No Egito; ou racha, ou não vai
Internacional
Milton Temer
Sex, 11 de Fevereiro de 2011 12:27
Milton TemerImagens ao vivo pela Al Jazeera, pela BBC e até pela inexpressiva GloboNews, mostraram a massa ensandecida após discurso do ditador Mubarak, pela TV estatal, anunciando sua permanência na na presidência, do Egito, quando todos já festejavam sua renúncia.
Como se explicaria tal decisão cínica sem deduzir que teria sido produto de conversações, ao longo do dia, em que se estabeleceu inquestionável consenso na cúpula militar do País, com assentimento e coordenação, a partir do Departamento de Estado nos EUA e Israel?
Não durou um dia esse sentimento de perplexidade diante da decisão absolutamente inimaginável nos momentos anteriores ao discurso. Mubarak se obrigou a uma renúncia, transmitida pelo vice que já se anuncia como candidato desse esquema de poder, arrogante para dentro e contra seu povo, e absolutamente submisso e acovardado diante de potências ocidentais, os Estados Unidos em particular, que o determinou como capataz de Israel. Mas o anúncio, feito por quem o fez --o vice Suleiman, já citado entre os fortes candidatos do processo eleitoral que por acaso se venha a instituir --, mostra que podemos estar diante de um episódio lampedusiano. ˜Que tudo mude para que tudo continue como antes". E isto fica marcado pela entrega do poder ao Conselho Superior das Forças Armadas, sinal que apenas uma etapa da luta foi superada.
Afinal, não há um general egípcio que não tenha se locupletado na infindável corrupção proporcionada pelos US$ 1,5bi de ajuda militar anual americana ao país. Quantia suficiente para compra de equipamentos, mas também com sobras para a compra de consciência desses maganos, de molde a torna-los cúmplices das atrocidades sionistas contra os palestinos de Gaza. Tudo, evidentemente, em nome da garantia de paz falaciosa com o Estado sionista vizinho, ilegal e gigantescamente nuclearizado. Difícil, portanto, encontrar algum deles com capacidade de colocar o guiso no gato, e ousar propor uma transferência do imenso poder econômico entre eles distribuido para o conjunto da sociedade que pede mudanças radicais
Por outro lado, da primeira hora, já era sabido que a solução alternativa a gosto dos irmãos siameses -- EUA e Israel -- na aplicação das políticas imperialistas no Oriente era Omar Suleiman, vice de algibeira. E quem é Omar Suleiman? O WikiLeaks já revelou, quando da divulgação de seus papéis sobre a região: é o principal agente da CIA no Cairo; é um torturador que agiu diretamente sobre presos de Abu Ghreib. É um monstro que o Tribunal de Haia, fosse independente, já teria convocado há muito tempo, como réu de crimes contra a humanidade.
Diante de tal contexto, impossível imaginar desdobramento favorável ao retorno de um Egito digno e aglutinador de uma República Árabe Unida, marca maior do período anti-imperialista dos anos Nasser, se não houver uma ruptura militar, a partir da tropa, na rua. Uma ruptura em que oficiais intermediários coloquem seus soldados e seus tanques a serviço das massas que ocupam praças da Liberdade nas principais cidades do Egito. Promovendo uma desequilíbrio de forças em favor da resistência popular desarmada. Uma ruptura que pode não se dar necessariamente nos próximos dias, mas que deve ser objetivo a alcançar nos próximos movimentos de pressão que não poderão cessar, sob risco de tudo se perder. Porque o primeiro sinal dessa junta que assumiu o governo -- agradecendo a Mubarak, por sua "generosidade"-- não poderia ser mais preocupante. Como primeira medida de importância, reafirmaram a validade de todos os acordos internacionais do Egito. Por que tanta pressa? Para dizer aos sionistas xenófobos do governo Netanyahu que podem continuar bombardeando túneis de suprimentos na fronteira de Gaza com o Egito. Que, possivelmente, manterão o bloqueio sobre a Faixa de Gaza.
Por isso tudo, é preciso deixar bem claro que a Revolução Egípcia apenas deu um primeiro passo. Importante, mas bastante limitado se não for degrau para outras iniciativas mais consequentes -- definição de Suleiman como carta do mesmo naipe de Mubarak; julgamento das atrocidades cometidas contra manifestantes e presos políticos de longa data; intervenção nos segmentos econômicos controlados por cúmplices de Mubarak; efetivação da reforma constitucional de molde a impedir qualquer retorno aos métodos governamentais anteriores. Estes são passos fundamentais para afirmar que o movimento não trocou apenas seis por meia dúzia.
Com que forças a oposição pode impor tais mudanças? É preciso considerar que movimentos sociais, sem a referência orgânica de um partido político com capacidade de ajustar movimentos táticos a uma estratégia programática definida, são vulneráveis à dispersão por conta de sua essência politicamente fragmentada. E 30 anos de despotismo absolutista, autoritário e repressor, eliminando pela tortura e o assassinato as melhores mentes libertárias da Nação, deixam sequelas difíceis de recuperar em umas poucas semanas.
Na ausência desse instrumento essencial para uma visão universal, e até revolucionária, do processo em curso, é fundamental ressuscitar o espírito de Nasser como arma de recuperação da dignidade egípcia, capaz de livrar a Nação de sua maldita "elite" – um segmento privilegiado, vendido ao imperialismo americano e subserviente na cumplicidade com o arbítrio do sionismo fascista, em Israel, sobre as populações palestinas de Gaza e Cisjordânia --. É essencial que a pressão popular se organize e mantenha a pressão sobre a jovem oficialidade; aquela que conviveu com os dias de resistência na Praça Tahirir, no Cairo, e em todos os outros pontos do País.
Se isso se concretizar, o que nasceu como ação espontânea de massas inspiradas no exemplo tunisiano de semanas anteriores, limitado à retomada de direitos humanos mínimos, pode se transformar num processo de mudanças qualitativas na composição de forças políticas no Oriente Médio. Um processo que leve à derrocada de todos os governos reacionários da região, capatazes dos interesses das grandes companhias petrolíferas, e garanta a legalização e a existência de fato da nação Palestina, ora vítima de longa e criminosa ocupação estrangeira.
Quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Milton Temer é diretor-técnico da Fundação Lauro Campos
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