sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Cinema

O cinema de nossa idade de ouro
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Por Luiz Rosemberg Filho e Sindoval Aguiar, do Rio de Janeiro


O rato é rei e manda no pedaço do “Criança Esperança” para adultos. Esta é a nova Democracia!

Colagem de Luiz Rosemberg Filho

“O choque de ordem segue destruindo casas em bairros pobres, roubando e encarcerando trabalhadores e atacando moradores de rua no Rio de Janeiro. Todas as ações criminosas da Secretaria de Ordem Pública são acompanhadas de perto pela PM, principalmente nas regiões ocupadas pelas UPPs.”
Patrick Granja, em “Nova Democracia”, julho de 2010

Para Renaud Leenhardt e José Carlos Asbeg

Sempre lutamos por uma não-banalização do saber e do poder. O país é marcado pela escuridão, mas é vendido como iluminado. Não é sem razão a pequenez fajuta no que transformaram o cinema, uma variação pomposa de silêncios. Submersos na própria lama, os que conseguem fazer não sabem bem o que dizer. Dão, assim, uma familiaridade à mesmice, à violência e ao espetáculo autodestrutivo das nossas muitas aberrações primitivas. Ou não as temos mais?

O caráter repressivo do poder, entretanto, é diluído num velado exercício de ingenuidade. E foi sempre assim. No passado não se acreditou na “boa fé” da Aliança Para o Progresso? Assim como muitos acreditaram no golpe de 64, na tal da abertura e no vestido de festa de lantejoulas do PSDB e do PT. E não somos de partido nenhum! Mas vá alguém falar da insinceridade dos nossos homens públicos! Logo vira best-seller de cemitério.

Fingir dá mais sucesso. Penetra-se melhor nas muitas maracutaias dos de sempre. Compõe-se melhor uma dissimulação da nossa eterna máscara da traição. E como se trai! Por ingenuidade ou por má fé. Claro que se atribui aos que ainda pensam uma compulsão, segundo eles, pelo bode preto. E no retrovisor da história... a eficácia dos acordões com o poder, fidedignos acordos de pai para filho. O novo “criança esperança” para a TV ser vendida como São Salvadora dos pobres e humilhados.

Mas tudo evidentemente prazeroso, sem reflexão ou oposição nesta aliança de classe, que faz uso, se necessário, do aparelho repressor também diluído nessa pluralidade de confetes: da vedetinha sem talento da TV à política como espetáculo de bufões, que sempre têm algo a dizer para que nada mude. Mudar para quê? A lógica é o Estado fortalecido pela burocracia infernal e por asneiras de todos os lados.

Ora, os sistemas políticos existentes só corporificaram excrementos, esgotos e lama. Significa dizer, com pesar, que o cinemão de ontem e de hoje só reproduziu a ideologia dominante em forma de uma escrita abjeta como um acontecimento aparentemente desinteressado, ainda que impregnado de fascismos. E, com isso, deu-se visibilidade à putrefação do não-gozo como potência. Todo esforço esteve sempre voltado à eliminação de contradições mais profundas. Mas... histéricos e caquéticos sentem-se felizes! Acreditam que as UPPs são para a paz, assim como o aparato bélico da IV Frota. Alguma semelhança com o discurso dos bancos, partidos, empresários, religiosos e meios de comunicação?

Como se julgam deuses e perfeitos estão sempre inventando uma modinha que será sempre usada pelos mais baixos e porcos da nossa cultura de almanaque. Ainda ontem as “patrulhas ideológicas”. Hoje os “fundamentalistas da tristeza”. Cinema virou isso: o desejo fascista enrustido e fertilizado pelo paternalismo disfarçado de um conservadorismo patético e trágico. E não foi sempre assim com os menos talentosos?

É curioso como todo o Cri-Cri tem sempre espaço para bostejar esperanças, restituindo ao sistema sua substância de merda. Sombra sobre a qual sempre viveram e encenaram imbecilidades e ingenuidades, sobre as quais os ainda jovens sempre cuspiram e cospem. Mas o rato é rei e manda no pedaço do “Criança Esperança” para adultos! Uma patética assimilação de restos de uma falsa neutralidade, que transforma fezes verbais de efeito em “achados” de uma má literatura conservadora para desestabilizar o pensamento profundo. Ora, estão a refazer a carniça de um velado saber de direita (ou do fascismo mesmo), vendido como utopia. É a idade de ouro de nossa utopia capitalista! Há documentos que, em tempos de perigo como o nosso, precisam ser confrontados. Porque como verdades ou estigmas de uma época, querendo ou não, todos estamos inseridos neles.

Pelo silêncio ou omissão passamos a assumir também aquela relação subjetiva e necessária entre o mito e o conhecimento como presença e afirmação de nossa vontade e de nossa representação política. Condição que é também necessária para definir que muitas coisas devem ser melhor conduzidas e esclarecidas, notadamente nesta fase horrível de nossa porca realidade, onde a dislexia disfarçada de oligofrenia e esquecimentos virou charme ou stress, e não uma morte súbita como imposição dos meios de produção e de controle.

Esta é a nova Democracia! Ficamos sem história e até sem nós mesmos, onde as razões e as condições para essa descida ao inferno são infinitas. Uma sociedade escravocrata, despótica e eticamente corrupta, sem um sentido social de nossa formação, de nossa cultura e os meios que nos formam. E sem nada a reclamar ou a alterar ao longo dos séculos. E onde nossas crises históricas são também sempre “bem resolvidas”, como as crises de nosso cinema desde a sua origem. Flashes de novidades, divertimentos e investimentos – indústria do controle pelo espetáculo primitivo e copista. Sem negar a documentação espontânea de uma época nem tanto explorada como controlada.

Então, como superar ou confrontar afirmações como “patrulhas ideológicas”, “fundamentalistas da tristeza”...? Sartre sugeriu que, em casos como estes, seria necessário aprofundar a análise até o limite máximo do detalhe, nada negligenciando. E, se isso não se fizer, jamais se explicará coisa alguma nesta idade de ouro da Globo! Em nossa luta pelo cinema, mais ainda, agora, com a globalização da Globo e sua xaropada ideológica constante, em que tudo se corporativiza ou se burocratiza, como no fascismo de ontem e de hoje. Nada podemos esperar de lado nenhum. Porque na maioria dos governos pelo mundo há muito de fascista. Não somente porque querem mas, também, porque nós queremos assim! O mundo do Imperialismo imperializado! Individualizado!

Ora, repetindo, por que será que temos uma IV Frota colada aqui em nós e de nada sabemos ou falamos? Porque ela vive sua idade de ouro! A estratégia do Atlântico Sul é coisa só de militares americanos? Não, o mundo da nossa América Latina está contido nisso. Qualquer tentativa social entre nós choca o individualismo norte-americano, que nos vê como populistas e ditadores (sempre criados por eles). A Colômbia tem servido a isso. Não vamos avançar no tema mas, em nosso país, vivemos esta realidade claustrofóbica fantasiada de pavão.

As contradições e as diversidades, assim, vão desaparecendo, e tudo passa a ser normal, porque é assim. Estamos nos tornando um país de idosos. Nossos movimentos são silenciosos quando existem. A UERJ faz um belo trabalho a respeito. A população diminui em um país Continente. Pelo controle da natalidade e pelo extermínio dirigido a uma juventude desamparada de todas as condições de formação social e ética. Matamos mais no mundo, comparado a outros países! E já tivemos movimentos sociais, lideranças sindicais, intelectuais pensantes e outros segmentos. Onde estão todos?

As filantropias são pródigas entre os miseráveis e entre os compensados, enquanto nos mantêm entre os campeões de desigualdade do mundo; entre a Bolívia e o Peru. Maravilha. Participamos e contribuímos, recentemente, para este muro de extermínio na fronteira México/Estados Unidos, com quatro corpos. Bodes expiatórios não faltam e as razões são próprias de uma idade de ouro. Os brasileiros mortos estariam passeando por lá?

Quase nos esquecemos das “santificadas” UPPs nas favelas, não farão também na Zona Sul? Bem, só o capitalismo pode ser anárquico por ser baseado nos lucros, nas crises, nas guerras e nas misérias compensadas como alongamento de sua razão sem sentido. E assim vamos chegando à nossa fase imperialista também. E, com algum atraso, ascendendo a miséria à classe média. E nos tornamos este padrão no Continente e no mundo, como o fomos desde 1500, dirigidos para a voracidade que conhecemos e esquecemos. Tudo intocável e imutável, como a terra, a riqueza, a cultura, etc. Com a política do cinema sendo jogada ao deus-dará, sem estratégia ou ação concreta. Sabemos bem como é resolvida hoje: da Globo para fora. E para dentro! Um tempo primordial de uma utopia capitalista, uma era de tempos perigosos! Tão perigosos que brincar com a retórica, ou metáforas e semânticas, deveria ser crime.

Se o filósofo Kant estivesse aqui, deslocaríamos estas questões para ele. Com certeza não recusaria, mas sua visão crítica profunda nos enlouqueceria. O cinema é uma exposição transcendental, aplicação de um conceito, um princípio que pode e deve mostrar as possibilidades de algum conhecimento – principalmente em um país empresa como o Brasil, e sob um domínio disléxico dos meios de produção. Tudo ficou muito perigoso, o próprio tempo e o espaço. “Estas coisas que não se podem ver de dentro nem de fora. Como este tempo primordial de uma idade de ouro.” Palavras de Kant. Só não deixemos escapar, uma gota sequer, dessa fonte messiânica de leite e de mel!

29/1/2011

Fonte: ViaPolítica/Os autores

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