sábado, 13 de agosto de 2011

Pensamentando I

Entrevista: Vladimir Safatle

Entrevista: Vladimir Safatle
"A ascensão da nova classe média vai bater no teto"
O filósofo e professor da USP analisa o atual momento da esquerda, o futuro da “nova classe média”, os oito anos de Lula, o governo de Dilma e a democracia brasileira
A oportunidade da esquerda brasileira está em usar a vontade de ascensão da nova classe média para recolocar em circulação o discurso do conflito de classe, “assim como a exposição dos malefícios da desigualdade”. A opinião é do filósofo Vladimir Safatle, professor do departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP).

Em entrevista à Caros Amigos, Safatle afirma que tal ascensão vai “bater no teto” até o final do mandato de Dilma, embora avalie como um erro parte da esquerda negar sua existência. “Não concordo com setores da esquerda que parecem tratála como uma ilusão. Os números são bastante claros e a autopercepção da população também”.

Sobre a oposição de esquerda ao PT, ele acredita que até agora ela foi “ineficiente”. “O PSOL, por exemplo, assumiu durante um bom tempo o figurino de uma espécie de UDN vermelha, que parecia se pautar pelos escândalos da imprensa para definir suas ações”.

Durante a entrevista, Safatle também faz um balanço do governo Lula, que, segundo ele, “conseguiu estabelecer uma política bipolar por meio da qual ações contraditórias foram vistas como astúcia política natural”, e diz não ter muitas expectativas em relação ao governo Dilma. “Para quem entendia a política como espaço para a efetivação de mudanças estruturais de base, o que Dilma tem a oferecer não é entusiasmante”.

Caros Amigos - Em recente entrevista, você disse que Lula foi bem sucedido em ser uma espécie de Mata Hari do capitalismo global, ao saber jogar em dois tabuleiros, assim como Getúlio Vargas. Qual o balanço que você faz dos oito anos de governo Lula?

Vladimir Safatle - A expressão vem de um filme de Fassbinder, O casamento de Maria Braun. Nele, Fassbinder conta a história da ascensão de uma mulher pobre que procura vencer na Alemanha do pós-guerra. Em dado momento, ela está na direção de uma empresa e precisa negociar com o sindicato. Como o líder do sindicato é um velho conhecido, a conversa, mesmo dura, se resolve bem. Ao ver a camaradagem entre os dois, alguém pergunta a Maria Braun: “Afinal, quem você é?”. Ela responde: “Sou a Mata Hari do capitalismo global”.

De fato, esta me parece a melhor definição para o fenômeno Lula. Ele conseguiu estabelecer uma política bipolar onde ações contraditórias foram vistas como astúcia política natural. Um exemplo paradigmático foi a visita de George W. Bush ao Brasil. Enquanto era recebido no Planalto e oferecia um discurso onde chamava Lula de grande aliado, o PT ia para a rua fazer manifestação contra a presença de George W. Bush. Isto era, na verdade, o sintoma de um jeito peculiar de fazer política que consiste em oferecer compensações simbólicas a todos os lados. Ele ficou evidente no fato de todos os conflitos políticos terem sido transplantados por Lula para o cerne do Estado. Assim, a luta entre monetaristas e neodesenvolvimentistas virou uma briga entre Ministério da Fazenda e Banco Central.

A briga entre agronegócio e ecologistas virou um embate entre o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente; aquela entre os torturadores do Exército e os grupos de direitos humanos virou o conflito entre Ministério da Defesa e Secretaria Nacional dos Direitos Humanos. Ou seja, todos tinham lugar no governo, o que, ao mesmo tempo, fornecia um reconhecimento simbólico e imobilizava muitas demandas à espera da decisão do “mediador universal” que, no caso, era o próprio Lula.

Desta forma, Lula conseguiu radicalizar um modelo de política que foi desenvolvido por Getúlio Vargas. Vargas desenvolveu uma espécie de acordo entre pressões sindicais e interesses da burguesia nacional patrocinado pelo Estado. Lula generalizou este modelo para a gestão de todo e qualquer conflito social. É interessante perceber que quando o Brasil funciona “normalmente”, ele tende a se acomodar no modelo da dissensão getulista.
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