quinta-feira, 13 de março de 2014

Comunicado

Comunico aos meus inúmeros leitores que estivemos fora do ar devido a dificuldades informáticas. Queira deus que tudo tenha se normalizado. Palavra de um ateu!

Repressão

Liberdade ao professor colombiano Francisco Toloza Escrito por Néstor Kohan A todo tempo, aprisionam nossos companheiros. Cansamos e nos desgastamos. Não há mês que não tenha que escrever solidarizando-me com algum revolucionário que acabaram de prender. Isto se chama liberdade? Isto se denomina “pluralismo”? Isso é “o mundo livre”? Por favor! Soltam um e no dia seguinte prendem outro. Acabam de soltar o cantor e compositor Julián Conrado e no mesmo momento prenderam o professor Francisco Toloza. Mantêm-nos “ocupados” pedindo e reclamando todo o tempo “soltem o fulano”, “libertem o ciclano”. Na Colômbia, também na Argentina, Paraguai, em todo o continente. Não basta ver um líder grevista no cárcere que já há outro agricultor sendo preso. Acabaram de soltar um cantor popular e já prenderam um conhecido professor universitário. E é nesse vai e vem que vamos levando a vida. Visitando presos, escrevendo todo tempo estas cartas de solidariedade, tentando conter a repressão, a perseguição, a demonização. Até quando? E enquanto isso... Eles seguem fazendo seus negócios sujos. Negócios imundos. Com seu sorriso cínico na boca. Mostrando sempre os dentes em cada fotografia, como se fossem modelos da TV que fazem anúncios de creme dental. Falsidade. Seus sorrisos são de fachada. Cinismo nu e cru. Não é uma risada aflorada, relaxada de alegria espontânea e serenidade de espírito. É um sorriso artificial para a foto, duro, petrificado, premeditado, planificado, manipulado. Riem enquanto destilam veneno, odeiam e encarceram o povo. Gente má. Sim, gente má. Não só exploram, degradam, humilham o nosso povo, como entregam nossas riquezas e recursos naturais. São gente má. Sua risada é como a de uma hiena. O conhecido intelectual, professor universitário colombiano, foi preso. Seu nome é Francisco Toloza. Desta vez se trata dele. Não bastou prender o professor Miguel Ángel Beltrán, grande conhecedor da historiografia sobre Simón Bolivar e do pensamento teórico de José Martí. Não ficaram satisfeitos com as ameaças de morte ao professor Renán Vega Cantor, erudito da sociologia e grande pesquisador colombiano. Não. A lista segue. Agora é Toloza, o jovem e valente intelectual Francisco Toloza. “Pacho” Toloza, para seus amigos e companheiros. Todos eles vêm a Buenos Aires, passam por aulas universitárias na Argentina, compartilham seus saberes, suas leituras, seus livros, suas teorias, seus debates. O movimento estudantil argentino, seus professores, seus pesquisadores universitários e cientistas são conhecidos. E com todo sabor amargo na boca, com todo ácido no estômago, entendemos agora que estão presos, que são caçados como moscas. São tratados como se fossem delinquentes. Que desgosto. Não escondemos o que sentimos. Que desgosto. Que classe social dominante corrupta, desgraçada, mafiosa, lumpem, que não pode permitir o que até uma burguesia lúcida e bem pensante se permitiria: que haja um par de intelectuais que opinem diferente, que escrevam seus livros, que deem palestras. Não. A burguesia colombiana, submissa e obediente à humilhação do imperialismo norte-americano, em momentos mais papistas que o papa, persegue sem piedade até o último pensador que se atreve a escrever duas linhas expressando um pensamento diferente. E não só perseguição sistemática a todo pensador, a todo o escritor e a toda voz dissidente. Valas comuns. A última que se encontrou (até onde temos notícias) abrigava nada menos que 2.000 (dois mil) cadáveres sepultados com NN, sem nome nem apelido, sem tumba individual. Nem mesmo um único símbolo religioso para dar conforto à família de cada morto. Nem isso! Não era uma vala comum de cinco décadas ... Era o ano de ... 2007. Muito recente! Nada diferente do Chile de 1973 ou Argentina de 1976. Até quando vamos continuar permitindo isso? Até quando vamos continuar a aceitar que este país se chame no concerto internacional das nações modernas de "democráticos" e "constitucionais"? Por que o Estado da Colômbia continua a fazer parte das agências multilaterais latino-americanos sem receber sanções diplomáticas ou comerciais que de uma vez por todas disciplinem sua classe dominante e a obrigue, goste ou não, a garantir os direitos democráticos, mesmo que sejam mínimos, típicos de qualquer país burguês? Aqui, não se trata de direitos populares ou socialistas. Não! Na Colômbia, nem os direitos legais burgueses são respeitados. Nem sequer isso. O professor Francisco Toloza, muito preparado, extremamente lido, culto, erudito, persuasivo, grande orador, inundava cada uma de suas orações com dados empíricos e bibliografia atualizada. A primeira impressão que tivemos dele foi impactante. O professor Francisco Toloza fala rápido e sem parar. Com entusiasmo e energia que não tenta dissimular. Por trás de suas grandes lentes de plástico preto, sua boina que nunca abandona, tira e põe, volta a tirar e assim fica durante horas, movendo as mãos, fazendo gestos, e que tanto proporciona números esmagadores, dados empíricos, demolidores da sociedade oficial colombiana. Conhece a dedo a história do seu país, sua formação sociológica e sua formação econômico-social. Mas como viajou por vários países representando a sua organização social e política, a Marcha Patriótica, ao mesmo tempo vai descrevendo a situação do movimento popular de vários países da América Latina. E a coisa não acaba aí. Começa a falar de Europa Ocidental e dá detalhes de cada país europeu, suas tendências, seus debates, como se encontra o movimento trabalhador, estudantil, o que pensam em cada país e em cada movimento popular europeu de Nossa América. Sem falar como o professor Francisco Toloza provoca impacto. Conhecemo-nos pessoalmente em Buenos Aires. O professor Toloza estava pedindo e clamando por solidariedade para a federação estudante universitária. Entramos em contato, juntamente com Atilio Boron e Jorge Beinstein, todos os professores da Universidade de Buenos Aires (UBA). Certamente deve ter falado com outros pesquisadores também. Depois disso nos encontramos novamente no México, em um seminário internacional organizado anualmente pelo Partido Trabalhista (PT) do México, com participacao de intelectuais de todo o mundo, incluindo a América do Norte e Europa. Em meio à multidão, ouvimos com surpresa: "Ei, professor Nestor! Como está? Tomamos uma cerveja? Quer conversar um pouco?” (sempre me fez rir ao me chamar de "professor", quando na prática Toloza sabe muito mais do que nós uma enorme quantidade de temas). Suspeitei que, talvez, fosse um costume colombiano falar dessa maneira. E com essa cerveja compartilhamos novamente por horas a bagagem de fatos, números, livros, artigos, textos e debates. Uma grande preparação intelectual. O mesmo estilo de Renan Vega Cantor e Miguel Angel Beltran. Não é por acaso que todos eles têm sido "marcados" pelos poderosos da Colômbia e seu aparato de vigilância e repressão. Não é por acaso que na Colômbia têm sido perseguidos, ameaçados ou diretamente feitos prisioneiros. Em outros países, seriam premiados (por exemplo, Renan Vega recebeu o "Prêmio Libertador ao Pensamento Crítico" na Venezuela; no México, na UNAM e no âmbito da sua licenciatura em ciências sociais e estudos latino-americanos, os principais pesquisadores não pararam de falar maravilhas de Miguel Angel Beltran, já que ele dava aulas lá). Na Colômbia, no entanto, a sociedade oficial os trata como "criminosos", quando seus pecados graves e seus principais "crimes" foram, e são, atuar como intelectuais comprometidos com seu povo e sua nação. Simplesmente o que qualquer intelectual que se preze deve fazer com sua vida. Que notável diferença a atitude intelectual destes companheiros (Vega Cantor, Beltran, Toloza) frente a tanto "doutor" que está circulando em Buenos Aires e não consegue articular até duas frases, contidas no pequeno aquário de sua chancela de "especialista"! Com esses companheiros, no entanto, você pode falar sobre tudo. Lidar com uma incrível variedade de temas, autores e debates. Nota-se à primeria vista que são intelectuais militantes – o que não implica qualquer delito – e por isso mesmo nunca aceitaram ser "especialistas", neste sentido tão medíocre e vulgar que outorga o Banco Mundial. Especialistas, ruminadores ventríloquos de trabalhos maçantes, inodoros, incolores, insípidos, orgulhosos de sua ignorância em tudo aquilo que não seja seu microscópico e intranscedente “tema de beca” ou de tudo o que suporta em seu mesquinho caminho de ascenção na escala acadêmica. Já dizia nosso querido Deodoro Roca, ideólogo da Reforma Universitária de Córdoba em 1918, que “a pura universidade é uma coisa monstruosa”. O professor Francisco Toloza constitui precisamente a antítese deste tipo de intelectual medíocre e submisso. Toloza é um intelectual universitário, sim, mas em um sentido muito mais rico e completo, comprometido até o osso com o seu povo, como alegava Deodoro Roca. Por isso, me fez tão feliz de ouvir agora que seu vídeo foi liberado apenas depois de sua prisão ilegal na Colômbia, onde Toloza reivindica por nome e sobrenome o nosso Deodoro Roca e a Reforma Universitária de Córdoba (1918). De que fala Pacho Toloza cada vez que nos cruzamos? Na Argentina e no México, Pacho Toloza não deixou de denunciar o Estado gângster e mafioso que dirige seu país há décadas. A situação calamitosa da educação pública, a violação sistemática dos direitos humanos, a miséria de seus camponeses e a exploração de sua classe trabalhadora urbana, a perseguição oficial contra qualquer tipo de oposição política. Isso era o que mais incomodava os juízes que o aprisionaram. Mas o professor Toloza jamais se calou. Se visitou outros países, não era por créditos mesquinhos ou ganância pessoal, para “acomodar-se” nem para mendigar uma migalha de piedade. Não. O professor Francisco Toloza não deixou em nenhum minuto, seja na Argentina, no México ou na Europa, de clamar pelos direitos de seu povo a viver em liberdade, com justiça social e respeito aos direitos humanos. Isso não constitui nenhum crime. Ao contrário! Por isso nos orgulhamos de tê-lo conhecido e ouvido. Mas, além de sua erudição acadêmica, sua militância incansável e sua paixão política, Pacho Toloza é um homem com um humor hilariante. Nem bem ganha confiança, começa a fazer piadas e brincadeiras. Inclusive é um grande imitador. Quando vivermos no socialismo e já não tivermos mais de nos preocupar com assassinatos a sangue frio, perseguição política da oposição, censura e prisão dos dissidentes, o professor Toloza bem que poderia ganhar a vida em um programa de humor. Esperamos que a solidariedade internacional não deixe de crescer. Esperamos que em breve possamos voltar a falar com ele em liberdade, falando de Simon Bolívar, a história de seu povo altruísta, e ouvir suas piadas, suas brincadeiras e sua gargalhada. Nestor Kohan é professor da Universidade de Buenos Aires (UBA). Tradução: Daniela Mouro, Correio da Cidadania. Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente, você pode contribuir clicando abaixo.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Henfil

Cartas da mãe - Henfil "Enquanto acreditarmos em nossos sonhos, nada será por acaso". "É preciso a certeza de que tudo vai mudar; É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós: onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração; Pois a vida está nos olhos de quem sabe ver ... Se não houve frutos, valeu a beleza das flores. Se não houve flores, valeu a sombra das folhas. Se não houve folhas, valeu a intenção da semente". Henfil O DESENHO FICA O média-metragem Cartas da Mãe é uma crônica sobre o Brasil dos últimos 30 anos contada através das cartas que o cartunista Henfil (1944/1988) escreveu para sua mãe, Dona Maria. Estas cartas, publicadas em livros e jornais, são lidas pelo ator e diretor Antônio Abujamra enquanto desfilam imagens do Brasil contemporâneo. Política, cultura, amigos e amor são alguns dos temas que elas evocam, criando um diálogo entre o passado recente do Brasil e nossa situação atual. Artistas, políticos e amigos de Henfil, entre eles o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o escritor Luis Fernando Veríssimo, os cartunistas Angeli e Laerte e o jornalista Zuenir Ventura, falam sobre a trajetória do cartunista dos anos da ditadura militar até sua morte. Animações inéditas de seus cartuns complementam o documentário dirigido por Fernando Kinas e Marina Willer. Diretor: Fernando Kinas, Marina Willer Narração: Antônio Abujamra Depoimentos: Luis Fernando Veríssimo, Angeli, Gilse Cosenza, Iza Guerra, Laerte, Luiz Inácio Lula da Silva, Zuenir Ventura, Frei Betto. Ano: 2003 Em 1970, Henfil lançou a revista Os Fradinhos. Nesse momento, a produção de histórias em quadrinhos e cartuns de Henfil já apresentava características específicas: um desenho humorístico político, crítico e satírico, com personagens tipicamente brasileiros. Leia mais Gibiteca Henfil Aniversário de Henfil será comemorado com evento no Museu da República "Por muito tempo, eu pensei que a minha vida fosse se tornar uma vida de verdade. Mas sempre havia um obstáculo no caminho, algo a ser ultrapassado antes de começar a viver, um trabalho não terminado, uma conta a ser paga. Aí sim, a vida de verdade começaria. Por fim, cheguei à conclusão de que esses obstáculos eram a minha vida de verdade. Essa perspectiva tem me ajudado a ver que não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho! Assim, aproveite todos os momentos que você tem. E aproveite-os mais se você tem alguém especial para compartilhar, especial o suficiente para passar seu tempo; e lembre-se que o tempo não espera ninguém. Portanto, pare de esperar até que você termine a faculdade; até que você volte para a faculdade; até que você perca 5 kg; até que você ganhe 5 kg; até que seus filhos tenham saído de casa; até que você se case; até que você se divorcie; até sexta à noite; até segunda de manhã; até que você tenha comprado um carro ou uma casa nova; até que seu carro ou sua casa tenham sido pagos; até o próximo verão, outono, inverno; até que você esteja aposentado; até que a sua música toque; até que você tenha terminado seu drink; até que você esteja sóbrio de novo; até que você morra; e decida que não há hora melhor para ser feliz do que agora mesmo... Lembre-se: felicidade é uma viagem, não um destino".Henfil (Blog do Nassif)

PMs

'PM cria monstros', diz ex-policial que defende desmilitarização Darlan Menezes Abrantes, ex-soldado da PM que é a favor da desmilitarização da corporação Darlan Menezes Abrantes, ex-soldado da PM que é a favor da desmilitarização da corporação Após ser expulso da Polícia Militar do Ceará em janeiro, acusado de distribuir seu livro intitulado "Militarismo, um sistema arcaico de segurança publica", dentro da Academia Estadual de Segurança Pública, o ex-soldado Darlan Menezes Abrantes, 39, voltou a criticar o atual modelo da PM e a militarização da corporação, da qual fazia parte há 13 anos. "Sou a prova viva de que esse sistema de segurança pública é falido" e "cria monstros", declarou, em entrevista ao UOL. A capa do livro de Abrantes, que defende a desmilitarização "Quando eu era da cavalaria, fiz muitas coisas das quais me arrependo. Quando eu chegava em casa dizia para a minha esposa 'nossa, eu sou um monstro!'. O treinamento militar é opressivo, e faz com que o policial trate a população como inimigo, e não como um aliado", falou. Para ele, a violência e os excessos cometidos pelos policiais nas ruas tem origem na opressão vivida pelos praças (PMs de patente inferior) dentro dos quartéis. "Os oficiais têm poder total sobre os praças. Como uma polícia antidemocrática pode fazer a segurança de uma sociedade democrática? A PM tem uma estrutura medieval". Ampliar Veja cenas de violência policial e depredações em protestos pelo Brasil104 fotos 1 / 104 13.jun.2013 - Em São Paulo, policial militar atinge cinegrafista com spray de pimenta durante protesto contra o aumento da tarifa do transporte coletivo, em frente ao Theatro Municipal, no centro da capital. Mais de 40 manifestantes foram detidos pela polícia Rodrigo Paiva/Estadão Conteúdo Segundo Abrantes, "durante os treinamentos os superiores ficam dizendo que você não é nada, que você é um parasita. Lembro que na academia um superior me deu uma folha de papel em branco e disse: 'esses são seus direitos'. Aí quando o policial se forma, já é um pitbull." PMs são investigados por agressões no CE Jovens tiveram o rosto pintado pelos policiais Para ele, o militarismo "serve para as Forças Armadas", e não para a segurança interna do país. "É preciso desmilitarizar a corporação e fundi-la com a polícia civil. A cada ano, a polícia perde de goleada para o crime organizado, e a solução está na modernização e desmilitarização da força". Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará afirmou que à época do ingresso de Abrantes na corporação "a formação de policiais militares se dava pelo extinto Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da PM" e que o atual treinamento conta com um programa de formação cidadã, "trabalhando as concepções de cidadania, respeito aos Direitos Humanos e à diversidade étnica e cultural". Expulsão A controladoria da PM expulsou Abrantes "com base em vários artigos do Código Disciplinar e do Código Penal Militar", de acordo com o tenente-coronel Fernando Albano, porta voz da corporação. "Os atos praticados vão de encontro ao pudor e ao decoro da classe. Só isso que a PM tem a falar", disse ele. A advogada do ex-soldado, Quércia de Andrade Silva, afirmou que já recorreu da expulsão e diz acreditar que a decisão possa ser revertida. "Tem outro processo também na auditoria militar, mas que está ainda em fase inicial. Ele será ouvido pela primeira vez em maio. Estamos aguardando a resposta desse recurso [para possivelmente recorrer à Justiça comum]", diz Quércia. (UOL)

O Dono da Bola está de ressaca!

pois é, depois de amanhã estarei de ressaca. uma ressaca programada, agendada....

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

'Gramática' (a pedidos)

Redação feita por uma aluna do curso de Letras, da UFPE Universidade Federal de Pernambuco - (Recife), que venceu um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gramática Portuguesa. Redação: Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto. Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto. Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta. a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto. Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar IV. Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história. Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino. O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva (Fonte?)

Cristãos nazistas

Partido Nazista dizia se basear em um 'cristianismo positivo' Hitler teve o apoio de católicos e protestantes por Austin Cline para About A impressão generalizada é de que o nazismo era anticristão e que os cristãos eram antinazistas. A verdade é que os cristãos alemães apoiaram o nazismo porque acreditavam que Adolf Hitler tinha sido um presente de Deus para o povo. A doutrina cristã alemã combinou seus dogmas com o caráter alemão de então de uma maneira única: o verdadeiro cristianismo era alemão e o verdadeiro nazista tinha de ser cristão. Isso em parte está no programa do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores ou em alemãoNationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei (NSDAP). Diz: “Exigimos a liberdade para todas as confissões religiosas, na medida em que elas não coloquem em perigo a existência do Estado ou entrem em conflito com os costumes e os sentimentos morais da raça germânica. O partido, como tal, representa o ponto de vista de um cristianismo positivo, sem estar ligado a uma confissão em especial”. Esse tipo de cristianismo pregava na época que a religião devia ter um efeito prático na vida das pessoas — um efeito positivo. Antissemitismo cristão O antissemitismo era um aspecto importante do Estado nazista, mas os nazistas não o inventaram. Eles se basearam em séculos de antissemitismo cristão e na teologia da comunidade cristã da Alemanha. Os nazistas acreditavam que o judaísmo era mais do que uma religião, no que foram apoiados por líderes religiosos que lhes forneciam informações sobre batismos e registros de casamento para ajudar na identificação dos judeus convertidos ao cristianismo. Cristãos anticomunistas Anticomunismo era provavelmente mais fundamental para a ideologia nazista do que antissemitismo. Muitos alemães estavam com medo do comunismo e viram Hitler como sua salvação cristã. A ameaça dos vermelhos parecia muito real. Os comunistas tinham chegado ao poder na Rússia no final da Primeira Guerra Mundial, além de assumirem momentaneamente o controle na Baviera. Os nazistas também eram intensamente antissocialistas. Eles se opunham ao socialismo tradicional porque se tratava de uma ideologia ateia e supostamente apoiada por intelectuais de origem judaica. Cristão antimodernistas A chave para entender a popularidade do nazismo entre os cristãos é que uns e outros condenavam tudo que era moderno. No entendimento deles, a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial converteu o país em uma república secularista, ateísta e materialista, o que significava traição aos valores tradicionais germânicos e aos dogmas religiosos. Assim, para os cristãos, a ascensão ao poder dos nazistas significava uma oportunidade para impor um regime que combatesse o ateísmo, a homossexualidade, o aborto, a obscenidade e assim por diante. Cristianismo e nazismo protestante É amplamente reconhecido que os protestantes foram mais atraídos pelo nazismo do que os católicos. Isso não era verdade em todos os lugares na Alemanha, mas não se pode ignorar o fato de que os protestantes, e não católicos, organizaram um movimento (cristãos alemães) dedicado a mesclar a ideologia nazista com a doutrina cristã. Principalmente as mulheres protestantes colaboravam com o nazismo por causa do conservadorismo cultural delas. Além disso, as mulheres se sentiram importantes pelo papel de agentes sociais que passaram a ter no governo de Hitler. O nazismo foi um regime não denominacional, mas seus líderes sabiam que sempre poderiam contar com os protestantes. Cristianismo e nazismo católico De início, líderes católicos criticaram o nazismo. Após 1933, a crítica se tornou em louvor por uma questão de identificação. Os pontos em comum entre os nazistas e católicos eram o anticomunismo, antiteísmo e antissecularismo. Padres católicos ajudaram os nazistas a identificar os judeus para que os carrascos abastecessem as fornalhas do Holocausto. Após Segunda Guerra Mundial, líderes católicos ajudaram ex-nazistas a voltarem ao poder, porque entendiam que estes eram melhores do que os socialistas. O legado do catolicismo da Alemanha nazista é a cooperação, da não de resistência, de defesa do poder social, e não o da sustentação de princípios. Igrejas cristãs estavam dispostas a tolerar a violência contra judeus, o rearmamento militar, invasões de nações, proibição de funcionamento de sindicatos, prisão de dissidentes políticos, detenção de pessoas que haviam cometido nenhum crime, esterilização dos deficientes, etc. Por quê? Porque Hitler era visto como alguém que ia restaurar os valores tradicionais e a moralidade da Alemanha. Cristianismo em particular, o cristianismo em público Será que Hitler e os nazistas apenas usaram o cristianismo como uma manobra política, enfatizando-o em público, sem a intenção de promovê-lo na realidade? Não há nenhuma evidência de que a adesão ao cristianismo era apenas para o “consumo” em público. Anotações de historiadores mostram que os nazistas de fato acreditavam no “cristianismo positivo”, acreditavam no que diziam. Os poucos nazistas que endossaram paganismo fizeram isso publicamente, mas sem apoio oficial. Hitler, nazismo e o nacionalismo cristão Avaliação tradicional de cumplicidade cristã com o Holocausto e com outros crimes da guerra pressupõe uma distinção entre nazistas e cristãos, o que não existia. O fato é que cristãos apoiaram ativamente a agenda nazista, e por uma simples razão: a maioria dos nazistas era de cristãos devotos e acreditava que a filosofia de Hitler foi animada pela sua doutrina religiosa. Os cristãos de hoje acham improvável que a sua religião pudesse ter algo em comum com o nazismo, mas eles precisam reconhecer que o cristianismo é sempre condicionado pela cultura que o cerca. Para os alemães no início do século 20, o cristianismo era muitas vezes profundamente antissemita e nacionalista. Este foi o mesmo terreno que os nazistas encontraram tão fértil para a sua própria ideologia. O que fez com que uns e outros colaborassem entre si com naturalidade. Não haveria como eles não agirem em conjunto. Cristãos nazistas não abandonaram as doutrinas cristãs básicas, como a divindade de Jesus. Sua estranha crença religiosa era uma negação ao judaísmo de Jesus. Mas ainda hoje existem cristãos na Alemanha que se opõem ao judaísmo de Jesus. Cristãos nazistas não seguiram uma versão idiossincrática do cristianismo nem foram "infectados" pelo ódio e nacionalismo porque eles já eram portadores desses sentimentos antes de o nazismo ser inaugurado oficialmente. Para os cristãos alemães, a guerra deflagrada por Hitler foi uma espécie de retomada das Cruzadas e da Santa Inquisição. Fonte: Paulopes http://www.paulopes.com.br/2014/02/parido-nazista-dizia-se-basear-em-um-cristianismo-positivo.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+blogspot%2FLHEA+%28Paulopes+Weblog%29#.UvBCJvldWSq (Opinião & Cia)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Igreja Católica

Livro conta vida sexual de papas: pedofilia, incesto e zoofilia Santo Agostinho e o Diabo, na pintura de Michael Pacher São mais de 300 páginas com centenas de histórias pouco santas sobre a vida sexual dos papas da Igreja Católica. O livro do jornalista peruano Eric Frattini, recém-chegado às livrarias portuguesas e editado pela Bertrand, percorre, ao longo dos séculos, a intimidade secreta de papas e antipapas, mas não pretende causar "escândalo". Apenas "promover uma reflexão sobre a necessária reforma da Igreja ao longo dos tempos". O escritor admite, aliás, que alguns dos relatos possam ter sido inventados, nas diferentes épocas, por inimigos políticos dos sumos pontífices. Lendas ou verdades consumadas, no livro "Os papas e o sexo" há de tudo. Desde papas violadores e zoofílicos a papas homossexuais e fetichistas, além de Santos Padres incestuosos, pedófilos ou sádicos, passando por papas filhos de papas e papas filhos de padres. Alguns morreram assassinados pelos maridos das amantes em pleno ato sexual. Outros foram depostos do cargo, julgados pelas suas bizarrias sexuais e banidos da história da Igreja. Outros morreram com sífilis, como o papa Júlio II, eleito em 1503, que ficou na história por ter inventado o primeiro bordel gay de que há memória. Bonifácio IX deixou 34 filhos, a que chamava, carinhosamente, de "adoráveis sobrinhos". Martinho V encomendava contos eróticos, que gostava de ler no recolhimento do seu quarto. Paulo II era homossexual e Listo IV, que cometeu incesto com os sobrinhos, bissexual. Inocêncio VIII reconheceu todos os filhos que fez e levou-os para a Santa Sé. Um deles tornou-se violador. João XI (931-936) cometeu incesto com a própria mãe, violava fiéis e organizava orgias com rapazes. Sérgio III teve o infortúnio de se apaixonar por mãe e filha e não esteve com meias medidas: rendeu-se à prática da ménage à trois. Bento V só esteve no Governo da Igreja 29 dias, por ter desonrado uma adolescente de 14 anos durante a confissão. Depois de ser considerado culpado, fugiu e levou boa parte do tesouro papal consigo. João XIII era servido por um batalhão de virgens, desonrou a concubina do pai e uma sobrinha e comia em pratos de ouro enquanto assistia a danças de bailarinas orientais. Os bailes acabaram quando foi assassinado pelo marido de uma amante em pleno ato sexual. Silvestre II fez um pacto com o diabo. Era ateu convicto e praticava magia. Acabou envenenado. Dâmaso I, que a Igreja canonizou, promovia homens no ciclo eclesiástico, sendo a moeda de troca poder dormir com as respectivas mulheres. Já o Papa Anastácio, que tinha escravas, teve um filho com uma nobre romana, que se viria a tornar no Papa Inocêncio I (famoso pelo seu séquito de adolescentes). Pai e filho acabaram canonizados. Leão I era convidado para as orgias do Imperador, mas sempre se defendeu, dizendo que ficava só para ver. Mesmo assim engravidou uma adolescente de 14 anos, que mandou encerrar num convento para o resto da vida. Bento VIII morreu com sífilis e Bento IX era zoófilo. Urbano II criou uma lei que permitia aos padres terem amantes, desde que pagassem um imposto. Alexandre III fazia sexo com as fiéis a troco de perdões e deixou 62 filhos. Foi expulso, mas a Igreja teve de lhe conceder uma pensão vitalícia, para poder sustentar a criançada. Gregório I gostava de punir as mulheres pecadoras, despindo-as e dando-lhes açoites. Bonifácio VI rezava missas privadas só para mulheres e João XI violou, durante quatro dias, uma mãe e duas filhas. Ao mesmo tempo. Resumo de algumas histórias 1. João Paulo II: acusado de ter um filha secreta imageEm 1995, o norte-americano Leon Hayblum escrevia um livro polêmico, em que dizia ser pai da neta de João Paulo II. Durante a ocupação nazi da Polônia, Wojtyla teria casado, secretamente, com uma judia. Do enlace nasceu uma garota que o próprio pai entregou, com seis semanas, a um convento local. No seu pontificado especulou-se muito sobre as namoradas que teve antes do sacerdócio. O papa admitiu algumas, mas garantiu nunca ter tido sexo. No Vaticano, fazia-se acompanhar por uma filósofa norte-americana, Anna Teresa Tymieniecka, com quem escreveu a sua maior obra filosófica. Romperam o relacionamento supostamente por ciúmes. 2. Paulo VI: homossexual? Assim que chegou ao Vaticano, Paulo VI mostrou-se muito conservador em relação às matérias ligadas à sexualidade. Em 1976, indignado com as declarações homofobias de Paulo VI, um historiador e diplomata francês, Roger Peyrefitte, contou ao mundo que, afinal, o papa era homossexual e manteve uma relação com um ator conhecido. O escândalo foi tremendo: Paulo VI negou tudo e o Vaticano chegou a pedir orações ao fiéis do mundo inteiro pelas injúrias proferidas contra o papa. Paulo VI morreu em 1978, aos 81 anos, depois de 15 pontificado, vítima de um edema pulmonar causado, em boa parte parte, pelos dois maços de cigarros que fumava por dia. 3. Inocêncio X: amante da cunhada imageEleito no conclave de 1644, Inocêncio X manteve uma relação com Olímpia Maidalchini, viúva do seu irmão mais velho – fato que lhe rendeu o escárnio das cortes da Europa. Inocêncio X não era, aliás, grande defensor do celibato. Olímpia exercia grande influência na Santa Sé e chegou a assinar decretos papais. A dada altura, o papa apaixonou-se por outra nobre, Cornélia, o que enfureceu Olímpia. Mesmo assim, foi a cunhada quem lhe valeu na hora da morte e quem assegurou o funcionamento do Vaticano quando Inocêncio estava moribundo. Quando morreu, em 1655, Olímpia levou tudo o que pôde da Santa Sé para o seu palácio em Roma, com medo de que o novo papa não a deixasse ficar com nada. 4. Leão X: morreu de sífilis Foi de maca para a própria coroação, por causa dos seus excessos sexuais. Depois de Júlio II ter morrido de sífilis, em 1513 chega a papa Leão X, que gostava de organizar bailes, onde os convidados eram somente cardeais e onde jovens de ambos os sexos apareciam com a cara coberta e o corpo despido. O papa gostava de rapazes novos, às vezes vestia-se de mulher e adorava álcool. “Quando foi eleito tinha dificuldade em sentar-se no trono, devido às graves úlceras anais de que sofria, após longos anos de sodomia”, escreve Frattini. Estes e outros excessos levaram Lutero a afixar as suas 95 teses – que lhe garantiram a excomunhão em 1521. Leão X morreu com sífilis aos 46 anos. 5. Alexandre VI: o insaciável imageGostava de orgias e obrigou um jovem de 15 anos a ter sexo com ele sete vezes no espaço de uma hora, até o rapaz morrer de cansaço. Teve vários filhos, que nomeou cardeais. Assim que chegou ao papado, em 1431, trocou a amante por uma mais nova, Giulia. Ela tinha 15 anos, ele 58. Foi Alexandre VI quem criou a célebre “Competição das Rameiras”. No concurso, o papa oferecia um prêmio em moedas de ouro ao participante que conseguisse ter o maior número de relações sexuais com prostitutas numa só noite. Depois de morrer, o Vaticano ordenou que o nome de Alexandre VI fosse banido da história da Igreja e os seus aposentos no Vaticano foram selados até meados do século XIX. 6. Bento IX: sodomizava animais imageChegou a papa em 1032 com 11 anos. Bissexual, sodomizava animais e foi acusado de feitiçaria, satanismo e violações. Invocava espíritos malignos e sacrificava virgens. Tinha um harém e praticava sexo com a irmã de 15 anos. Gostava, aliás, de a ver na cama com outros homens. “Gostava de a observar quando praticava sexo com até nove companheiros, enquanto abençoava a união”, escreve Eric Frattini. Convidava nobres, soldados e vagabundos para orgias. Dante Alighieri considerou que o pontificado de Bento IX foi a época em que o papado atingiu o nível mais baixo de degradação. Bento IX cansou-se de tanta missa e renunciou ao cargo para casar com uma prima – que o abandonaria mais tarde. 7. Clemente VI: comprou bordel imageEm 1342, com Clemente VI chega também à Igreja Joana de Nápoles, a sua amante favorita. O papa comprou um “bordel respeitável” só para os membros da cúria – um negócio, segundo os documentos da época, feito “por bem de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Tornou-se proxeneta das prostitutas de Avinhão (a quem cobrava um imposto especial) e teve a ideia de conceder, duas vezes por semana, audiências exclusivamente a mulheres. Recebia as amantes numa sala a poucos metros dos espaços em que os verdugos da Inquisição faziam o seu trabalho. No seu funeral, em Avinhão, foi distribuído um panfleto em que o diabo em pessoa agradecia ao papa Clemente VI porque, com o seu mau exemplo, “povoara o inferno de almas”. 8. Xisto III: violou freira e foi canonizado imageObcecado por mulheres mais novas, foi acusado de violar uma freira numa visita a um convento próximo de Roma. Enquanto orava na capela, o papa, eleito em 432, pediu assistência a duas noviças. Violou uma, mas a segunda escapou e denunciou-o. Em tribunal, Xisto III defendeu-se, recordando a história bíblica da mulher que foi apanhada em adultério. Perante isso, os altos membros eclesiásticos reunidos para condenar o papa-violador não se atreveram a “atirar a primeira pedra” e o assunto foi encerrado. Xisto III foi, aliás, canonizado depois de morrer. Seguiu-se-lhe Leão I, que também gostava de mulheres mais novas e que mandou encarcerar uma adolescente de 14 anos num convento, depois de a engravidar. 9. João XII: morto pelo marido da amante imageNos conventos rezava-se para que morresse. João XII era bissexual e obrigava jovens a ter sexo à frente de toda a gente. Gozava ao ver cães e burros atacar jovens prostitutas. Organizou um bordel e cometeu incesto com a meia-irmã de 14 anos. Raptava peregrinas no caminho para lugares sagrados e ordenou um bispo num estábulo. Quando um cardeal o recriminou, mandou-o castrar. Um grupo de prelados italianos, alemães e franceses julgaram-no por sodomia com a própria mãe e por ter um pacto com o diabo para ser seu representante na Terra. Foi considerado culpado de incesto e adultério e deposto do cargo, em 964. Foi assassinado – esfaqueado e à martelada – em pleno ato sexual pelo marido de uma das suas várias amantes. (Opinião & Cia)

Walt Disney

Estranhos no paraíso Passaram-se 47 anos da morte de Walt Disney e, até hoje, nunca se tentou retratar o pai do Mickey no cinema. Mas um novo filme promete fazê-lo. Passaram-se 47 anos da morte de Walt Disney e, até hoje, nunca se tentou sequer retratar o pai do Mickey em uma produção mainstream. São muitos os motivos: a Disney é uma corporação cuidadosa e agressiva quanto à proteção da figura do pai fundador e ninguém se atreveu a enfrentar seu poder. Mas, surpreendentemente, dois anos atrás a empresa decidiu dar seu aval e até financiar 'Walt nos Bastidores de Mary Poppins' (segundo o título original, Saving Mr. Banks) — filme que estreia na próxima semana na Argentina com o título El sueño de Walt (O sonho de Walt). O roteiro foi produzido de maneira independente e evoca a relação entre P. L. Travers, autora de Mary Poppins, e Walt Disney, com ambiguidades surpreendentes. Tem um olhar sobre esse ícone cultural que não é crítico, mas que também não é cândido. Sem ser revolucionário, atreve-se a humanizar o mito. Quase ao mesmo tempo em que 'Walt nos Bastidores de Mary Poppins' estreia nos cinemas do mundo, passou-se a ser possível conseguir online 'Escape From Tomorrow', um estranho filme de terror filmado clandestinamente na Disney World de Orlando, no qual muitos veem uma representação do lado negativo do reino encantado. Entre a versão oficial e as teorias paranóicas, entre o domínio corporativo e o poder simbólico, esses filmes dão margem a uma possível releitura de um dos mitos mais importantes da cultura popular do século XX. Na última entrega do Globo de Ouro, a grandiosa Emma Thompson esteve presente para anunciar o prêmio de melhor roteiro com um Martini em uma mão e seus sapatos de salto na outra. Diante de um clamor coletivo e de aplausos, censurou os presentes (“stop it, stop it”) em seu melhor estilo de tutora inglesa de filme, como se invocasse a personagem pelo qual estava indicada na categoria de melhor atriz de comédia: P. L. Travers, a autora de Mary Poppins, que muito relutantemente acabou vendendo os direitos de sua obra mais famosa à Disney. Alguns dias antes, na cerimônia de outra das entregas da longa temporada de prêmios (que culmina com o Oscar, no início de março), Meryl Streep fora a encarregada de anunciar, diante da National Board of Review, o reconhecimento a Emma Thompson por seu trabalho em Walt nos Bastidores de Mary Poppins, em que interpreta Travers. O filme – que estreia nesta semana na Argentina com o título El sueño de Walt – descreve a complicada relação entre Travers e Walt Disney em torno da adaptação da então já reconhecida criação da escritora, a da babá mágica. Streep não teve ideia melhor do que aproveitar a ocasião para acusar Disney de ter sido racista, misógino e antissemita, entre outros atrativos. Sempre se referindo a Thompson como uma “artista famosa”, “praticamente uma santa” e “uma feminista feroz, devoradora de homens, como eu”, antes de dedicar um poema a ela, se dispôs a mencionar a imagem sagrada, mas sempre questionada, do criador do rato Mickey. Para isso, citou uma declaração de Ward Kimball (um dos veneráveis de Os nove anciões, os veteranos que transformaram a 'companhia do rato' na vanguarda do desenho animado em seu período clássico), em que o homem dizia que Disney não confiava “nem nos gatos, nem nas mulheres”. Em seguida, mencionou uma carta escrita por Disney no final dos anos 30, em que respondia a uma mulher que concorria por uma vaga em sua escola de treinamento explicando que todos os trabalhos qualificados para realizar um desenho animado em sua companhia eram totalmente realizados por homens. A intervenção de Streep foi recebida com certo espanto, e os especialistas na história de Walt Disney – e alguns de seus vários biógrafos – afirmaram que o que a atriz havia dito era desnecessário, além de incorreto historicamente. Mas, em todo caso, o que Streep fez – que foi, segundo consta, a primeira atriz convidada para interpretar Travers, mas recusou – foi, a despeito de qualquer consideração, expressar a rejeição e a desconfiança que Walt nos Bastidores de Mary Poppins despertou no setor da indústria e da crítica cultural, por ser um filme oficialmente coproduzido pela Walt Disney Pictures e que, previsivelmente, tentaria limpar a imagem do fundador da companhia. Uma vez mais, trata-se do ataque sobre a figura de Walt Disney – “o americano perfeito”, segundo o título irônico da ópera de Philip Glass – como uma espécie de embate contra um ícone da corporação norte-americana, da banalização e da colonização cultural, etc. Entretanto, para além de algumas considerações e reservas que podem ser feitas sobre Walt nos Bastidores de Mary Poppins, o filme é mais do que uma mera hagiografia como muitos esperam. De fato, é algo bem melhor, uma aposta suficiente e interessantemente ambígua por se tratar do primeiro (e tardio) retrato do mesmíssimo Disney em uma ficção mainstream. Um retrato originado de fora do estúdio, mas eventualmente aprovado e apoiado por ele, que escolhe mostrá-lo humano e vagamente imperfeito, em vez de se apegar a uma imagem etérea, intocável. O trabalho de Emma Thompson em Walt nos Bastidores de Mary Poppins é formidável. A sua Travers é tudo aquilo que os depoimentos coletados sobre a poeta e escritora dizem sobre ela; que era uma mulher áspera, de trato difícil, nada afetuosa e até beligerante; que se opôs, desde o primeiro momento, a que Walt Disney transformasse sua criação mais famosa e apreciada em outro de seus “desenhos animados bobos”. E que ela colocou todos os obstáculos que pôde durante a pré-produção do filme, até que a necessidade econômica obrigou que se entregasse. O título em espanhol, El sueño de Walt, inverte um pouco a intenção original, passível de ser traduzida como “Salvando o senhor Banks”, já que transfere o foco de um personagem fundamental da vida e da obra de Travers à obstinação e ao ego de Walt Disney, o dono do império, o homem que “não ia aceitar um não como resposta”. O filme tem duas narrativas paralelas até descobrirmos que, na verdade, ambas são a mesma história: a de como Mary Poppins esteve diretamente inspirada na triste infância de sua autora. A história de Mary Poppins – livro que, em 2014, completa 80 anos de sua primeira edição, e o filme, que em agosto deste ano chegará a seu cinquentenário – começou em 1913, em Nova Gales do Sul, Austrália, com uma menina de 13 anos chamada Helen Goff. Foi encarregada pela mãe de cuidar de suas irmãzinhas enquanto esta se afastava com intenções suicidas. O pai de Helen, Travers Goff, alcoólatra incurável, havia morrido seis meses antes, deixando a viúva quebrada econômica e emocionalmente. O homem, além disso, tinha sido o melhor amigo de Helen, sua filha mais velha – seu maior inspirador e seu iniciador no mundo da poesia e da literatura para crianças e para adultos. Bancário, Travers forçou sua família em seus últimos anos a lhe acompanhar e a se mudar de acordo com cada um de seus novos empregos. Com a sua morte, aos quarenta e poucos, e com a fracassada tentativa de suicídio da viúva, apareceu, na desértica situação em que as quatro viviam abandonadas, a tia Ellie, uma mulher endinheirada que vinha de Sydney disposta a resgatar a família. Dura em sua conduta, imperativa, mandona, foi Ellie quem colocou ordem no lar destruído. Em suas características e atitudes, Mary aparece esboçada pela primeira vez. “Se querem meus dados biográficos – disse Travers em uma das poucas entrevistas que concedeu – Mary Poppins é a história da minha vida”. Morando em Sydney, Helen passou a se chamar Pamela Lyndon Travers (PL, se supõe, para esconder seu gênero). Em sua primeira juventude, tentou a sorte na atuação, na dança, no teatro itinerante e no jornalismo. Segundo sua biógrafa Valerie Lawson, autora de Mary Poppins, She Wrote (Mary Poppins, Ela escreveu), ela teve uma vida complicada, porém interessante. Manteve longas relações com homens e mulheres, procurando em vão a figura do seu pai. Instalada na Europa, foi criando uma áspera identidade de senhora inglesa, a ponto de muitos se surpreenderem ao saber que ela era de origem australiana. Publicada em 1934, Mary Poppins, sua primeira obra destinada a crianças, foi também o seu primeiro êxito massivo. “Em Mary Poppins – escreve Lawson –, Travers criou muito mais do que a versão branda do filme da Disney; uma personagem tão peculiar quanto amável, tão ameaçadora quanto reconfortante”, que tinha, evidentemente, muito da tia. Walt nos Bastidores de Mary Poppins enfatiza os paralelos visualmente, assim como o senhor Banks, o pai da família protagonista de seu livro, estava diretamente inspirado em uma recordação amorosa de Travers Goff. Daí sua longa reticência em entregar sua criação mais valiosa àquilo que, para ela, não era outra coisa senão um comércio de bobagens infantis. As tentativas de Walt Disney de convencer Travers a permitir a filmagem de Poppins durou pelo menos vinte anos, começando durante a Segunda Guerra, quando ela estava instalada em Manhattan trabalhando para o Ministério Britânico de Informação. Como bem narra o filme, Walt soube da existência de Mary Poppins por meio de suas filhas fanáticas. Ele leu o livro, marcou os capítulo que mais lhe interessavam e prometeu às meninas que faria um filme. “E eu, Pamela, nunca quebro uma promessa que faço às minhas filhas”. No início dos anos 60, quando Disney começou a produção do filme, convocando o roteirista Don Da Gradi (autor de, entre outros, A dama e o vagabundo e que, em Walt nos Bastidores de Mary Poppins, é interpretado pelo grande Bradley Whitford, do filme Nos Bastidores do Poder) e os compositores Richard e Robert Sherman, ainda não estava certo sobre os direitos. Havia somente uma opção para a adaptação do livro, com um roteiro em que Travers teria a garantia de algo que Disney não dava a ninguém: a aprovação final. Travers fez mil rodeios antes de aceitar ir a Los Angeles – “esta cidade que cheira a cloro e a transpiração”. Até ali, chegou já hesitante em relação à ideia de incorporar canções e desenhos animados a sua obra, e à ideia de transformar a sua tutora em uma moça encantadora, leve e alegre (e bela, contrariando o que sua descrição literária indica), que soluciona as coisas com poderes mágicos em vez do rigor em que P.L. tanto acreditava. Estava tão indisposta, que colocou sobre os músicos, o roteirista e os produtores uma série de objeções e exigências, que passaram de caprichosas a absurdas, como, por exemplo, que excluíssem a cor vermelha do filme. Opôs-se ao casting – ainda que se saiba que talvez tenha aprovado a jovem e charmosa estreante Julie Andrews – e, particularmente, a Dick Van Dyke (que foi o limpador de chaminés, com um sotaque inglês que, conforme o próprio ator reconheceu anos depois, soa embaraçosamente falso em alguns momentos), além de uma infinidade de detalhes. Mas o que, segundo registra o filme, realmente incomodou Travers em um primeiro momento foi que sentia que os roteiristas condenavam moralmente o Sr. Banks em sua descrição – o pai da família no lar em que a babá chega, o bancário modelo, hierárquico, preso às suas rotinas e com muito pouco tempo para seus filhos. Depois de tudo, Banks não era outro senão 'papai' e, argumenta Travers, no filme, “um pai faz o que pode, e criar um filho pode ser uma tarefa muito difícil que nem todos têm condições de assumir”. Aparentemente, conservaram-se precisos e fiéis os relatos sobre a relação entre a autora, Disney e os músicos e roteiristas, já que a própria Travers solicitou que as seções conjuntas fossem gravadas. Quando a Disney entrou como coprodutora do filme, os arquivos ficaram à disposição dos responsáveis pelo material. E, de fato, é possível escutar a voz de Travers em uma dessas gravações durante os créditos finais. O homem que fuma Pouco mais de uma década atrás, o produtor australiano Ian Collie produziu um documentário sobre Travers chamado The Shadow of Mary Poppins (A sombra de Mary Poppins), trabalho que o convenceu que uma cinebiografia ficcional seria mais interessante para a pouco conhecida história da escritora. Em pouco tempo, somaram-se ao projeto as roteiristas Sue Smith e Kelly Marcel, e a BBC entre os coprodutores. No final de 2011, a obra estava nas listas anuais de “melhores roteiros não produzidos”, que circulam por Hollywood regularmente. Foi quando Sean Bailey, presidente de produção dos estúdios de Walt Disney, se deu conta de sua existência. Um pouco preocupados, os executivos da companhia discutiram qual deveria ser a ação para tomar a frente daquela que poderia ser a primeira representação de Walt Disney em uma produção com essas características. Entre as opções, estava a de comprar o roteiro e encaixotá-lo para garantir que o filme nunca fosse feito. A outra era produzi-lo ou coproduzi-lo eles mesmos, a única maneira de supervisionar de perto o que fariam com a figura do pai fundador. O fato é que Bob Iger, CEO da Disney, achou o roteiro interesse e fez a jogada mais inteligente que estava a seu alcance para proteger seus interesses: convenceu Tom Hanks a interpretar WD. Assim, estaria certo de que a telona refletiria essa qualidade com a qual o império do Mickey sempre ligou seu criador: a do homem perfeitamente comum, com uma criatividade extraordinária. Thompson descreve o papel de Travers como um dos mais difíceis que interpretou (“uma mulher de grande complexidade e contradição, que escreveu um grande ensaio sobre a tristeza, que teve uma infância muito dura, motivo por que passou toda sua vida em um estado de inconsolabilidade determinante”). Mas o que, para muitos, foi especialmente notável, o mais inesperado, foi que, em se tratando de um filme não apenas avaliado, mas parcialmente financiado pela mesmíssima Walt Disney Pictures, com cenas filmadas no parque original da Disneylândia, inaugurado em 1955 (o de Los Angeles, que tentava reproduzir a “experiência do pequeno povoado do centro-oeste americano”, do Missouri, estado onde Walt Disney foi criado), Disney, o homem, o personagem, não tenha sido endeusado pelo roteiro. E que o relato dos infinitos obstáculos em sua relação com Travers não tenha sido (de modo geral) suavizado. Basicamente, que não conte o que qualquer um esperaria de uma companhia tão cuidadosa com sua imagem e com seu mito – que seu fundador finalmente havia conquistado Travers com seu infinito carisma. Mas sim que encontre matizes do homem de corporação. Um lado B autorizado, a 47 anos de sua morte, de Walt Disney. Isso – essa “permissividade”, essa abertura da empresa ao retrato desses matizes – não existiu desde sempre. Walt Disney morreu em dezembro de 1966, quando o crítico e historiador norte-americano Richard Schickel estava preparando um dos livros mais importantes já escritos sobre o personagem: The Disney Version, uma análise profunda do homem e do fenômeno cultural e econômico criado. O livro, que estava bem longe de ser uma hagiografia que os herdeiros responsáveis pela corporação considerassem adequada naquele momento para honrar o pai criador, morto prematuramente (de câncer, aos 65), lhe rendeu uma proibição, por anos, de entrar nas funções privadas dos filmes da empresa (uma “distinção” que Schickel dizia ostentar com orgulho). Rendeu também ao homem, um empregado da empresa com quem passeou pelo estúdio e a quem animou para fazer seu livro, sua demissão. Entretanto, na introdução à terceira edição de seu livro, publicada nos anos 90, Schickel observou que seu “livro é muito menos um ataque contra Disney que seus defensores e detratores tanto viram nele, e é muito mais o ajuizado questionamento de seu mito e de suas conquistas que eu sempre propus que fosse”. “De fato, ainda sinto o mesmo que senti quando terminei de escrever: que o meu retrato de Walt Disney o lisonjeava por precisamente lhe garantir uma complexidade como personagem e uma motivação que ninguém tinha oferecido antes… A publicação, uns anos atrás, de outra biografia escabrosa de Disney, que o mostrava passeando sem rumo pelas passagens subterrâneas de seu estúdio e de seu parque temático, bêbado e preso em uma paranoia intensa (…), confirmou minha convicção no equilíbrio e na precisão do meu retrato”. Em uma passagem de seu livro, Schickel escreve coisas como: “Se tem um filho, não poderá escapar dos personagens de Disney, ainda que os odeie”; “Enquanto capitalismo, sua obra é de um gênio, como cultura, é majoritariamente o horror”. Certamente, a companhia não ia dar aval a esse tipo de reflexão e discussão sobre seu império. Entretanto, quase meio século se passou desde a morte de WD, e um pouco menos desde aquele livro, e ainda que a empresa – depois de atravessar uma enorme crise nos anos 80 em seu departamento de animação – hoje esteja novamente em seu auge de poder, expandindo em passos gigantes (são os proprietários de Os Muppets, da Marvel, da LucasFilm), ela se permite dar uma guinada mais ou menos arriscada, como em Walt nos Bastidores de Mary Poppins. Tanto apoio oficial ao filme suscitou, inevitavelmente, muita desconfiança. O próprio diretor, John Lee Hancock, disse em várias entrevistas que inicialmente temia que, uma vez que a produção entrasse sob a órbita da companhia, fosse obrigado a revisar os detalhes menos amáveis do personagem. Porém, ao final, disse que quase não houve interferência do estúdio. “Imaginei o momento em que me diriam: “Sentimos muito, mas preferimos mostrá-lo como um Deus’. A seu favor devo dizer que foram suficientemente inteligentes para se darem conta de que um Disney humano não era somente um personagem melhor, como era também mais fácil de se gostar”. P. L. Travers aparece no filme manifestando todas suas objeções à “banalização” a qual Disney e sua equipe querer submeter sua queridíssima criação, assim como seu desprezo pela cultura popular norte-americana, pela Costa Oeste dos EUA etc. E faz isso com tal graciosidade, que, para seu pesar, curiosamente se transforma na personagem mais querida e encantadora do relato. O roteiro, isto é certo, omite parte daquilo que veio depois da estreia de Mary Poppins, filme que foi um dos maiores êxitos comerciais dos anos 60 e ganhou cinco Oscars com cinco nomeações, tornando Travers mais rica e famosa do que nunca. Walt nos Bastidores de Mary Poppins chega a nos dizer que, depois disso, Travers retomou sua personagem. O que não nos diz é que nunca mais autorizou Disney a fazer outra adaptação de sua obra. A sequência de Mary Poppins é representativa quanto ao trecho mais ambíguo do filme: nos conta que Disney decidiu não convidar Travers à pré-estreia (prevenindo um possível escândalo) e que ela se fez ser convidada de todos os modos. Mostra Travers chorando durante a projeção, uma versão atestada por todas as testemunhas disponíveis, mas suscetível a interpretações diversas: sua biógrafa Lawson acredita que tem menos a ver com o conteúdo sentimental do filme do que com um efeito catártico que toda a experiência – e possivelmente também sua origem autobiográfica – tinha para ela naquele momento. Mas há quem diga que suas lágrimas se devem a ter odiado o filme, e ao fato de Disney ter, ao final, traído seu acordo ao, entre outras coisas, incluir sequências de desenhos animados no filme. Travers se aproximou de Walt ao final da projeção para despejar sua lista de reclamações (“os pinguins animados têm que sair”), às quais ele respondeu, sem rodeios: “Pamela, esse trem já passou”. Esse momento, sim, está representado no filme. A questão mais discutida tem a ver com a viagem final e inesperada que Disney fez a Londres para finalmente convencer Travers. No filme, Walt faz um discurso emotivo para ela, comparando as experiências de infância traumática de ambos ao próprio Mr. Banks (o duro e explorador Elias Disney e o banqueiro Travers Goff) para convencê-la de que a ficção é a maneira que temos “nós, como narradores” de curar nossas histórias, de recuperar com a imaginação “alguma ordem em meio ao caos”, que é a vida real. É uma encenação artificial da empatia que finalmente teria acontecido entre esses dois, criada inteiramente pelos roteiristas, e a convincente guinada emotiva interpretada por Hanks e Thompson. O certo é que não houve testemunhas desse encontro, e o mais provável é que, ao final de tudo, o que se impôs foi a dura e material realidade: Travers precisava de dinheiro. Em última instância, os estúdios Disney assumiram outra questão menor, que o filme resolve com elegância: o pedido explícito que Disney não aparecesse fumando cigarros em nenhuma cena – um veto que circula como um vírus em Hollywood. Em Walt nos Bastidores de Mary Poppins, Disney – que morreu alguns poucos anos depois dos eventos narrados pelo filme – não é visto com o cigarro na boca, mas ouvimos sua tosse (sintoma cinematográfico que expressa, sem dúvidas, doença) e o vemos apagá-lo apressado, em um cinzeiro, antes da chegada de Travers. A crítica recebeu o filme com desconfiança e eventualmente com respeito pela equilibrada aproximação de seus personagens, para além das questões mencionadas. Há os que se queixam de que não há menção alguma aos modos de fura-greve mafioso que certa vez impingiram a Disney, nem de nenhuma das características que Meryl Streep mencionou em seu discurso. A verdade é que a história do filme segue outro caminho. O americano imperfeito Na sexta-feira 10 de janeiro, três dias depois do discurso de Streep, Abigail Disney, uma sobrinha-neta de Walt, escreveu sobre as acusações da atriz contra seu avô no Facebook. “Antissemita? Sim. Misógino? COM CERTEZA. Racista? Oras, fez um filme, Mogli – O Menino Lobo, sobre como cada um deveria ficar com os de sua própria classe no auge da briga pelo segregacionismo!” Ainda que também dissesse ter sentimentos ambíguos; “Mas, diabos, foi incrivelmente bom fazendo filmes e seu trabalho fez bilhões de pessoas felizes. Não se pode negar, aí está”. De alguma maneira, e um pouco mais discretamente, a própria Streep tinha feito uma ressalva em meio a seu ataque ao indicar que a arte pode redimir um homem “que abriga tantos preconceitos”. E que, para além de “todas as suas falhas, pode-se dizer que Disney trouxe alegria a milhões de pessoas”. Um pouco do equilíbrio e da complexidade de que Schickel tratava em seu livro. E falando em redenção, é essencial assistir ao curta-metragem que antecede Frozen, uma aventura congelada – último grande sucesso animado da Disney, livre adaptação de A rainha da neve, de Hans Christian Andersen. O curta se chama Hora de viajar! e é uma verdadeira obra-prima protagonizada por Mickey Mouse, que homenageia seu criador recriando sua voz com fragmentos de velhas gravações, interagindo com o octogenário rato – no encantador estilo volátil e flutuante das primeiras animações – com um redesenho retrô do personagem em cores e em 3D. Uma lembrança não tão sutil de que eles estiveram aí primeiro e que não continuam aqui. E que podem dizer milhares de elogios e milhares de insultos sobre aqueles que inventaram tudo isto, mas que, de tudo isto, saíram alguns dos melhores filmes da história. Este é o poder redentor da arte. (Carta Maior)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

MST

30 anos do MST e o ódio da mídia Escrito por Altamiro Borges Na semana passada, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST, completou 30 anos de lutas. A mídia “privada” – nos dois sentidos da palavra – simplesmente omitiu este importante acontecimento histórico. Alguns jornais, como o oligárquico Estadão, que nasceu vendendo anúncios de trabalho escravo no século retrasado e sempre foi um raivoso inimigo das mobilizações sociais, até publicou um editorial com seus velhos ataques ao MST. Já a impressa alternativa, com seus escassos recursos – o governo prefere bancar anúncios na mídia ruralista –, procurou destacar a prolongada e vitoriosa trajetória deste movimento civilizador e discutir com seriedade os seus futuros desafios. Vale destacar a entrevista de João Pedro Stédile aos jornalistas Igor Carvalho e Glauco Faria, da revista Fórum Digital. Como lembram os autores, há várias razões para festejar o aniversário. “Com presença em 23 estados, além do Distrito Federal, e com mais 900 assentamentos que abrigam 150 mil famílias, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra completou 30 anos nesta semana. Criado em um encontro nacional que reuniu 80 trabalhadores do campo em Cascavel, no Paraná, em janeiro de 1984, o movimento já realizou, ao longo de sua história, mais de 2,5 mil ocupações, acumulando duas mil escolas instaladas em assentamentos, além de outras conquistas como acesso a crédito para a produção”. Na entrevista, o integrante da coordenação nacional do MST faz um balanço do movimento e aponta os desafios futuros da luta pela reforma agrária no Brasil. João Pedro Stédile afirma que é preciso atualizar esta bandeira, em decorrência das mudanças ocorridas no campo nos últimos anos. “O capital está adotando um modelo de exploração da agricultura que se chama agronegócio. Nesse modelo, há uma nova aliança das classes dominantes, que aglutina grandes proprietários, empresas transnacionais e a mídia burguesa. Eles usam todos os seus instrumentos, como o Poder Judiciário e o Congresso, para defender sua proposta, desmoralizar a reforma agrária e toda luta social no campo”. “Houve uma mudança nos últimos anos em nosso programa agrário e construímos o que chamamos de proposta de reforma agrária popular. No período anterior, dominado pelo capital industrial, havia a possibilidade de uma reforma agrária do tipo clássico, que representava democratizar a propriedade da terra e integrar o campesinato nesse processo. Porém, agora a economia mundial é dirigida pelo capital financeiro e internacionalizado. No campo, esse modelo implementou o agronegócio, que exclui e expulsa os camponeses e a mão de obra do campo. Agora, não basta apenas distribuir terra, até porque o processo em curso é de concentração da propriedade da terra e desnacionalização”. Stédile também critica o atual ritmo das desapropriações de terra. “No governo Dilma, esse processo está totalmente paralisado, fruto de uma correlação de forças mais adversa, pela base social e política que compõe o governo, e por uma incompetência operacional impressionante dos setores que atuam no governo”. Para ele, a luta pela terra passa hoje, mais do que nunca, por mudanças políticas profundas no país. Ele defende a urgência da reforma política, com o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais, e o fim do monopólio dos meios de comunicação. Sem superar estes entraves, entre outros, a reforma agrária não avançará no país. Na próxima semana, mais de 15 mil lideranças sem-terra estarão reunidas em Brasília num congresso que definirá os próximos passos da luta pela reforma agrária e por mudanças políticas no país. A mídia “privada”, que até agora fez silêncio quase absoluto sobre os 30 anos do MST, até poderá noticiar o evento. Mas tende a seguir a linha reacionária do editorial do Estadão publicado na última terça-feira (21). Para o jornalão, que não esconde seus vínculos com os ruralistas, o movimento “se depara com uma crise muito séria de identidade” e tende a sumir. O editorial elogia o agronegócio, “a galinha dos ovos de ouro da economia nacional”, e condena o “viés ideológico”, socialista, do MST. Na prática, o texto confirma a tese de Stédile de que a reforma agrária só avançará no país com o fim do latifúndio da mídia. Altamiro Borges é jornalista; Blog: http://altamiroborges.blogspot.com.br/

Woody Allen

De Woody Allen a Francisgleydisson Por José Geraldo Couto Novo filme do diretor norte-americano foca crise financeira e seus desdobramentos sócio-morais. Cearense Halder Gomes explora possibilidades de cine brasileiro pós-Globo Por José Geraldo Couto, no blog do IMS Blue Jasmine certamente não é o melhor Woody Allen. Mas está longe de ser o pior. Na história das duas irmãs de trajetórias contrastantes o diretor recicla algumas de suas ideias sobre a moral contida nas relações sociais, situando-as no contexto muito contemporâneo do capitalismo financeiro global. Para isso, interrompeu sua turnê turístico-cinematográfica europeia e voltou à matriz. A socialite Jasmine (Cate Blanchett) perde o dinheiro, mas não a pose, quando o marido ricaço (Alec Baldwin) é preso por conta de tenebrosas falcatruas com o dinheiro alheio. Com uma mala Vuitton na frente e outra atrás, viaja de Nova York a San Francisco para se instalar na casa da irmã pobretona Ginger (Sally Hawkins), que tem dois filhos e um namorado tosco e folgazão (Bobby Cannavale). Instaura-se assim, como já se observou, uma situação cômico-dramática análoga à da peça Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams, levada às telas por Elia Kazan em 1951. Até aí, nada de mais. Woody Allen sempre viu a tradição literária, teatral e cinematográfica como um patrimônio a ser explorado livremente. Tolstói, Tchekhov, Bergman e Fellini já foram devidamente saqueados por ele, com resultados variados. Da sátira à tragédia Aqui, um certo esquematismo no contraste entre a high society de Manhattan e o ambiente proletário-alternativo de San Francisco, bem como entre a chique Jasmine e a brega Ginger, é essencial para a constituição de um certo tom de parábola: sobre as reviravoltas irônicas do destino, claro, mas também sobre o caráter inconsistente e volátil da riqueza na sociedade atual, em que parecemos viver dentro de uma bolha especulativa: o poderoso milionário de hoje pode ser o falido e humilhado de amanhã. Além do mais, ao brincar com os estereótipos, Allen acaba por matizá-los, revelando desvãos insuspeitados tanto na irmã ex-rica como na eternamente pobre. Alguém disse que “o filme é Cate Blanchett”. Talvez seja exagero. Mas o fato é que o que eleva Blue Jasmine da sátira ligeira à tragédia é a personagem Jasmine, com sua fragilidade e sua fúria de princesa destronada, no limiar da loucura. É um magnífico trabalho conjunto de roteiro, direção e atuação. Cine Holliúdy e o cinema popular Informações preliminares indicam que, depois de se tornar um fenômeno de público no Nordeste, Cine Holliúdy, de Halder Gomes, também está se saindo bem, embora sem o mesmo ímpeto, nas bilheterias do Sudeste. O caso merece estudo e reflexão. Assumidamente primitivo e visceralmente popular, o longa cearense vem na contramão do cinemão padrão Globo que impera no nosso circuito exibidor viciado e elitizado. Para quem não sabe, trata-se da história de um empreendedor quixotesco (Edmilson Filho) que tenta criar e manter vivo um cinema numa cidadezinha do Nordeste na década de 1970, momento em que a televisão está desbancando o cinema como principal entretenimento popular. Só a sinopse já faz pensar em uma mistura de Cinema Paradiso com Bye bye Brasil. O humor do filme vem um tanto da autoironia em face de suas precariedades e outro tanto da exacerbação de traços regionais, a ponto de os personagens falarem uma linguagem tão peculiar que supostamente exige legendas em português. É uma celebração do cinema de matiz popular, que a hegemonia das telenovelas e a elitização do circuito exibidor (com o fim dos cinemas do interior e das salas “de rua” das grandes cidades) vieram liquidar: as chanchadas, Mazzaroppi, faroeste espaguete etc., ainda que os filmes que Francisgleydisson exibe, dubla e remonta em seu arremedo de Cine Paradiso sejam predominantemente de kung fu, outro gênero popularíssimo. Ou seja, uma exaltação de todas aquelas produções execradas como “malfeitas” ou de “mau gosto” pelo cidadão colonizado de classe média que predomina hoje nos multiplexes de nossas metrópoles. Como, então, Cine Holliúdy está conquistando esse público tão deformado pelas telenovelas, pelas sitcoms e pelos blockbusters americanos ou globais? Desmontando resistências Tenho duas hipóteses que se complementam. Primeira: o arguto lançamento de Cine Holliúdy, inicialmente no Ceará, em seguida no restante do Nordeste, apelando claramente para o orgulho regional, criou um fenômeno de público e de mídia espontânea que precedeu sua chegada ao Sudeste, criando o “pequeno milagre” que, segundo o crítico Pedro Butcher, é necessário hoje para levar um cidadão a sair de casa para ver um filme brasileiro que não seja da Globo Filmes. Segunda hipótese: a autogozação do filme, caricaturando traços nordestinos dos quais os paulistas e cariocas adoram zombar (não é por acaso que o protagonista se chama Francisgleydisson), cria uma comunicação fácil com as plateias dessas praças. É como se Cine Holliúdy inoculasse no espectador do Sudeste o antídoto contra o seu preconceito, desmontando resistências. Tudo isso seria inútil se o filme não fosse, de fato, engraçado, se não contivesse piadas inventivas e bons comediantes – e parece que no Ceará eles proliferam como na Itália e em outros lugares privilegiados do mundo. Irregular e precário, Cine Holliúdy sabe fazer disso uma vantagem, uma fonte de inspiração, humor e festa. O cinema ainda pode ser, contra todas as expectativas, uma diversão popular. (Outras Palavras)

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Daslu, Danuza e Dá o fora!

Daslu, Danuza e Dá o fora! Os filhos do porteiro da Danuza resolveram ir ao shopping center. E a justiça de SP autorizou guardas a dizer-lhes: Dá o fora!. Carta Maior -15/01/2014 Arquivo por: Saul Leblon O Brasil tem cerca de 500 shoppings centers. O conjunto fatura R$ 184 bi por ano, ocupa mais de 11 milhões de m2 - uns 2. 200 campos de futebol; emprega 870 mil pessoas. Em 40 anos, desde 1996 quando surgiu o primeiro até 2006, foram erguidos 350 shoppings no país; de lá para cá a expansão foi geométrica e ininterrupta. Nos últimos sete anos surgiram mais 120. Outros 30 estão previstos para inauguração em 2014. O país inteiro – capitais e interior — foi tricotado por esses centros de compra e lazer que tem a cara e a permeabilidade da estrutura social erguida pelo capitalismo por essas bandas. A rede de shoppings foi planejada para nuclear um público alvo da ordem de 40 milhões de pessoas. O Brasil tem mais de 190 milhões de habitantes: 150 milhões estão fora. Uma parcela dos excluídos agora quer entrar. O rolezinho é uma evidencia da pressão exercida na parede do dique. Quem quer entrar entende (com ou sem razão) que o Brasil limpo, organizado, atraente, refrigerado, seguro, iluminado, rico, antenado, onde faísca la dernier cru do consumo e, vá lá, bonito, para os padrões dominantes, está lá dentro. Não nas ruas desoladoras e escaldantes das periferias conflagradas onde vive a maioria dos integrantes do rolê. Pode-se – deve-se - discordar da matriz de valores que atribui a um bunker do consumo o padrão de sociedade desejável para viver e se divertir. Mas há razões para isso. Um dado sugestivo: até o ano passado, apenas 13,5% dos municípios brasileiros dispunham de uma secretaria voltada exclusivamente para a cultura. Tê-la não é garantia de grande coisa. Mas a escala da ausência emite um sinal da atenção dispensada a uma área que fala diretamente à juventude --e poderia oferecer-lhe um ponto de fuga à pulsão consumista, diuturnamente martelada ao seu redor. Esforços de investimento público tem sido feitos nessa direção. O número de cidades com bibliotecas, por exemplo, saltou para 98% em 2012, praticamente universalizando esse equipamento, restrito a 70% delas até 1999. Mas uma biblioteca convencional, de mobiliário imaginável e acervo presumível, em qualidade e quantidade, será um espaço suficiente para satisfazer as expectativas de desfrute, encontro e lazer de quem adere a um rolezinho? Em 2007, o governo criou um Programa para o Desenvolvimento da Economia da Cultura (Procult). Através do BNDES já financiou a construção ou a reforma de 259 salas de cinema. Mas a maioria dos cinemas do país fugiu igualmente para o interior dos shoppings por conta da insegurança que também despovoou praças e jardins, capturados pelo consórcio drogas & desmazelo. Apenas 10% dos municípios brasileiros dispõem de cinemas atualmente. Pesquisa desta semana do Ibope informa que as ‘classes’ C e D bateram recorde de horas diante da televisão em 2013: média de seis horas e 40 minutos. Por dia. E convenhamos, não dá para imaginar que todo mundo vá se reunir numa lan house, presente, aí sim, em 82% da malha urbana e, de fato, encontrável em qualquer bairro ou favela por mais pobre que seja. O espaço virtual tem limites. O rolezinho se vale da capilaridade digital para convocar os encontros , mas representa ele mesmo (felizmente) a insuficiência da realidade virtual na vida humana. A dupla insuficiência – material e virtual - misturada a uma revolta difusa, temperada de hormônios e apimentada com o deboche e o anseio por identidade olha em volta e enxerga o quê? Enxerga aquilo que distraidamente ou de forma deliberada foi sendo construído nas entranhas da velha malha urbana, e para cujo declínio contribuiu ao inocular a decadência no pequeno comércio, a escuridão no jardim, a solidão no centro velho e o sucateamento do (parco) equipamento público. O shopping center, a nova cidade brasileira. Prefiguração do sonho neoliberal, ela materializa um ordenamento coletivo onde tudo é privado (leia o blog do Emir, nesta pág). Por definição, a cidade da mercadoria é o jazigo da cidadania. Não só. O anestesiante paradigma de ‘eficiência’ do shopping engorda o descompromisso com que a elite consumidora encara seus deveres em relação ao espaço coletivo ao seu redor. Por que, enfim, pagar mais pelo IPTU se já tenho o que quero e o que a cidade numa terá no shopping –ainda que esse adicional corresponda, por dia, a uma fração do preço de um cafezinho do Starbucks no Iguatemi? O rolezinho sacode o pilar dessa ordem excludente deixando aflorar um conflito que há muito incomoda o conforto das elites. Quem não se lembra do ‘transtorno’ que a vizinha favela Funchal causava ao Vaticano dos shoppings centers no Brasil, a famosa Daslu – 20 mil m2 de pura ostentação, gastos médios de U$ 15 mil/mês por cliente e uma sonegação de imposto de estupendo R$ 1 bilhão? Ou do desabafo da socialite Danuza Leão, na Folha, em dezembro de 2012? Inconsolável com o Brasil do PT, a então colunista lamentava como ficou difícil “ser especial” nesses tempos em que “todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais” -- musicais na Broadway, por exemplo, que graça tem se “por R$50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir”. Os filhos do porteiro da Danuza resolveram agora ir ao shopping. E a justiça de SP autorizou seis deles a dizer-lhes: ‘Dá o fora!’. Esse é o capítulo da novela brasileira nos dias que correm. As raízes desse enredo de paralelas que agora se cruzam em conflito aberto na porta de santuários do consumo remetem à mutação inconclusa verificada no país desde 2003. Qual seja, a pobreza caiu pela metade; o mercado de trabalho atingiu as franjas do pleno emprego; o salário mínimo ganhou quase 60% de poder de compra, acima da inflação. A desigualdade continua obscena, mas as placas tectônicas se moveram. Privilégios obcecados em preservar um ordenamento social patológico defendem como virtude macroeconômica restituir as fronteiras do conflito original aos marcos do cordão sanitário instituído nos anos 90. O superávit fiscal ‘robusto’ para assegurar o ganho dos rentistas é um desses marcos. Outro: o salto adicional nas taxas de juros, até encostar a faca recessiva na garganta da massa ignara. A crispação em torno dos rolezinhos mostra o quanto será difícil devolver a pasta de dente ao tubo da história. Nesse empurra-empurra, subjacente à disputa presidencial de outubro, há nuances que dizem respeito diretamente à esquerda. O ‘rolezinho’ denuncia uma dimensão da luta política rebaixada nos últimos anos na conta da ilusão economicista de que o holerite e o crescimento resolviam o resto. São imprescindíveis, diga-se. Mas o discernimento histórico que requer a longa construção de uma sociedade justa e virtuosa nunca será um dote intrínseco à conquista do legítimo direito de viajar de avião, ou comprar bens duráveis a crédito, nem tampouco uma qualidade imanente a governantes eleitos pelos pobres. Erguer essas linhas de passagem é tarefa das organizações progressistas que se propõem a mudar as formas de viver e de produzir em sociedade. É delas a obrigação de associar à luta econômica sua contrapartida de ideias emancipadoras que ampliem o horizonte subjetivo para além do consumismo individualista. Do contrário, o futuro ficará emparedado entre o horizonte do rolezinho e o interdito do dinheiro graúdo. No limite, ambos poderão se unir em torno de um tênis Nike, contra uma repactuação mais arrojada do desenvolvimento que implique outra modulação do consumo. O mais difícil na luta pelo desenvolvimento é produzir valores, dizia o saudoso Celso Furtado, em palavras de atualidade inexcedível. Não apenas esse, mas sobretudo esse passo a esquerda deve ao Brasil. E não parece recomendável adiá-lo mais uma vez ‘para depois da próxima eleição’. . (Blog do Saraiva)

Dona Zelite

Dona Zelite reclama: meteram a mão no meu IOF A Zelite está inconformada. Agora, seu rolezinho no exterior ficou mais caro. Fui vítima de um atentado violento ao meu direito de livre compra, diz ela. Estanislaw Castelo Maringoni Paris - Tendo chegado à capital francesa na semana passada, Dona Zelite cumpriu uma estafante agenda de entretenimento que incluiu um rolezinho básico pela célebre avenida dos Champs-Elysées, de manhã, uma tarde na Eurodisney e um colóquio com Joaquim Barbosa, à noite. Mas nada disso foi suficiente para acalmá-la. Dona Zelite está possessa. "Fui vítima de um atentado violento ao meu direito de livre compra" - disse a cidadã do mundo que tem sua residência oficial em Higienópolis, o bairro chiquérrimo de São Paulo. “Ofende a Declaração Universal dos Direitos Humanos”!”. “A da ONU”? perguntei. “Não”, ela respondeu. “Esta é coisa de comunista. É a do FMI”. O suposto atentado teria sido cometido pelo governo brasileiro, que elevou o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF) de 0,38% para 6,38% para as transações de débito em cartão no exterior. As transações na opção crédito já eram debitadas nesse valor. A medida igualou o imposto do cartão pelo patamar mais alto. Perguntei à Zelite quando ela percebeu que haviam passado a mão em seu IOF. "Senti algo estranho assim que desci da primeira classe da aeronave. De repente, percebi que estava sendo bolinada em meus valores mais profundos. Quando olhei para trás, vi o ministro Guido Mantega passando a mão no meu IOF". Segundo a Zelite, o aumento do IOF é quase um confisco da propriedade privada, uma reforma agrária no mundo das finanças, além de ser uma quebra de contrato gravíssima e um pecado capital, na verdade, um pecado contra o capital. Em sua opinião, é pior que o confisco da poupança perpetrado pelo governo Collor. Como bem conheço a Zelite de outros carnavais, retruquei imediatamente que, se bem me lembro, à época do confisco, a Zelite não reclamou de nada. Muito pelo contrário. Apoiou entusiasticamente. "Muito fácil de explicar. Rico não tem dinheiro em poupança. A gente se garante pondo nosso dinheirinho nas Ilhas Virgens". Lembrei à socialaite que as tarifas bancárias abocanham muito mais que o IOF. Dona Zelite empinou o nariz, deu com os ombros e, simulando um sorriso irônico, explicou como se fosse a coisa mais natural do mundo: "mas banco é privado, meu querido. Privado pode. Governo é que não pode. Banco pode fazer o que bem entender. Quem quiser que troque de banco. Agora, neste nosso país difícil é trocar de governo, com esse povinho votando sempre no mesmo". Minha tentativa de vencê-la pelo cansaço prosseguiu para mais um round. Lembrei à Zelite que ela gasta mais com o garçom e com o couvert do restaurante do que com IOF. "Exatamente. Eu agora não sei como cobrir essas despesas, vai fazer falta. O aumento do IOF prejudica o garçom, vai ter gorjeta de menos. Agora, no meu couvert ninguém mexe.". Cá entre nós, foi algo realmente desolador. A Zelite quase me convenceu. Apontando para o Museu do Louvre, como se tivesse da Vinci, Rodin e Rembrandt por testemunhas, mostrou-me o quanto o aumento do IOF na opção débito do cartão foi um duro golpe para a humanidade. Seu argumento mais forte ainda estava por vir: "eu já saquei qual é a desse governo. Ele quer que eu troque Paris, Miami e Nova York pela 25 de março ou pela Feira de São Cristóvão. Jamé!". Se não me engano, "jamé" quer dizer "jamais". Acho até que se escreve do mesmo jeito em Português, só que com um toque de classe. Então, a quem interessar possa: de agora em diante, para dizer "jamé" na opção débito tem que pagar 6,38% de IOF. Ser chique anda cada dia mais caro. Assim não dá. (Carta Maior)

Idosos

Contra a indústria da medicina para idosos A vida saudável no Brasil é cara. Há sempre um remédio a ser vendido ao idoso, que acaba hipermedicado. Prometem curar até com a infelicidade. Léa Maria Aarão Reis* Roberto Brilhante “Dizer ‘coma de forma saudável’ em um país subdesenvolvido soa como uma piada. Significa comer frutas quatro vezes por dia, folhas, alimentos orgânicos, sem agrotóxicos. É um discurso que se deve fazer, sim, para alertar as pessoas, mas a prática é difícil. De qualquer modo, o Brasil está comendo melhor, as pessoas fazem mais exercícios e isso é parte da prevenção secundária de doenças.” A observação é do médico Ernani Saltz, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Federal Cardoso Fontes do Ministério da Saúde, no Rio de Janeiro. Ele atende a um grande número de mulheres e homens idosos por força da sua especialização, que trata do câncer, hoje considerado uma moléstia “crônico-degenerativa” por conta da longevidade esticada, como ele lembra. Saltz coordenou a Campanha Nacional de Combate ao Câncer incluída na Campanha Nacional de Combate ao Fumo e comenta também: “A vida saudável é cara; há sempre um medicamento para vender ao idoso e um laboratório oferecendo remédio para tudo. O idoso acaba hipermedicado. Ora, não existe experiência médica sobre uma pessoa que toma seis, sete remédios ao mesmo tempo; ela ainda não foi realizada e não se sabe qual o resultado da interação desses diversos medicamentos no organismo.” Ele ressalta: “A indústria farmacêutica está vendendo a ideia de que, para cada transtorno, inclusive para a infelicidade, temos um remédio. Às vezes, as pessoas estão tristes por causa de um fato muito concreto, mas a sociedade não aceita.” Na virada do século 19 para o 20, ele lembra, a expectativa de vida no Brasil era de 35 anos. As pessoas morriam de infecções e de acidentes. Hoje, no sul e no sudeste do país essa expectativa é igual à da Bélgica. “O país passou da fase da mortalidade infantil para a da doença crônico-degenerativa.” As linhas entre meia idade, juventude, envelhecimento e velhice começam a se apagar. Muita gente madura atua com energia e vitalidade e vive conforme suas expectativas. Já as novas gerações dão mais atenção à saúde preventiva – o que não ocorria antes. Para garantir um futuro confortável para os novos velhos de agora é importante promover campanhas e ações educativas para desconstrução de estereótipos, para a valorizar e estimular a participação deles na sociedade. Vale lembrar que, segundo relatório recente do Banco Mundial do fim de 2013, a produtividade nos mercados de trabalho pode aumentar em até 25% com a inclusão dos idosos no processo. Da parte da sociedade é preciso reivindicar e estimular a criação de centros de convivência para os mais velhos e o aprofundamento das políticas públicas de saúde existentes, embora elas tenham dado um passo adiante no Brasil, de onze anos para cá, com as diversas ações inclusivas do governo. També é necessário resistir à indústria da doença, que despreza a preservação da saúde e cuja clientela preferencial é composta pelos idosos, mais vulneráveis à dependência da figura do médico onipotente e às drogas químicas. O programa Farmácia Popular que distribui medicamentos de uso contínuo aos idosos é um exemplo. Outro, a inclusão obrigatória nos planos de saúde privada de determinados tratamentos necessários à grande maioria dos mais velhos - fisioterapia em geral, fisioterapia cardíaca, RPG. Mas é necessário mais: apoiar, por exemplo, a prática dos chamados cuidados de longa duração. O estado tem obrigação, segundo a Organização Mundial de Saúde, de fornecê-los, assim como apoio social para as pessoas com alguma limitação severa. Considerado pela OMS como direito humano fundamental, esta prática tem sido formalizada em acordos internacionais. A responsabilidade dos cuidados de longa duração, serviço que já faz parte do sistema de seguridade social em países desenvolvidos, deve ser “compartilhada entre estado, família e mercado privado”, assinala a demógrafa Ana Amélia Camarano no volume ''Cuidados de longa duração para a população idosa / um novo risco social a ser assumido?'' (Ipea/2010.) O estado deve aumentar os investimentos no desenvolvimento de programas domiciliares e comunitários eficazes, de custos mais baixos, para atender à população necessitada, é o que registra Camarano. “Qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade de vida, por mais e melhores serviços”, acaba de lembrar a presidenta Dilma Roussef em seu discurso em Davos. Outro aspecto de saúde pública relacionado aos idosos é apontado pelo neurologista e psiquiatra Marco Aurelio Negreiros, com vasta clientela de indivíduos de mais idade, no Rio de Janeiro. Ele chama a atenção para o fato de, às vezes, ser o próprio paciente idoso quem busca as tais “soluções mágicas” através de pílulas. O próprio paciente reforça a cultura da indústria médica da hipermedicalização. “As substâncias que causam dependência e contidas em tranquilizantes, benzodiazepínicos e medicamentos com tarja preta, quando receitados de forma exagerada - para dizer o mínimo - são muito usadas pelos idosos. Proporcionam conforto químico, mas tornam o idoso dependente. Acalmam e aplacam a ansiedade, mas não tratam o distúrbio. Geram depressão e distúrbios da memória,” ele diz. O uso excessivo de benzodiazepínicos, típico da cultura brasileira, no entender de Negreiros, é caso de saúde pública. Eles não são mais tão usados na Europa nem nos Estados Unidos, onde o assunto vem sendo discutido cada vez mais amiúde apesar do lobby agressivo da indústria farmacêutica. Os benzodiazepínicos têm efeitos prejudiciais cognitivos que ocorrem com frequência nos idosos e também podem piorar um quadro de demência. Em 2012, um estudo concluiu que a utilização de benzodiazepínicos por pessoas com 65 anos ou mais está associada ao aumento de aproximadamente 50% no risco de demência. O psiquiatra americano Peter Breggin, da Universidade de Ithaca, estado de Nova Iorque, reforça: ”Atualmente, as pessoas usam estas drogas para a ansiedade, para a obesidade, para a menopausa, para tudo. Elas são as mais complicadas na hora de abandoná-las. É mais difícil deixá-las do que a sair do vício do álcool ou de opiáceos.'' No Brasil, segundo Negreiros, há até pessoas físicas vendendo essa medicação. “Certa vez, um paciente me contou,” diz ele, “que comprava benzodiazepínicos sem receita médica com alguém que os vendia em seu apartamento. Como se fosse uma boca de fumo de benzodiazepínicos.” “A opinião corrente, infelizmente,” diz por sua vez Ernani Saltz, “é a de que os remédios e os exames são mágicos. Na medicina, o exame mais sofisticado é hoje relegado ao segundo plano: o exame físico. Poucos médicos examinam de fato o paciente. As pessoas se referem a esta prática como a dos ‘médicos de antigamente’ e isso é terrível.” “Temos que examinar e apalpar os pacientes; mas a prática caiu em desuso. Há uma fantasia corrente de que os exames radiológicos e de laboratório vão resolver tudo – e não resolvem. Há uma falsa segurança das pessoas ao se submeter a eles. Ouvir e examinar, apalpar os pacientes e, eventualmente, encontrar alguma lesão precoce, apenas a mão experiente do médico e o seu conhecimento são capazes de descobrir.” Houve um movimento de alegada falta de equipamentos médicos em cidades do interior do país, por parte de alguns profissionais da saúde, ano passado, quando se iniciou o programa Mais Médico que se inclui com destaque nas ações públicas da saúde favorecendo também os novos velhos brasileiros: seis mil e 600 profissionais atuando em mais de duas mil cidades do país e beneficiando 23 milhões de indivíduos. Em março próximo, 13 mil médicos atenderão a 45 milhões de pessoas – crianças, moços e idosos. São os dados apresentados pela presidenta Dilma Rousseff no seu discurso de fim de ano. Se por um lado há situações em que há falta de equipamentos – como mamógrafos, por exemplo - por outro, em alguns locais distantes de centros urbanos, não existem técnicos nem médicos capacitados para operar as máquinas com eficiência e analisar com precisão os exames. Os estrangeiros e os brasileiros contratados para o Mais Médicos são orientados para trabalharem na saúde da família e na medicina geral. É o que ocorre em Cuba, por exemplo, onde os estudantes se formam apesar da carência de recursos materiais. O oposto de alguns jovens médicos – nem todos eles, é claro - formados nas universidades brasileiras os quais, em seguida, com a prática vigente, acabam sendo parceiros da indústria farmacêutica no mercantilismo da saúde (principalmente da saúde dos idosos e das crianças) e no desinteresse pelo paciente. Nos recentes resultados do exame de suficiência aplicado pelo Conselho de Medicina de São Paulo quase 60% dos formandos foram reprovados. Segundo o próprio Cremesp a deficiência se deu na “solução de eventos frequentes no cotidiano da prática médica.” Muitos desses jovens médicos demonstraram não conhecer o diagnóstico ou tratamento adequados para situações comuns e problemas de saúde tais como pneumonia, tuberculose, hipertensão e atendimento de urgência – vários deles, distúrbios que atingem com frequência os mais velhos. E 67% dos formandos não souberam afirmar que o grau de redução da pressão arterial é o principal fator determinante na diminuição do risco cardiovascular em paciente hipertenso – geralmente pacientes mais idosos. Atualmente, há uma procura maior por parte dos estudantes de Medicina, no país, pela especialidade da Geriatria. “Investir” no idoso, adotando expressão mercantil própria do sistema neoliberal, se torna “bom negócio”. Que seja assim desde que o negócio beneficie ricos e pobres em atendimento adequado e digno. Todos os indivíduos, ricos e pobres, desejam envelhecer ativos, com saúde e reivindicam qualidade de vida. Como anota Saul Leblon nesta página, “a desigualdade continua obscena, mas as placas tectônicas se movem.” Isto se aplica à velhice dourada dos bairros elegantes e dos condomínios de luxo aos idosos das favelas e das comunidades dos conjuntos populares. Aos velhos pacientes do SUS e aos dos planos privados de saúde. A professora de Psicologia Social da PUC-RJ, Teresa Creuza Negreiros, costuma descrever a nossa época como o mundo do “aperta botão e passa cartão”. Um mundo que pode ser vivido pelo idoso com maior dificuldade, como ela diz, o que não significa que a maioria deles se furte a ele: “O velho não é mais o estorvo que era no passado; não é um cidadão de segunda classe e não deseja se ver excluído.” *Autora do livro Novos velhos – viver e envelhecer bem (Ed. Record) (Carta Maior)

Medicamentos 'Venenosos'

Indústria farmacêutica, mentiras e dinheiro Por Martha Rosenberg Seis casos revelam: efeitos graves de medicamentos são omitidos, para sustentar consumo e lucros. Verdade aparece quando patentes estão expirando… Por Martha Rosenberg | Tradução: Gabriela Leite Quando um medicamento causa efeitos colaterais, esta informação muitas vezes não é exposta durante anos, o que permite à indústria farmacêutica continuar ganhando muito dinheiro. O Food and Drug Administration (FDA) [órgão governamental dos EUA para alimentos e medicamentos] e a indústria farmacêutica argumentam que os efeitos colaterais perigosos em uma droga só aparecem quando é usada por milhões de pessoas – e não no grupo relativamente pequeno de pessoas que fazem testes clínicos. Mas existe outra razão pela qual os consumidores acabam sendo cobaias. Os remédios são levados apressadamente ao mercado, após um período muito curto (de apenas seis meses) para que a indústria possa começar a ganhar dinheiro, enquanto a segurança ainda está sendo determinada. topo-posts-margem Tanto a droga para os ossos Fosamax, repleta de riscos, quanto a analgésica Vioxx, ambas da indústria Merck, foram ao mercado após seis meses de revisão. No caso da Vioxx, isso ocorreu porque “o medicamento potencialmente provia uma vantagem terapêutica sinificativa sobre outras drogas já aprovadas”, disse a FDA. Obrigado por isto. E cinco drogas (Trovan, Rezulin, Posicor, Duract e Meridia), que entraram no mercado em 1997 por pressões da indústria e do Congresso sobre a FDA, diz a PublicCitizen, foram em seguida retirados. Abaixo, algumas drogas cujos riscos não impediram que seus fabricantes fossem autorizados a colocá-las a venda e exercer seu “valor de patente”. 1. Singulair Você imaginaria que a Merck aprendesse, após os problemas com Vioxx e a Fosamax, que marketing agressivo pode esconder apenas por algum tempo os riscos emergentes das drogas. Mas não. Para vender o Singulair, sua droga contra asma e alergias para crianças, a indústria fez uma parceria com Peter Vanderkaay, o nadador medalha de ouro nas Olimpíadas, com acadêmicos e com a Academia Norte-americana de Pediatras – mesmo após a FDA advetir sobre os “eventos neuropsiquiátricos” do medicamento, incluindo agitação, agressão, pesadelos, depressão, insônia e pensamentos suicidas. Enquanto a Merck fazia a propaganda do Singulair (que vem em fórmula mastigável e com gosto de cereja), com slogans como “Singulair é feito pensando nas crianças”, a Fox TV e mais de 200 pais relataram, no site askapatient [“pergunte a um paciente”] que suas crianças, ao tomar o remédio, exibiam humor alterado, depressão e déficit de atenção (ADHD), hiperquinesia e sintomas suicidas. Cody Miller, um garoto de 15 anos de Queensbury, Nova York, tirou sua própria vida dias após tomar o medicamento, em 2008. Ainda assim, o Singulair arrecadou 5 bilhões de dólares para a empresa, em 2010. Após sua patente expirar, em 2012, a Administração de Bens Terapêuticos da Austrália (equivalente à FDA ou à Anvisa) reportou 58 casos de eventos psiquiátricos adversos em crianças e adolescentes, primariamente pensamentos suicidas. Quem sabia? 2. Zyprexa Como vender uma droga que provoca ganho de peso de cerca de 10kg, em 30% dos pacientes, chegando até 45kg, em alguns? Enterrando seus riscos. O antipsicótico Zyprexa era a nova aposta da Eli Lilly, depois de seu antidepressivo campeão de vendas Prozac – mesmo que o laboratório soubesse, já em 1995, de acordo com o New York Times, que a droga está ligada a um ganho de peso incontrolável e até diabetes. Os efeitos colaterais do Zyprexa de “ganho de peso e possível hiperglicemia fazem um grande mal ao sucesso de longo prazo desta molécula criticamente importante”, havia escrito Alan Breier, da Lilly, segundo documentos obetidos pelo jornal. Mais tarde Alan tornou-se médico-chefe da empresa. Mesmo após a Lilly ter pagado multas, após acusada de ocultar informações sobre a relação entre a droga e altos níveis de açúcar no sangue ou diabetes (e de ter comercializado ilegalmente a droga para pacientes com demência), o Zyprexa rendeu 5 bilhões de dólares em 2010, acima até do Prozac. Quem disse que crime não compensa? O Zyprexa foi especialmente comercializado para os pobres e virou um dos medicamentos principais do Medicaid, o programa público de saúde norte-americano, extraindo pelo menos 1,3 bilhões de dólares do orçamento do país, só em 2005. Em 2008, a empresa estabeleceu um acordo para cobrir o custo dos pacientes do Medicaid que desenvolveram diabetes após usar a Zyprexa. Como raposa vigiando galinheiro, a Lilly ofereceu um “serviço gratuito” para “ajudar” os estados a comprar drogas como a Zyprexa para doenças mentais — e vinte deles aceitaram a oferta. A patente do remédio acabou em 2012. 3. Seroquel O antipsicótico Seroquel, produzido pelo laboratório AstraZeneca, do Reino Unido, tornou-se um dos medicamentos mais vendidos nos EUA, arrecadando mais de 5 bilhões de dólares em 2010, apesar de seus riscos, frequentemente relatados. O remédio foi comercializado tão vastamente para crianças pobres que, em 2007, o Departamento de Justiça para a Juventude da Florida comprou duas vezes mais Seroquel que Advil. Sua elevada aquisição no serviço militar, para usos não aprovados — como para estumular o sono e para distúrbio de estresse pós-traumático (PTSD) — também foi espantosa. Relatos de mortes repentinas de veteranos que utilizavam a droga emergiram quando as compras do Seroquel pelo Departamento de Defesa dos EUA cresceram 700%. Poucos meses após a aprovação da Seroquel, em 1997, um artigo no Jornal de Medicina de Dakota do Sul já levantava questões sobre a interação perigosa da droga com outros onze medicamentos. Passados três anos, pesquisadores da Cleveland Clinic questionavam o efeito da Seroquel na atividade elétrica do coração. Mas mesmo quando as famílias de veteranos falecidos prestaram testemunhos em audiências no FDA, em 2009, e exigiram respostas de dirigentes e legisladores, o órgão protegeu a empresa. Depois, em 2011, com pouco alarde, o FDA emitiu novos avisos que confirmavam as notícias devastadoras: tanto o Seroquel quanto sua versão estendida, que fora lançada, “deveriam ser evitados” na combinação com pelo menos outros 12 remédios. A droga também deveria ser evitada pelos idosos e pessoas com doenças cardíacas, por causa de seus claros riscos ao coração. Ops… A patente expirou no ano seguinte. 4. Levaquin Os antibióticos à base de fluoroquinolona estão entre os mais vendidos. Muitas pessoas lembram-se do Trovan (na época dos ataques com antrax, logo após o 11 de setembro), mas a indústria farmacêutica espera que não nos lembremos de que foi retirado de circulação por causa de danos ao fígado, e do Raxar, removido por causar eventos cardíacos e morte súbita. O Levaquin, da Johnson & Johnson, igualmente baseado em fluoroquinolona, foi o antibiótico mais ventido nos EUA em 2010, com receitas acima de US$1 bilhão por ano — mas agora é tema de milhares de processos. Em 2012, um ano após a patente do Levaquin expirar, uma enxurrada de efeitos colaterais começou a emergir, sobre este medicamento e toda a classe de fluoroquinolonas, lançando dúvidas sobre sua segurança. A revista da Associação Médica Norte-Americana relatou que, de 4.384 pacientes diagnosticados com descolamento de rotina, 445 (10%) foram expostos a fluoroquinolone no ano anterior ao diagnóstico. A Revista de Medicina da Nova Inglaterra relatou no mesmo ano que o Levaquin estava ligado a um risco crescente de morte cardiovascular, especialmente morte súbita por distúrbios no ritmo cardíaco. Embora a FDA tenha alertado sobre as rupturas de tendão — especialmente os tendões de Aquiles — provocadas por fluoroquinolonas em 2008, e adicionado uma tarja preta de advertência na embalagem, novos avisos graves foram feitos dois anos após o fim da patente do Levaquin. Em 2013, a FDA advertiu sobre o “efeito colateral sério de neuropatia periférica” — um tipo de dano nos nervos no qual as vias sensoriais são prejudicadas — nas fluoroquinolonas. Neuropatias periféricas causadas por esta classe de antibióticos podem “ocorrer logo após a administração destas drogas, e podem ser permanentes”, alertou a ageência. Fluoroquinolonas também estão ligadas ao Clostridiumdifficile, também chamado de C. Diff, um micróbio intestinal sério e potencialmente mortífero. 5. Topamax Antes de sua patente expirar, em 2009, a droga Topamax deu à Johnson & Johnson um bilhão de dólares por ano, e foram mais US$ 538 milhões depois disso. O remédio foi tão preferido, para condições de dor no serviço militar, que recebeu o apelido de “Stupamax” – uma referência à maneira com que diminuia os tempos de reação e prejudicava a coordenação motora, a atenção e a memória, de acordo com o ArmyTimes. Não era muito bom para o combate… Um ano antes de cair a patente do Topamax, a FDA alertou que ela e outras drogas estão correlacionadas com suicídios, e pediu a seus fabricantes para adicionar avisos na caixa. Quatro pacientes usuários da droga mataram-se, contra nenhum sob placebo, declarou a FDA após rever os testes clínicos. Já em 2011, o órgão anunciou que o Topamax pode causar defeitos de nascimento nos lábios, nos bebês de mães que ingerem a droga. “Antes de começar com o topiramato, grávidas e mulheres em idade fértil devem discutir outras opções de tratamento com seu profissional de saúde”, alertou o FDA, mas isso não impediu o órgão de aprovar uma nova dieta de medicamentos contendo o genérico do Topamax, em 2012. 6. Oxycontin O Oxycontin, do laboratório Purdue Pharma, é a avó de drogas que geram muito dinheiro, apesar de seus efeitos colaterais letais. Junto de outros opióides, ele causou o número assutador de 17 mil mortes no ano passado — quatro vezes mais que em 2003. “O aumento [no uso] foi alimentado em parte por médicos e organizações de defesa de analgésicos, que recebiam dinheiro de empresas e faziam alegações enganosas sobre a segurança e a efetividade de opióides — inclusive afirmando que o vício é raro”, relatou o Journal Sentinel. A Sociedade de Geriatras Norte-Americanos usou pesquisadores ligados à indústria farmacêutica para reescrever guias clínicos em 2009, diz a publicação. Após reescritos, eles especificavam opióides para todos os pacientes com dor moderada a severa Devido a sua fórmula, que lhe permite agir por um longo período, pensou-se que o Oxycontin teria toxidade e potencial de provocar dependência reduzidos – ao menos até seus efeitos tornarem-no mais popular que a cocaína nas ruas (todos os 80mg de pílulas podíam ser tomados de uma vez). Em 2010, respondendo aos vícios, overdoses e mortes associadas à droga, a Purdue Pharma desenvolvou um Oxycontin inviolável, e, dois anos depois, passou a pressionar por leis que exigissem inviolabilidade de todos os opiácios. A empresa garantiu que sua maior preocupação era a saúde pública, mas muitos se perguntaram sobre o porquê desta preocupação só se revelar às vésperas do fim da patente da droga, em 2013… (Outras Palavras)