domingo, 27 de fevereiro de 2011

Ditaduras

Sacrificar ditadores para salvar o Estado
Ainda que a maioria dos analistas e jornalistas derramem toneladas de tinta sobre os “dilemas” do poder dos Estados Unidos, sobre a novidade dos acontecimentos do Egito e dos pronunciamentos políticos diários de Washington, existem demasiados precedentes históricos que são essenciais para entender a direção estratégica da política de Obama.
Por James Petras
[10 de fevereiro de 2011 - 13h16]
Para entender a política do regime de Obama com o Egito, com a ditadura de Mubarak e com o levante popular, é essencial situá-lo em um contexto histórico. O ponto essencial é que Washington, depois de várias décadas estando profundamente arraigado nas estruturas estatais das ditaduras árabes, desde a Tunísia ao Marrocos, Egito, Iêmen, Líbano, Arábia Saudita e a Autoridade Palestina, está tratando de reorientar sua política para incorporar e/ou inserir políticos liberais eleitos nas configurações de poder existentes.

Ainda que a maioria dos analistas e jornalistas derramem toneladas de tinta sobre os “dilemas” do poder dos Estados Unidos, sobre a novidade dos acontecimentos do Egito e dos pronunciamentos políticos diários de Washington, existem demasiados precedentes históricos que são essenciais para entender a direção estratégica da política de Obama.

Antecedentes históricos

A política exterior dos Estados Unidos conta com um extenso histórico de instalar, financiar, armar e apoiar regimes ditatoriais que respaldam suas políticas e interesses imperiais, sempre mantendo controle sobre seus povos.

No passado, presidentes republicanos e democratas trabalharam estreitamente durante mais de 30 anos com a ditadura de Trujillo na República Dominicana; instalaram o regime autocrático de Diem no Vietnã pré-revolucionário na década de 1950; colaboraram com duas gerações dos regimes de terror da família Somoza na Nicarágua; financiaram e promoveram o golpe de Estado militar em Cuba em 1952, no Brasil em 1964, no Chile em 1973 e na Argentina em 1976, assim como seus posteriores regimes repressivos. Quando os levantes populares desafiaram estas ditaduras respaldadas pelos Estados Unidos e parecia provável que triunfasse uma revolução social e política, Washington respondeu com uma política de três vias: criticar publicamente as violações dos direitos humanos e defender reformas democráticas; indicar de maneira privada a manutenção do apoio ao governante; e em terceiro lugar, buscar uma elite alternativa que pudesse substituir quem estivesse no cargo, conservando o aparato do Estado, o sistema econômico e o apoio aos interesses estratégicos imperiais estadunidenses.

Para os Estados Unidos não há relações estratégicas, somente interesses imperiais permanentes: preservar o Estado cliente. As ditaduras presumem que suas relações com Washington são estratégicas, daí sua surpresa e seu desalento quando se sacrificam para salvar o aparato do Estado. Diante do temor da revolução, Washington teve, diante de clientes déspotas relutantes em sair, que assassiná-los (Trujillo e Diem). A alguns, Washington proporciona refúgios no estrangeiro (Somoza, Batista), outros são pressionados para que partilhem o poder (Pinochet) ou então lhes nomeia professores convidados em Harvard, Georgetown ou em algum outro posto acadêmico “de prestígio”.

O cálculo de Washington sobre quando remodelar o regime se baseia em uma estimativa da capacidade do ditador para enfrentar a rebelião política, da força e da lealdade das forças armadas e da existência de um substituto maleável. O risco de esperar tempo demais, de permanecer com o ditador, é que os levantes de radicalizem: o caminho subseqüente barre tanto o regime como o aparato estatal, convertendo uma revolta política em uma revolução social. Justamente um “erro de cálculo” deste tipo se produziu em 1959 no prévio que antecedeu a revolução cubana, quando Washington se manteve ao lado de Batista e não foi capaz de apresentar uma coalizão alternativa pró-estadunidense viável e vinculada ao velho aparato estatal. Um erro de cálculo similar ocorreu na Nicarágua quando o presidente Carter, enquanto criticava Somoza, resistiu e se manteve passivo enquanto se derrubava o regime e as forças revolucionárias destruíam o exército, a polícia secreta e o aparato de inteligência, treinados por Estados Unidos e Israel, e passou a nacionalizar as propriedades estadunidenses e a desenvolver uma política exterior independente.

Washington se movimentou com maior iniciativa na América Latina na década de 1980. Promoveu transições eleitorais negociadas que substituíram os ditadores por manejáveis políticos neoliberais eleitos, os quais se comprometeram a preservar o aparato estatal existente, a defender as elites estrangeiras e locais e a respaldar a política regional e internacional dos Estados Unidos.

As eleições do passado e a política atual

Obama tem sido extremamente relutante em derrubar Mubarak por várias razões, mesmo quando o movimento cresce em número e se aprofunda o sentimento anti-Washington. A Casa Branca tem muitos clientes em todo o mundo – entre eles Honduras, México, Indonésia, Jordânia e Argélia – que crêem ter uma relação estratégica com Washington e que perderiam confiança em seus futuros se Mubarak fosse abandonado.

Em segundo lugar, as influentes organizações pró-Israel dos Estados Unidos (AIPAC, os presidentes das principais organizações judias estadunidenses) e seu exército de escribas mobilizaram os líderes do Congresso para que pressionem a Casa Branca no sentido de seguir apostando em Mubarak já que é Israel o principal beneficiário de um ditador sufocado para os egípcios (e palestinos) porém que está aos pés do Estado Judaico.
Como resultado, o regime de Obama tem se movido lentamente; com medo e sob a pressão do crescente movimento popular egípcio, busca uma fórmula política alternativa que elimine Mubarak, mantenha e fortaleça o poder político do aparato estatal e incorpore uma alternativa eleitoral civil como meio de desmobilizar e desradicalizar o vasto movimento popular.

O principal obstáculo para derrubar Mubarak é que um setor importante do aparato do Estado, especialmente os 32500 membros das Forças de Segurança Central e os 60.000 da Guarda Nacional, se encontram diretamente sob o mando do Ministério do Interior e de Mubarak. Em segundo lugar, os generais do Exército (468.500 membros) reforçaram Mubarak durante 30 anos e se enriqueceram graças a seu controle sobre as muito lucrativas empresas de uma ampla gama de setores. Não apoiarão nenhuma “coalizão” civil que ponha em questão seus privilégios econômicos e seu poder para estabelecer os parâmetros políticos de qualquer sistema eleitoral. O comandante supremo das forças armadas do Egito é cliente dos Estados Unidos desde muito tempo, e também é um útil colaborador de Israel.

Obama está decididamente a favor de colaborar com e garantir a preservação destas instâncias coercitivas. Porém, necessita assim mesmo convencer-lhes da substituição de Mubarak e de que permita um novo regime que poda desativar o movimento de massas cada vez mais oposto à hegemonia estadunidense e à submissão a Israel. Obama fará tudo o que for necessário para manter a coesão do Estado e evitar divisões que possam conduzir a um movimento de massas – a aliança dos soldados poderia converter a revolta em uma revolução.
Washington abriu conversas com os setores liberais e islamistas mais conservadores do movimento anti-Mubarak. A principio tratou de convencê-los a negociarem com Mubarak – um beco sem saída que foi rechaçado por todos o setores da oposição de cima a baixo. Depois, Obama tratou de vender uma falsa “promessa” de Mubarak: que não participaria nas eleições dentro de nove meses.

O movimento e seus dirigentes rechaçaram essa proposta também. Assim que Obama lançou a retórica de “mudanças imediatas” mas sem nenhuma medida de fundo que as respaldasse. Para convencer Obama de que seu poder se mantinha entre as bases, Mubarak enviou o lumpesinato vândalo de sua polícia secreta para que se apoderasse violentamente das ruas do movimento. Uma prova de força: o Exército não fez nada; o ataque fez subir a aposta numa guerra civil de conseqüências radicais. Washington e a União Européia pressionaram o regime de Mubarak para que desse um passo atrás – por ora. Mas, a imagem de um exército favorável à democracia se viu manchada pelos mortos e por milhares de feridos.

Na medida em que a pressão do movimento se intensifica, Obama está pressionado pelo lobby israelense favorável a Mubarak e sua comitiva do Congresso por um lado, e por outro, por assessores com conhecimentos que lhe pedem que siga as práticas do passado e avance de forma decidida sacrificando o regime para salvar o Estado agora que a opção eleitoral de liberais-islamistas segue colocada ainda sobre a mesa.

Mas Obama duvida, e como um precavido crustáceo, se move para os dois lados e para trás, acreditando que sua própria retórica grandiloqüente é um substituto para a ação...com a esperança de que cedo ou tarde, o levanta acabará em mubarakismo sem Mubarak: um regime capaz de desmobilizar os movimentos populares e disposto a promover eleições que deem lugar a representantes eleitos que sigam a linha geral de seus predecessores.

No entanto, há muitas incertezas em uma remodelação política: uma cidadania democrática, os 83% desfavoráveis a Washington, terá experiência da luta e da liberdade para exigir um reajuste político, especialmente, deixar de ser a polícia que faz cumprir o bloqueio israelense sobre Gaza e deixar de prestar apoio à marionetes dos Estados Unidos no Norte da África, no Líbano, no Iêmen, Jordânia e Arábia Saudita. Em segundo lugar, as eleições livres abrirão o debate e aumentarão a pressão para um maior gasto social, para a expropriação do império de setenta bilhões de dólares do clã Mubarak e de seus companheiros capitalistas que saqueiam a economia. As massas exigirão a redistribuição dos gastos públicos com o exagerado aparato repressivo ao emprego produtivo e gere postos de trabalho. Uma abertura política limitada pode conduzir a um segundo ataque no qual novos conflitos sociais e políticos dividam as forças anti-Mubarak, um conflito entre os defensores da democracia social e os partidários do eleitoreirismo elitista neoliberal. O momento da luta contra a ditadura é somente a primeira fase de uma luta prolongada para a emancipação definitiva não somente no Egito, mas em todo o mundo árabe. O resulta depende do grau em que as massas desenvolvam sua própria organização independente e seus líderes

Publicado por Rebelión. Foto por Kevin S. O`Brien, Marinha dos EUA.

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