sábado, 20 de agosto de 2011

T. da Libertação

Direita, volver!

José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília
Adital
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando eu estava em Roma, cursando o Bacharelado em Teologia, ouvi algumas vozes que denunciavam a teologia da libertação, afirmando que ela provocaria um cisma na Igreja. Voltei para o Brasil, os anos passaram, a teologia da libertação foi sufocada, seus teólogos e seguidores sofreram calados e o máximo que aconteceu foi que alguns deles se afastaram da Igreja Católica por não suportarem mais tanta perseguição e tanta injustiça. O cisma aconteceu, sim, porém seu protagonista não foi a esquerda, mas a ultraconservadora direita católica. No dia 30 de junho de 1988 o bispo Marcel Lefebvre o consumou, ordenando bispos quatro padres de sua Fraternidade São Pio V. Foi coadjuvado por Dom Antonio de Castro Mayer, bispo emérito de Campos, um dos mais acirrados representantes da direita católica no Brasil. Na época tais ordenações foram consideradas pelo Vaticano como um ato cismático e, por isso, Lefebvre, Castro Mayer e os ordenados ficaram ipso facto excomungados.
Hoje, para tristeza de muitos, estes bispos "cismáticos” foram admitidos na Igreja Católica, sem demonstração de verdadeiro arrependimento e de autêntica reconciliação. O ato formal de aceitação do Concílio Vaticano II ficou nas aparências, pois, na prática, a teoria é outra. Basta acompanhar alguns atos, alguns pronunciamentos e os sites desse grupo para se perceber com nitidez a rejeição do último concílio. Um dos bispos "cismáticos” vive no Brasil e, depois da admissão na Igreja Católica, passou a freqüentar as reuniões da CNBB. Várias vezes, o vi nas concelebrações eucarísticas como mero expectador. Ele não concelebrava, mas rezava sua missa em particular e em latim. Afinal de contas, para ele e para seu grupo, Deus não entende outras línguas. Só aprendeu o latim! Portanto, concelebrar, e em língua portuguesa, é falar uma língua que Deus não entende!
Diferentemente do que se dizia em Roma, a Igreja da Libertação não provocou nenhum cisma. Seus profetas e profetisas foram apedrejados, caluniados e silenciados. Não provocaram nenhum cisma porque eram pessoas que realmente amavam e ainda amam a Igreja. Tudo faziam por ela. E no momento em que foram perseguidos, seguiram as pegadas do grande Servo de Javé, apresentando as costas aos que queriam bater e não escondendo o rosto aos insultos e escarros (Is 50,6).
Os verdadeiros cismáticos foram e continuam sendo os da direita católica. Eles não só formalizaram um ato de ruptura com a Igreja, mas continuam fazendo isso na prática. Além do mais, com o modelo de Igreja que defendem, estão efetivando um verdadeiro cisma silencioso, como mostram os estudos de Piero Cappelli e outros. Milhares de católicos deixam a Igreja decepcionados e tristes, pois têm clara consciência de que o conservadorismo não condiz com o projeto de Jesus e com o Evangelho.
A incursão da direita católica é muito antiga. Foi ela, e não os mulçumanos, que criou o terrorismo no mundo. Prova disso é o extermínio praticado na Idade Média pelas Cruzadas e pela Inquisição, e, mais recentemente, a matança dos povos do continente americano e do continente africano. A ferocidade da espada tinha sempre a proteção e a bênção do báculo.
Hoje assistimos a atos religiosos que são verdadeiros terrorismos, embora sutis e disfarçados. É claro que não se mata mais, porém isso não significa que exista menos terror. Pense-se, por exemplo, no terrorismo das pregações de certos padres e de parte da mídia católica, carregando os fiéis de pecados, proibições e punições. Até mesmo atos insanos, como aquele de poucos dias atrás na Noruega, não deixa de ter o dedo do catolicismo ultraconservador, que, por meio de suas lideranças, alimenta sentimentos absurdos, como o preconceito contra o islã. Frei Betto, em recente artigo, notou que o terrorista norueguês tinha "olhos azuis”. Fez-nos perceber que por detrás deste ato brutal está a tradição da direita branca, cristã e cristã católica.
É claro que a direita católica não age motivada pela fé em Jesus Cristo. Ela não acredita em nada, a não ser no poder e no dinheiro. Sua intenção é utilizar-se da religião para manter o status quo e continuar dominando o mundo. Não por acaso ela defende regimes autoritários e é totalmente contrária a verdadeiras mudanças, como a reforma agrária. É notória a ligação de prelados e de membros conservadores da alta cúpula da hierarquia com ditadores e opressores do povo. Ficou conhecida mundialmente a grande amizade existente entre um núncio apostólico no Chile e Pinochet, talvez o mais sanguinário de todos os ditadores da América Latina. Tal amizade fez com que Pinochet e sua mulher recebessem uma bênção especial do papa por ocasião das bodas de ouro de casamento.
Não há como negar a incursão da direita católica ultraconservadora no mundo. Por enquanto ela ainda se manifesta com muita força. Mas, como todo regime autoritário, seus dias estão contados. É claro que nós, nascidos no século passado, não veremos o seu fim. Ela ainda possui um pouco de fôlego. Mas as gerações vindouras respirarão aliviadas, pois, como dizia Voltaire em seu Dicionário Filosófico, a religião melhor é aquela simples, com pouquíssimos dogmas, que ajuda as pessoas a serem mais justas, que não obriga a crer em absurdos e em coisas contraditórias e impossíveis; que ensina apenas a adoração a Deus, bem como a justiça, a tolerância e a humanidade. E a religião da direita católica não é nada disso. Por essa razão, creio eu, morrerá por inanição.
Paulo Freire, em 1968, na sua Pedagogia do Oprimido, já nos dizia que quando o poder se enrijece e se burocratiza, perde a dimensão de humanização. E se perde a humanização passa a viver apenas de proibições. E se vive de proibir, se torna violento, e ao praticar a violência fere em profundidade a condição ontológica do ser humano, a sua vocação de ser mais.
Com isso o poder torna-se terrorista e instrumento de desumanização e, como tal, tende a ser visto cada vez mais pelas pessoas como uma verdadeira farsa. Seu destino é a morte, pois quando a vocação do ser humano é negada pela violência e pela opressão, a humanidade se sente roubada em sua dignidade e tende a reagir. Quando não podem falar, as pessoas agem com indiferença. Vivem como se os dogmas religiosos não existissem. O poder religioso continua emitindo e decretando suas proibições, mas a população faz de conta que ele não existe. Este gesto de indiferença une cada vez mais as pessoas insatisfeitas. Por isso todos os impérios caíram, mesmo os mais violentos e mais religiosos. A religiosidade não é garantia de perpetuidade. "Aqui não ficará pedra sobre pedra; tudo será destruído” (Mt 24,2).
[Autor de O ancião e sua senhora eleita. Reflexões teológicas, eclesiais e pastorais sobre a condição de bispo emérito, recentemente publicado pela Editora Paulinas. Em parceria com Carlos Bruno de Araújo Mendonça publicaram pelas Edições Loyola o livro Antropologia da formação inicial do presbítero].
(Adital)

Cuba

• Outro mundo teria sido possível

Se a Cuba tivesse sido dada a possibilidade de viver em paz sua experiência socialista, o mundo talvez tivesse hoje o exemplo de um outro tipo de sociedade para se contrapor à selvageria do capitalismo e sua perda absoluta de valores. Os jovens que ocupam as praças da Europa em crise e que já estiveram nas ruas dos países árabes, sabem muito bem o que não querem, mas não têm uma idéia clara do que desejam e de como chegar a um mundo mais justo.
O capitalismo parece viver uma crise sistêmica e as populações são afrontadas pelo total desprezo que o sistema destina a elas. A insensibilidade social ofende no que exige dos países endividados por seguirem um modelo recomendado pelos donos do poder, e o comportamento dos responsáveis pela ciranda financeira agride a dignidade dos que sobrevivem com o suor do seu trabalho.
Alguém em sã consciência pode considerar normal e aceitável que o principal executivo de uma instituição financeira, que protagonizou a maior crise econômica mundial desde 1929, receba bônus de 200 milhões de dólares depois de seu banco ter sido socorrido pelo Estado, com dinheiro público? Em bom português, trata-se de uma sem vergonhice atroz, e, pior, sem punição.
O mundo clama por um novo modelo e uma semente foi plantada na ilha caribenha, que incomoda tanto, que até hoje é vítima de um implacável bloqueio. A primeira grande revolução, que sacudiu o mundo no século 20, foi a soviética, que, sem nenhum desprezo pelo que inspirou, inclusive Cuba, se perdeu no centralismo excessivo, tradições autoritárias e privilégios inadmissíveis numa sociedade que se pretende igualitária.
Cuba, inspirada pela alegria caribenha e pelo idealismo do Che, disseminou de forma mais sincera e próxima a nós os valores de solidariedade e de formação do homem novo. Che cobrava de todos os seus auxiliares, nos diferentes postos que ocupou em Cuba, a preocupação primordial com as pessoas de carne e osso. São elas que devem orientar a condução de um país e não a iluminação de seus líderes temporários.
Em Cuba, os interesses sociais prevalecem sobre os individuais. Os valores são outros. Lá, seria inadmissível jovens serem assassinados por outros jovens para lhes tomarem as mochilas e pares de tênis, como acontece com frequência por aqui. O problema foi que o modelo cubano de sociedade, voltado para o ser humano em primeiro lugar, não pode se desenvolver plenamente, afetado por um terrível bloqueio, que o estrangula economicamente há quase meio século.
Os críticos habituais enchem o peito para dizer que o país fracassou, que vive na miséria e não tem como atender seus cidadãos, mas estão lá, de pé, além dos serviços públicos e gratuitos, valores essenciais da humanidade, como a solidariedade e o respeito ao próximo.
Em recente passagem pelo Rio de Janeiro, a médica pediatra Aleida Guevara (foto), filha do Che, manifestou preocupação com alguns aspectos das reformas em curso na ilha. Mas os seus temores não estão relacionados ao poder, até porque não possui nenhum cargo dirigente, mas sim à possibilidade de uma transformação negativa do homem cubano. O que a inquieta é que os trabalhadores por conta própria passem a trabalhar para si mesmos e percam de vista a consciência social.
“O homem pensa segundo vive. Se você vive interessado em melhorar sua casa, a vestimenta, em ter dinheiro no bolso, esquece que a escola infantil da esquina, dos seus filhos, precisa de uma mão de pintura”, afirmou, em entrevista à Folha de S.Paulo.
Tal pensamento parece anacrônico em uma sociedade indiferente e movida ao consumo, mas sobrevive em Cuba, como Aleida Guevara nos prova com sua declaração. É por isso que a Cuba é vedada a evolução e o aprimoramento das transformações profundas a que se propõe. A ilha não tem poder econômico ou militar. Mas continua não existindo nada mais subversivo do que as idéias. E é preciso eliminá-las antes que voltem a se espalhar.
(Direto da Redação)

Pensamentando I

A memória e o sonho

Pe. Alfredo J. Gonçalves
Assessor das Pastorais Sociais.
Adital
Uma simbiose entre memória e sonho constitui a dupla face de como a tradição judaico-cristã concebe o tempo. A conquista da terra prometida se contrapõe à lembrança do paraíso perdido. O Povo de Israel se move entre a amarga nostalgia deste e a jubilosa esperança daquela. A passagem do Mar Vermelho deixa para trás a opressão do Faraó. A vinda do Messias haverá de redimir toda culpa, a salvação escatológica apagará o pecado original, a utopia do Reino substituirá o vale de lágrimas. Da mesma forma que Jesus renova o velho Adão, Maria resgata a velha Eva. A ressurreição vence a cruz e a vida e se sobrepõe à morte. Nas palavras do apóstolo Paulo, "onde o pecado foi grande, maior haverá de ser a graça” (Rm 5,20).
Segundo a Carta aos Hebreus e a Carta de São Paulo aos Romanos, Abrão é considerado o pai da fé porque foi capaz de deixar a sua terra natal e pôr-se em marcha, confiante na promessa de uma descendência numerosa e de uma nova pátria. O conceito bíblico-teológico de aliança denota essa aposta do grande patriarca, e de seus sucessores Isaac e Jacob na confiança em Deus. No chamado credo histórico (Dt 26,5-10), a chegada à "terra onde corre leite e mel” pressupõe a penosa travessia do deserto; a êxodo e a libertação formam ambos a contraface da escravidão no Egito. Na espiritualidade dos salmos, a expressão "casa de Deus”, enquanto abrigo sólido, rochedo e fortaleza, é uma poesia invertida da tenda de um povo acostumado ao caminho. Os salmos são poesias e estas costumam representar sonhos que transfiguram as carências da travessia num refúgio final e definitivo. Se, por um lado, o exílio na Babilônia mutila o riso, o canto e a cultura, simbolizados pela harpa emudecida e pendurada nos salgueiros (Sl 137), por outro lado, no retorno à pátria, "os que semeiam em lágrimas ceifam em meio a canções (Sl 126). Ao final, a multidão dos 144 mil salvos, que "lavaram e alvejaram suas roupas no sangue do Cordeiro”, são os que passaram pela "grande tribulação” (Ap 7,1-17).
Em todos esses casos, o esquema se repete em forma de sequência linear: paraíso, queda, culpa, expulsão e promessa de retorno. Êxodo, exílio, diáspora, deportação e dispersão são companheiros do cotidiano de um povo sem pátria. De um ponto a outro, o deserto da travessia, onde a sede e a fome ressecam as forças dos caminhantes. Os pés feridos e os olhos cansados oscilam entre a saudade das "cebolas do Egito” e uma reiterada renovação da esperança em chegar à nova pátria. Mas o deserto só poderá ser fértil mediante uma constante conversão e fidelidade à aliança. Passado, presente e futuro interagem e se interpelam reciprocamente, enquanto vai crescendo a confiança de que o próprio Deus caminha à frente de seu povo.
Conforme tal concepção do tempo, a trajetória da humanidade oscila numa tríplice dimensão temporal: a) projeta-se para trás, bebendo na recordação da obra criadora e na libertação do Egito como experiência fundante e, ao mesmo tempo, amargando o remorso do rompimento e da quebra da aliança, com suas conseqüências negativas; b) faz do momento atual uma oportunidade viva e privilegiada para o arrependimento e a expiação; c) e se projeta igualmente para diante, na certeza final da misericórdia salvífica. É o que constata e problematiza Umberto Galimberti, em seu livro Il tramonto del’Ocidente. Embutida nesse esquema está a idéia moderna de progresso, o qual supõe melhorias constantes. Segunda ela, uma geração deverá ser superior à geração que lhe precedeu. De grau a degrau, a humanidade estaria numa escada em ascensão. Sem dúvida que A origem das espécies, de Darwin, com a noção de seleção natural, contribui para esse conceito de permanente avanço.
O movimento profético do Antigo Testamento é ainda mais explícito quanto ao pêndulo entre a memória do paraíso e a certeza da promessa, esquema histórico em que oscila a trajetória do Povo de Israel. Três expressões fartamente repetidas atestam isso: o lembra-te, a denúncia e o anúncio. O "lembra-te” remete ao passado e à escravidão no Egito, alertando para não repetir semelhante prática e "distorcer o direito do estrangeiro, do órfão e da viúva” (Dt 24,17-18). Implícita ou explicitamente, ele contextualiza a mensagem dos profetas, no sentido de atualizar para os tempos da monarquia e do exílio a experiência fundante do Deus Libertador. Ou seja, se vocês passaram pela dura experiência da exploração por parte de uma nação estrangeira, como podem agora explorar os mais frágeis entre vós?
Quanto à denúncia, faz um retrato do presente. Bastaria um rápido olhar às principais figuras do profetismo israelita para dar-se conta de sua "santa indignação” frente às injustiças e desigualdades sociais. Tanto o "Dia da ira de Javé” quanto as ameaças das potências vizinhas são interpretadas como resposta de Deus à infidelidade do povo, conforme a significativa metáfora do casamento de Oséias. Mas uma pausa no capítulo três de Miquéias é suficiente para constatar a veemência das palavras e a imagem do dedo em riste: "Escutem bem chefes de Judá, governantes da casa de Israel! Por acaso não é obrigação de vocês conhecerem o direito? Inimigos do bem e amantes do mal, vocês esfolam o povo e descarnam os seus ossos; vocês são gente que devora a carne do meu povo e o esfola; quebra seus ossos e os faz em pedaços, como um cozido num caldeirão (Mq 3,1-3).
O anúncio, por sua vez, aponta para o futuro. Aparece como tema de fundo de numerosos poemas que contrastam com a situação de opressão e abandono do povo. Eles encontram-se espalhados pelas páginas de numerosos profetas. Tomemos apenas dois exemplos. O primeiro, do Livro de Isaías, ressalta a criação de "um novo céu e uma nova terra”, onde, "não haverá mais crianças que vivam alguns dias apenas, nem velhos que não cheguem a contemplar seus dias (...). Construirão casas e nelas habitarão, plantarão vinhas e comerão seus frutos. Ninguém construirá para outro morar, ninguém plantará para outro comer, porque a vida do meu povo será longa como a vida das árvores, meus escolhidos poderão gastar o que suas mãos fabricaram” (Is 65, 17-25). O outro exemplo encontra-se no capítulo 37 de Ezequiel, em que um monte de ossos, simbolizando a destruição e morte de Israel, revive e põe em marcha pelo sopro da palavra divina transmitida pela boca do profeta.
É verdade que o passado não muda. Ou melhor, não mudam os fatos sociais. Não há borracha capaz de apagá-los. Permanecem como fósseis cristalizados da história. Mas muda o significado dos acontecimentos. De fato, estes podem ser constantemente reinterpretados, mediante uma concepção histórica do tempo. De acordo com o professor Hermilo Preto, já falecido, fato e significado estão em esferas distintas. Enquanto os fatos são lidos em chave sociológica, seu significado pode revestir-se de uma roupagem de fé. Neste sentido, um encontro profundo no presente, um amor apaixonado, pela sua força e novidade, produz e emite luz própria. Luz cujos reflexos que podem retroagir e conferir novo sentido a meros acidentes do passado. É assim que, o encontro dos pecadores com Jesus, por exemplo, resgata nas pessoas o que elas possuem de mais profundo e sagrado: vontade de amar e ser amadas. O olhar de Jesus penetra no sacrário oculto do ser humano: não para expor em praça pública suas misérias e fraquezas, mas para curar. A exemplo do bisturi do cirurgião, rasga o tumor pra extirpá-lo e devolver a saúde ao paciente/pecador.
Por mais maldito que tenha sido a trajetória de uma pessoa, sempre é tempo de recomeçar. Ninguém está definitivamente salvo nem definitivamente perdido. Toda a história do Povo de Israel é interpretada e reinterpretada à luz de experiências profundas de Deus. É assim que a ressurreição de Jesus joga luz nova sobre sua vida e obras, suas palavras e gestos. Ilumina de forma especial o mistério ou a "loucura da cruz”. Um exemplo banal pode ilustrar melhor: imaginemos que dois homens sofrem um acidente automobilístico. Ambos vão parar n hospital. Um deles acaba por se apaixonar pela enfermeira de plantão, com o outro nada acontece de especial. Enquanto na memória futura do segundo, o acidente terá sido apenas uma fatalidade e um transtorno, para o segundo, ele se converterá numa benção. O amor e o encontro são luzes que podem ressegnificar as sombras do passado. Iluminá-las, diz-nos a psicologia, é exorcizar seus fantasmas.
Da mesma forma que os povos vizinhos, também a saga de Israel é transmitida de geração em geração através de um conjunto de mitos. Mas, diferentemente deles e da concepção do eterno retorno, os hebreus e depois os cristãos legaram ao mundo ocidental como herança o conceito de história em sequência linear e progressiva. A compreensão do passado é fator predominante para entender o presente e o futuro. Poder-se-ia dizer que Gênesis e Apocalipse se reencontram e se fundem, se cruzam e recruzam praticamente em cada livro bíblico, tanto do antigo como do novo testamento. Encontram-se e também se entrelaçam nas linhas e entrelinhas da visão histórica do renascimento e do iluminismo, como mostra, por exemplo, a filosofia de Maquiavel e J.G. Herder, F. Hegel e K. Marx, G. Vico e W. Dilthey.
Marc Augé, o antropólogo/etnólogo francês, com tempero fortemente filosófico, tem toda razão quando, em seu novo livro Où est passé l’avenir? sublinha a tentativa do poder para negar a história no contexto da modernidade ou pós-modernidade. O predomínio do presente constitui o objetivo implícito ou explícito de todo império. A memória e o sonho são subversivos, o passado e o futuro podem trazer, respectivamente, o espectro do dos mortos ou a inovação dos insatisfeitos. Em ambos os casos, a ordem se vê ameaçada. Daí a manutenção a todo custo do statusquo. A tirania instala seu próprio tempo histórico, por uma parte, reduzindo a cinzas os monumentos dos ancestrais e apagando-lhes as pegadas, por outra, cerrando as portas a toda possibilidade de alternativa.
(Adital)

O. Médio

“Nova” face da repressão no Bahrain
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admin
– 3 de maio de 2011
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Censura, perseguição a opositores, prisões arbitrárias e tortura fazem parte da estratégia do regime para evitar a retomada das manifestações. A Anistia pergunta por que governos ocidentais fecham os olhos
Por Kanya D’Almeida, da Envolverde-IPS
Ações noturnas, ataques a manifestações pacíficas em plena luz do dia, prisões em massa, sequestros em veículos sem identificação e uma forte censura à imprensa levam rapidamente o Bahrain ao abismo da impunidade, afirmam analistas. O regime do rei Hamad bin Issa Al Khalifa, sunita, realiza há semanas uma severa repressão contra um movimento opositor de maioria xiita.
A população barenita vê de perto o rosto sinistro de uma monarquia desesperada para manter o poder em meio à onda de levantes populares árabes. O Conselho de Cooperação do Golfo colaborou com o regime enviando mais de 1.500 solados para reprimirem os manifestantes.
“O que vivemos hoje no Bahrein é igual ao que os Estados Unidos viveram durante a década de 1950 com o macartismo” (caça às bruxas liderada pelo senador Joseph McCarthy), disse Muneera Fakhro, líder do partido esquerdista barenita Wa’ad, a jornalistas, ativistas e políticos reunidos no Instituto da Paz dos Estados Unidos, com sede em Washington.
Ao falar por teleconferência, no dia 26, desde o Bahrein, Fakhro – cuja casa foi atacada duas vezes desde que começaram os protestos – informou que 30 pessoas morreram e quase 500 estão detidas e há centenas de desaparecidos. “Precisamos deter imediatamente essas atrocidades com a ajuda de organizações internacionais”, afirmou.
Após enviar no começo deste mês um grupo de especialistas a Manama, a Anistia Internacional informou na semana passada que a crise no Bahrein atingiu um nível de extrema gravidade. A organização também exortou os governos do Ocidente, que intervieram no caso da Líbia, a agirem rapidamente também no Bahrein, se não quiserem ser acusados de seletividade política e de hipocrisia.
Por outro lado, em seu informe Perspectiva Econômica Regional para o Oriente Médio e a Ásia Central (Meca), divulgado ontem, o Fundo Monetário Internacional expressou sua esperança de que a economia exportadora petroleira barenita cresça 4,9% este ano. Ao apresentar o informe em Dubai, o diretor do departamento do Meca do FMI, Masood Ahmed, disse que, no longo prazo, os levantes populares poderão “forçar as economias da região a fixarem uma agenda de crescimento mais inclusiva, melhorando a governança e proporcionando oportunidades maiores e mais iguais para seus jovens”.
Entretanto, parece claro para a maioria dos observadores que, a menos que o regime barenita atenda as demandas mais básicas de sua impaciente população, há poucas possibilidades de estabilidade ou de crescimento, particularmente à luz da última onda de repressão. Desde que as forças do rei expulsaram os manifestantes da Praça Pearl (o equivalente barenita à legendária Praça Tahrir, no Cairo) o uso de balas de borracha, gás lacrimogêneo e às vezes munição real foi substituído por prisões arbitrárias, perseguição e elaboração de uma lista negra de opositores.
No dia 14 de março, o rei declarou o estado de emergência, justamente quando a Arábia Saudita enviava tropas para colaborar. Desde então, os barenitas estão expostos a um poder arbitrário que inclusive criou tribunais especiais para julgar “inimigos do Estado”. Grupos de direitos humanos alertaram para crescentes ataques contra trabalhadores qualificados e a classe média, em geral, não apenas ativistas ou estudantes. Agora, também médicos, advogados, empresários, acadêmicos e jornalistas são presos ou vigiados pelo aparato de segurança do regime.
Um representante da Federação Geral de Sindicatos do Bahrein informou na semana passada que das 1.200 demissões de profissionais ocorridas nos últimos dias, mais de 920 foram por motivos políticos. Entretanto, porta-vozes do regime afirmam que os empregados em questão “não cumpriam seus deveres”.
Segundo o jornal Washington Post, professores foram detidos e encapuzados na frente dos alunos, e os que passaram por interrogatório sofreram maus-tratos. A organização Médicos para os Direitos Humanos documentou a prisão de mais de 30 profissionais da saúde, enquanto a Anistia Internacional informou que, até o dia 12, o Ministério da Educação havia demitido quase 120 funcionários.
“Não compararia isto com o macartismo, que era mais uma caça às bruxas. Creio que o que vivemos no Bahrein é uma tática política antiquada, que é muito pior”, disse à IPS o analista Gregory Gause, professor de Ciência Política na Universidade de Vermont. “Talvez, a perda do emprego por convicções políticas seja o que lembre a comparação com o macartismo, mas me parece que isto vai mais além. Quantos objetivos de McCarthy acabaram na prisão?”, perguntou Gause, autor do livro “The International Relations of the Persian Gulf” (As Relações Internacionais do Golfo Pérsico).
Por seu lado, organizações de direitos humanos pressionam os governos do Ocidente para que acabem com a impunidade e defendam a população civil barenita. O presidente da Federação Norte-Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais, Richard Trumka, escreveu na semana passada ao secretário da Defesa, Robert Gates, exigindo uma “urgente intervenção política para evitar que o Bahrein se transforme em uma ditadura”. Trumka acrescentou que os sindicatos barenitas eram essenciais para uma sociedade saudável e pluralista.
Considerando que esse país do Golfo é base da Quinta Frota dos Estados Unidos, Trumka insistiu que Washington deveria exortar Manama a pôr fim à “repressão extraordinária que ocorre nos limites de uma das maiores instalações militares norte-americanas. Qualquer resposta menor a esta crise mina nossa autoridade moral”, alertou.
(Outras Palavras)

Pensamentando

Solberg
publicado em cinema por priscilla santos | 12 comentários
A poesia é a maior das artes, sendo capaz de tangenciar todas as outras e mantendo, ainda assim, suas próprias normas, formas e sons. Existe sozinha, dispensa acompanhamentos. O documentário Palavra Encantada faz a poesia dançar pela voz de grandes músicos e poetas brasileiros e nos faz descobrir que nenhum conceito por essas terras consegue ser tão simples.

Para alguns estudiosos e observadores da literatura, a poesia se caracteriza por uma criação artística que existe sozinha: tem suas regras, suas formas, seus sons próprios e estes a fazem plena unicamente em si, podendo dispensar acompanhamentos. É comum que numa roda, reunindo esses mesmos estudiosos e observadores da literatura, lá pelas tantas, pelo quarto copo de vinho, alguém declare a sentença: Chico Buarque, por exemplo, não é poeta, é músico. A partir daí a conversa, antes consenso, vai virar uma discussão sem fim e depois de meses, dois ou três daqueles amantes das letras ainda estarão se odiando mortalmente. Fatalmente vão produzir alguns tratados que não nos tocarão em nada.
Palavra [En]cantada é um filme que ronda o mistério das palavras ditas e entoadas sem chegar perto desse tipo de debate onde um bom e velho veneno da vaidade academicista sempre mata um pouco mais a gente. Dirigido por Helena Solberg, com argumento de Marcio Debellian, o documentário segue uma reflexão a respeito dos momentos em que música brasileira e poesia convergiram.

Através do depoimento de grandes nomes da música nacional, Sodenberg nos leva a fogo brando pela história e escolas da música brasileira; dos morros cariocas à periferia de São Paulo, passando pela Bahia e pelo mangue pernambucano. O documentário parte da idílica existência dos trovadores, aqueles artistas medievais que inventaram a poesia musicada e a espalharam de tal forma que são considerados o marco zero da literatura como hoje a conhecemos. A partir daí nomes como Tom Zé, Lenine, Maria Betânia, Martinho da Vila, Lirinha do Cordel do Fogo Encantado, BNegão e o próprio Chico Buarque, vão falar sobre a presença da poesia em suas canções e dão versões sobre o porque e do como esses encontros acontecem.

O filme traz ainda imagens de arquivo recuperadas, algumas nunca vistas, como as de carnavais na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro e encenações de Morte e Vida Severina pelo grupo de teatro da PUC (o primeiro a montar a peça, em 1965), além de raridades como a entrevista de Caetano Veloso, falando sobre porque combinou na sua música Coca-Cola e Brigite Bardot, e apresentações de repentistas do Nordeste em meados do século passado.
Na junção de todos os seus segundos e coisas ditas, Palavra [En]cantada nos faz descobrir muito mais sobre música, poesia e brasilidade do que muitos foram capazes de fazer. A contribuição é enorme: enfrentar a particularidade do caso nacional, onde a palavra escrita não conseguiu até hoje criar raízes fortes e onde a literatura só pôde se expandir através da oralidade - o que nos torna indivisíveis da maior parte da África - e abre um novo leque de possibilidades para entendermos a absurda riqueza de formas e sons da nossa língua e da nossa música. Solberg e Debellian pariram um filme essencial para quem ainda acredita que a beleza salvará o mundo.




Sobre a autora: priscilla santos é adoradora de cervejas e colabora com o obvious. Saiba como fazer parte da obvious.


Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2009/04/palavra_encantada_um_filme_de_helena_sodenberg.html#ixzz1UJ1TLSjy
(Obvious)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Palestina

Estado da Palestina já!
.
Por Lejeune Mirhan, de São Paulo


Aproxima-se o momento em que a Assembleia Geral da ONU e o Conselho de Segurança terão a oportunidade de corrigir uma injustiça histórica contra o povo palestino.

Talvez não haja luta ao mesmo tempo tão antiga e tão justa do que a do povo palestino na busca de suas terras ocupadas, na busca de seu Estado nacional. Dos povos da terra, os palestinos, seguramente estão entre os mais antigos e que vivem no mesmo espaço geográfico há milhares de anos. As injustiças cometidas contra eles remontam a uma fatídica decisão da ONU tomada em 29 de novembro de 1947, que dividiu suas terras e autorizou a criação de dois estados, um que acabou sendo proclamado e chama-se Israel; e o Estado da Palestina que, de lá para cá, nunca se constituiu. É sobre esse tema que falaremos neste artigo.

Antes que façamos uma análise sobre a situação atual, é importante resgatar, de forma resumida, um breve histórico do momento da criação do Estado de Israel. Na verdade a ONU votou um plano de partilha apoiado pela Grã-Bretanha, à época já um império decadente, mas ainda influente, e que ocupava grade parte do Oriente Médio desde o final da I Guerra Mundial. As Nações Unidas, recém constituída como Organização sucessora da Liga das Nações, tinha apenas 56 estados membros.

A votação não foi folgada. A proposta de dividir a Palestina em dois estados – pela Resolução de nº 181 da Assembleia Geral – obteve apenas 33 votos, ou seja, 58%. Houve 13 votos contrários – 23% – e 10 restantes abstiveram-se de votar (foram registradas duas ausências). Assim, 42% dos votos discordaram da criação do Estado de Israel de alguma forma. Dito de outra forma, Israel obteve menos que 60% de apoio.

A proclamação do Estado de Israel deu-se no ano seguinte, em 14 de maio de 1947, a partir de votação em uma Assembleia judaica, espécie de parlamento. Esse dia é conhecido pelos palestinos como Al Nakba ou Dia da Desgraça, em árabe. Imediatamente iniciou-se uma guerra entre israelenses e árabes. Israel ampliou as terras “doadas” pela ONU ocupando ainda mais terras “destinadas” aos palestinos pela Organização.

Desse momento histórico para cá passaram 63 anos. A decisão da ONU dividiu a Palestina em duas parte, autorizando a criação e proclamação de dois estados, mas apenas um havia sido constituído. Não bastasse isso, centenas de aldeias palestinas foram destruídas, queimadas. Quase um milhão de árabe-palestinos foram deslocados de suas casas, de suas aldeias, de suas terras. Expulsos. Passaram a viver em acampamentos de refugiados, com suas vidas precárias, insalubres. Hoje somam quase cinco milhões de refugiados espalhados, em sua maioria, por países árabes próximos e vizinhos de Israel.

Nesse período até os dias atuais, pelo menos cinco grandes guerras e conflitos ocorreram entre os sionistas de Israel e a luta de resistência dos palestinos e árabes que lhes fazem fronteiras. O conflito não foi resolvido. O Estado da Palestina nunca foi proclamado.

Um pouco da história mais recente

Do surgimento da Organização para a Libertação da Palestina, onde participam praticamente todos os grupos de resistência à ocupação e em defesa da pátria Palestina, ocorrida em 1964 até a proclamação pelos palestinos de seu Estado nacional, ocorrida em 15 de novembro de 1988, passaram-se 24 anos, sem que o direito dos palestinos de terem seu Estado autorizado pela ONU fosse respeitado.

No período de 1988 a 1993, o mundo sofreu grandes e profundas transformações. Em 1989 o Muro de Berlim veio abaixo. Em agosto de 1990 Saddam invadiu o Kuait e gerou a invasão e a agressão ao Iraque em janeiro de 1991. E nesse mesmo ano, em dezembro, a bandeira da antiga URSS foi arriada do Kremlin, na Rússia.

Ainda assim, a derrota só não foi maior porque nesse mesmo ano de 1991 iniciaram-se conversações secretas na cidade pacifista de Oslo – a mesma que sofreu na sexta passada um ataque terrorista da extrema direita – na Noruega, pela primeira vez, de forma direta, entre palestinos e israelenses. Dois anos depois, ainda que não fosse o que todos esperavam, uma organização governamental que passou a chamar-se de Autoridade Nacional foi constituída e aceita por Israel, ainda que com extremas limitações de poderes, mas saindo do estágio anterior.

Claro, houve ressentimentos entre algumas lideranças palestinas. Argumentavam que isso foi um erro histórico, e alguns chegaram mesmo a acusar Yasser Arafat de ter capitulado ante os israelense, aceitando um acordo equivocado. A maior expressão pública dessas críticas veio de Edward Said, a quem sempre respeitei como intelectual e acadêmico, tendo lido quase toda a sua produção literária disponível em português. No entanto, não estou de acordo com essa visão negativa. Escrevi vários artigos à época elogiando, saudando a criação dessa autoridade. Melhor assim, do que o estágio anterior de completa e simples ocupação.

No entanto, aquilo que se convencionou chamar simplesmente de “processos de paz” foram praticamente interrompidos nos últimos 20 anos. As promessas de rumar para a constituição de um estado nacional, conforme previa em detalhes com fronteiras determinadas, a resolução de novembro de 1947 da ONU, nunca se materializaram. Ao contrário. As negociações eram completamente infrutíferas. A cada troca de governo de Israel, sejam eles ditos “progressistas” (do Partido Trabalhista, social-democrata), sejam eles direitistas (Likud ou Kadima), nunca foram registrados progressos.

Os israelenses, em uma campanha contra Arafat, chegaram a divulgar falsidades de que quem recusou o Estado Palestino foi Arafat, que se via pressionado pelos seus “radicais”. Pura mentira. Tal proposta nunca sequer chegou a ser cogitada pela liderança sionista e israelense.

Da proclamação pelo Estado feito pela OLP em 1988 até os dias de hoje, morreram milhares de palestinos na sua luta pela resistência, pela sua terra. Dependendo dos momentos dos conflitos a cada israelense que morre em ações da resistência morrem, em média de 10 a 20 palestinos, na sua maioria crianças, velhos e mulheres. Uma carnificina, uma barbaridade. E o mundo sempre assistiu isso passivamente e nunca conseguiu fazer nada para impedir essa situação. Em especial os Estados Unidos, a maior potência do planeta, que sempre apoiou aberta e descaradamente o Estado sionista de Israel.

No entanto, as coisas foram ficando tão ruins, e ainda com os massacres continuamente perpetrados contra os palestinos sua luta nacional foi sensibilizando o mundo. Mesmo nos oito anos do governo Bush, de direita e nos dois primeiros de Obama, mais centrista, os Estados Unidos passaram a apoiar a solução de dois estados para dois povos convivendo lado a lado.

A proposta concreta dos palestinos

Fracassaram todas as propostas de paz. O governo Netanyahú, de extrema direita que já governa Israel há dois anos, que nem sequer reconhece a OLP como representante, que nada negocia, que sequer pronuncia a palavra “Estado da Palestina”, acabou por jogar a situação em um completo impasse.

Dessa forma, a liderança nacional da resistência palestina, encabeçada por Mahmoud Abbas, que sucedeu Arafat desde sua morte em 2004, jogou sua principal cartada: faria proclamar o Estado da Palestina de forma unilateral. Após ter unificado todos os 13 grupos que atuam na resistência (Acordo do Cario de 4 de Maio de 2011) – inclusive o Hamas – proclamando a intenção de formar um governo de unidade nacional, essa mesma liderança decidiu, já desde o 1º semestre, levar à Assembleia Geral das Nações Unidas, o pedido de que a Palestina seja aceita como membro pleno da ONU.

Aqui se abriu um debate na comunidade internacional, mas que foi resolvido e praticamente superado no seio do povo palestino. Com quais fronteiras os palestinos deveriam pedir a instalação de seu sonhado Estado nacional?

A proposta que vem ganhando corpo há alguns anos é a de que uma proposta aceitável – ainda que muito aquém da proposta original da partilha de 1947 – seria aquela das fronteiras anteriores a 1967. O mundo começou a aceitar essa proposta. Até que o próprio Obama, em discurso realizado em 19 de maio passado, em Washington, na sede da AIPAC, organização judaica que defende Israel – o mais poderoso lobby judaico nos Estados Unidos, extremamente rico – defendeu abertamente e de forma contundente a criação do Estado da Palestina com as fronteiras anteriores a 1967 (de 4 de junho desse ano, quando houve a chamada Guerra dos Seis Dias).

Não foi a primeira vez que um presidente norte-americano faz isso. Mas foi a primeira com a contundência do seu significado, mencionando volta de refugiados, fronteiras explícitas, Jerusalém, e fez isso perante o próprio primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahú, que estava presente nesse evento. E o fez depois do acordo de unificação da liderança palestina. Mas Obama disse também que esse Estado deveria ser fruto de negociação, e que ele não aceitaria, em hipótese alguma, que a ONU o proclamasse unilateralmente através de uma votação, e que poderia até vetar essa decisão no Conselho de Segurança da ONU.

A campanha em plano mundial

Aqui vale a pena alguns comentários e registros. Em junho passado, um dos príncipes da Arábia Saudita, chamado Turki Al Faisal, publicou um violento artigo no jornal Washington Post, nos Estados Unidos, que obteve imensa repercussão. Em especial junto a famosos colunistas, como Richard Cohen, do mesmo jornal, e Thomas L. Friedman, do NYT. Ambos com comentários favoráveis à linha do líder e membro influente da família real saudita.

Turki faz claramente uma ameaça aos Estados Unidos se eles vetarem na ONU a criação do Estado da Palestina. Dito de outra forma, ele se proclama aberta e francamente favorável a esse Estado. E com fronteiras de 1967 pelo menos. Ambos os colunistas são conservadores, homens de pensamento no mínimo centrista para os padrões brasileiros. Portanto, o apoio deles à linha do príncipe pode estar significando que algo vem se alterando no centro da potência norte-americana.

Do lado de Israel, ouvem-se apenas ameaças e acusações de que os palestinos não negociam. Bobagem. Eles o fazem sistematicamente há exatos 20 anos, desde as conversas na Espanha e Noruega em 1991, patrocinadas pelos EUA quando era presidente Bill Clinton.
Agora, parece que os palestinos cansaram-se de tudo isso. Nada resolve. Não há disposição e nunca houve, na verdade, vontade política da parte dos israelenses para negociar a paz, para garantir as terras palestinas, ainda que estas fossem, a vingar as fronteiras de 1967, apenas e tão somente cerca de seis mil quilômetros quadrados, contra 27 mil quilômetros quadrados da proposta original de 1947. Ficariam com apenas 22%, mas ainda assim um avanço com relação ao que possuem hoje.

Dessa forma, a Liga Árabe decidiu apoiar o patrocínio da OLP junto às Nações Unidas. Os cálculos mais pessimistas da liderança palestina, levando-se em conta declarações expressas da Liga Árabe (22 países), da Organização da Conferência Islâmica (47 países), dos Países Não-Alinhados (77 países) e dos que já reconhecem a Palestina como Estado Nacional, é possível que já se tenha pelo menos 140 países em apoio, mais do que suficientes dos dois terços necessários (129 países). Ainda assim, uma recente pesquisa feita em Israel indica que 77% da população coloca-se absolutamente contrária a que os palestinos tenham seu Estado Nacional com base nas fronteiras de 1967, mesmo que isso levasse a uma paz duradoura.* (...)

30/7/2011

Fonte: ViaPolítica

Lejeune Mirhan é Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e diretor do Instituto Jerusalém do Brasil. Colunista de Oriente Médio do Portal da Fundação Maurício Grabois.

Título original deste artigo: “Colocar nas ruas a campanha pelo Estado da Palestina já!”











Lula

Lula, o metalúrgico como o gringo gosta!
Um conjunto articulado de entrevistas e pronunciamentos de Lula – entrevista “exclusiva” ao “Fantástico”, entrevista à “Veja”, “pronunciamento” em cadeia nacional de rádio e televisão, há alguns dias, nos chamou a atenção. Lula tornou-se o queridinho da “mídia”, ou, traduzindo, o queridinho dos aparelhos ideológicos de Estado de informação e difusão. Esses fatos nos levaram a escrever este artigo para o Boletim do CeCAC e nele tentar “captar a mensagem” do presidente.
Como se pôde comprovar pelas entrevistas, consolidou-se o trabalho destes aparelhos ideológicos em “amarrar” Lula às posições das classes dominantes, processo que analisamos em nosso último Boletim. Estes aparelhos passaram a pautar Lula. Pautar Lula pelas posições ideológicas e políticas das classes dominantes e aos interesses, principalmente, do grande capital financeiro internacional e nacional que, integrados às demais classes dominantes nacionais, determinam as políticas de governo.
“Crise Social?”
Neste processo é importante denunciar a fabricação da “Crise Social” (anunciada na “Folha de S. Paulo”) por estes aparelhos ideológicos, a armação, o ardil dos aparelhos ideológicos com o propósito de criar uma imagem dos “movimentos sociais” de violência e ilegalidade, especialmente do MST. Caracterizar como ilegal, violenta e incontrolável as ações dos “movimentos sociais”, ao forjar notícias, maquiar fatos, para que se crie na “opinião pública” - as classes dominantes e as camadas médias, principalmente - a convicção de que se vive uma situação de instabilidade social, de “Crise Social”. O objetivo desta artimanha não é só e principalmente “criminalizar” o MST, porém “criminalizá-lo” para produzir fatos e situações que levem Lula a romper e reprimir o MST e os “movimentos sociais” ou intimidá-los, enquadrá-los e, assim, consumar seu casamento, de papel passado, com as classes dominantes.
É importante ler o artigo de Antonio Costa sobre a fabricação da “Crise Social” na revista Carta Capital, aliás, um dos raros meios de imprensa a denunciar o trabalho dos aparelhos ideológicos de Estado de informação e difusão. Depois de demonstrar que “O MST, na defensiva desde 2001,...” na melhor das hipóteses realizará neste ano 70% menos ocupações do que quatro anos atrás. Diz Costa em seu artigo: “Quem acompanha as primeiras páginas e os editoriais dos grandes jornais, rádio e telejornais terá, porém, a impressão de que os sem-terra, sem-teto e demais excluídos estão a realizar a maior ofensiva de todos os tempos e a um passo de marchar sobre o Palácio de Inverno, digo, do Planalto”. Aponta a crise financeira dos “meios de comunicação” no Brasil e conclui denunciando a “... decisão do governo Bush de reforçar sua aliança com os ramos mais conservadores da mídia e tentar facilitar a concentração do setor”. (Antonio Costa, "Dize-me com quem andas e...", Carta Capital, no. 254, pg. 26).
Contudo, se hoje a filiação da nomenklatura petista às classes dominantes se torna evidente, mesmo que se tentasse encobrir, já de há muito a política praticada pelo PT, no fundamental, sempre serviu a estes interesses. As classes dominantes por toda a história da luta de classes, desde o início do século passado quando não foi mais possível impedir a organização da classe operária, trabalham com a tática de sua divisão. Divisão na luta política e sindical, estimulando a criação para isto dos “partidos” social-democratas, tática através da qual a burguesia tenta anular a construção e atuação das organizações proletárias, pregando uma ideologia simples, subproduto da ideologia burguesa destinada às classes dominadas, uma ideologia pequeno-burguesa reformista apresentada no caso do Brasil sob tintura radical.
No Brasil foi o PT, concretamente, o instrumento da burguesia para alcançar este objetivo. Dividir a classe operária, afastá-la de sua teoria e de seu partido, não só levando o principal do movimento sindical para uma política de colaboração de classes, como obstaculizando a construção do partido que expresse os reais interesses do proletariado.
Toda esta conjuntura cobra dos setores progressistas e democráticos do país redobrar sua atenção na análise da situação concreta.
Da discussão que vimos realizando, aqui, no CeCAC, em torno dos rumos do governo Lula, ressaltam algumas questões do debate nacional sobre a política do governo (questões sistematizadas pelo companheiro Pedro Castro em seu artigo “Sobre as faces da moeda”, Inverta, 18 a 24/07/2003) que merecem ser retomadas. Segundo o companheiro Castro, a primeira delas é a de “que, logo mais, tanto a necessidade de maior clareza do significado de conceitos e expressões (...) quanto a ampliação da discussão das diferentes formas de luta estarão também na ordem do dia”. “(...) Nesse sentido, a precisão de idéias é uma das demandas cruciais que se impõem”.
Aclarar posições teóricas e políticas
Na verdade, é necessário que na tomada de posição em torno da política levada a cabo por Lula - porque no debate é disto que se trata - que se explicitem as posições teóricas e políticas de quem fala, porque só assim poderemos ter claro não só “conceitos e expressões”, como também as diferentes formas de luta com que as massas poderão enfrentar esta conjuntura.
Do nosso ponto de vista, podemos circunscrever, resumidamente, os críticos do governo Lula vindos do campo que se autodenomina de esquerda a dois grupos. O primeiro grupo, o dos que se acusam de marxistas, mas na verdade esquerdistas ou reformistas, resultam da pressão com que a ideologia dominante empurra incessantemente, como sabemos desde Lênin, o movimento operário, as classes dominadas, em direção a dois desvios: por um lado, o desvio economicista e por outro o esquerdismo, o desvio revolucionarista, sobretudo nesta conjuntura em que a agonia do imperialismo em sua crise coloca em primeiro plano as tarefas da luta antiimperialista.
Como expressão dos desvios desta luta, temos de um lado um conjunto de partidos e organizações que fazem sua crítica a partir do ponto de vista de um esquerdismo delirante - crítica que, no geral, se resume a uma verborragia radical sem ponto de contato com a realidade; de outro, temos a posição das diversas correntes e partidos reformistas, posições que vão daqueles que usam a terminologia marxista para uma crítica cosmética, assegurando seus cargos no governo, até as que propõem abertamente que de pequenas reformas em pequenas reformas faremos a revolução.
A segunda vertente de oposição à política do governo Lula - e esta tem grande repercussão entre os setores mais mobilizados das massas - parte de um grupo de intelectuais e militantes, grande parte deles filiados ao PT ou muito próximos deste, que defendem de forma séria a possibilidade e a necessidade que o governo Lula implemente uma outra política econômica, diversa, pois “Assim, o país retomaria o desenvolvimento, enfrentando o gravíssimo problema do desemprego e da péssima distribuição de renda”.
Entre outros - Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Francisco Oliveira, Fiori, etc.- temos neste grupo de críticos, Leda Maria Paulani, que teve publicado na Revista Reportagem, no. 44, de maio deste ano, artigo sob o título “Brasil Delivery”.
Em seu artigo, Leda Paulani demonstra de forma cabal e competente que a política do governo Lula não passa de uma reedição piorada da política do governo Fernando Henrique; que Lula, como diríamos nós, se porta como um leal administrador do capitalismo. Paulani desmonta item por item a argumentação dos mentores imediatos da política do governo (Palocci, Meireles, Dirceu, Genuíno, etc, e do mentor-mor desta política, Lula) de que: primeiro, esta é a única política possível; segundo, é pré-requisito para o crescimento econômico e o aumento do emprego. (Lula - pronunciamento nacional em rede de rádio e televisão, 14/08/2003).
Não há a menor dúvida quanto às constatações da análise de Paulani de que Lula é um FHC radicalizado, que a política de Lula visa – principalmente – atender a política do imperialismo o que, aliás, de outro ponto de vista, vimos tentando demonstrar em nossos últimos boletins. Primeiro, que só o pior cego, aquele que não quer ver por cegueira ideológica, pode negar de que a política de Lula é uma continuação agravada, exacerbada, da política de FHC. Segundo, que esta política não leva a nada a não ser “ (...) a valorização dos capitais especulativos que hoje dominam o processo de acumulação, ...” (Leda Paulani, "Brasil Delivery") na economia capitalista mundial, aquela que, depois de Lênin, passamos a chamar de imperialismo.
Contudo, a crítica que este grupo de intelectuais e militantes fazem à política de Lula não sai do terreno da economia política burguesa, dos limites do capitalismo em um país dominado. O crescimento econômico que defendem é o crescimento econômico capitalista, o que provavelmente reduziria o desemprego, e, quando falam em dependência é para defender a diminuição da dependência externa e não o seu fim. Portanto, sua visão é insuficiente, insatisfatória, para depreender, conhecer, tanto as possibilidades de alternativas políticas para o país no terreno da economia capitalista mundial, da qual o Brasil faz parte, se isto fosse possível, quanto para pensar os caminhos para superar a exploração e a opressão a que esta dominação sujeita o povo brasileiro.
Por outro lado, as classes dominantes nacionais, desde os tempos de Collor, vêm abraçando com entusiasmo esta política. É só ver as declarações de Horácio Lafer Piva, presidente da Fiesp, a principal organização de classe da classe dominante nacional. O máximo que reivindica é uma “redução mais agressiva da taxa Selic” e a “reversão da desaceleração da economia com mais apoio do governo a setores que têm condições de crescimento” (Reuters Investor, 13/08/03) e, portanto, não só ele, como os demais empresários que se manifestaram sobre a redução de 2,5% da Selic na reunião do Copom do dia 19 e 20, se mostraram exultantes com a política econômica de Lula.
Um outro ponto de vista
O que queremos dizer é que só assumindo o ponto de vista da classe operária podemos fazer com a radicalidade necessária a crítica à política de Lula. Só analisando nossa conjuntura do ponto de vista da classe operária podemos tirar todas as conseqüências para o proletariado do fato de que o Brasil é um país dominado, dominação esta que determina a forma em que aqui se dá o capitalismo e sua peculiar inserção no sistema imperialista, nos limites de sua formação econômico-social específica. Não para dizer que nos limites de sua inserção, da dominação, a luta por uma outra política não seja do interesse da classe operária.
Muito pelo contrário, é do interesse da classe operária e seus aliados lutar por empregos e salários. Portanto, a favor de medidas econômicas concretas que permitam o desenvolvimento da economia, do mercado interno, que abram espaço para um novo processo de “substituição de importações”. É do interesse das massas lutar por melhores condições de vida, saúde, educação, moradia, etc. Portanto, a favor de que o governo realize investimentos na “área social”, que realize investimentos na infra-estrutura. É do interesse das massas do campo lutar pelo assentamento dos trabalhadores rurais, por melhores condições de trabalho no campo, mesmo sabendo que estas medidas econômicas e sociais não ultrapassam os marcos do capitalismo e da política ditada pelo imperialismo. Como é do interesse da classe operária e de seus aliados saber dos limites desta luta e como ultrapassá-los. E que o decisivo no empenho por uma outra política dentro dos marcos da dominação imperialista é a luta, a prática, a experiência das massas (que se dá em cima da conquista de seus interesses concretos), o crescimento do nível de consciência e organização da classe operária e seus aliados, com o objetivo de romper com a dominação imperialista, de acordo com estágio atual da luta de classes, da correlação de forças.
Já afirmamos em número anterior deste Boletim, “(...) que as classes dominadas no Brasil estão ainda num processo, no geral, defensivo, apesar de que a eleição de Lula expressou seu grau de insatisfação” e sabemos que é na luta de classes que a classe operária constrói suas organizações de luta sindical e política e sua teoria. E nesta conjuntura de defensiva das classes dominadas, em que temos um metalúrgico como presidente, temos de levar em consideração que as classes dominadas se vêem na necessidade de encaminhar suas lutas sem contar com sua organização sindical e política de luta.
O que diz o marxismo-leninismo é que a história é a história das lutas de classes, que são as massas exploradas que fazem a história e a fazem na luta de classes sob a direção da organização política da vanguarda do proletariado. E que o partido não poderá assumir esse papel de direção, que pressupõe a educação das massas, sua mobilização e organização, se não estiver profundamente ligado a ela, se não fizer corpo com a classe operária e com as massas exploradas nos desafios de suas reivindicações objetivas econômicas e políticas. Porque, quando as massas se põem em movimento, só aceitam a direção política do partido se este já há muito tempo faz corpo com elas em seu dia a dia, se já esta há muito tempo unido a elas na longa, difícil, heróica, tenaz, e no mais das vezes silenciosa, luta contra a exploração econômica do regime capitalista, seguindo uma linha justa.

São as massas exploradas que fazem a história
Se o partido se afasta, desaparece das massas enquanto partido revolucionário, é prova de que não tem uma linha e uma prática justas em relação a sua própria função política e a sua própria função diante do proletariado e das massas.
O partido deve preocupar-se, até mesmo nos detalhes, com as reivindicações das massas, fazendo o trabalho que lhe é específico, o trabalho de esclarecimento, educação, propaganda, agitação e organização políticas. Isto pressupõe a condição absoluta de que o partido exista na classe operária e nas massas manifestando-se aí enquanto tal. Seja conhecido e apreciado pelas massas, pela sua linha política e ideológica e pela prática de seus militantes e dirigentes. Só através de um largo período junto às massas, aprendendo com elas e educando-as, mobilizando e organizando sua luta de acordo com uma linha justa é que as massas reconhecerão o partido como seu, como sua vanguarda.
Portanto, a tarefa que cabe neste momento, no qual o proletariado está na defensiva, é a de estimular a ação da classe operária e seus aliados naturais - não as pseudovanguardas com quem tanto gosta de se distrair os esquerdismos - mas o proletariado, e não só o proletariado, mas também os trabalhadores assalariados das cidades e do campo, os camponeses em vias de proletarização, os camponeses pobres, os funcionários públicos, as camadas médias, e todos os que são objetivamente vítimas da exploração capitalista, mobilizando-os, organizando-os, educando-os para os engajar na luta a partir de uma linha justa.
E a linha justa hoje, não pode ser outra que não seja a de mobilizar, organizar, educar e dirigir a classe operária e seus aliados no cotidiano da luta de classes, nas suas reivindicações materiais, econômicas, das mais simples às mais elevadas. Luta que se trava sem interrupção, de maneira surda ou visível, e se irradia da prática da produção para todas as esferas da sociedade, reconstruindo suas organizações de luta, tendo a consciência que a batalha pelas reivindicações da massa – a luta econômica – é uma luta política e que a luta política só se dá sobre o terreno objetivo da luta econômica.
Luta pelas reivindicações concretas das massas, contra o desemprego, por melhores salários, melhor condição de trabalho e de vida, pela terra, por melhor condição de trabalho na terra. Lutas que as massas já estão travando em sua condição concreta, sem deixar de lhes apontar os limites destas e de lhes esclarecer sobre seus interesses.
Consideramos que o objetivo prioritário do trabalho político e organizativo é o de realizar a fusão real da luta econômica e política da classe operária e de seus aliados nas cidades e no campo, reconstruindo suas organizações de luta sindical e seu partido político.
Marco Antonio V. dos Santos

(CECAC)

Pensamentando

ragmentos
.
Por Luiz Rosemberg Filho, do Rio de Janeiro


Inventamos máquinas, tratados, imagens, palavras e repetições no progresso frágil das nações. Mas para quê?

“ Sermos ou não sermos compreendidos pelas figuras oficiais do momento pouco importa. Entre as massas anônimas que se ocultam por trás delas não faltam indivíduos que querem compreender e que, num momento dado, dão bruscamente um passo à frente; já muitas vezes tive a experiência disso.”
S. Freud

Colagem de Luiz Rosemberg Filho
Digamos que o futuro tornou-se um campo de concentração para os que sobreviveram às tantas e tantas guerras, necessárias ao capital. Vivemos todos uma espécie de desistência gradual onde o tempo perdeu a sua lógica e a imagem passou a ser o meu confessionário... Estou demasiadamente velho para acreditar em novos futuros, em compaixões ou idiotismos religiosos. É o efêmero e não o êxtase que rege nossas vidas sem expressão alguma com o infinito das possibilidades da criação. Pois em essência o ato de criar reconstrói a beleza, a paixão e a desordem, numa espécie de embriaguez intensificada pela arte. E como diz a nossa Rosa, filósofa: “A arte de viver é adversária do fascismo”. Fascismo que se tornou planetário com o consumo, a televisão e o espetáculo como estratégia da violência ruminada pelo dinheiro.

O tempo sempre foi essa desgraça para todos. E nos acomodamos como animais enjaulados, sem o sentido do próprio passar do tempo. O que vemos nas máquinas são apenas algumas sensações do passado já distante, já que a indignidade humana prevaleceu em tudo e todos. Talvez isso já seja o Purgatório, onde “a fronteira entre a realidade e a fantasia é tão tênue neste lugar circunscrito, horrivelmente solitário”... E nem posso mais me olhar como estou. Não posso mais ver o meu olhar, e as minhas rugas espalhadas pelo rosto.

Ora, qual será a duração do meu fim? Esforço-me para não chorar; mesmo porque não adiantaria nada... Vivemos no tempo do esquecimento fácil. Tento lapidar singularidades da memória distante. Já estávamos fartos do lirismo que nada dizia. Mesmo a função messiânica dos muitos discursos políticos nos empobreciam ainda mais. E entre delicadas e sofridas formulações filosóficas, o silêncio e a música como a nossa melhor referência de prazer. Tornou-se necessário dessincronizar as palavras das imagens, pois queríamos viver experiências concretas e também abstratas, pois como dizia o poeta: “Cada minuto de vida/ nunca é mais, é sempre menos.”

Talvez o grande erro dessa nossa geração tenha sido acreditar nas muitas explicações como justificativas para tudo. É como dizia Drummond: “Os parentes que eu tenho não circulam em mim./ Meu sangue é dos que não negociaram,/ minha alma é dos pretos,/ minha carne dos palhaços, minha forma das nuvens, e não tenho outro amor a não ser o dos doidos.” Ora, como queriam nos implicar em barganhas duvidosas sem nenhum conteúdo sólido ? Venderam-nos todos os dias, um estado de “licenciosidade erótica” sem gozo. Éramos alimentados por uma permanente submersão na lama das imagens e das idéias. Rumos e sombra do que estava por vir: o abismo difuso da morte. O corpo só como imagem. A palavra como síntese de um imenso vazio. O baixo truque da religiosidade cristã sem invenção, pois os porcos só queriam dinheiro e poder.

Foi sempre muito difícil não ser comum ou igual. A tendência dominante era rejeitar o pensamento e a sensibilidade, rumo às “armações metálicas” de um mundo sem poesia, mas sentimentalizado pela política das imagens. E aí estão elas apenas na memória. E ainda assim projeção do nosso fascismo cultural, ultraconservador. Vivíamos entre estilhaços da polícia e papagaios de direita justificando sempre a barbárie! Wall Street, Nova York, Califórnia, Hollywood e a Coca-Cola eram as nossas únicas referências, numa espécie de inversão erótica na degustação do caviar, champanha e capital na heroicização romântica da cocaína.

Na verdade, um clichê da modernidade sem expressão poética, em que tudo e todos se pareciam. E onde dormia e ainda dorme nossa trágica civilização. Deste “aprendizado” triste, resultam esses poemas visuais perdidos no tempo da memória! Já dizia o poeta na Arte de Amar: “Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo/ Porque os corpos se entendem, mas as almas não.” Anti- sentimentalizante, o paraíso poderia ser ali com força e expressividade.

Mas... optamos por envelhecer envergonhados com o que fomos, deixando tudo pelos caminhos da vida. Tempos divergentes empobrecidos pela porca política partidária, sem compromisso com a vida verdadeiramente vivida. E onde tal participação pensada implicaria em ousar e gozar, sem interdição alguma. Mas no medo, nos faltou desordem como inovação da vida. E muito por isso...

Inventamos máquinas, tratados, imagens, palavras e repetições no progresso frágil das nações. Mas para quê? Murilo Mendes escreveu numa homenagem a um amigo: “A inocência perguntou à crueldade:/ Por que me persegues?/ A crueldade respondeu-lhe:/ E tu, por que te opões a mim?” E como não foi possível uma resposta satisfatória, nos deixamos transformar em “mortos insepultos”. Em espectros! Nossa adesão mitológica ao inferno cristalizado numa existência embrutecida, chamada Brasil.

Claro, fomos para as ruas defender o patético discurso político. Atacar o capitalismo com seu modo de produção excessiva de amoralidades sempre insaciável. Mas no bojo da propaganda enganosa, o herói, a solidão e o capital atrelado ao sucesso na TV.

Ousaria dizer que o fetichismo do corpo-mercadoria é uma espécie de perversão lucrativa. Rege o sistema capitalista transformando o humano em máquinas de imagens. Satisfaz o capital, mas não à poesia como necessidade afetiva. E a vida, que já foi um bem maior, foi transfigurada num naufrágio aparelhado de bombas e fascismos. Enfim, só me restou essa máscara, onde não me reconheço mais como humano. Sou apenas parte da máquina que me possibilita ainda ver, e não mais tocar num corpo nu de mulher. Daí o sujeito sem gozo ligado por fios numa operação de repetições.

Máquinas que pensam por nós. A desonestidade como verdade dos discursos que nada dizem. E encolhido na escuridão destes tempos, aguardo o meu fim. Qual será a duração dessa viagem de despedida? Como devo responder? Nada de lágrimas. A máquina nos esvaziou de todo e qualquer sentido ou ação, impondo dores, ausências, medos e depressão. Sinto-me pouco à vontade. Sinto não mais ter uma percepção clara do tempo. Ora, o que foi que fizemos da “grandeza da multiplicidade humana”?

Silêncio e indiferença como resposta. Que serventia teria o saber agora, para os que estão partindo como eu? Carrego comigo um estado vagaroso de falecimento. E o indizível torna-se uma espécie de retorno às velhas reminiscências vividas intensamente no passado. E enquanto penso, prolongo minha vida. Para que e porque, não sei responder. Talvez seja o medo de não mais poder ouvir Bach, Mozart e Beethoven, que sempre me acompanharam agregados à beleza demoníaca do saber e do gozar. Poesia essa que carrego com satisfação sacerdotal.

Contudo, como pudemos acreditar em bancos, partidos políticos, planos de saúde, religiões, meios de comunicação, discursos e fascismos? Que sonhos podia nutrir em face da mudez berrante de todo esse lixo? Assim, ‘em consternada tristeza’, fomos passando pela vida, temendo mais a beleza que a morte. Por fim, eis a pobreza de nossa porca civilização de consumo: a involução entrelaçada à transfiguração do humano, do amor e humor. Foi para isso que nos vestiram com fardas e maldições doentias?

23/7/2011

Fonte: ViaPolítica/O autor

Mais sobre Luiz Rosemberg Filho
rosemba1@gmail.com

Veja, em ViaPolítica, cinco curtas-metragens de Luiz Rosemberg Filho:
Desertos
Nossas Imagen$
As últimas imagens de Tebas
O discurso das imagens
Sem Título












Terra Basca

Terra Basca e Liberdade
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Texto de Jorge Pinheiro e fotos de Naira Di Giuseppe, de Hendaye, França


A história do povo basco é coberta de mistério e alguns arriscam dizer que ocuparam uma única região da Europa por muito mais tempo que qualquer outro grupo étnico.

Foto de Naira Di Giuseppe

A Europa é um espaço de conflito de ideias e projetos civilizatórios. É e sempre foi assim. Talvez os motivos disso sejam a presenca de culturas e povos diferentes aí instalados, a plantação beligerante dos monoteísmos, cujas mensagens de paz estão embainhadas na espada, e a dificuldade para se harmonizar tanta diversidade.

Somos obrigados a pensar nisso quando chegamos a Hendaye, cidadezinha linda, com apenas 15 mil habitantes, um balneário para a alegria dos turistas que se bronzeiam na praia. Situada no meio do País Basco, às portas da Espanha, Hendaye é banhada por duas águas, aquelas do oceano Atlântico e as da baía de Txingudi. A cidade é um ponto para os esportes náuticos. E para quem gosta de natureza preservada, há o complexo de Serge Blanco e o domínio d'Abbadia.

Como disse Naira, a partir de suas perambulações pela cidade, “Hendaye é diferente do que estamos acostumados a ver em nossas passagens pela Europa. As casas têm nomes, talvez até vejamos isso em algumas cidadezinhas brasileiras, mas aqui os nomes são de qualquer modo diferentes, estão numa língua estranha para mim, em basco. As placas e indicações da cidade também aparecem em basco, mas também em francês. Então tentei aprender esse novo idioma, deduzir pelo francês e pela repetição dos termos, o que era, por exemplo, `karrika´, `rua´.”

Outra coisa interessante, além da arquitetura e das fachadas das casas, de acordo com as observações de Naira, é que está próxima a cidades de praias famosas. Biarritz, por exemplo, parece que não está muito longe daqui. Mas Hendaye nos leva à estação de esqui, pois está ao sopé da montanha, nos Pirineus. E vimos gente com esquis nas mãos. Ela comentou: “É claro que nesta época do ano, verão, não há neve aqui embaixo, por isso achei meio estranho o pessoal com esquis – mas lá em cima é diferente. E você vai encontrar placas: Ongi etorri Euskal mendietarat! Bienvenue dans la montagne basque! Ou seja, bem-vindo à montanha basca. E as águas da baía de Txingudi formam um belo conjunto de paisagem com a montanha ao fundo”.

Foto de Naira Di Giuseppe

Hendaye é uma comuna francesa. Comuna na França é uma unidade territorial grande, subdividida em arrondissement, departamento e região. No caso, Hendaye fica na região administrativa da Aquitânia, no departamento dos Pireneus Atlânticos. É uma cidade basca.

A história do povo basco é coberta de mistério e alguns arriscam dizer que ocuparam uma única região da Europa por muito mais tempo que qualquer outro grupo étnico. Estrabão, no século I, disse que a região onde hoje se localizam Navarra e Aragão, a leste da atual comunidade autônoma do País Basco, era habitada pelos vascones. Embora vascones lembre bascos, não se sabe se os vascones foram de fato os ancestrais dos bascos de hoje.

O movimento nacionalista basco nortista nasceu em 1963, teve uma atuação importante na região, mas nunca alcançou mais do que 15% dos votos. Conquistou, porém, uma vitória democrática importante quando, em 1997, a região basca na França foi reconhecida como “país”, e hoje recebe o nome de Pays Basque, com direitos culturais, mas sem orçamento próprio. Atualmene, aqui na região, cerca de 22% da população é bilíngue, 8% é francófona que entende basco, e os restantes 70% só falam francês.

Já no sul a situação foi bem diferente, por isso remonto à Guerra Civil Espanhola. Em 1937, na metade da guerra, as tropas do Governo Autônomo Basco, para nosso incômodo histórico, se renderam em Santoña às tropas italianas aliadas ao General Franco. Essa rendição partiu de um acordo: que a indústria pesada e a economia bascas não fossem atingidas. Para a esquerda isso foi uma traição, principalmente porque soldados bascos se uniram ao exército franquista no resto das batalhas no front norte.

Depois da guerra, Franco iniciou a consolidação da Espanha como estado-nação unificado. O regime introduziu leis contra as nacionalidades, e procurou acabar com a cultura e o idioma bascos. Considerou Biscaia e Guipúzcoa províncias traidoras, aboliu a autonomia, mas Navarra e Álava mantiveram pequenos privilégios.

A oposição a essas ações criou o movimento separatista basco e a Euskadi Ta Askatasuna/ ETA, que significa Terra Basca e Liberdade. A morte de Franco e a democratização espanhola levaram à criação da região autônoma, mas a luta separatista se manteve até 2005. Hoje, o País Basco no sul tem parlamento eleito, força policial, sistema educacional e coleta de impostos. E mais que nada, cultura e idioma livres e reconhecidos.

Voltando à viagem. Saia de Coimbra de trem, cruze parte do norte de Espanha, que tem cidades lindas, e apeie em Hendaye. Fique aí uns dias. É uma maneira deliciosa de entrar na França. Bidai ona izan! Bon voyage! Boa viagem!

30/7/2011

Fonte: ViaPolítica/O autor

Jorge Pinheiro é cientista da religião e teólogo. É doutor e mestre pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo. Pastor adjunto na Igreja Batista em Perdizes (SP). Nasceu no Rio de Janeiro, em 1945, foi dirigente estudantil secundarista e universitário. Ligou-se ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), de inspiração brizolista. Exilou-se no Chile, onde foi preso após a queda do governo de Salvador Allende. Ligou-se às correntes trotskistas internacionais, viveu em Portugal e, clandestinamente, no Brasil, sob a ditadura. Foi processado pelo regime militar e, em 1979, beneficiado pela Lei da Anistia. Exerceu o jornalismo na revista Manchete e no jornal Folha de S. Paulo, e foi um dos editores do jornal alternativo Versus, em sua última etapa, em São Paulo.

E-mail: jorgepinheiro.sanctus@gmail.com

Blog: http://jorgepinheirosanctus.blogspot.com/













Israel

Fim do genocídio do Estado terrorista de Israel em Gaza!
Viva a heróica resistência do povo palestino!
Com o maior poderio bélico da região, que inclui armamento nuclear, alimentado pela voraz indústria de guerra estadunidense, o Estado terrorista de Israel vem massacrando criminosamente com ataques militares a população palestina da Faixa de Gaza. Nos últimos dias, mais de 500 pessoas foram mortas e cerca de 2500 feridas. Civis, crianças, mulheres e idosos são vítimas do genocídio. Residências, hospitais, mesquitas, escolas, a Universidade foram atingidos.
Não há propaganda pró-Israel ou pró-EUA que consiga mascarar o genocídio. Certamente não são alguns "rojões de quintal", como bem os definiu o escritor Tariq Ali, que mais fazem barulho do que danos, o que está no fundo da sanha belicista em questão.
Os ataques do Estado sionista de Israel contra o combativo e resistente povo palestino na Faixa de Gaza estão inseridos na atual conjuntura de acirramento das contradições do sistema capitalista e são uma de suas expressões. Expressão do agravamento da crise econômica, política, militar, ideológica do imperialismo, com o correspondente agravamento da luta de classes no mundo, da resistência do proletariado e dos povos à intensificação da exploração e opressão.
Além e mais do que a ação em defesa dos seus interesses específicos, expansionistas, estratégicos próprios, Israel é utilizado pelos EUA como sua ponta de lança no Oriente Médio para policiar e submeter os povos da região, garantir a dominação para enfrentar o aprofundamento da crise. Garantir a submissão dos povos (que devem ser dóceis e se dobrar ao seu poderio), garantir a extração e reserva de matérias-primas.
A resistência heróica do povo palestino é um exemplo de luta que o imperialismo, com seus tentáculos israelenses, tenta esmagar para a continuidade do processo de exploração capitalista, em nível mundial, com tudo o que isso significa de rastros de sangue, de atrocidades, de barbárie. Mas as manifestações de apoio ao povo palestino e contra os ataques ganham as ruas em todo o mundo.
Israel atua, na verdade, como um Estado testa de ferro dos interesses do grande capital, das grandes monopólios norte-americanos e do Estado norte-americano que defende, em última instância, estes interesses. O holocausto imposto ao povo palestino, portanto, é uma guerra do imperialismo norte-americano (com a cumplicidade dos outros blocos/países imperialistas, mesmo com o agravamento das contradições inter-imperialistas), que utiliza Israel como seu preposto, em sintonia com seus objetivos estratégicos.
Com um mínimo de informação sobre os antecedentes do ataque de Israel fica evidente que o Estado sionista preparou as ações militares contra a Faixa de Gaza há cerca de seis meses. E foi Israel que rompeu o cessar fogo, invadindo o território palestino em novembro (e que teve como resposta lançamento de “foguetes” de fabricação caseira, os “rojões de quintal”), além do criminoso bloqueio e isolamento da Faixa de Gaza, proibindo até a entrada de alimentos, fato identificado corretamente por várias personalidades progressistas no mundo com uma prática semelhante ao holocausto nazista.
Crescem entre os povos de todo o mundo, nas organizações democráticas e antiimperialistas a mais irrestrita solidariedade à histórica e heróica resistência do povo palestino, bem como o repúdio às bárbaras agressões de Israel contra a população da Faixa de Gaza. O aprofundamento da agressão israelense abre a perspectiva do avanço da unidade e firmeza do povo palestino na luta pela libertação e contra o imperialismo.
Fim do genocídio na Faixa de Gaza!
Pela criação do Estado da Palestina!
Viva a heróica resistência do povo palestino!
Leia também:
- FPLP condena fortemente a submissão do Conselho de Segurança da ONU à dominação de EUA
- Uma breve resposta à desinformação sionista - por Khalid Amayreh
- Que venham as câmaras de gás e os crematórios - Georges Bourdoukan
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A agressão israelense em imagens

criança especial atingida Mesquita destruída criança recebe socorro




tanque israelense homem ferido homem mutilado
Bombardeio na Faixa de Gaza
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Resistência Palestina e Manifestações de Solidariedade em imagens

Protesto em Roma com sapato Manifestação na Indonésia palestinos resistem




Manifestação na França 10 mil manifestantes em Londres
Manifestação em Israel
Palestino coloca bandeira do Hamas
em Mesquita bombardeada

Manifestação em Gaza no enterro de palestinos assassiandos pelos bombardeios israelenses
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Imprensa....

Pelo Fim à Liberdade da Grande Imprensa


A nossa cínica e hipócrita mídia brasileira (mais precisamente a grande mídia), volta e meia faz um grande estardalhaço e muito barulho contra uma suposta censura que poderia vir a sofrer ou que já estaria sofrendo. Nada poderia ser mais patético, falacioso e medíocre do que esse tipo de campanha. Não há nada nem ninguém mais livre no Brasil do que os barões dos grandes meios de comunicação. É um setor que possui mais liberdade do que qualquer outro ramo empresarial e até mesmo do que qualquer cidadão brasileiro. E os exemplos são os mais numerosos e mais variados possível: caluniam e perseguem pessoas (físicas e jurídicas) que contrariam seus interesses políticos e econômicos, funcionam como verdadeiros partidos políticos (ganharam até o nome de PIG: Partido da Imprensa Golpista), o conteúdo de suas programações são extremamente ideológicos, parciais, pessoais enfim, fazem o que querem e o que bem entendem no uso das concessões públicas, como se tais concessões fossem uma propriedade privada ou algo vitalício.

O melhor argumento que prova o cinismo e a hipocrisia desse tipo de campanha que tenta transformar o lobo em cordeiro é extremamente simples e direto: a liberdade de imprensa não está ameaçada porque simplesmente nunca existiu e ainda não existe liberdade de imprensa no Brasil. Quando apenas meia dúzia de famílias detêm o monopólio das concessões de rádio e televisão em todo o país, isso só pode significar que somos reféns de uma Ditadura da Informação que protege, privilegia e reproduz exatamente aquilo que representa os interesses dos detentores dessas concessões ou, mais precisamente, os seus interesses como classe social. O que eles têm, portanto, não é o medo de perder a liberdade, mas medo de perder o controle e o monopólio da comunicação que, consequentemente, representa também a perda do poder de (de)formar a opinião pública (o senso comum) que tem na televisão e no rádio os seus meios quase que exclusivos para a obtenção de informações dos mais variados temas.

Chega a dar uma ânsia de vômito ver aquelas propagandas exibidas pelas emissoras de televisão que tratam dos seus próprios telejornais. Tentam vender uma imagem de imparcialidade e impessoalidade, mostrando seus jornalistas (ou seriam atores?) discutindo as notícias, “decidindo” o que vai para o ar, como se aquilo fosse realmente verdade... Só quem não possui uma mínima noção do que é um telejornal de uma grande emissora pode pensar que quem decide o seu conteúdo são os próprios jornalistas; se é que esses ainda podem ser chamados assim, pois não passam de garotos de recado com talentos mais propícios à dramaturgia do que a qualquer outra coisa. Em busca de fama, dinheiro e glamour, enveredam pelo caminho da dissimulação, da palavra vazia e acrítica, da obediência cega e da subserviência total e irrestrita, da cumplicidade em crimes dos mais variados tipos, dos ataques mais covardes e brutais contra aqueles que atrapalham os interesses de seus respectivos patrões e, por fim, praticam o sensacionalismo cretino que explora sem sensibilidade e respeito algum as mais variadas desgraças e tragédias da vida humana.

Assim, ao manipular a informação e, consequentemente, manipular o senso comum, a opinião pública, esses déspotas mercenários se passam por baluartes da democracia e da liberdade; seus crimes são encobertos e suas responsabilidades são ocultadas e desviadas contra aqueles que os acusam; se sentem-se ameaçados de punição por alguns de seus crimes, logo gritam a todos que a liberdade de imprensa está ameaçada e achincalham seus acusadores; protegem e defendem da forma mais vil todos os seus aliados e comparsas, alçando alguns deles às instâncias de poder e lutando para que aqueles que já estão lá permaneçam incólumes na missão de defender seus interesses políticos, econômicos e ideológicos. Balzac, em seu romance Ilusões Perdidas (ainda no início do século XIX), não deixou dúvidas sobre aquilo em que o jornalismo viria a se transformar. Diz o autor através de um dos seus personagens:

“O jornal, em vez de ser um sacerdócio, tornou-se um meio para os partidos; e de um meio passou a ser um comércio e, como todos os comércios, não tem fé nem lei. Todo jornal é uma loja onde se vendem ao público palavras com as cores que ele deseja. Se existisse um jornal dos corcundas, dia e noite provaria a beleza, bondade, a necessidade dos corcundas. Um jornal não é mais feito para esclarecer, mas para adular as opiniões. Assim, todos os jornais serão em um dado tempo covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos; matarão as ideias, os sistemas, os homens, e por isso mesmo florescerão. Terão a vantagem de todos os seres pensantes: o mal estará feito sem que ninguém seja o responsável. […] Napoleão justificou esse fenômeno moral ou imoral, como desejarem, através de uma frase sublime, ditada sobre os seus estudos sobre a Convenção: 'Os crimes coletivos não comprometem ninguém.' O jornal pode se permitir a mais atroz conduta, ninguém sairá pessoalmente maculado.”

Não creiam, portanto, quando ouvirem gritos e também sussurros de que a liberdade de imprensa está ameaçada, pois não se perde aquilo que não se tem. Pelo contrário, a imprensa que temos hoje está aí mais para garantir uma censura velada do que uma liberdade declarada. A grande mídia não deixou de ser golpista pelo simples fato de que os militares não estão mais no poder. Vivemos hoje sob a ditadura do mercado e, mais do que simples anunciantes e colaboradores, os detentores do grande capital são hoje sócios e donos dos grandes meios de comunicação, gerando uma relação mais promíscua e nefasta do que em qualquer outra época histórica. Com isso, o preço que pagamos diariamente para que esse tipo de imprensa continue a existir é o encarceramento das ideias, a morte da crítica e a destruição da memória. Para quem adora o deus mercado parece um preço justo, mas para quem ainda coloca o direito à vida acima do direito ao lucro, esse preço está saindo caro demais. Por tudo isso, não resta outra alternativa a não ser lutar e gritar pelo fim à liberdade da grande imprensa.


Renato Prata Biar; Historiador; Pós-graduado em Filosofia; Rio de Janeiro
(De um emeio recebido)




Obama

Os riscos da arrogância do Império
12/05/2011
por Leonardo Boff
Conto-me entre os que se entusiasmaram com a eleição de Barack Obama para Presidente dos EUA, especialmente vindo depois de George Bush Jr., Presidente belicoso, fundamentalista e de pouquíssimas luzes. Este acreditava na iminência do Armagedon bíblico e seguia à risca a ideologia do Destino Manifesto, um texto inventado pela vontade imperial norte-americana, para justificar a guerra contra o México, segundo o qual os EUA seriam o novo povo escolhido por Deus para levar ao mundo os direitos humanos, a liberdade e a democracia. Esta excepcionalidade se traduziu numa histórica arrogância que fazia os EUA se arrogarem o direito de levarem ao mudo inteiro, pela política ou pelas armas, o seu estilo de vida e sua visão de mundo.

Esperava que o novo Presidente não fosse mais refém desta nefasta e forjada eleição divina, pois anunciava em seu programa o multilateralismo e a não hegemonia. Mas tinha lá minhas desconfianças, pois atrás do Yes, we can (“sim, nós podemos”) podia se esconder a velha arrogância. Face à crise econômico-financeira apregoava que os EUA mostraram em sua história que podiam tudo e que iam superar a atual situação. Agora por ocasião do assassinato de Osama bin Laden ordenada por ele (num Estado de direito que separa os poderes, tem o Executivo o poder de mandar matar ou não cabe isso ao Judiciário que manda prender, julgar e punir?) caiu a máscara. Não teve como esconder a arrogância atávica.

O Presidente, de extração humilde, afrodescendente, nascido fora do Continente, primeiramente muçulmano e depois convertido evangélico, disse claramente: “O que aconteceu domingo envia uma mensagem a todo o mundo: quando dizemos que nunca vamos esquecer, estamos falando sério”. Em outras palavras: “Terroristas do mundo inteiro, nós vamos assassinar vocês”. Aqui está revelada, sem meias palavras, toda a arrogância e a atitude imperial de se sobrepor a toda ética.

Isso me faz lembrar uma frase de um teólogo que serviu por 12 anos como assessor da ex-Inquisição em Roma e que veio me prestar solidariedade por ocasião do processo doutrinário que lá sofri. Confessou-me: ”Aprenda da minha experiência: a ex-Inquisição, não esquece nada, não perdoa nada e cobra tudo; prepare-se”. Efetivamente assim foi o que senti. Pior ocorreu com um teólogo moralista, queridíssimo em toda a cristandade, o alemão, Bernhard Hâring, com câncer na garganta a ponto de quase não poder falar. Mesmo assim foi submetido a rigoroso interrogatório na sala escura daquela instância de terror psicológico por causa de algumas afirmações sobre sexualidade. Ao sair confessou: “o interrogatório foi pior do que aquele que sofri com a SS nazista durante a guerra”. O que significa: pouco importa a etiqueta, católico ou nazista, todo sistema autoritário e totalitário obedece à mesma lógica: cobra tudo, não esquece e não perdoa. Assim prometeu Barack Obama e se propõe levar avante o Estado terrorista, criado pelo seu antecessor, mantendo o Ato Patriótico que autoriza a suspensão de certos direitos e a prisão preventiva de suspeitos sem sequer avisar aos familiares, o que configura sequestro. Não sem razão escreveu Johan Galtung, norueguês, o homem da cultura da paz, criador de duas instituições de pesquisa da paz e inventor do método Transcend na mediação dos conflitos (uma espécie de política do ganha-ganha): tais atos aproximam os EUA ao Estado fascista.

O fato é que estamos diante de um Império. Ele é consequência lógica e necessária do presumido excepcionalismo. É um império singular, não baseado na ocupação territorial ou em colônias, mas nas 800 bases militares distribuídas pelo mundo todo, a maioria desnecessária para a segurança americana. Elas estão lá para meter medo e garantir a hegemonia no mundo. Nada disso foi desmontado pelo novo Imperador, nem fechou Guantánamo como prometeu e ainda mais, enviou outros trinta mil soldados ao Afeganistão para uma guerra de antemão perdida.

Podemos discordar da tese básica de Abraham P. Huntington em seu discutido livro O choque de civilizações. Mas nele há observações, dignas de nota, como esta: “a crença na superioridade da cultura ocidental é falsa, imoral e perigosa” (p.395). Mais ainda: “a intervenção ocidental provavelmente constitui a mais perigosa fonte de instabilidade e de um possível conflito global num mundo multicivilizacional” (p.397). Pois as condições para semelhante tragédia estão sendo criadas pelos EUA e pelos seus súcubos europeus.

Uma coisa é o povo norte-americano, bom, engenhoso, trabalhador e até ingênuo que admiramos, outra é o Governo imperial, que não respeita tratados internacionais que vão contra seus interesses e capaz de todo tipo de violência. Mas não há impérios eternos. Chegará o momento em que ele será um número a mais no cemitério dos impérios mortos.
(Blog do Boff)

sábado, 13 de agosto de 2011

Pensamentando I

Entrevista: Vladimir Safatle

Entrevista: Vladimir Safatle
"A ascensão da nova classe média vai bater no teto"
O filósofo e professor da USP analisa o atual momento da esquerda, o futuro da “nova classe média”, os oito anos de Lula, o governo de Dilma e a democracia brasileira
A oportunidade da esquerda brasileira está em usar a vontade de ascensão da nova classe média para recolocar em circulação o discurso do conflito de classe, “assim como a exposição dos malefícios da desigualdade”. A opinião é do filósofo Vladimir Safatle, professor do departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP).

Em entrevista à Caros Amigos, Safatle afirma que tal ascensão vai “bater no teto” até o final do mandato de Dilma, embora avalie como um erro parte da esquerda negar sua existência. “Não concordo com setores da esquerda que parecem tratála como uma ilusão. Os números são bastante claros e a autopercepção da população também”.

Sobre a oposição de esquerda ao PT, ele acredita que até agora ela foi “ineficiente”. “O PSOL, por exemplo, assumiu durante um bom tempo o figurino de uma espécie de UDN vermelha, que parecia se pautar pelos escândalos da imprensa para definir suas ações”.

Durante a entrevista, Safatle também faz um balanço do governo Lula, que, segundo ele, “conseguiu estabelecer uma política bipolar por meio da qual ações contraditórias foram vistas como astúcia política natural”, e diz não ter muitas expectativas em relação ao governo Dilma. “Para quem entendia a política como espaço para a efetivação de mudanças estruturais de base, o que Dilma tem a oferecer não é entusiasmante”.

Caros Amigos - Em recente entrevista, você disse que Lula foi bem sucedido em ser uma espécie de Mata Hari do capitalismo global, ao saber jogar em dois tabuleiros, assim como Getúlio Vargas. Qual o balanço que você faz dos oito anos de governo Lula?

Vladimir Safatle - A expressão vem de um filme de Fassbinder, O casamento de Maria Braun. Nele, Fassbinder conta a história da ascensão de uma mulher pobre que procura vencer na Alemanha do pós-guerra. Em dado momento, ela está na direção de uma empresa e precisa negociar com o sindicato. Como o líder do sindicato é um velho conhecido, a conversa, mesmo dura, se resolve bem. Ao ver a camaradagem entre os dois, alguém pergunta a Maria Braun: “Afinal, quem você é?”. Ela responde: “Sou a Mata Hari do capitalismo global”.

De fato, esta me parece a melhor definição para o fenômeno Lula. Ele conseguiu estabelecer uma política bipolar onde ações contraditórias foram vistas como astúcia política natural. Um exemplo paradigmático foi a visita de George W. Bush ao Brasil. Enquanto era recebido no Planalto e oferecia um discurso onde chamava Lula de grande aliado, o PT ia para a rua fazer manifestação contra a presença de George W. Bush. Isto era, na verdade, o sintoma de um jeito peculiar de fazer política que consiste em oferecer compensações simbólicas a todos os lados. Ele ficou evidente no fato de todos os conflitos políticos terem sido transplantados por Lula para o cerne do Estado. Assim, a luta entre monetaristas e neodesenvolvimentistas virou uma briga entre Ministério da Fazenda e Banco Central.

A briga entre agronegócio e ecologistas virou um embate entre o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente; aquela entre os torturadores do Exército e os grupos de direitos humanos virou o conflito entre Ministério da Defesa e Secretaria Nacional dos Direitos Humanos. Ou seja, todos tinham lugar no governo, o que, ao mesmo tempo, fornecia um reconhecimento simbólico e imobilizava muitas demandas à espera da decisão do “mediador universal” que, no caso, era o próprio Lula.

Desta forma, Lula conseguiu radicalizar um modelo de política que foi desenvolvido por Getúlio Vargas. Vargas desenvolveu uma espécie de acordo entre pressões sindicais e interesses da burguesia nacional patrocinado pelo Estado. Lula generalizou este modelo para a gestão de todo e qualquer conflito social. É interessante perceber que quando o Brasil funciona “normalmente”, ele tende a se acomodar no modelo da dissensão getulista.
Para ler a matéria completa e outras matérias confira edição de agosto da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.

O. Médio

Ditadores árabes seguram-se... mas até quando?
12/08/2011 | Robert Fisk

Embora se saiba que vive mudando de direção conforme sopre o vento, Walid Jumblatt começou a fazer comentários pessimistas sobre a Síria.
O líder druso, chefe do Partido Socialista Progressista do Líbano, ‘senhor-da-guerra’, foi quem sugeriu que dever-se-ia esquecer o Tribunal Especial da ONU e as investigações sobre o assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafiq Hariri, em nome de defender “mais a estabilidade que a justiça”. Ouviu urros de ira de Saad Hariri, filho do ex-primeiro-ministro, que atualmente perambula pelo mundo para ficar bem longe do Líbano – o que é compreensível, porque teme ser também assassinado –, enquanto a Irmã Síria cala-se para o oriente. Agora, Jumblatt anda dizendo que há forças na Síria que impedem qualquer reforma.
Parece que “alguns” no regime do Partido Baath não querem ver traduzidas em ação as promessas de reforma que o presidente Bashar al-Assad tem feito. Soldados não devem atirar contra civis. Jumblatt diz que a lição da Noruega é útil também para o regime sírio; o mundo árabe não deixou de anotar que as sandices que Anders Breivik distribuía pela internet incluíam a exigência de que os árabes deixassem para sempre a Cisjordânia e Gaza.
Esse seu correspondente para o Oriente Médio não está prometendo nada, talvez, talvez, nada é garantido, mas é possível que esteja próximo – e como detesto esse clichê –, para a Síria, o ponto de não-retorno. 100 mil pessoas (no mínimo) nas ruas de Homs; há notícias de deserções entre os soldados da academia militar síria. Um trem inteiro descarrilado – por agentes “sabotadores” segundo autoridades sírias; pelo próprio governo, segundo os manifestantes que exigem o fim do governo do partido Baath. E tiroteios à noite, em Damasco. Assad ainda estará contando com que medos sectários mantenham o apoio que a minoria alawita e os cristãos e os drusos ainda lhe dão? Manifestantes dizem que seus líderes estão sendo assassinados por pistoleiros do governo; que centenas de manifestantes, talvez milhares, foram presos. Será verdade? Será mentira?
O braço sírio é longo. Em Sidon, cinco soldados italianos da ONU foram feridos, depois que Berlusconi uniu-se à União Europeia e condenou a Síria. Depois, Sarkozy uniu-se à mesma condenação e – bang! – cinco soldados franceses foram feridos na mesma cidade, essa semana. Bomba sofisticada. Todos desconfiam da Síria, mas, com certeza, nada se sabe. A Síria tem apoiadores entre os palestinos do campo Ein el-Helweh em Sidon.
E, então, Hassan Nasrallah do Hezbollah anuncia que seus militantes vão dar proteção e cobertura aos campos libaneses submarinos de petróleo ainda não prospectados: o perigo é Israel. São 550 milhas quadradas de águas mediterrâneas ao largo de Tiro – e não se sabe sequer, com certeza, se são águas territoriais libanesas. Aí há, claramente, motivo para mais uma guerra.
E, lá no Egito, o velho ex-presidente irá a julgamento com seus filhos Gamal e Alaa Mubarak, na 4ª-feira, além de outros dos favoritos da corte de Hosni Mubarak. Os ministros da Justiça e da Inteligência, hoje, são antigos auxiliares de Mubarak: permanecem, pois, no poder. O que significa isso? Os velhos Mubarakistas seguram-se? Os sauditas ofereceram milhões ao exército egípcio para que Mubarak não fosse julgado – muitos querem condená-lo à morte; o exército gostaria de executá-lo hoje mesmo. E enquanto isso, os sauditas dão tudo que podem para defender o Bahrain e outros potentados do Oriente Médio. Estão preparados para deixar Gaddafi ser derrubado (Gaddafi tentou assassinar o rei, vezes demais). Os sauditas ainda não entenderam qual a posição de Obama em relação à Síria – desconfio que Obama, tampouco. Mas o presidente dos EUA deve estar contentíssimo por não ter soldados norte-americanos no Líbano, nas tropas de paz da ONU. Todos sabemos o que aconteceu com o último pelotão de norte-americanos que lá esteve (1983, na base dos Marines, 241 mortos, um suicida-bomba, a maior explosão que o mundo ouviu desde Nagasaki).
“Foram obrigados a levar Mubarak a julgamento” – disse-me um jornalista egípcio, semana passada. “A rua incendiaria o país, se não fosse levado a julgamento”. Promete ser o julgamento do século no Egito (o Independent lá estará).
O que me leva de volta ao nosso velho amigo Kaddafi, o ditador árabe que não combina exatamente com os demais déspotas. Nesse momento, o mundo político na Líbia é enxame de Kerenskys. – Os Aliados não terem vencido a guerra para os Russos Brancos contra os Bolcheviques depois do conflito 1914-18 acorda alguns fantasmas infelizes que bem farão se assombrarem hoje os também tão infelizes quanto cobertos de medalhas comandantes da OTAN. (Deveriam estudar, na biblioteca da OTAN, o envolvimento de Churchill.)
De fato, o fracasso dos ‘rebeldes’ líbios parece mais semelhante à exaustão de Sharif Hussain depois de capturar Mecca, em 1916; foram necessárias armas de Lawrence e dos britânicos (e muito dinheiro e muitos coturnos em terra) para por em pé novamente o herói, para enfrentar os turcos. Infelizmente, não há Sharif Hussain na Líbia. Assim sendo, porque, diabos, os britânicos nos metemos naquela loucura? (Desconsidero, nesse raciocínio, os assassinatos e confusão geral em Benghazi nas últimas 48 horas.) Teria sido para proteger civis em Benghazi? Há quem acredite que sim. Mas... por que, então, Sarkozy atacou primeiro?
O professor Peter Dale Scott da Universidade da Califórnia em Berkeley tem opinião formada: Kaddafi estava trabalhando para criar uma “União Africana” apoiada na moeda do Banco Central da Líbia e em suas próprias reservas em ouro; se fizesse o que planejava fazer, a França perderia a extraordinária influência financeira que sempre teve em suas principais ex-colônias da África Central.
O muito divulgado plano de Obama, de impor sanções à Líbia – confiscar dinheiro do “Coronel Kaddafi, seus filhos e sua família e dos principais membros de seu governo” – ajudou a ocultar a parte das sanções que confiscaram também “todas as propriedades e investimentos do Governo da Líbia e do Banco Central da Líbia”.
No subsolo do Banco Central, em Trípoli, há, em ouro e moedas, 20 bilhões de libras, guardadas para implantar três projetos da federação centro-africana.
E já que estamos nesse tema, examinemos rapidamente uma guerra de ingleses no Afeganistão. Eis o que escreveu uma comissão que investigou a participação (e já quase completa derrota) dos britânicos, naquela guerra: “Nosso objeto (...) é auxiliar nossos concidadãos a entender as vias pelas quais foram envolvidos numa guerra contra a nação afegã e o que tenham a declarar, sobre o sentido dessa guerra, os autores. Não apenas o governo não consultou o Parlamento nem houve qualquer comunicação àquele corpo político de qualquer mudança na política britânica que nos levasse a envolver-nos naquele conflito, mas, além disso, quando o governo foi interrogado sobre suas razões, respondeu por vias oblíquas, respostas construídas para nada informar e desviar a atenção do Parlamento. De fato, assim aconteceu: o governo conseguiu enganar até os mais atilados funcionários e especialistas e, através deles, toda a nação.” A citação lá está, no relatório final da investigação, pelo Parlamento britânico, da Segunda Guerra do Afeganistão. A data? 1879.
Artigo publicado originalmente no jornal The Independent
Tradução: Coletivo Vila Vudu
Fonte: Agência Carta Maior


Robert Fisk