Flechas envenenadas no ar!
• Análise
A Funai sempre esteve com a ambígua e contraditória função de defender os índios sem contrariar os interesses econômicos e políticos
09/02/2011
Egon Heck
O trigésimo segundo presidente da Funai, Marcio Meira, parece disposto a conquistar recordes no órgão indigenista oficial. Só está perdendo, em termos de tempo na presidência do órgão, para o general Ismarth Araujo de Oliveira, da década de setenta (1974 a 1979). E por coincidência parece se aproximar, em alguns aspectos,
às atuações daquela época, em que a função do órgão era limpar os caminhos para implantação das grandes obras. Leia-se, remover os obstáculos, os índios. A mais
recente investida neste sentido foi dar o aval do órgão para o início do canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte. Numa rigorosa avaliação técnica, seus
assessores argumentaram que não haviam sido cumpridos os requisitos para que tal obra fosse autorizada. Porém, numa nítida atitude política de subserviência aos
interesses econômicos em jogo, contrariou seus consultores e assinou ofício o nº 013/2011/GAB-FUNAI, de 20 de janeiro de 2011, endereçado ao IBAMA no qual
informa que “a Funai não tem óbice para emissão da Licença de Instalação – LI das obras iniciais (sic) do canteiro de obras da UHE de Belo Monte, considerando a
garantia de cumprimento das condicionantes”.
Luta inglória. Talvez. Afinal de contas a Funai sempre esteve com a ambígua e contraditória função de defender os índios sem contrariar os interesses econômicos
e políticos. Ou seja, enquadrar os direitos indígenas dentro das estreitas margens da legalidade conveniente, sem ferir o sistema desenvolvimentista. E é aí que entra
a semelhança com os generais da década de setenta. Demover os óbices, ou à força (repressão) ou pela força do diálogo. Em tempos passados se optou pelo primeiro
método enquanto hoje se privilegia a segunda estratégia.
O sertanista Odenir Pinto, em carta indignada dirigida ao atual presidente da Funai, conclui dizendo: “E o dia em que você conceder a última, Licença de Operação, para
UHE de Belo Monte, mais uma vez o Estado brasileiro, através do seu organismo oficial de indigenismo, estará, numa trajetória iniciada por Nobre da Veiga e Zanoni há vinte e oito anos, impedindo que os povos indígenas protagonizem seu destino e participem do destino do Brasil” (02/02/11).
Já num ensaio de foco para a mídia, um ex-presidente do órgão indigenista, se esmerou em tipificar os atuais indigenismos para, de alguma maneira, justificar seu
indigenismo rondoniano integracionista e assimilacionista. Talvez pudéssemos acrescentar outros indigenismos como o tutelista e o mercenário, convivendo com o
altruísta e o humanitário.
Por maldade ou desconhecimento, o ex-presidente da Funai que um dia declarou que “É terra demais. Até agora, não há limites para as reivindicações fundiárias” dos
índios, procura juntar todo mundo num mesmo balaio, quando é público e notório o trabalho do Cimi, em quase quatro décadas, na perspectiva da autonomia e
protagonismo dos povos indígenas neste país. Desde as assembléias indígenas, na década de setenta, até os recentes acampamentos Terra Livre na Esplanada dos
Ministérios a partir do início deste século, tiveram o apoio incondicional do Cimi. Isso sem falar nas inúmeras lutas dos povos indígenas pelas suas terras, de norte a
sul deste país, nas quais muitos missionários foram assassinados assim como inúmeras lideranças indígenas. O diálogo respeitoso com os povos, com a valorização
de suas culturas e expressões religiosas tem norteado a presença solidária dos membros do Cimi junto aos povos indígenas deste país. Ocultar isso não é certamente
ignorância, mas explícita má fé.
Egon Heck é coordenador do Cimi-MS.
(Brasil de Fato)
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