filme tem uma mensagem eminentemente política. Mais uma vez, é Emcee quem nos guia pelos acontecimentos fora de portas. Em “If you Could See Her”, o anfitrião do cabaret dança com um gorila (que noutras versões é também um porco) e marca uma posição contra a discriminação dos judeus.
E o musical termina com a inevitável chegada ao poder de Adolf Hitler, contada de forma não explícita, deixando no ar um destino marcado para todas as personagens.
Fora dos palcos, Cabaret estará sempre associado ao nome de Liza Minnelli. A filha de Judy Garland já tinha talento comprovado com The Sterile Cuckoo ou Tell me That You Love Me, como Junie Moon, mas foi com a personagem de Sally Bowles que ganhou fama e o Óscar para Melhor Actriz. O compositor John Kander e o letrista Fred Ebb, que assinaram as musicas do musical da Broadway, escreveram novas melodias para o filme e fizeram brilhar a voz de Minnelli. Mas “Life Is a Cabaret”, à semelhança do que acontece na peça de teatro, mantém-se o auge de toda a estrutura narrativa, numa interpretação épica da actriz.
Acima de tudo, Cabaret faz-nos pensar nas opções de vida que escolhemos. Aceitar as pressões da época e desistir de um casamento com um judeu, trabalhar a troco de dinheiro nazi, viver a vida como se de um cabaret se tratasse, sem preocupações ou opções políticas. Por mais inocentes que sejam, todas as escolhas têm um preço a pagar, no decorrer da peça ou na própria vida. E o maior ensinamento retirado de Cabaret é, talvez, que fechar os olhos nunca é na melhor opção.
Fontes das imagens: 1 © Mark Kauffman, 2, 3, 4.
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Sobre a autora: Marisa Figueiredo sonha em abrir uma livraria-chocolataria para que possa juntar os seus dois prazeres.
(Obvious)
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