Um cinema na pocilga
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Por Luiz Rosemberg Filho & Sindoval Aguiar
“Vejo com o olho de uma imagem as propostas de linchamento.”
Pasolini
Rio de Janeiro – Tudo no sistema em que vivemos é uma grossa representação da mentira. Da religião à TV, espetaculariza-se com a ordem no nosso capitalismo de almanaque. Mas que tipo de ordem? Servindo a quem? E como é possível ordem sem contradição? E o desmoronamento do Império é o quê? Como é possível uma opinião pública sem opinião? Como justificar as torturas e assassinatos pelo mundo afora? E as guerras?
Sabemos todos que o Império fabrica inimigos favorecendo as fábricas de armamento. Gasta-se e ganha-se muito com as guerras modernas. Achamos degradante ver os políticos nada dizendo, todos os dias na TV. São idiotas sem princípio algum falando sempre em nome do povo. Usam o povo, mas não são o povo. Nos atuais sistemas políticos existentes, torna-se essencial enganar o povo. Um povo educado e bem formado não votaria jamais em tantos e tantos canalhas.
Ora, que Democracia é essa toda paramilitarizada? Democracia onde se é obrigado a votar? Produz-se injustiças e dá-se o nefasto Roberto Carlos cantando com o mano Caetano como presente de Papai Noel na trampeira emissora de TV, do Azulão. Mas, é preciso proteger o atual sistema de comunicação. A Era é a da malandragem! A propaganda vende o bem-estar das elites. Vídeos e celulares sobre nada! Crianças, atentem para o norte-americanismo gritante na nossa porca comunicação de massas. O termo pode parecer meio velho, mas é real. Harmoniza sucesso com capital. O que importa são os negócios! Seja lá com aviões, computadores, bombas ou internet! Rechaçado o saber, torna-se mais fácil dar-se substancialidade ao cirquinho televisivo que imita Roliude. Onde o fundamental da idéia é não ter idéia alguma. A globalização envangelizará os ordeiros de Deus! Um novo Deus e o Diabo collorido, na terra da mãe Joana.
E tome de carolas, religiosos e vigaristas! E vem aí Lula II e o Bem Amado no cinema! Isso não é uma metáfora do nosso horror tropical, mas um bom negócio da China. Não é para isso que os sistemas são mantidos? É onde atuam empresas, financistas e advogados no “relaxa e goza” da ex-blond ministerial. Mas Wall Street não poderia ser aqui? O capitalismo anda mal das pernas, mas muitos são os exemplos de sucesso. Ora, como tendo feito uma economia pautada no petróleo, não defender a poluente indústria automobilística? É o tal do negócio da China, num país de cegos.
Tudo e todos nos lembram as tragicômicas situações Brechtianas de Porcaria, de Píer Paolo Pasolini. Os personagens cheiram a m.... Pasolini os recoloca no tra-la-lá de um poder sobre excrementos, exploração e fome. Ontem felizes no nazi-fascismo europeu. Hoje ainda sorrindo com a eficiência dos negócios, sobre o que se pode saber. Sobre a doce relação entre porcos e humanos. Quem sabe um Oscar no inferno?
A tal da nova crise é para os velhos, artistas, desempregados e pobres. Vão voltar a comer calango aqui e ratos por lá. Mas, dentro dos muitos negócios da China, um novo plano de saúde para os ricos e bem-dotados. Quem não puder pagar que se mude para outro planeta! Pensa-se sempre na grana e não no lado humano da vida. E chega também de concessões aos movimentos sociais! Pobre quer é “entrar” na Casa Grande e dormir com as roupas da madame. E porque não transferi-los para Plutão? Na new brochura do Picolé das Alagoas, o Zé das Batatas se deu bem em Plutão. Foi com a turma do Pica-Pau e o Popeye que ficaram por lá. Picolé já foi celebridade no Programa do Amaury Jr, e saiu no Wall Street Journal com o Tom Cruise pelado, ao lado do Furico de BH, amigo do Ricardo e do Fabio Carvalho.
Pasolini nunca foi pouca coisa, nem nunca passou na Globo. Roberto Carlos e o mano Caetano excitam mais o marketing dos investimentos. É a tal da ciência da “nota”. Matar com gás já era, assim como torturar os dissidentes da marmelada oficial. Oswald de Andrade e Pasolini rejeitariam a proposta de paz com a alienação da comunicação. Porcaria, que revimos agora baixado da Internet, é uma espécie de bomba-relógio no trá-lá-lá empresarial. Em várias passagens, complexas estruturas do saber de Brecht à Lukács se evidenciam. É de fundamental importância notar a semelhança dos humanos com seus porcos negócios da China. E nada pode ser dito pois o genial personagem de Nino Manfredi pede silêncio aos camponeses para que os negócios e a festa continuem. Enfim a banalidade tornou-se status acima do bem e do mal.
Ora a vida é uma percepção dialética e Pasolini a teve como poucos. Tornou-se um mito, um símbolo da linguagem, da semiologia. Ou melhor, uma oralidade. Inseparável da tragédia humana. Como vivemos encobertos, Pasolini quando aflora, choca pela desconstrução no sentido Brechtiano. Enquanto nós, seres construídos, nada queremos de mudanças, compreensão para uma sólida construção teórica e prática. Este é o filme Pocilga, que se tornou mais um tratado contra qualquer doutrina, principalmente as econômicas e culturais, tornadas ciência, tecnologia; uma negação epistemológica e propedêutica para qualquer possibilidade de um projeto menos bárbaro e mais humano.
E Pasolini, neste filme, como em quase todos que realizou, antes de sua desconstrução: aquele bárbaro linchamento depois de Saló, em Pocilga, contrapõe barbárie e civilização em relações familiares, econômicas, artísticas, políticas e tudo mais. Define e analisa o domínio dos meios de produção e o de suas relações com várias épocas. Uma espécie de história da família, da sociedade, do Estado e da propriedade privada.
Pasolini é um artífice, um arquiteto em todas as dimensões. E somente uma percepção artística independente pode considerá-lo como um ser vítima da própria liberdade. Toda sua obra expressa esta sua natureza, a de uma individualidade da grandeza, da expressividade e da liberdade. Assentada na família, Pocilga disseca o grau e os níveis de parentesco entre a sociedade que formamos e legitimamos e o estágio a que chegamos, o da barbárie. E onde todos, sem exceção, estamos comprometidos nesta pocilga social, que ele descreve e analisa, sem imaginar.
As projeções de alguém à margem e à beira da destruição, o jovem casal, incapaz de atingir um instante de romantismo, já adoecido pelo próprio sistema a que são obrigados a pertencer. O jovem, filho de um degenerado italiano. E ela, filha de outro, um alemão representado por um grande cômico também italiano. Em uma das mais belas alegorias do cinema, Pocilga tenta criticamente uma aproximação, como no genial teatro de Brecht. A realidade dos personagens e a dialética de Pasolini, porém, não permitem. Infelizmente, a vida para todos nós, tornou-se uma impossibilidade quando implica algum projeto humano e menos comprometido com a ordem, este princípio irredutível, contra uma outra ordem que o desconstrói. Situação que Pocilga explicita poética, política, econômica e culturalmente com a exuberância, talento e erudição de Pier Paolo.
Nestes tempos de ódio à cultura, o fim de Pasolini não poderia ter sido outro! Precocemente no túmulo, onde não se cala! Nada como a linguagem direta, biológica, uma oralidade brechtiana de entendimentos. No filme, Pasolini fala tanto a linguagem dos porcos na sociedade da pocilga, quanto a linguagem da elite na sociedade dos porcos. Esta sociedade a que fomos jogados como porcos e sem a distinção do alimento. Porque toda dimensão é dosada nos laboratórios e na projeção midiática dos controles dos meios de produção e de domínios políticos, econômicos e culturais. Corporações, bancos e mídia, a sociedade do espetáculo! O que se tornou muito fácil porque o nosso fascínio foi sempre o dinheiro, o poder e o fetiche, como espetáculo que tudo encobre e vela. O que se tornou este poder público, distinto dos cidadãos, e que estrutura o sistema de base econômica, como o nosso.
Pocilga torna-se exemplar pela riqueza fabular, histórica e dialética, crítica e analítica. Uma questão para o saber de Pier Paolo. E não para o nosso! A pocilga sendo a origem de todos os males e de toda a violência da barbárie que nos ameaça. Seja qual o povo ou estágio econômico, político e cultural em que se encontre. Se deus é único, o poder do sistema, também! E sem o mito, cresce o sentido mágico da percepção e da oralidade de Pasolini, onde a vida é um estágio de produção e reprodução, etapas imediatas que não interrompemos pelas contradições e as barbáries que as encobrem! Como as de nossa política e as de nosso próprio cinema.
Nós, que deixamos a burguesia agro-mercantil em decadência, para o projeto individualista da industrialização, partimos de um princípio de capital aparentemente nacional para uma total transnacionalização de nossas vidas econômicas, políticas e culturais: a nossa desfiguração como país ou de alguma autonomia e definição. O que o filme Pocilga soube definir como poucos, remetendo-nos a uma lembrança honrosa de Godard, que continua sendo assassinado todos os dias, renascendo, porém, em cada oralidade de seus filmes desconhecidos. Filmes que definem contradições e crises e de como são geradas administradas. Crises que somente beneficiam aqueles que as criam, outra vez como no “nosso” cinema – de Daniel Filho, Globo, Roliude e outros da mesma pocilga.
Como se vê, nosso cinema (e a nossa desagregação) foi quase sempre interno e associado internacionalmente. Como naquela etapa em que deixamos uma burguesia nacional para uma oligarquia internacional, com o campo virando agronegócio e com o cinema virando TV-roliudiana. Assim vamos capengando de hegemonia em hegemonia anti-gramsciana para uma hegemonia das crises! Esta que o cinema tem servido como na reprodução de imagens e do processo de reprodução do capital e de domínios. Com os fascismos e outras formas de violência cultural: a da exclusão e da pena de morte como espetáculo a que já nos acostumamos e legitimamos. Onde só os mortos falam!
6/6/2009
Fonte: ViaPolítica/Ao autores
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