sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Tunísia

Tunísia, Egipto: as revoluções em marcha




Os efeitos da crise económica mundial conjugados com a opressão das ditaduras fazem destes países, na actual conjuntura, os elos mais fracos da dominação imperialista. Eles criam as condições para a abertura de processos de revoluções democráticas e sociais. Declaração do Bureau da IV Internacional.


"O traço mais incontestável da Revolução é a intervenção directa das massas nos acontecimentos históricos. Normalmente, o Estado, monárquico ou democrático, domina a nação; a história é feita pelos especialistas na área: monarcas, ministros, burocratas, parlamentares, jornalistas. Mas, nos momentos decisivos, quando um velho regime se torna intolerável para as massas, estas quebram as barreiras que as separam da arena política. (…) A história da revolução é para nós a história da irrupção violenta das massas nos domínios onde se pautam os seus próprios destinos".

Leon Trotsky, Prefácio da "História da Revolução Russa"


A situação, como em toda a revolução, evolui hora a hora. Qualquer apreciação será certamente ultrapassada nas próximas horas e dias, mas já se pode dizer que os povos tunisino e egípcio estão a escrever as páginas das primeiras revoluções do século XXI. Elas provocam uma onda de choque em todo o mundo árabe, de Argel a Ramallah, de Amã a Sana, no Iémen. Estas revoluções resultam, nas condições históricas particulares destes países, da crise que abala o sistema capitalista. As "revoltas da miséria" surgem combinadas com uma imensa mobilização pela democracia. Os efeitos da crise económica mundial conjugados com a opressão das ditaduras fazem destes países, na actual conjuntura, os elos mais fracos da dominação imperialista. Eles criam as condições para a abertura de processos de revoluções democráticas e sociais.

Manifestações, greves, assembleias, comités de autodefesa, mobilizações de sindicatos e de associações democráticas, mobilização de todas as classes populares, "os de baixo" e "os do meio" que se viram para a insurreição, "os de cima que não podem governar como faziam antes", convergências dos partidos de oposição radical contra o sistema, são todos os ingredientes da situação pré-revolucionária que ali estão, agora prontos a explodir.

Hoje vemos por todo o Egipto milhões de trabalhadores, jovens e desempregados erguerem-se contra a ditadura de Mubarak.

Na Tunísia, uma ditadura sangrenta foi abatida. Ela concentrou o ódio de toda uma sociedade, das classes populares e sobretudo da juventude. Era preciso acabar com a ordem de Ben Ali, a sua repressão e corrupção, a injustiça social dum sistema apoiado por todas as potências imperialistas, a França, os EUA, a União Europeia. É o mesmo movimento que varre agora o Egipto.

Existem de facto diferenças históricas entre os dois países. O Egipto é o país mais populoso do mundo árabe e tem um lugar geoestratégico decisivo no Médio-Oriente. As estruturas do Estado, as instituições, o Exército, são diferentes. Mas é um mesmo movimento de fundo que afecta os dois países.

As massas tunisinas também não podiam mais suportar um sistema económico - "bom aluno da economia mundial" segundo o chefe do FMI, Strauss-Khan - que os trouxe à fome. A explosão do preço dos produtos básicos alimentares, um desemprego a rondar os 30% e as centenas de milhares de jovens com qualificações mas sem emprego, foram o terreno duma revolta social que se combinou com uma crise política e resultou numa revolução.

Tivemos entre 2006 e 2008 uma subida dramática do preço de todos os produtos essenciais como o arroz, o trigo e o milho. O preço do arroz triplicou em cinco anos, passando de 600$ para mais de 1800$ por tonelada em maio de 2008. O aumento recente do preço do grão caracteriza-se por um salto de 32% registado no segundo semestre de 2010 no índice composto dos preços alimentares.

A forte subida do preço do açúcar, dos cereais e oleaginosas conduziu os preços alimentares mundiais a um recorde em dezembro, ultrapassando os custos de 2008, que levaram a motins por todo o mundo. Ao mesmo tempo, o FMI e a OMC exigem o levantamento de todas as barreiras alfandegárias e o fim dos subsídios à produção de alimentos. A recente alta especulativa do preço dos alimentos favoreceu um processo mundial de criação da fome com uma dimensão sem precedentes, que ataca um conjunto de países de África e do mundo árabe.

O Egipto também sofreu os efeitos desta explosão dos preços alimentares. A economia não consegue criar empregos suficientes para corresponder às necessidades dos egípcios. As políticas neoliberais postas em marcha desde 2000 provocaram a explosão das desigualdades e um empobrecimento de milhões de famílias. Apesar dum crescimento económico de 5%, 25% da população vive abaixo do limiar da pobreza. Quase 40% dos 80 milhões de egípcios continuam a viver com menos de dois dólares por dia. E 90% dos desempregados são jovens com menos de 30 anos. Outra coisa notável é que a federação sindical nacional egípcia - dirigida por pessoas comprometidas com o governo - retirou parcialmente o seu apoio ao governo durante as duas semanas que se seguiram à insurreição tunisina. Eles reivindicavam um controlo dos preços, um aumento dos salários e um sistema de distribuição subsidiado para a alimentação, já que as pessoas não conseguiam ter acesso a produtos de base como o chá ou o óleo. O facto dos dirigentes do sindicato reclamarem essas coisas não tem precedentes, uma vez que se trata dos mesmos sindicalistas que apoiaram o neoliberalismo. É este o impacto da Tunísia.

Neste país, a revolução vem de longe: o movimento social actual resulta dum ciclo de mobilizações e movimentos que assentam a sua força na história das lutas do povo tunisino e das suas organizações, em particular do movimento estudantil, das múltiplas associações pelos direitos e liberdades democráticas e dos sindicatos como muitos sectores da UGTT (União Geral dos Trabalhadores Tunisinos). As lutas de certas personalidades pelas suas liberdades de expressão e de viagem em 1999, os movimentos liceais em 2000, as mobilizações contra a guerra do Iraque em 2001, a segunda Intifada em 2002-2003, as greves e manifestações de Gafsa em 2008, Ben Guerdane, em Junho 2010, e Sidi Bouzid, que no fim de 2010 abre o caminho à revolução.

É um movimento histórico que começou com esta combinação de revolta social e o derrube duma ditadura, mas que hoje procura o seu caminho para ir mais longe. É uma revolução democrática radical que tem exigências sociais anticapitalistas.

Ben Ali teve de fugir, mas o essencial do seu regime policial ficou na mesma. A força da mobilização obrigou os antigos "benalistas" a saírem sucessivamente do governo, mas a hora a que este texto é escrito, o primeiro-ministro é ainda o "benalista" Ghannouchi.

E a revolução quer mesmo ir mais longe: "RCD rua!", "Ghannouchi rua!", por detrás destas reivindicações é todo um sistema político, todas as instituições, todo o aparelho repressivo que temos de erradicar. É preciso acabar com todo o sistema Ben Ali, e estabelecer todos os direitos e liberdades democráticas: direito de expressão, de greve e de manifestação, pluralismo das associações, sindicatos e partidos.

Liquidação da instituição presidencial e instauração dum governo provisório revolucionário! Acabar com a ditadura e com todas as operações que querem salvar o poder das classes dominantes exige hoje a abertura dum processo de eleições livres para uma Assembleia Constituinte. Para evitar ser confiscado por um novo poder das oligarquias, este processo deve apoiar-se na organização dos comités, coordenadoras e conselhos populares que emergiram da revolução.

Neste processo, os anticapitalistas defenderão as reivindicações chave dum programa de ruptura com o imperialismo e o sistema capitalista: a satisfação das necessidades vitais das classes populares - o pão, o salário, o emprego; a reorganização da economia em função das necessidades sociais fundamentais - os serviços públicos de qualidade e gratuitos, a escola, saúde, direitos das mulheres, uma reforma agrária radical, a socialização dos bancos e dos sectores chave da economia, o alargamento das protecções sociais - desemprego, saúde, reformas -, anulação da dívida e soberania nacional e popular. Eis o programa dum governo democrático que estaria ao serviço dos trabalhadores e da população.

Ao mesmo tempo, quer seja para organizar a defesa dos bairros, expulsar os dirigentes da RCD da administração ou das grandes empresas, reorganizar a distribuição dos produtos alimentares, os trabalhadores e os jovens formaram as suas assembleias e comités. Os sectores mais combativos e mais radicais devem apoiar, estimular organizar e coordenar todas estas estruturas de auto-organização. São estes os pontos de apoio para estabelecer um poder democrático das classes populares.

No Egipto, enquanto escrevemos esta declaração, o país está em estado de insurreição. Apresar da repressão sangrenta, as vagas de mobilização do povo amplifica-se. Milhões de manifestantes estão nas ruas, do Cairo mas também de Alexandria, do Suez. As sedes do partido do poder e os símbolos da ditadura foram mandados abaixo. O ódio do sistema Mubarak, a rejeição completa da corrupção, a exigência da satisfação das reivindicações sociais vitais contra a subida dos preços criou e estimulou a mobilização de todas as classes populares. O poder vacila. O Estado-Maior do Exército apoiado pelos EUA tenta um auto-golpe de Estado trocando Mubarak por Omar Souleiman, chefe dos serviços secretos e pilar do regime actual. Este exército está hoje sob tensão. Vimos algumas cenas de confraternização entre o povo e os soldados. Mas face à determinação dos egípcios, a direcção do Exército pode também escolher o enfrentamento e a repressão sangrenta. A exigência de milhões e milhões é muito clara: é preciso acabar com a ditadura. Mubarak deve sair, mas é toda a ditadura e todo o aparelho repressivo que é necessário abater e instaurar um processo democrático com todos os direitos e liberdades fundamentais. O apelo a uma jornada de mobilização no dia 1 de Fevereiro é a próxima oportunidade.

Também aqui é preciso acabar com uma ditadura e instaurar um processo democrático com todos os direitos e liberdades democráticas fundamentais. O movimento actual é o mais importante desde os motins de 1977, mas também aqui o movimento vem de longe.

Desde há 30 anos que Mubarak mantém um regime ditatorial, prendendo e assassinando os opositores, reprimindo toda a expressão independente do movimento social e da oposição política. A chapelada eleitoral de novembro 2010, inteiramente controlada pelo PND que ganhou 80% dos lugares, é o último exemplo. Os últimos anos viram o desenvolvimento de importantes movimentos de greve, nomeadamente em torno dos operários têxteis de El-Mahalla, de greves gerais, manifestações e protestos de diversas categorias sociais, de importantes mobilizações anti-imperialistas contra a ocupação militar do Iraque e do Afeganistão em 2004, marcando o repúdio e o isolamento dum regime levado ao colo pelos EUA e UE.

O Egipto é, com Israel e Arábia Saudita, um dos três pilares da política imperialista na região. Os EUA, Israel e Europa farão tudo para impedir que o Egipto escape à sua esfera de influência ou que haja um desenvolvimento revolucionário deste protesto.

A revolução tunisina acendeu toda a região árabe. Para toda uma geração esta é a primeira revolução. Tudo pode mudar agora com o levantamento do povo egípcio. A mobilização terá sem dúvida repercussões em toda a região, e em primeiro lugar encorajando o povo palestiniano, isto apesar das declarações vergonhosas de Mamoud Abbas.

Precisamos erguer um muro de solidariedade em torno dos processos revolucionários que despontam na Tunísia e no Egipto, apoiado na solidariedade activa com as mobilizações de todo o mundo árabe. Não podemos ignorar a possibilidade de contragolpes do aparelho repressivo de Ben Ali ou as ameaças do seu amigo Khadaffi. Se o regime se decidir pelo enfrentamento, o Estado-Maior do Exército pode desencadear uma repressão sangrenta.

Face ao aprofundamento do processo revolucionário, as potências ocidentais e as classes dominantes podem tentar recuperar a iniciativa e destruir esta imensa esperança.

Os povos tunisino e egípcio devem contar com o conjunto do movimento operário internacional, com todo o movimento alterglobalização. Nos sindicatos, nas associações, nos partidos de esquerda, apoiemos as lutas destes povos e a revolta que ecoa na região árabe.

Vivam as revoluções tunisina e egípcia!
Solidariedade com as lutas populares no mundo árabe!
(Combateinfo)

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