segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Morcegos

Morcegos, ameaçados pelo desconhecimento


Associado a doenças como raiva, a superstições e a mitos, os morcegos estão tendo uma oportunidade de se "redimir" com a sociedade - mesmo não tendo feito nada para ganhar a má fama. Até a metade de 2012 será celebrado o Ano Internacional do Morcego, que começou em meados de 2011 para diminuir a ignorância sobre esse mamífero.

Por Clarissa Vasconcellos (*)


A iniciativa surgiu da união de esforços entre o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep) e a The Agreement on the Conservation of Populations of European Bats (EUROBATS), tratado europeu de preservação desses animais. "O desconhecimento é a principal ameaça aos morcegos. É uma associação de má reputação com pouca informação", afirma Enrico Bernard, professor adjunto em Biologia da Conservação do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Pernambuco.

O pesquisador conta que diversas ações estão sendo realizadas com a iniciativa do Ano, tais como a divulgação de publicações, atualização da lista de espécies brasileiras, bancos de informações sobre os sinais de ecolocalização dos morcegos e parcerias com a Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros. "A estratégia é comunicar melhor o papel dos morcegos. Sair na mídia chama a atenção e cria um ciclo virtuoso", opina.

No entanto, Ludmilla Aguiar, uma das coordenadoras do Programa para a Conservação dos Morcegos Brasileiros (PCMBr), alerta para a pouca divulgação em geral e a baixa educação ambiental no Brasil, o que dificulta ainda mais a preservação desses animais. "Minha obrigação não é relatar minhas pesquisas só para meus colegas, pois eles podem vê-la numa revista científica. Mas se ela ficar só ali, na revista científica, eu não terei cumprido minha função com o dinheiro público", explica.

Ela também destaca um fator econômico desfavorável ao mamífero: pelo fato de o Brasil ser um país agrícola, o morcego é visto como uma ameaça. "O Brasil é comandado pela agricultura, é só ver o que está acontecendo com o Código Florestal", ressalta. A pesquisadora avisa que "qualquer pessoa que trabalhe com morcegos pode atuar na divulgação do Ano Internacional do Morcego".

Aguiar foi a responsável pela criação, há mais de 15 anos, da revista Quiróptero Neotropical, que recebe colaborações de estudiosos do mundo inteiro e ajudou o Brasil a se inserir no mapa internacional de pesquisadores de morcegos. Atualmente, o País está entrando numa rede latino-americana de estudiosos do animal e sediará em 2013, em Brasília, o Encontro Brasileiro de Estudantes de Quirópteros (EBEQ).

Ecossistema das cavernas - Os dois pesquisadores sublinham a enorme importância dos morcegos para o ecossistema cavernícola, já que são os responsáveis por levar recursos para dentro desses locais. "Muitos dos animais que vivem ali não saem das cavernas. O morcego leva o material orgânico em forma de guano", revela Bernard.

Ludmilla Aguiar lembra também o serviço que o animal presta como polinizador de plantas e dispersadores de sementes, como acontece com o pequi e o maracujá silvestre. Ela conta que os morcegos são "adorados" no México porque são grandes polinizadores de agave (planta a partir da qual é feita a tequila). Além disso, comem pragas agrícolas e insetos que fazem mal aos humanos, e são úteis para pesquisas em ecolocalização, por exemplo.

Os estudiosos revelam que, com a instrução normativa do Ibama que rebaixou o nível de proteção das cavernas brasileiras, esses animais ficaram ainda mais ameaçados, sobretudo em biomas como o Cerrado e a Mata Atlântica. "Basta ter um caso de animal infectado por raiva que as pessoas querem eliminar os morcegos", conta Bernard. A queima de pneus, a inundação de cavernas e a vedação de suas entradas são medidas para combatê-los que acabam afetando todo o ecossistema cavernícola. "Há milhares de espécies dentro das cavernas, de insetos a bactérias, muitos nem descobertos ainda", lamenta o pesquisador, que lembra que a região onde será construída a Usina de Belo Monte concentra cavernas importantes.

Brasil, segundo maior em espécies - Bernard revela também que o Brasil é o segundo país em diversidade de espécies de morcegos, com cerca de 170, "caminhando para a primeira posição", hoje ocupada pela Colômbia. A África é o continente com mais potencial atualmente, com 350 espécies "e pode ter o dobro desse número", relata.

Aguiar pontua que muitos países latino-americanos abrigam ONGs que trabalham com morcegos (o Brasil não conta com esse tipo de iniciativa) e destaca o trabalho dos Estados Unidos com a Bat Conservation International. O país norte-americano é apontado como líder em pesquisas sobre o animal e em algumas de suas cidades o quiróptero chega a ser atração turística. Alemanha, Austrália e Inglaterra são outros expoentes em pesquisas.

Bernard lembra que na China esses animais são símbolos de boa sorte. "Quando dou palestras sobre morcegos, as pessoas se aproximam no fim para dizer que não sabiam de sua importância ecológica. As pessoas são solidárias aos morcegos quando elas se informam a respeito desses animais", conclui Bernard.

(*) Jornalista do Jornal da Ciência

Fonte: Jornal da Ciência

Hobsbawm

Aos 94 anos, depois de publicar suas extraordinárias memórias (Tempos Interessantes), o grande historiador inglês Eric Hobsbawm – que dedicou sua vida à análise e explicação da era moderna, desde a Revolução Francesa até os estertores do século XX – tinha um livro a mais para escrever: Como mudar o mundo. Após se sentir parte da geração com a qual se extinguiria o marxismo da vida política e intelectual do ocidente, as crises financeiras, a espiral conflitiva do capitalismo e as mudanças na América Latina lhe deram a alegria de voltar ao seu querido Marx. No livro, refuta com sua habitual lucidez as más interpretações, arquiva os preceitos que envelheceram e utiliza as ferramentas oferecidas pelo autor de O Capital para entender o mundo no século XXI e fazê-lo um lugar melhor.

Imaginem a cena: Eric Hobsbawm, reconhecido historiador inglês de corte marxista, e George Soros, uma das mentes financeiras mais importantes do mundo, encontram-se para um jantar. Soros, talvez para iniciar a conversa, talvez com o objetivo de continuar alguma outra, pergunta a Hobsbawm sobre a opinião que este tem de Marx. Hobsbawm escolhe dar uma resposta ambígua para evitar o conflito, e respondendo em parte a esse culto à reflexão antes que ao confronto direto que caracteriza seus trabalhos. Soros, ao contrário, é conclusivo: “Há 150 anos esse homem descobriu algo sobre o capitalismo que devemos levar em conta”.

A estória parece quase seguir a estrutura de uma piada (“Soros e Hobsbawm se encontram em um bar...”), mas é o melhor exemplo que o historiador inglês encontra para mostrar, no começo do seu livro, essa ideia que está pairando no ar há tempos: o legado filosófico de Karl Marx (1818-1883) está longe de ter se esgotado e, muito pelo contrário, as publicações especializadas da atualidade, o discurso político cotidiano, a organização social de qualquer país não fazem outra coisa que invocar o seu fantasma para lidar com esse angustiante problema que tomou o nome histórico de “capitalismo”.

No livro, recentemente publicado em castelhano, que leva o sugestivo título Como mudar o mundo, Hobsbawm volta a oferecer seu indiscutível talento para colocar as proposições daquele filósofo alemão que seguem tendo uma vigência definidora para construir o presente.

Repassemos antes a presunção de morte que se pendurou no pescoço de Marx durante o último quartel do século XX: a crise do petróleo de 1973 desencadeou um processo político e econômico que organizou o que Hobsbawm qualificou como reductio ad absurdum das tendências da economia de mercado. A situação provocou o surgimento de governos conservadores nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha (com Ronald Reagan e Margaret Thatcher à frente de seus países), ao mesmo tempo que implicou em diversos territórios a implantação de economias de claro corte financeiro, situação que na América Latina trouxe aparelhado o surgimento de governos de fato que impuseram este tipo de organização pela força, suplantando as estratégias de desenvolvimento industrial e substituição das importações por facilidades para os capitais andorinha, a especulação e a desestruturação das organizações sindicais (somados, é claro, às estratégias de repressão dispostas há muito tempo antes dos golpes, como mostra a história nacional).

Aquela série de mudanças culminou com a queda do Muro de Berlim e do bloco soviético em 1989-1991: a URSS não podia resistir muito mais tempo com sua particular versão do marxismo e sua economia planejada. Francis Fukuyama, pensador norte-americano de corte neoliberal, se apropriou de algumas noções da filosofia hegeliana para dar a sentença final acerca desta sucessão de acontecimentos: estávamos diante do “fim da História”, o desaparecimento do mundo organizado em blocos opostos que havia marcado o destino de tudo o que conhecemos desde o final da Segunda Guerra Mundial em diante.

É neste panorama conciliador da economia globalizada e aparente pacificação social que, ao longo da década de 1990, todo o mundo deu por enterrado o pensamento marxista, inclusive, com certas justificativas de índole éticas: o nome de Karl Marx sempre vinha acompanhado de Joseph Stalin, entre muitos outros. Marx não era apenas uma má palavra para um guru econômico, mas também para um cidadão das zonas mais pobres da Rússia, que via com prazer a forma como caíam as estátuas de Lênin, Stalin e do próprio Marx.

Quem teria dito então que veríamos uma foto de Sarkozy lendo O Capital e o papa Bento XVI elogiando a capacidade analítica de seu autor?

Entre 2007 e 2009 (2001, para nós), uma série de crises do sistema capitalista financeiro (ou “capitalismo tardio” tal como o identificaram pensadores como Frederic Jameson ou Jürgen Habermas), demonstraram que o que se pensou como o começo de uma era de tranquilidade em termos políticos, sociais e, sobretudo, econômicos para depois de 1989, na verdade não era nada disso. O mercado entregue pura e exclusivamente à “mão invisível” de Adam Smith, amparado pela domesticação do Estado, começou a trincar sem necessidade de conflito com outro sistema econômico-político.

A revolução não é um sonho eterno
Disse-o muito bem a Times após a queda financeira de 2008: “Voltou”. Quem? Marx. Três anos depois, o panorama não melhorou e neste clima pouco promissor, muitos revisam sua figura para recuperar o que foi que disse e o que se pode extrair de sua análise com o objetivo de superar a crise que afeta por estes dias as principais economias do mundo globalizado (basta revisar como começamos cada semana com uma nova “segunda-feira negra”, por não somar mais dias ao calendário).

Aos 94 anos, Hobsbawm observa acertadamente que Marx havia sentenciado qual seria o destino do capitalismo ao seguir a linha que em meados do século XIX insinuava com perfeita clareza: a concentração do capital em poucas mãos produziria um mundo onde apenas um número muito pequeno de pessoas teria o maior número de riquezas, ao passo que o sistema não poderia seguir o ritmo de seu próprio crescimento desproporcionado. A quantidade de riquezas produzidas e o contínuo aumento da população não permitiriam o desenvolvimento igualitário de todos os indivíduos, ao que se somava o fato de que o ritmo de crises cíclicas acabaria aumentando com o tempo até chegar ao ponto da inevitável queda do sistema.

Em 2002, o economista indiano Meghnad Desai já anunciava em um trabalho, “A vingança de Marx”, onde afirmava que muitos acreditaram que o pensamento do alemão se extinguiria com a queda dos estados socialistas, mas as teses e observações realizadas nos trabalhos iniciais vão muito além desses 70 anos de governos comunistas que constituíram apenas um “episódio” da virada para o socialismo: os marxismos não ofuscam as observações de Marx, e é esse núcleo básico que é preciso voltar a ler.

Hobsbawm concorda com Desai: uma coisa são os trabalhos originais e outra a maneira como esses livros (com seus avatares particulares, suas más traduções ou suas publicações tardias) formaram escolas ao longo de todo o mundo. Essa história da escola marxista é a que terminou com a queda do Muro, e não a força política e filosófica das primeiras explicações. Este renascer de Marx é o que entusiasma agora um Hobsbawm que se apresentava um tanto decepcionado com a ideia de que, durante a década de 1980 até finais de 2000, o “mundo marxista ficou reduzido a pouco mais que um conjunto de ideias de um corpo de sobreviventes anciãos e de média idade que lentamente se ia erodindo”.

Quais são essas ideias? Que coisas de Marx é preciso conservar? Em primeiro lugar, a natureza política de seu pensamento. Para ele, mudar o mundo é o mesmo que interpretá-lo (parafraseando uma das míticas “Teses de Feuerbach”); Hobsbawm considera que há um temor político em vários marxistas de se verem comprometidos com uma causa, sabendo de antemão que para entrar na leitura de Marx teve que haver primeiro um desejo de tipo político: a intenção de mudar o mundo.

Em segundo lugar, a grande descoberta científica de Marx, a mais-valia, também tem lugar neste ensaio histórico de erro e acerto. Reconhecer que há parte do salário do operário que o capitalista conserva para si com o objetivo de aumentar os lucros, com a passagem do tempo é encontrar a prova de uma opressão histórica, o primeiro passo para chegar a uma verdadeira sociedade sem classes, sem oprimidos. Os operários estão conscientes dessa injustiça e só mediante uma organização política coerente poderão “dar uma reviravolta”. Ao contrário do que acreditavam os gurus da globalização, nem os operários nem o Estado são conceitos em desuso: Hobsbawm esclarece que “os movimentos operários continuam existindo porque o Estado-nação não está em vias de extinção”.

Por último, a existência de uma economia globalizada demonstra aquilo que Marx reconheceu como a capacidade destruidora do capitalismo, mais um problema a resolver que um sistema histórico definitivo. Hobsbawm chama a atenção, a partir do filósofo alemão, para essa “irresistível dinâmica global do desenvolvimento econômico capitalista e sua capacidade de destruir todo o anterior, incluindo também aqueles aspectos da herança do passado humano dos quais o capitalismo se beneficiou, como, por exemplo, as estruturas familiares”. O capitalismo é selvagem por natureza e seu final – ao menos, o final da ideia clássica de capitalismo – é evidente para qualquer pessoa no mundo.

É muito difícil dizer que da análise de Marx se possa tirar um plano de ação “à prova de bala”. A teoria marxista clássica falou muito pouco sobre modelos de Estado ou do que aconteceria uma vez instalada a revolução, mas muito sobre análise econômica: pensando o que acontece é que se pode saber como agir. O que Marx deu foram ferramentas, não receitas dogmáticas. Como bem disse Hobsbawm, os livros de Marx “não formam um corpus acabado, mas são, como todo pensamento que merece este nome, um interminável trabalho em curso. Ninguém vai convertê-lo em dogma, e menos ainda em uma ortodoxia institucionalmente ancorada”.

Mas, claro, a vida oferece surpresas: embora haja colocações de Marx que se conservam, há muitas outras que o curso da História (e dos homens que a vivem) mudou. Por exemplo, um dos paradoxos do século é que, embora Marx acreditasse que a revolução acabaria se dando em todo o mundo (“Trabalhadores do mundo, uni-vos!”), os levantamentos que terminaram com o marxismo no poder durante o século XX se deram em países bem diferentes da Alemanha, Inglaterra e França, o triângulo em que, para Marx, tudo começaria.

Por sua vez, o marxismo se misturaria com movimentos de mudança ou grupos que reconheciam diferentes injustiças sociais em territórios insuspeitados. Na Rússia, por exemplo, a filosofia marxista se mesclou com o nacionalismo agrário narodnik, ao menos, em um primeiro momento. Na China, a revolução se deu em uma cultura agrícola não ocidental, imperial e milenar. Por sua vez, todos esses modelos de país tinham muito pouco com a ideia original: assim como afirma Hobsbawm, “no período posterior a 1956, uma grande maioria de marxistas se viu obrigado a concluir que os regimes socialistas existentes, desde a URSS até Cuba e Vietnã, estavam longe daquilo que eles mesmos teriam desejado que fosse uma sociedade socialista, ou uma sociedade encaminhada ao socialismo”.

Talvez o artigo mais determinante seja aquele dedicado à redação do Manifesto do Partido Comunista, o texto breve de 1848 onde Marx e Engels declaravam a inevitável presença de um partido que não era, nessa época, o mesmo tipo de organização que o século XX conhecerá depois das propostas operativas de Lênin. O objetivo fundamental da criação de um PC era distinguir sua proposta da de toda outra forma de avatar socialista, sobretudo em suas variáveis utópicas: de Saint-Simon aos falanstérios de Fourier, onde a liberdade sexual (e as correspondentes “orgias coreografadas”) se equiparavam a uma liberdade de trabalho. Um século e pouco depois, talvez esse PC tenha sido mal entendido.

Pensar a transição de sociedades agrárias para sociedades socialistas, ou revisar a mudança histórica do feudalismo ao capitalismo, foi um dos pontos que mais preocuparam o último Marx: ali se encontra a possibilidade de entender desde o presente os movimentos revolucionários em países com estruturas agrárias como as presentes na América Latina, África ou algumas zonas do Oriente. Para além das condições para que se dê a mudança (descontentamento social, consciência do conflito, etc.), o marxismo clássico do século XIX defendia a necessidade de certas condições objetivas para a revolução: desenvolvimento industrial e comercial em grande escala (longe do artesanato e do comércio “cara a cara”). A América Latina conheceu a refutação destas condições no Che Guevara: onde havia uma necessidade, não havia apenas um direito, mas também uma possível revolução. Hobsbawm, atento a este tipo de experiência, demonstra o interesse particular que existe para revisar a mudança ao socialismo fora dos limites da Europa.

A cintura cósmica de Marx
Em uma entrevista concedida ao jornal The Guardian, e realizada por Tristram Hunt – que acaba de publicar, oh casualidade, a biografia de Engels também resenhada nestas páginas – e publicada em janeiro deste ano, Eric Hobsbawm falou com entusiasmo da recuperação de certa linguagem econômica e política que se acreditava esgotada depois do auge liberal das últimas décadas do século XX: “Atualmente, ideologicamente, sinto-se mais em casa na América Latina porque segue sendo a única parte do mundo onde as pessoas ainda falam e conduzem sua política na velha linguagem, na linguagem do século XIX e do século XX do socialismo, do comunismo e do marxismo”. Embora a pergunta apontasse para a saída de Lula do governo e a localização do Brasil dentro do grupo de países com perspectivas de liderança mundial (o BRIC, junto com a Rússia, a Índia e a China), a resposta renova a repercussão da conjuntura política latino-americana dentro do panorama mundial e a presença de diversos governos de esquerda e centro-esquerda no continente.

Um dos últimos artigos do livro, “Marx e o trabalho: o longo século”, assinala precisamente que as organizações proletárias com fins políticos não necessariamente vão de mãos dadas com a teoria marxista. O melhor caso para explicar seu ponto de vista o encontra em nosso intrigante país: “Os socialistas e comunistas, frustrados há tempo na Argentina, não podiam compreender como um movimento operário radical e politicamente independente podia desenvolver-se, na década de 1940, naquele país, cuja ideologia (o peronismo) consistia basicamente na lealdade a um general demagogo”.

A vitória de partidos operários no continente, alimentados pela perspectiva marxista de justiça e progresso igualitário, mas não ligados a organizações de claro corte comunista, apresenta a possibilidade de uma transição a um Estado socialista não mediada por uma revolução, assim como se colocou nos termos da URSS e da histórica Revolução de 1917, ou como o imaginário atual lê o futuro da revolução cubana de 1959. Em definitiva, há coisas que a própria História, não Marx ou suas muitas interpretações, demonstraram que são inviáveis: o socialismo russo fracassou por manter uma economia de guerra a curto prazo que se propunha objetivos difíceis que implicavam esforços e sacrifícios excessivos (desde concentrar todo o excedente e o esforço produtivo com a finalidade de conquistar o espaço exterior a mudar as práticas de produção agrária). Distinguir Lênin e Stalin do pensamento de Marx é um acontecimento dado nos últimos anos que pode mostrar as facetas mais interessantes para uma teoria do presente. Ou seja, algo necessário que permite pensar as circunstâncias atuais para escorar a mudança dentro da complexa geografia latino-americana.

O marxismo teve várias crises ao longo de sua história. Desde que se propôs colocar Hegel “de pernas para o ar” e transformar todo o discurso do espiritual em atenção ao material, já em 1890 apareceram os primeiros críticos às formulações básicas desta filosofia. Contudo, há algo nas ideias de Marx que segue interpelando o homem contemporâneo, que segue falando de uma mudança não considerada como mero desejo existencial ou aspiração utópica, mas como situação possível de levar a cabo na atualidade, sobretudo, pela via democrática e partidária.

Como bem pergunta Soros, e como escreve Hobsbawm: “Não podemos prever as soluções para os problemas que o mundo enfrentará no século XXI, mas para que haja alguma possibilidade de êxito devemos fazer-nos as perguntas de Marx”.

(*) Publicado originalmente em português por IHU Online. A tradução é do Cepat.

Iraque

Iraque: Retirada sem glória


A oficialização, na semana passada, do fim da ocupação de quase nove anos do Iraque, passou praticamente desapercebida nos Estados Unidos.

Por Jim Lobe, em Esquerda.net

Mereceu apenas uma cerimônia em Bagdade, presidida pelo secretário da Defesa do país invasor, Leon Panetta. Este ato, no dia 15, foi precedido três dias antes pela reunião em Washington do presidente Barack Obama com o primeiro-ministro do Iraque, Nouri al-Maliki, para discutir a futura relação estratégica entre os dois países. Também a este encontro ninguém prestou atenção.

Esta surpreendente falta de interesse pode ser explicada pela distração causada pela temporada de férias de fim de ano, a campanha eleitoral pela Presidência ou a má saúde das economias dos Estados Unidos e da Europa. Também pode ser que a população esteja bem consciente de que, apesar de os últimos quatro mil soldados que ainda restam no Iraque retornarem nos próximos dez dias, ainda há mais de 90 mil no Afeganistão.

No imaginário coletivo, esta situação não difere da do Iraque, particularmente porque as tropas foram enviadas aos dois países pelo então presidente George W. Bush (2001-2009) como parte de uma mesma “guerra mundial contra o terrorismo”. Ou, talvez, os norte-americanos simplesmente se esqueçam disto como se tivesse sido um pesadelo, o que o ex-titular da Agência de Segurança Nacional, o hoje falecido tenente-general William Odom, chamou em 2005 de “o maior desastre estratégico na história dos Estados Unidos”.

Poucos dias depois da invasão do Iraque, a 20 de março de 2003, cerca de 70% dos entrevistados nos Estados Unidos se manifestaram a favor, contra apenas 25% contrários. Quase nove anos depois, esses números praticamente trocaram de lugar. Em uma consulta feita em novembro pela rede de televisão norte-americana CNN, 68% responderem ser contra a guerra no Iraque, enquanto apenas 29% disseram ser a favor.

Na mesma data, 67% dos entrevistados pela CBS News também responderam que a invasão do Iraque “não valeu a perda de vidas norte-americanas e outros custos” decorrentes. Apenas 24% discordaram. Isto constitui um eloquente testemunho da profunda desilusão que a maioria dos cidadãos sente a respeito de uma guerra cujos custos não foram antecipados pelos que a começaram.

É que, do lado norte-americano, os custos também foram grandes: quase 4.500 soldados mortos e dezenas de milhares de feridos. Entre estes últimos, os afastados por severas lesões cerebrais e stress pós-traumático, que impactam suas vítimas pelo resto de suas vidas. O preço oficial da guerra, de aproximadamente 1 trilhão de dólares, ignora os gastos indiretos, muito superiores. O prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz estimou os custos totais da guerra do Iraque sobre a economia dos Estados Unidos, incluindo cuidados médicos para os veteranos, em mais de 3 trilhões de dólares, soma significativa diante da crise que o país enfrenta desde o final de 2008.

Como se não bastasse, os Estados Unidos sofreram uma incomensurável perda de credibilidade no plano internacional. É que ficaram demonstradas que eram infundadas as justificativas para ir à guerra, como os supostos vínculos de Saddam Hussein (1979-2003) com a rede extremista Al Qaeda, a existência de armas de destruição em massa e o desenvolvimento de armas nucleares. Nada disso era verdade. Além disso, a máquina bélica mais sofisticada e poderosa da história não conseguiu eliminar uma variedade de insurgências, incluído o surgimento nesse país de células da Al Qaeda.

Naturalmente, as perdas materiais dos Estados Unidos empalidecem se comparadas com as do Iraque, em vidas humanas e questões materiais. Calcula-se que morreram por causa da guerra mais de cem mil habitantes desse país e outros tantos, incluídas centenas de milhares de crianças, ficaram feridos ou traumatizados por suas experiências.

Os custos sociais tampouco podem ser ignorados. A Organização das Nações Unidas (ONU) estimou a quantidade de pessoas que fugiram de suas casas desde a invasão em cinco milhões, que se dividem em partes praticamente iguais entre refugiados dentro do Iraque e refugiados que conseguiram cruzar a fronteira. E entre estes últimos figura boa parte da comunidade cristã.

Além disso, os vestígios da violência sectária entre as milícias e as forças governamentais lideradas pelos xiitas e por seus rivais sunitas, bem com as tensões não resolvidas entre a população curda do norte e os árabes sobre reclamações territoriais em Kirkuk e arredores reconfiguraram a demografia e a política do país. Também estão amplamente sem solução e, portanto, são potenciais fontes de futuros conflitos, inclusive de uma guerra civil.

No que parecem coincidir as poucas avaliações da situação no Iraque durante este período de despedida é que as tensões sectárias estão novamente aumentando, especialmente após as blitze de líderes sunitas associados com o movimento de “despertar” apoiado pelos Estados Unidos. A evidente fragilidade da paz, tanto na frente xiita-sunita quanto na curdo-árabe, e a possibilidade de uma renovada guerra civil – ou de uma potencializada influência iraniana – estão no centro das críticas à decisão de Obama de retirar todas as suas forças de combate até o final deste ano.

O ceticismo sobre a futura estabilidade do Iraque é muito grande, segundo pesquisa divulgada na semana passada pela rede de televisão NBC News e pelo jornal The Wall Street Journal. A maioria dos consultados disse que, após a retirada dos norte-americanos, uma guerra civil generalizada seria ou “muito provável” (21%) ou “provável até certo ponto” (39%).Uma maioria semelhante qualificou as possibilidades de o Iraque conseguir uma “democracia estável” como “de certo modo improvável” (32%) e “muito improvável” (28%).

Entretanto, os mesmos pesquisadores concluíram no mês passado que 71% dos entrevistados acreditavam que a decisão de Obama retirar todos seus efetivos de combate agora é a decisão correta. Apenas 24% se mostraram contra. Parece que os norte-americanos ficaram fartos da guerra… Mas só no Iraque.

(vermelho.org)

Hitchens

Ateu e polêmico, Hitchens, morto aos 62, vai fazer falta "Para Hitchens, ser ateu não basta, há que endurecer contra a própria ideia de Deus, mostrando o caráter destrutivo do que há de valoroso no homem. Os crentes não só estão errados como atrapalham. Numa palavra: Jesus não era legal, seu pai tampouco, Maomé, um ridículo, Moisés, um chato", escreve Luiz Felipe Pondé, professor de Filosofia, recordando Christopher Hitchens, autor do liveo "Deus não é grande", e que morreu anteontem.

O artigo é publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 17-12-2011.

Segundo Pondé, "Hitchens foi um jovem socialista nos anos 70, e um defensor da intervenção americana no Iraque nos últimos anos. De socialista a neoconservador? Ele não era dado a "igrejinhas intelectuais", respondia às questões do mundo a partir de suas próprias ideias e intuições".

Eis o artigo.

Para aqueles que creem em Deus, a morte é o grande momento de revelação dos maiores de todos os mistérios.

Existe vida após a morte? Existe um Deus do outro lado? Valeu a pena ser honesto, fiel e generoso?

Para um ateu, nada disso é importante. A morte é apenas a parada final de seu corpo. A máquina faliu.

O jornalista e escritor britânico Christopher Hitchens morreu anteontem em Houston (EUA), vítima de um câncer no esôfago. Hitchens era ateu. E um ateu famoso por ser ateu.

Ele foi um dos maiores expoentes do chamado neoateísmo, ao lado de autores como Richard Dawkins, Sam Harris e Daniel Dennett. Seu livro "Deus Não É Grande" (Ediouro), de 2007, é um exemplo típico deste chamado neoateísmo: Deus não só não existe como a ideia de Deus é idiota, infeliz e faz mal à saúde física e mental.

Combativo, Hitchens defendia o termo "antiteísta" para sua posição, ao invés do clássico "ateu". E esta diferença é importante.

Um ateu seria alguém que, apesar de não crer em Deus, poderia guardar algum respeito pelo "personagem". Este respeito poderia levá-lo inclusive a reconhecer uma certa autoridade moral na "figura divina", o "Deus de Abraão". De repente, o ateu numa noite insone poderia pensar que "com Deus" o mundo seria melhor.

Para Hitchens, ser ateu não basta, há que endurecer contra a própria ideia de Deus, mostrando o caráter destrutivo do que há de valoroso no homem. Os crentes não só estão errados como atrapalham. Numa palavra: Jesus não era legal, seu pai tampouco, Maomé, um ridículo, Moisés, um chato.

Já um antiteísta seria alguém dedicado a combater a nefasta influência de Deus na sociedade, na moral, no pensamento, no futuro. Hitchens poderia dizer para Dostoiévski, escritor russo do século XIX, em resposta a sua famosa afirmação "Se Deus não existe, tudo é permitido" que: "Ainda bem que Deus não existe, assim ficamos livres de suas bobagens e dos chatos que nelas creem".

Mas suas polêmicas foram além do combater a ideia de Deus. Sua recente biografia publicada em 2010, "Hitch-22" (Nova Fronteira), mostra seu trajeto de intelectual engajado nas controvérsias de nosso tempo e livre das amarras da academia.

Um tipo raro no Brasil onde os intelectuais costumam viver presos à barra da saia da universidade.

Hitchens foi um jovem socialista nos anos 70, e um defensor da intervenção americana no Iraque nos últimos anos. De socialista a neoconservador? Ele não era dado a "igrejinhas intelectuais", respondia às questões do mundo a partir de suas próprias ideias e intuições.

Usou termos como islamofascismo para se referir à associação entre religião islâmica e militância política antidemocrática. Por conta disso, foi odiado pela esquerda e por relativistas que dizem que "toda cultura é legal".

Não, para Hitchens a vida secular, democrática e liberal é a melhor. Concordo.

Ele vai fazer falta.

(Inst. Humanitas Unisinos)

domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal

Urariano Mota: O "feliz" do Natal são os amigos...

Nestes dias até mesmo comecei a escrever um conto de Natal. Mas tão amargo ele vinha, de tamanha dureza era pleno, ou dito de outra maneira, tanta verdade incômoda ele trazia, que julguei tal coisa injusta para com os amigos e raros leitores que arranjamos. Seria como um estraga-festa, como um bêbado desagradável numa noite feliz. Porque estes são os dias em que de sã vontade procuramos não incomodar a quem julgamos digno de qualquer amor.

Por Urariano Mota



Cartas de Natal
Duas semanas antes, um amigo de outra cidade me disse pelo telefone, “Você está perdendo a capacidade de rir, relaxe, homem”, e como a ligação era interurbana nada pude lhe responder, para não aumentar a conta.

Guardado o conto amargo, que até agora não me largou, surgiu uma outra dificuldade. Para escrever um novo texto, que faça referência a mensagens recebidas neste Natal, o título com mais acerto deveria ser Mensagens de Natal. Mas isso iria me lançar no Google ao lado de “A Melhor mensagem de Natal é aquela que sai em silêncio de nossos corações e aquece com ternura os corações daqueles que nos acompanham em nossa caminhada pela vida", por exemplo. Ou esta, exemplar: “Aprendi que a hora mais sombria nunca dura mais que sessenta minutos”. O Google, na sua santa inteligência, tem disso. Se você escrever sobre Memoria de mis putas tristes verá o seu nome inscrito entre os sites de putas de todo o mundo. Por isso julguei que o nome mais próprio, para fugir dessa inteligência que nada seleciona, seria o Correspondências de Natal, que digitado entre aspas no Google me dará apenas 3 leitores, se muito. É o que faço agora. Paciência, acabo de perder um bom número de leitores entre os 5.090.000 buscadores de Mensagens. Menos mal. Se conseguir manter uns três até o fim, acreditaremos todos juntos que entramos no espírito do Natal.

Antes, no entanto, devo pedir perdão aos amigos por utilizar suas mensagens sem autorização prévia. Espero que no escrito a seguir eu não seja comprometedor.

A primeira mensagem que me chegou veio de Otaciel, a quem chamamos de Bocage, mas o Bocage popular, da anedota, que nada tem a ver com o poeta romântico. E aqui ele não veio fazendo graça, veio sério.

“Apesar de todas as decepções e da putaria generalizada da qual participamos na qualidade de observador, conseguimos chegar ao final deste ano. Quando eu tive tuberculose pulmonar, fiquei pensando que dificilmente eu passaria dos 40... Vamos ver se atravessamos o tumultuado e próximo ano”.

Em três frases ele põe três momentos distintos, no calendário e no que somos ao longo do tempo. O diálogo entre amigos comporta sempre esse gênero lacônico, lapidar, porque divide experências, algumas nem sempre de boa lembrança. Como os possíveis três leitores não sabem quais experiências, cabe um breve esclarecimento. A primeira, neste ano, é mais óbvia. É a situação política criada pela reação, pelos partidos corrutos por natureza e gênese, que apontaram o dedo sujo contra a sujeira de alguns militantes do Partido dos Trabalhadores. Isso doeu e nos encheu de raiva. Banqueiro não tem direito a falar em ética. Servidores da ditadura não podem apontar o dedo da tortura para ninguém. No entanto, assim foi. Se pensássemos com um cérebro ausente do coração, menor choque teríamos neste ano. Como pode alguém ser casto nas palavras, nos atos e no pensamento, se vive em meio a ladrões e putas? O que é mesmo governar em um país de secular exclusão? Esperávamos muito, ou o nada absoluto, porque aguardávamos apenas uma revolução. O resultado foi este ano... Conseguimos chegar ao final, e muitos de nós quase não chegávamos.

O segundo momento é mais íntimo, e nos remete ao distante, para nós bem perto, ano de 1970. Ele aqui somente se refere a esse momento para dar uma força, um estímulo a este que agora aos 3 leitores escreve. Naquele ano, para se tratar melhor na casa de uma parenta no Rio de Janeiro, e se tratar melhor, em se tratando de tuberculose, é comer melhor quando se tem fome, naquele ano o nosso amigo não esteve conosco no fim do ano. Mas foi uma ausência bem lembrada. Na mesa do bar enchemos um copo e nele não tocamos. Dizíamos, meio bêbados, bebedores que éramos de primeira viagem: “Este copo é de Bocage. Nele ninguém toca”. Não sabíamos que estávamos repetindo um ritual de jogar uma bebida para o santo, ou para os deuses, uma oferenda, uma invocação pela saúde do nosso amigo. Não sabíamos, ateus que éramos. Não sabíamos de nada, enfim. Mas possuíamos bem sólido o sentimento da amizade, antes de toda a safadeza dos anos que viveríamos. O terceiro momento é uma previsão, é um lema, uma divisa: Vamos atravessar este próximo ano, ainda que sob tormenta. Melhor, como aprendemos nos livros de História, “melhor, combateremos à sombra”. Mas bem que gostaríamos de uma sombra leve, rápida e menos aterradora.

A segunda mensagem vem do jornalista Paulo Carneiro, que todos chamamos de Capitão, um Capitão sem patente, porque o nome veio do super-herói Capitão América. Quando todos os conhecidos e estudantes liam Proust, e nada entendiam, mas falavam sobre isso como autoridades, quando todos se referiam a Joyce, sem nunca o haver lido, o Capitão exibia seus profundos conhecimentos, em lugares públicos e em apartes em conferências, sobre o senhor Capitão América. Os que o ouviam ficavam entre a incredulidade e o riso. Mais tarde, no curso de jornalismo da USP, o Capitão “entrevistou” Fellini, e pôs na boca do cineasta coisas tão verossímeis e espirituosas, que houve quem lhe perguntasse de onde ele havia copiado tão boas declarações. Pois vejam como é grave esta época do ano. O Capitão compareceu esta semana vestido em sua personalidade civil. É dele a mensagem:

“Você certa vez me citou o poema Resíduo. Te re-cito agora este.

PASSAGEM DO ANO
Carlos Drummond de Andrade

O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e o seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.

O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.”

Esta seriedade do Capitão, dizendo melhor, esta citação do poema de Drummond feita pelo intelectual Paulo Carneiro, também se faz dentro daquela linguagem cifrada dos amigos. “Recebe com simplicidade este presente do acaso. / Mereceste viver mais um ano” é a senha. Ela vem como uma resposta, muitos anos depois dos versos que em algum momento, com algum fio de esperança eu lhe disse, “De tudo ficou um pouco. / Do meu medo. Do teu asco. / Dos gritos gagos. Da rosa / ficou um pouco. .../ Se de tudo fica um pouco, / por que não ficaria um pouco de mim?”. Uma boa resposta para aqueles que atravessamos os sessenta e poucos, e sobrevivemos. E prometemos mais que sobrevivência, contra todas as previsões e exames. “O senhor tem lesões teoricamente incompatíveis com a vida”, ouviu do pneumologista o jovem Manuel Bandeira, antes de viver fecundos 82 anos.

Do poeta e escritor Nei Duclós, lembro mensagem de Natal, logo depois de sua crítica a meu romance “Os corações futuristas”. Nei enviou um autêntico chamamento à luta, a um não-esmorecer jamais, porque a jornada é boa e justa. É mensagem que revigora e remete ao azul do céu e ao cheiro do mar:

“Ontem, quando recebi tua mensagem, chovia torrencialmente e as rãs invadiram a parte de trás da minha casa. Tive tempo apenas de enviar o seguinte:

’Mais não digo. Chegou a minha vez de chorar. Este é o meu presente de Natal’.... Fico orgulhoso de que meu ensaio sobre teu livro tenha tido tamanha repercussão."

Que dizer, como explicar tais palavras? Aguardem, por favor, um próximo texto.

Preferível encerrar aqui com uma lição de amizade, que por ser de amizade será sempre uma lição de ética. Em 2005, ao se referir a uma angústia vivida por um amigo comum, Jesús Gómez, editor de La Insignia, assim se expressou a tradutora e escritora Carolina Broner:

“En cuanto a lo que los amigos podemos hacer,diria que la respuesta está implícita en la pregunta. Basta con hacerle saber que, como en cierta película adorable, ‘Arsénico por compasión’, de Frank Capra, ni siquiera hace falta que silbe... Cary Grant y Priscila Lane se silbaban de ventana a ventana cuando se necesitaban. Eso quería decir, que lo mejor que podemos hacer los amigos es hacerle sentir que no hace falta que silbe para tenernos al pie del cañón”.

O que em bom português quer dizer: na angústia de um amigo, basta que ele saiba que nem é preciso assobiar para que nos tenha de imediato, no cumprimento do dever, em qualquer circunstância. Simples, não? Reconhecemos, em espanhol é mais bonito. Por eso, Feliz Navidad, amigos.

(vermelho.org)

Índios

O Todo e a Unidade:O Fio da Vida

Avó Aranha
Na rede universal, todas as coisas estão inter-relacionadas. Cada
coisa faz parte do Todo, e só podemos entender cada uma em si quando
conseguimos compreender a forma como ela se conecta com as demais
partes deste Uno. O arquétipo destes ensinamentos é a Avó Aranha.
Observe: quando ela tece a sua teia nos lembra que o Universo é uma
rede onde tudo está inter-relacionado. Na teia da Avó Aranha estão os
ensinamentos sobre nosso passado, presente e futuro. Por meio de seus
círculos, pontos e fios invisíveis aprendemos que as relações não
clareadas devidamente no passado não conseguem fluir no presente e
comprometem nosso crescimento visando o futuro.
Ao tecer a sua teia, a Aranha nos alerta para o fato de que tudo
passa — o futuro pode ser já. O presente daqui a pouco é passado. Ou
seja, a Avó chama a atenção para se ver que a Criação vive o processo de
uma constante mudança. Assim ocorre com os seres humanos que
nascem, crescem, envelhecem e morrem, entrando para o mundo
espiritual para novamente renascer na carne em ondas de energia... e
morrer e nascer e mudar... e fluir... e se transmutar em vida-morte-vida. ..
As mudanças não acontecem por acaso ou por acidentes. Elas
ocorrem em ciclos e padrões. O que é importante é ter a consciência de
que todo este processo está inter-relacionado. Cada mudança está
conectada às outras coisas e cada processo faz parte de um todo que é
Uno, indivisível.
Para nos permitirmos fluir é preciso buscar a clareza. Isso pode
começar pelo entendimento de que assim como o mundo físico é real, o
mundo espiritual também o é. E, embora haja leis distintas que
governam cada um destes mundos, o desrespeito às leis de um destes
pianos pode afetar o outro. Uma vida equilibrada, que nos permite viver
sem estar preso nos nós da teia do nosso destino, é aquela que honra as
leis de ambas as dimensões.
A Medicina da Aranha ensina sobre as nossas infinitas
possibilidades de (e como) construir os fios da teia da Vida, com bons
frutos, para vivê-la tranqüilamente ao longo do Tempo, observando-se
os planos eternos e a necessidade de expansividade. Ela é considerada,
ainda, a guardiã ancestral das linguagens e alfabetos primordiais que,
revelam as tradições, eram formados por linhas geométricas e ângulos
presentes nas suas teias. Assim é que esta Avó ensina aos humanos que
eles sempre podem adquirir novos dons, desde que se empenhem e
trabalhem para consegui-los. A primeira tarefa é ver em que ponto da
teia estão os nossos medos para, apossando-se da coragem, atravessá-los
com honestidade e integridade. ..

Leia mais em
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Artes Xamânicas
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Chomsky

Noam Chomsky: Ocupemos o futuro
Temos a plutocracia e o precariado: o 1% e os 99%, como se vê no movimento Ocupar. Não são cifras literais mas sim, é a imagem exacta. O aspecto mais digno de entusiasmo do movimento Ocupar Wall Street é a construção de vínculos que estão a formar-se em toda a parte.
ARTIGO | 5 NOVEMBRO, 2011 - 01:14 | POR NOAM CHOMSKY

Noam Chomsky, Boston, 22 de Outubro de 2011 - Foto de Occupy Boston no facebook
Dar uma conferência Howard Zinn é uma experiência agridoce para mim. Lamento que ele não esteja aqui para tomar parte e revigorar um movimento que foi o sonho da sua vida. Com efeito, ele pôs boa parte dos seus ensinamentos nisso.
Se os laços e associações que se estão a estabelecer nestes acontecimentos notáveis puderem sustentar-se durante o longo e difícil período que os espera – a vitória nunca chega logo -, os protestos do Ocupar Wall Street poderão representar um momento significativo na história norte-americana.
Nunca se tinha visto nada como o movimento Ocupar Wall Street, nem em tamanho nem em carácter. Nem aqui nem em parte alguma do mundo. As vanguardas do movimento estão a tratar de criar comunidades cooperativas que bem poderiam ser a base de organizações permanentes, de que se necessita para superar os obstáculos vindouros e a reacção contra o que já se está a produzir.
Que o movimento Ocupem não tenha precedentes é algo que parece apropriado, pois esta é uma era sem precedentes, não só nestes momentos, mas desde os anos 70.
Os anos 70 foram uma época decisiva para os Estados Unidos. Desde a sua origem este país teve uma sociedade em desenvolvimento, não sempre no melhor sentido, mas com um avanço geral em direcção da industrialização e da riqueza.
Mesmo em períodos mais sombrios, a expectativa era que o progresso teria de continuar. Eu tenho idade suficiente para recordar a Grande Depressão. Em meados dos anos 30, quando a situação objectivamente era muito mais dura que hoje, e o espírito bastante diferente.
Estava-se a organizar um movimento de trabalhadores militantes – com o Congresso de Organizações Industriais (CIO) e outros – e os trabalhadores organizavam greves e operações padrão a ponto de quase tomarem as fábricas e as comandarem por si mesmos.
Devido às pressões populares foi aprovada a legislação do New Deal. A sensação que prevalecia era que sairíamos daqueles tempos difíceis.
Agora há uma sensação de desesperança e às vezes desespero. Isto é algo bastante novo na nossa história. Nos anos 30, os trabalhadores poderiam prever que os empregos iriam voltar. Agora, os trabalhadores da indústria, com um desemprego praticamente ao mesmo nível que durante a Grande Depressão, sabem que, se as políticas actuais persistirem, esses empregos terão desaparecido para sempre.
Essa mudança na perspectiva norte-americana evoluiu a partir dos anos 70. Numa mudança de direcção, vários séculos de industrialização converteram-se numa desindustrialização. Claro, a manufactura continuou, mas no exterior; algo muito lucrativo para as empresas mas nocivo para a força de trabalho.
A economia centrou-se nas finanças. As instituições financeiras expandiram-se enormemente. Acelerou-se o círculo vicioso entre finanças e política. A riqueza passou a concentrar-se cada vez mais no sector financeiro. Os políticos, confrontados com os altos custos das campanhas eleitorais, afundaram-se profundamente nos bolsos de quem os apoia com dinheiro.
E, por sua vez, os políticos os favoreciam, com políticas favoráveis a Wall Street: desregulação, transferências fiscais, relaxamento das regras da administração corporativa, o que intensificou o círculo vicioso. O colapso era inevitável. Em 2008, o governo mais uma vez resgatou as empresas de Wall Street que eram supostamente grande demais para falirem, com dirigentes grandes demais para serem encarcerados.
Agora, para a décima parte do 1% da população que mais beneficiou das políticas recentes ao longo de todos esses anos de ganância e enganos, tudo vai muito bem.
Em 2005, o Citigroup – que certamente foi objecto em ocasiões repetidas de resgates do governo – viu o luxo como uma oportunidade de crescimento. O banco distribuiu um folheto para investidores no qual os convidava a investirem o seu dinheiro em algo chamado de índice de plutonomia, que identificava as acções das companhias que atendessem ao mercado de luxo.
O mundo está dividido em dois blocos: a plutocracia e o resto, resumiu o Citigroup. “Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá são as plutocracias-chave: as economias impulsionadas pelo luxo”.
Quanto aos não ricos, às vezes chamados de precariado: o proletariado que leva uma existência precária na periferia da sociedade. Essa periferia, no entanto, converteu-se numa proporção substancial da população dos Estados Unidos e de outros países.
Assim, temos a plutocracia e o precariado: o 1% e os 99%, como se vê no movimento Ocupar. Não são cifras literais mas sim, é a imagem exacta.
A mudança histórica na confiança popular no futuro é um reflexo de tendências que poderão ser irreversíveis. Os protestos do movimento Ocupem são a primeira reacção popular importante que poderão mudar essa dinâmica.
Eu detive-me nos assuntos internos. Mas há dois acontecimentos perigosos na arena internacional que ofuscam todos os demais.
Pela primeira vez na história há ameaças reais à sobrevivência da espécie humana. Desde 1945 temos armas nucleares e parece um milagre que tenhamos sobrevivido. Mas as políticas do governo Barack Obama estão a fomentar a escalada.
A outra ameaça, claro, é a catástrofe ambiental. Por fim, practicamente todos os países do mundo estão a tomar medidas para fazer algo a respeito disso. Mas os Estados Unidos estão a regredir.
Um sistema de propaganda reconhecido abertamente pela comunidade empresarial declara que a mudança climática é um engano dos sectores liberais. Por que teríamos de dar atenção a esses cientistas?
Se essa intransigência no país mais rico do mundo continuar, não poderemos evitar a catástrofe.
Deve fazer-se algo, de uma maneira disciplinada e sustentável. E logo. Não será fácil avançar. É inevitável que haja dificuldades e fracassos. Mas a menos que o processo que está a ocorrer aqui e noutras partes do país e de todo o mundo continue a crescer e se converta numa força importante da sociedade e da política, as possibilidades de um futuro decente são exíguas.
Não se pode lançar iniciativas significativas sem uma ampla e activa base popular. É necessário sair por todo o país e fazer as pessoas entenderem do que se trata o movimento Ocupar Wall Street, o que cada um pode fazer e que consequências teria não fazer nada.
Organizar uma base assim implica educação e activismo. Educar as pessoas não significa dizer em que acreditar; significa aprender dela e com ela.
Karl Marx disse: a tarefa não é somente entender o mundo, mas transformá-lo. Uma variante que convém ter em conta é que, se queremos com mais força mudar o mundo, vamos entendê-lo. Isso não significa escutar uma palestra ou ler um livro, embora essas coisas às vezes ajudem. Aprende-se a participar. Aprende-se com os demais. Aprende-se com as pessoas com quem se quer organizar. Todos temos de alcançar conhecimentos e experiências para formular e implementar ideias.
O aspecto mais digno de entusiasmo do movimento Ocupar Wall Street é a construção de vínculos que estão a formar-se em toda a parte. Esses laços podem manter-se e expandir-se, e o movimento poderá dedicar-se a campanhas destinadas a porem a sociedade numa trajectória mais humana.
Este artigo é uma adaptação da intervenção de Noam Chomsky no acampamento Occupy Boston, na praça Dewey, em 22 de Outubro. Ele falou numa aatividade de uma série de Conferências em Memória de Howard Zinn, celebrada pela Universidade Livre do Ocupar Boston. Zinn foi historiador, activista e autor de A People’s History of the United States.
Artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, tradução de Katarina Peixoto para Carta Maior
Sobre o autor

Noam Chomsky
Linguista, filósofo e activista político americano
Avram Noam Chomsky (Filadélfia, 7 de dezembro de 1928) é um linguista, filósofo e activista político americano.

É professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(esquerda.net)

Corrupção

Perfil do corrupto


Escrito por Frei Betto
Qui, 17 de Novembro de 2011

Manifestações públicas em várias cidades exigem o fim do voto secreto no Congresso; o direito de o CNJ investigar e punir juízes; a vigência da Ficha Limpa nas eleições de 2012; e o combate à corrupção na política.

Por que há tanta corrupção no Brasil? Temos leis, sistema judiciário, polícias e mídia atenta. Prevalece, entretanto, a impunidade – a mãe dos corruptos. Você conhece um notório corrupto brasileiro? Foi processado e está na cadeia?

O corrupto não se admite como tal. Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis. Anzol sem isca peixe não belisca.

O corrupto não se expõe; extorque. Considera a comissão um direito; a porcentagem, pagamento por serviços; o desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence; o caixa dois, investimento eleitoral. Bobos aqueles que fazem tráfico de influência sem tirar proveito.

Há vários tipos de corruptos. O corrupto oficial se vale da função pública para extrair vantagens a si, à família e aos amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem custeada pelo erário, usa cartão de crédito debitável no orçamento do Estado, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas.

Sua lógica é corrupta: "Se não aproveito, outro sai no lucro em meu lugar". Seu único temor é ser apanhado em flagrante. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver o nome estampado nos jornais e a cara na TV.

O corrupto não tem escrúpulo em dar ou receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou patrocinar férias de juízes. Afrouxam-no com agrados e, assim, ele relaxa a burocracia que retém as verbas públicas.

Há o corrupto privado. Jamais menciona quantias, tão somente insinua. É o rei da metáfora. Nunca é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor sabe ler nas entrelinhas.

O corrupto “franciscano” pratica o toma lá, dá cá. Seu lema: "quem não chora, não mama". Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção.

O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões, enche o pasto de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira.

O corrupto cúmplice assiste ao vídeo da deputada embolsando propina escusa e ainda finge não acreditar no que vê. E a absolve para, mais tarde, ser também absolvido.

O corrupto previdente fica de olho na Copa do Mundo, em 2014, e nas Olimpíadas do Rio, em 2016. Sabe que os jogos Pan-Americanos no Rio, em 2007, orçados em R$ 800 milhões, consumiram R$ 4 bilhões.

O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. De tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto. Julga-se um negocista bem-sucedido.

Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com uma dureza que o faz parecer o mais íntegro dos seres humanos.


Enquanto os corruptos brasileiros não vão para a cadeia, ao menos nós, eleitores, ano que vem podemos impedi-los de serem eleitos para funções públicas.


Frei Betto é escritor ne assessor de movimentos sociais, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.
Site: http://www.freibetto.org/ Twitter: @freibetto
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal(0)terra.com.br)
(Correio da Cidadania)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Pensamentando

A vida na Nação Prisão

Mark Engler
Analista principal de Foreign Policy In Focus
Adital
Tradução: ADITAL
Nesse verão, Richard James Verone, um homem de 59 anos, residente em Gastonia, Carolina do Norte, entrou em um banco, entregou uma nota a uma caixa, indicando que estava realizando um assalto e exigiu que esta lhe entregasse o dinheiro. Estranhamente, não queria muito dinheiro. Pediu 1 dólar e disse à caixa que esperaria desarmado, sentado no sofá do vestíbulo, que a polícia chegasse.
Verone, que está desempregado, tem um tumor no peito e hérnias de disco na coluna; porém, tinha sido impossível obter um seguro de saúde. Não estava roubando o banco por dinheiro. Em realidade, o que buscava era a atenção médica gratuita na prisão.
O ladrão se equivocava ao pensar que, uma vez encarcerado, obteria uma boa atenção médica. Há muito que privar os prisioneiros de um tratamento adequado tem sido um fato tácito do castigo criminal nos Estados Unidos; tema de reclamações judiciais e de relatórios de direitos humanos. Porém, ele tem razão em que, inclusive, em uma época de austeridade, as prisões continuam sendo um centro de crescimento e financiamento governamentais.
Se Verone for condenado à prisão, fará parte de uns 2,3 milhões de estadunidenses atrás das grades, uma cifra que ofusca o número de presidiários em qualquer outro país do mundo. Isso inclui a China, que tem quatro vezes a população dos Estados Unidos. Segundo o Centro Internacional para Estudos de Prisão, os EUA encerram seus residentes com uma taxa de 743 por cada 100.000 – muito mais alta que as do Reino Unido (152), Canadá )117) ou Japão (58).
O paradigma do "livre mercado” neoliberal prescreve que o Estado abandone suas responsabilidades em áreas tais como educação, habitação, saúde pública e cuidado de anciãos. No entanto, em nome de defender o "império da lei”, o Estado neoliberal mantém –e, inclusive, expande- seus instrumentos mais coercitivos: as forças armadas e as penitenciárias.
A população penal norte-americana tem crescido mais de quatro vezes desde a década de 1970, principalmente devido à sua fracassada "guerra às drogas” e a requerimentos obrigatórios de sentença, que eliminam a capacidade dos juízes de impor castigos razoáveis. Os estudos indicam que os brancos e os afro-norte-americanos usam e vendem drogas em taxas similares. No entanto, em 2003, os negros tinham 10 vezes mais possibilidades de ser encarcerados por delitos relacionados com as drogas.
É certo que sempre o dinheiro gasto em prisões poderia ser usado com propósitos mais humanitários e produtivos. Porém, agora que os orçamentos estatais estão diminuindo e que o gasto no encarceramento alcançou quase 70 bilhões de dólares, a mudança se faz sentir mais diretamente.
Durante seu último ano no cargo, até o herói de filmes de ação convertido em governador republicano da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, se queixou de uma mudança histórica inversa: três décadas antes, 10,1% dos gastos do fundo geral do Estado eram dedicados à educação superior e 3,4% às prisões. Em 2010, as prisões consumiam 11% do orçamento; as universidades, somente 7,5%.
As prisões têm demonstrado o fracasso do governo em prover tratamento de problemas de saúde mental, com mais da metade dos prisioneiros dos Estados Unidos padecendo de graves problemas psicológicos. Como assinalou recentemente The Christian Science Monitor, a cárcere do condado de Los Ángeles foi qualificada como "o maior hospital psiquiátrico dos Estados Unidos”.
Se o roubo de banco de Verone é uma parábola adequada para a vida na Nação Prisão, outra história de Wisconsin é igualmente impressionante: no início de 2011, quando o governador antissindicalista, Scott Walker, eliminou as negociações coletivas para os empregados públicos, permitiu o incremento do uso de trabalho forçado. Como resultado, no condado Racine, prisioneiros realizaram trabalhos não pagos de jardinagem e manutenção que antes eram feitos por empregados públicos sindicalizados.
Grupos conservadores, como o Conselho Norte-americano de Intercâmbio Legislativo (Alec, por suas siglas em inglês) estão pressionando a favor de medidas similares em todo o país, argumentando a favor de eliminar as restrições ao trabalho de prisioneiros e para os demitidos do setor público.
Com certeza, não querem diminuir o número de guardas nem os soldados. Grande parte do mundo já vive a experiência do governo norte-americano fundamentalmente por meio de seus militares. Se triunfam os ideólogos e se eliminam outras instituições públicas, os que vivemos no país também enfrentaremos um Estado curtido. Só restará a prisão.
[Autor de ‘Cómo dominar el mundo: la próxima batalla por la economía global' (Nation Books). Contato através dehttp://www.DemocracyUprising.com. Twitter (@Engler_demup) - Facebook en: https://www.facebook.com/pages/Mark-Engler-Democracy-Uprising/117982368212095].
(Adital)

Domésticas

Doméstica, profissão em declínio
By
admin
– 14 de julho de 2011
Buzz

Num sinal de melhora econômica e mudança nas relações sociais, ocupação declina no Brasil, perde trabalhadores e pode se restringir a serviço de luxo
Por Júlia Dias Carneiro na BBC Brasil

O crescimento econômico brasileiro vem estimulando a migração de empregadas domésticas para outros setores da economia, como empresas de telemarketing, supermercados ou clínicas hospitalares.
Nas seis principais metrópoles do país, onde mais de 1,6 milhão desempenham serviços domésticos, a tendência tem sido de queda consecutiva no número de empregados no setor desde setembro, aponta o economista Rodrigo Leandro de Moura, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) com a possível migração para outros setores. Nos últimos 12 meses, após alguns anos de sobe-desce, as estatísticas mostram que a categoria perdeu 81 mil pessoas, a maioria em empregos sem carteira assinada
“Ao longo da última década, houve um encolhimento do setor informal da economia, e acredito que as domésticas também estejam seguindo este caminho. É provável que outros setores estejam ‘roubando’ essas trabalhadoras, que estão procurando emprego com carteira assinada”, analisa.
Marcelo Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), relaciona o fenômeno ao fato de o Brasil estar perto do pleno emprego e assistindo à ampliação do chamado ‘apagão de mão-de-obra’, mas com características bem específicas.
Enquanto a expressão costuma ser usada para designar a falta de mão-de-obra qualificada, neste caso, diz Neri, é o mercado de trabalho das categorias de base que está pressionado. “No fundo, temos um apagão de mão-de-obra não qualificada. Está faltando peão de obra, agricultor, garçom, empregada. Não há sinais na base de haver uma reserva de mercado e os salários estão sendo pressionados”, diz.
Fuga da nova geração
Com maior escolaridade, renda e desejo de ingressar no mercado de trabalho formal, sobretudo mulheres mais novas têm buscado empregos em outras áreas. É o que indica, por um lado, a redução do percentual de jovens entre empregadas domésticas, e, por outro, o aumento da idade média das domésticas em atividade, hoje de 39 anos.
De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o contingente de mulheres jovens de 18 a 24 anos empregadas no setor caiu pela metade entre 1999 e 2009, passando de 21,7% para 11,1%. Já as mulheres de 30 a 44 anos passaram a representar 42,5% das trabalhadoras do setor, contra 37% em 1999.
“Estamos vendo um envelhecimento da categoria. As mais jovens, em função do aumento da escolaridade, vão se deslocar para outras ocupações”, diz Luana Pinheiro, pesquisadora do Ipea. “O trabalho doméstico é um trabalho precário, de baixa qualidade. Se a pessoa tem a possibilidade de se ocupar em outros lugares com a sua qualificação, é evidente que vai optar por isso.”
“O trabalho doméstico é um trabalho precário, de baixa qualidade. Se a pessoa tem a possibilidade de se ocupar em outros lugares com a sua qualificação, é evidente que vai optar por isso.”

Filha de doméstica, Bárbara Baptista se formou em biotecnologia e faz mestrado em imunologia
Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular – instituto de pesquisas e consultoria em São Paulo – diz que a categoria perde trabalhadoras de duas formas: há tanto as domésticas que conseguem migrar para outras carreiras após alguns anos na profissão quanto pessoas que, pelo perfil sócio-econômico, seriam historicamente levadas ao trabalho doméstico, mas que já entram no mercado de trabalho por outros caminhos.
A história da carioca Bárbara José Antunes Baptista, de 24 anos, é um exemplo bem-sucedido dessa mudança de rumo. O investimento da mãe, que trabalhou como doméstica até falecer em 2005, na educação da filha rendeu frutos. Formada em biotecnologia, a jovem faz hoje mestrado em imunologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Eu não segui a profissão da minha mãe, mas isso porque ela me deu muito apoio e uma direção para que eu buscasse uma profissão que pudesse me dar um retorno melhor na vida, e melhores condições financeiras”, diz Bárbara.
“A nova geração foge do emprego doméstico”, reitera Meirelles. “Não é pelo salário, é pela perspectiva de crescimento. Com o emprego formal, podem até ganhar menos quando se conta na ponta do lápis, mas passam a ter benefícios, a segurança da carteira assinada e, principalmente, perspectiva de crescimento profissional.”
Para ele, a mudança se dá, sobretudo, pela democratização do ensino. Entre 2002 e 2011, a pesquisa do Data Popular mostra que a proporção de trabalhadoras com ensino médio completo quase dobrou (passando de 12,7% para 23,3%).
“Com uma renda maior, elas estão investindo em educação, e ao investir em educação elas deixam de ser domésticas”, diz Meirelles.
A renda da categoria teve aumento acima da média entre 2002 e 2011. Enquanto o brasileiro médio teve aumento de 25% no período, no caso das domésticas, o incremento foi de 43,5%. A categoria movimenta hoje R$ 43 bilhões com o dinheiro do próprio salário, um salto de 66% em relação a 2002 (quando a renda somava R$ 25,9 bilhões).
A educação foi o caminho da carioca Leila Ramos Barbosa para deixar o serviço doméstico em busca de ascensão profissional.
Filha de uma família destroçada após o abandono da mãe e o alcoolismo do pai na infância, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, ela começou a trabalhar como empregada doméstica aos 13 anos. Depois de já ter sobrevivido de restos de feira livre catados nas ruas e rejeitado a escolha de amigas da adolescência que seguiram o caminho da prostituição, Leila voltou para a escola aos 17 anos para completar o ensino fundamental e médio. Hoje é técnica de enfermagem. “Eu não me envergonho de ter trabalhado em casa de família, mas eu tinha um sonho, o sonho de melhorar.”
Serviço de luxo
Para Rodrigo Leandro de Moura o Brasil pode estar caminhando para uma realidade mais próxima à dos países ricos. O serviço doméstico, outrora amplamente acessível à classe média, pode vir a se tornar um “serviço de luxo”, considera.
Na semana passada, o ministro da Economia, Guido Mantega, afirmou em Londres que as empregadas domésticas são uma parte subutilizada do mercado de trabalho no Brasil, e começam a preencher empregos gerados pelo aquecimento da economia no país.
“As empregadas domésticas são algo que quase não existe mais nos países avançados, e é uma reserva de trabalho que o Brasil tem”, disse.
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(Outras Palavras)

Ditadura

Filha da Anistia busca reflexão crítica sobre ditadura

Depois de apresentações em Fortaleza, Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro, a peça de teatro Filha da Anistia encerra a temporada de 2011 com espetáculos gratuitos no Teatro Nacional, em Brasília, nesta sexta e sábado e domingo (25,26 e 27). A peça - que busca promover a reflexão do espectador sobre a ditadura militar brasileira e seus efeitos - é uma produção da Caros Amigos Cia de Teatro, em parceria com o Projeto Marcas da Memórias, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

“É um espetáculo que permite à plateia criticar a sua própria visão da história. Não queremos fazer com que as pessoas assumam o nosso ponto de vista, mas a gente luta muito para que elas saiam da peça com um olhar crítico, questionando e refletindo se a história que elas conhecem (sobre a ditadura) é verdadeira e o quanto a verdade é importante para a gente construir um país realmente democrático”, conta Carolina Rodrigues, atriz e co-autora do espetáculo, ao Vermelho.

Assista ao Trailer:


A peça, que estreou há três anos em São Paulo, conta a trajetória de uma jovem em busca do pai que não chegou a conhecer. Nesse processo, ela acaba descobrindo um passado de mentiras e omissões, forjado durante os anos de chumbo. Cada apresentação é seguida de um debate, com a participação do público, do elenco e de convidados ligados resistência à ditadura.

De acordo com Carolina, o projeto surgiu da reflexão sobre o fato de a atual geração não conhecer bem essa parte da história do país e, aparentemente, não demonstrar interesse por ela e pela política. “Eu tenho 33 anos, então foi um questionamento sobre a minha própria geração. Eu não vivi nada disso, não tenho nenhum familiar envolvido. Mas, como artistas, eu e o Alerxandre Piccini (ator e co-autor) começamos a nos questionar”, relata.

A partir de então, eles iniciaram um longo trabalho de pesquisa, em bibliotecas, arquivos e locais como o Memorial da Resistência, em São Paulo. Também foram em busca dos personagens, entrevistaram pessoas que vivenciaram este momento da história e participaram da resistência ao regime autoritário.

“O espetáculo é uma ficção. Mas estamos viajando o país e, toda vez que a gente se apresenta, tem sempre alguém que se reconhece na história, que diz ‘isso aí tem tudo a ver com o que eu vivi’, ‘comigo aconteceu exatamente assim’, ‘minha irmã passou por isso’. Então a gente vai colhendo mais e mais depoimentos ”, explica Carolina.

Durante todo esse tempo, a reação – e a interação – dos espectadores tem sido um capítulo à parte. “Ali é o lugar em que o jovem se encontra com o cara que viveu essa história. As gerações se encontram no debate e isso é impagável, porque a gente vê o adolescente questionando como é que aquele outro cara enxergava o país naquela época e como é que ele enxerga hoje”, diz a atriz.


Para ela, é possível perceber, em muitos momentos, que o jovem dos anos de chumbo tem muito a ver com o da geração atual. “Todo mundo continua insatisfeito com as desigualdades, com o ensino no país, com a miséria, quer dizer, as questões continuam aí, elas não se resolveram”, constata.

E, nesse encontro, são reveladas história de anônimos, gente que não entrou para a história como Carlos Lamarca ou Carlos Marighella, mas que abandonou seus projetos para lutar pela democracia ou teve sua vida afetada pela ditadura.

“São pessoas que não estão nos livros, nos jornais, mas pegam o microfone e falam coisas muito tocantes. Teve um depoimento que não foi nem de uma pessoa que participou da resistência, mas de uma mãe. Ela tinha mais de 80 anos e os filhos ficavam dizendo ‘poxa, vamos mudar desta casa, vamos para um apartamento. Você fica sozinha aqui nesta casa’. E ela dizia ‘não, eu não posso sair desta casa de jeito nenhum, porque se o meu filho voltar, ele vai voltar para esta casa e, se eu sair daqui, ele não vai me encontrar’. Ela tinha um filho desparecido político. E está lá, ainda hoje, naquela casa, com o mesmo número de telefone, esperando o filho voltar. Então são histórias que a gente fica arrepiada só de ouvir”, lembra Carolina emocionada.

Comissão da Verdade

Coincidentemente, as últimas apresentações deste ano ocorrem uma semana após a presidente Dilma Rousseff sancionara lei que cria a Comissão da Verdade, um assunto sempre em pauta nos debates. “Eu imagino que agora essas conversas vão continuar muito em torno do que vai ser o trabalho dessa comissão, como ela vai atuar, o que ela vai poder esclarecer. Porque, afinal, dois anos (período em que a Comissão da Verdade funcionará) é pouco tempo para esclarecer tudo o que foi escondido pela história oficial”, prevê a atriz.

Depois de participar de tantas discussões e de ouvir opiniões distintas sobre a necessidade de desvendar os fatos ocorridos no Brasil sob o regime militar, Carolina Rodrigues é ponderada ao falar sobre a Comissão da Verdade. “Eu tenho grandes críticas ao projeto, assim como muitas pessoas têm críticas, mas eu acho que a gente tem que não desanimar. Assim como o país conseguiu uma anistia que não foi a que a gente queria - que não foi nem ampla, nem geral, nem irrestrita -, agora a gente aprovou uma Comissão da Verdade, que não foi nem da memória, nem da justiça. Então a comissão foi um passo, mais ainda falta muito trabalho a ser feito”, avalia.

A co-autora do espetáculo defende que além de esclarecer os fatos, é preciso ir além. “É preciso não só a verdade, mas que seja feita a justiça e eu sou a favor de que isso tudo construa uma memória. Eu não acho que a gente tenha que esconder esse assunto, colocar debaixo do tapete. Não acho que construiremos um país verdadeiramente democrático se não olharmos para esse passado, com uma análise crítica”.

Uma dos objetivos dos realizadores do espetáculo Filha da Anistia é exatamente desfazer uma ideia de que o que ocorreu na época da ditadura diz respeito apenas aos diretamente envolvidos. Nesse sentido, questionada sobre como tem sido a recepção à peça, Carolina conta que tem se surpreendido com as reações na plateia.

“Temos encontrado jovens extremamente politizados, a ponto de ouvirmos um adolescente de 14 anos, em Porto Alegre, perguntando o que ele poderia fazer para ajudar a aprovar a comissão da verdade o mais rápido possível. Isso é muito legal”, comemora.

Por outro lado, ela também se deparou com o inverso. “Tem gente que ainda não está nem aí para nada disso”, diz, lembrando que uma das tristes heranças da ditadura militar brasileira é justamente o desmonte da educação, que muito tem a ver com essa falta de interesse pelo passado e pela política. “A educação foi extremamente sucateada na época da ditadura. Não interessava mais que as pessoas pensassem. Então o jovem de hoje não é mais politizado por falta de estímulos e de melhores condições de ensino”.

Passados 32 anos da anistia, pessoas permanecem desaparecidas, fatos distorcidos ou encobertos e nenhuma punição recaiu sobre os responsáveis por prisões, torturas e assassinatos da época da ditadura. Para Carolina Rodrigues, essas lacunas e omissões têm impacto em vários aspectos da atualidade brasileira.

“Por trás dos crimes de violação de direitos humanos cometidos naquela época, há uma tentativa de calar uma parcela da população que queria um projeto totalmente diferente para o Brasil. Estava em jogo uma disputa ideológica, de projetos distintos. Tinha a direita, com os militares e a burguesia que bancou a caça aos resistentes. E tinha a esquerda, que foi reprimida com tanta violência e barbárie”, aponta.

Ao classificar-se como uma pessoa de esquerda, a atriz defende que o fato de os crimes daquele período não terem sido apurados deixa a sensação de que o problema em questão naquela época era mais superficial. “Além de apurar os crimes é preciso entender o contexto todo dessa disputa, que é ideológica”, diz.

Teatro engajado

Em um momento em que o teatro engajado é visto com muitas ressalvas pela crítica, que o trata como algo meio fora de moda, Carolina busca explicações para isso exatamente nessa disputa de projetos. De acordo com ela, nas décadas de 60 e 70, praticamente tudo que se fazia no cenário artístico era engajado.

“O artista não se colocava se não fosse politicamente, porque ao tomar posições, contribuía parta uma reflexão sob um ponto de vista. E quando se acirrou essa disputa entre capitalismo x socialismo, direita x esquerda, artistas foram perseguidos, censurados e torturados no mundo inteiro. A arte engajada foi sendo desmoralizada aos poucos. E, para sobreviverem no mundo, conseguirem trabalhar, as pessoas tiveram que não fazer a crítica”, coloca.

Carolina lamenta, então, que a retomada desse tipo de arte venha acontecendo de forma tão devagar. “Porque o capitalismo prevaleceu. A gente vive num mundo capitalista em que as pessoas querem entretenimento. Elas querem consumir e não pensar. E a gente faz espetáculo para refletir, essa é a nossa diferença”, completa.

Questionada sobre como despertar na plateia essa consciência crítica, ela responde: “Não se pode impor isso, mas dar ferramentas para que o espectador faça a sua própria reflexão. Nós vamos nos apresentar em um teatro com 1300 lugares. Se 1300 pessoas assistirem a nossa peça e cada uma delas sair de lá com uma reflexão, está ótimo. Se todas saírem de lá com a mesma reflexão, está errado. Cada um deve pensar aquilo tudo à sua própria maneira”.

Presenças confirmadas nos debates:
Hamilton Pereira - secretário de Cultura do DF
Gilney Vianna - vítima
Iara Xavier Pereira- do Comitê pela Verdade Memória e Justiça do DF/ vítima
Sonia Hypolito - vítima
Paulo Abrão – da Comissão de Anistia
Roberto Aguiar - professor da UNB

Antígona

Antígona julgava que não haveria suplício maior do que aquele: ver os dois
irmãos matarem um ao outro. Mas enganava-se. Um garrote de dor estrangulou
seu peito já ferido ao ouvir do novo soberano, Creonte, que apenas um deles,
Etéocles, seria enterrado com honras, enquanto Polinice deveria ficar onde caiu,
para servir de banquete aos abutres. Desafiando a ordem real, quebrou as unhas e
rasgou a pele dos dedos cavando a terra com as próprias mãos. Depois de sepultar
o corpo, suspirou. A alma daquele que amara não seria mais obrigada a vagar
impenitente durante um século às margens do Rio dos Mortos.
Antígona, personagem de Sófocles, mestre da tragédia grega
(Do documento Direito a Memória e a Verdade)

Mário Lago

Mário Lago em família: “a porta de casa estava sempre aberta”

Antônio Henrique Lago, jornalista de longa e inspirada carreira, fala aqui do pai, Mário Lago, recordando cenas entre quatro paredes. Diz quais são seus trabalhos favoritos e compartilha ensinamentos de toda uma vida. Os fãs do artista plural vão adorar saber que, além de grande na vida pública, ele foi o pai que todo mundo gostaria de ter!

Por Christiane Marcondes*



Mário Lago
Dia 26 de novembro, Mário Lago completaria 100 anos. Morreu em 2002 sem contas a acertar com a vida. Foi tudo o que quis, dispensando já aos 13 anos a casaca de diplomata da qual a mãe fazia questão. Justificou para o filho: “Você é alto, magro, vai cair muito bem”.

Lago tinha outros planos e, apesar da pressão contra, ninguém na casa tinha moral para reclamar. O pai e avós, além de tios, eram todos músicos, como Mário que, já aos 15, fez uma marchinha para a namorada, com declaração de amor ditada pela militância política, outra vocação. Dizia: “nosso amor vai melhorar quando vier a Constituição”.

Com esses versos, o adolescente selou o destino definitivo e um elefante branco invadiu a sala de visitas da casa. O pai sentenciou: “Você está treinando para profissão de fome”.

Ainda bem que não foi praga, nem foi de coração, não pegou. Mas dinheiro, a julgar pelo que o Mário personagem público expunha, nunca sobrou. Nem faltou. Em entrevista no programa “Ensaio”, da TV Cultura, Mário se aventurou a fazer uma conta de cabeça. Complicou-se tanto que ninguém conseguiu sequer ajudá-lo. Explicou que foi reprovado três vezes em matemática e soltou a piada, já que bom humor, sim, esbanjava: “Eu não sei somar, por isso sou pobre, sei menos ainda multiplicar”.

Este é "o" Mário, segundo contam a lenda, a história e seu filho, Antônio Henrique Lago, jornalista, que faz aqui um rápido e delicioso perfil do pai. Antônio Henrique tem o mesmo humor e convicções do pai, além de já ter produzido obras memoráveis no campo da reportagem.

Acompanhe a entrevista a seguir:

Vermelho - Ator, produtor, diretor, compositor, radialista, escritor, poeta, autor de teatro, cinema, rádio e TV, frasista (que eu trocaria por “filósofo do cotidiano”), militante sindical, ativista político e boêmio. Está tudo lá, no site oficial do Mário Lago. Entre tantas facetas, uma ou algumas se sobrepunham a outras?
Antônio Henrique Lago - O político sempre. Discutia as questões brasileiras diariamente com a família, amigos, o motorista de táxi, qualquer um que puxasse conversa. A pregação por uma sociedade mais justa e igualitária jamais ficava escondida ou em plano secundário. Papai nunca perdeu uma campanha política. Comunista por formação ideológica, sempre apoiou os candidatos de esquerda e do seu partido.

Mas há também o ator, sempre, porque este foi uma parte importante da vida profissional dele. Dar vida a personagens era parte do “ser Mário Lago”. Fazia laboratório sozinho para enriquecer o papel, discutia com o autor e diretor todas as cenas. Atuar era um exercício de vida!

E o escritor/autor/poeta, igualmente, sempre. Nos intervalos de gravação, nas férias, ele criava sempre um projeto para escrever. Durante as filmagens de O Padre e a Moça, recolheu material para um livro sobre o Chico Nunes das Alagoas, repentista e boêmio. Numas férias, traduziu a peça Fuente Ovejuna, do espanhol Lope de Vega. Do mesmo modo, escreveu uma peça sobre a revolução dos alfaiates - Foru Quatro Tiradentes na Conjuração Baiana -- que acabou censurada. Nunca deixou de compor, não havia como conter os versos.

Vermelho - Em casa, quais características pessoais predominantes você enumeraria?
AHL - Conversa franca, sobre qualquer assunto. Respeito às decisões de cada um da casa. Clima muito democrático.

Vermelho - Boêmio em um casamento que durou a vida toda. Como o Mário dividia o tempo entre o amor/família e as paixões, como a arte. Ficava em déficit com um lado ou outro?
AHL – Olha, papai sempre ia para os locais da boemia e levava minha mãe junto, mas eu lembro de ele chegar para uma conversa noturna sobre política, meus estudos - às vezes ele até me ajudava com os trabalhos escolares. Discutíamos minhas decisões pessoais e ele sempre respeitou as minhas escolhas. Ele e mamãe tinham a democracia entranhada no corpo e na mente.

Vermelho - Como era a casa do Mário? Um burburinho de música, amigos, festas? E o silêncio para criar, também habitava esse lar de artista?
AHL - A porta da casa de papai estava sempre aberta. Dolores Duran ia lá mostrar músicas. Carlos Marighela ia lá discutir coisas do PCB. Meus amigos e companheiros de militância política iam lá conversar. Era assim desde que me entendo por gente.

Na hora de criar, papai ia pro quarto, fechava a porta e se transportava para a criação, quer fosse para estudar as falas de um personagem, quer fosse para tocar o projeto de um livro.

Vermelho - Em uma frase, na sua opinião, qual o maior legado do Mário para:

- Você, filho
AHL - A defesa de uma sociedade justa e igualitária com o fim da exploração do homem pelo homem.

- A arte
AHL - Grandes interpretações como a do pescador Santiago, de O Velho e o Mar; e o Atílio da novela Casarão. Os versos de Nada Além, de Aí que saudades da Amélia e Aurora.

- A sociedade
AHL - Um exemplo de coerência política, honestidade de princípios. Tudo parte da luta pela sociedade sem exploração e opressão.


Vermelho - Sem segunda opção, qual música, filme (como ator ou diretor), papel na TV você colocaria como número 1 no ranking das criações do Mário?
AHL - Como música, eu gosto mais, puramente pessoal, do Nada Além. Mas sempre me emocionei muito nos bailes de carnaval ao ouvir o povo cantando Aurora. O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade, como filme. E papel na TV foi o Atilio, do Casarão.

Vermelho - Mário criava compulsiva ou metodicamente? Há ainda muita produção dispersa, inéditos? O que podemos esperar?
AHL - Papai era um criador compulsivo/metódico. Ele não podia ficar parado. Se não estivesse gravando, estava bolando algo e escrevendo.Escrevia, depois lia, corrigia, mudava, lia de novo e assim por diante, até ficar satisfeito.

Vermelho - O Mário era polivalente e multimídia. Como ele se relacionava com as novas tecnologias? Chegou a incorporar essa linguagem internética a seus trabalhos?
AHL - Papai não chegou a usar a tecnologia multimídia moderna. Ele exercia a multimídia pessoalmente. Acho que a formação sem a internet bastou para ele. Além do que ele conviveu muito pouco com a internet.

Vermelho - Qual, na sua opinião, foi a grande realização dele no campo das artes? De qual ou quais obras ele mais se orgulhava?
AHL - Papai achava que cada texto, música e personagem eram um sucesso particular e parte do todo que ele considerava o melhor da sua obra. Ele realmente gostava de tudo que fez.

Vermelho - E na política, qual a grande conquista e a grande frustração na sua vida de lutador?
AHL - Ele tinha muito orgulho de ter participado do comando da greve dos radialistas de 1962, que resultou na regulamentação da profissão. E de ter participado das lutas pela liberdade e ter visto as quedas das ditaduras de Getúlio Vargas e dos militares. Acho que frustração foi a de ver que o homem ainda vive numa sociedade intrinsecamente injusta e exploradora.

Vermelho - Pacifista e inconformado, por isso mesmo eterno militante, que causa ou causas você acha que ele defenderia hoje?
AHL - Acho que ele continuaria a lutar contra a exploração do homem pelo homem. E, é claro, as causas ambientais também estariam entre as suas preocupações.

*Redação Vermelho
(vermelho.org)

Feminismo

“Vadias feministas”
By
brunocarmelo
– 14/07/2011Posted in: Posts


Sete artistas apresentam no documentário Too Much Pussy! sua visão do queer, da pós-pornografia e da emancipação da mulher.

Por Bruno Carmelo, editor do blog Discurso-Imagem.
O título completo desta empreitada pode surpreender muitos leitores. Em português, a tradução resulta em algo como Vaginas Demais! Vadias Feministas no Show Queer X. Principalmente no Brasil, mas também na Europa de modo geral, as noções originalmente norte-americanas de queer, de pós-pornografia e de militância sexual ainda não fazem parte do vocabulário corriqueiro, nem das práticas culturais cotidianas.
De um modo geral, pode-se dizer que o queer consiste numa crença contemporânea na superação dos sexos e dos gêneros, da noção de que um indivíduo é necessariamente um homem ou uma mulher. Para os engajados nesta causa, esta dissociação é apenas uma convenção social a ser superada para se atingir o bem-estar e a autossatisfação pessoais. O queer engloba o feminismo tradicional, heterossexual, com a homossexualidade (feminina em particular) para produzir uma ode à liberação pessoal, ao prazer sem limites e sem culpas. “Por que pensar que o sexo é ou algo sagrado, ou algo sujo e profano? O sexo é simplesmente bom, as pessoas deveriam saber disso.” diz uma entrevistada.
Seguindo estas noções, Too Much Pussy ! é o tipo de filme que dificilmente chegaria às telas de cinema francesas, se não fosse o grande sucesso de público obtido num festival prévio, com temática LGBT. Este documentário de baixíssimo orçamento é feito com uma estética trash e precária, imagens de baixa resolução, acompanhando o show queer de sete feministas, mostrando com a mesma empolgação suas ideias, as transas entre elas e (literalmente) o colo de seus úteros. A trilha sonora, inteiramente feminina, grita frases de liberação e de desprezo pelas convenções sociais. O conjunto é tosco e orgulhoso de sê-lo – este documentário parece chamar todo filme “bem feito” de burguês, convencional, antigo.
Mas o que faz este grupo de mulheres? Em que consiste suas performances? Sobre os palcos, elas realizam um tipo de cabaré burlesco e sexual, misturando nudez, sangue, urina e algumas cenas de fist fucking explícitas. Nos bastidores, sem maquiagem, elas transam diante das (e exclusivamente para) as câmeras, fazendo do sexo “comum” – entenda-se: não sobre os palcos, sem plateia – uma reivindicação política. Elas falam de suas ideias, de suas vidas, do tipo de meninas que as excitam. Elas viajam e cantam, provocam, mostram os seios. Existe um senso de liberdade neo-hippie nesta empreitada de mulheres que, segundo elas mesmas, “não gostam das regras da sociedade e decidiram fazer algo a respeito”.
Assim, compreende-se que o show feminista não é apenas uma encenação, mas um estilo de vida. Estes seres performáticos atuam durante o filme inteiro, tanto em cena quanto diante das câmeras. Seja porque as sete “vadias feministas” só desejavam mostrar este lado de si mesmas, seja porque apenas este lado interessava à diretora, Too Much Pussy ! não nos mostra suas vidas diárias fora da turnê. Aprendemos inclusive, em determinado momento, que uma delas seguiu uma carreira universitária dentro dos “queer and gender studies” nos Estados Unidos, mas que abandonou a academia para abraçar a prática. As meninas nunca saem do contexto “show”, tampouco a teoria queer é retirada da provocação dos palcos.
Este documentário é inteiramente “mis en scène”, feito para o público, o que lhe confere, por fim, um aspecto bastante fictício. Sabemos que a trupe e que a turnê são efêmeras, mas não sabemos o que estas mulheres representam em seus cotidianos, nem como vivem o feminismo dentro de casa, no trabalho. Too Much Pussy ! faz do queer, uma das teorias sociais mais práticas, um espetáculo fetichista, voyeurista. Assiste-se a estas mulheres libertárias como se vê alguma fera selvagem, algum animal perigoso: com admiração, mas com distância. Afinal, esta é a particularidade do choque: criar uma separação entre eu e o outro, uma distância essencial que impede a integração social destas ideias – algo que é, ironicamente, a base do pensamento queer.

Too Much Pussy ! Feminist Sluts in the Queer X Show (2010)
Filme francês dirigido por Emilie Jouvet.
Com Judy Minx, Madison Young, Mad Kate, Wendy Delorme, Sadie Lune, DJ Metzgerei.

(Outras Palavras)

Cuba

Realidades cubanas: El nudo que hay que cortar

CubaDebate
Contra o terrorismo midiático
Adital
*Por José Dos Santos
Se ha hecho común la protesta pública, por lo general pacífica, que en muchos países del mundo desarrollado refleja la inconformidad de grandes segmentos de ciudadanos con la opresiva realidad en la que viven, o sobreviven.
Cada vez se constata más, a cielo abierto, la toma de conciencia y el repudio a las formas de dominación, subordinación y total dependencia a los poderes económicos -que rigen los destinos políticos y sociales- de naciones supuestamente en la cresta desarrollada de una ola global que amenaza con arrasar a la civilización actual, a la humanidad como especie.
En Europa, Estados Unidos e incluso por América Latina, hay muchos y constantes ejemplos de este estallido casi ignorado por los todopoderosos -incluyendo los grandes conglomerados de prensa que dominan- que no cesa de gotear sobre la piedra de las estructuras prevalecientes, en una lenta pero persistente erosión que dará frutos futuros.
Y en esto reflexiono en un contexto muy alejado del que viven esos indignados de muchas latitudes porque en Cuba no hay oligopolios que ponen sus beneficios por encima de cualquier otra consideración. Aquí conceptos como solidaridad y justicia social son esenciales y el ser humano está en el centro de los desvelos y propósitos de mejoría para las autoridades.
Son dos mundos diferentes en muchísimas cosas -muy larga la lista para relacionarlas ahora- que explican porque no hay indignados manifestándose por nuestras plazas y calles, a pesar de las esperanzas e intentos de replicarlos entre nosotros de enemigos foráneos y los pocos lacayos internos que les siguen.
Sin embargo, los cubanos estamos molestos, de forma constante y por múltiples motivos, y nuestro deber es canalizar esa desagradable sensación en acciones prácticas para resolver los problemas que la causan.
El llamado llega desde la cúspide de la sociedad, que convoca a cambiar todo lo que tenga que ser cambiado para enriquecer el socialismo cubano, subrayando valores como eficiencia y racionalidad.
Por tanto no hay contradicción entre la base -el cubano simple- y sus dirigentes principales, en el derrotero a seguir. El nudo que hay que cortar es el que traba en lo cotidiano el desarrollo de la vida a la que aspiran, unos y otros.
Desde la corrupción que permea muchas actividades comunes, la indiferencia enmascarada que aborta las mejores intenciones, los usos de recursos estatales para lucro individual, la improductividad y la carencia de exigencias, la ausencia de ética e, incluso, de buenos modales, en las relaciones laborales -en especial en el comercio minorista… hasta otro listado de insuficiencias lastran los nobles propósitos generales del país y llegan a ponerlos en peligro.
Aquí no hay codicia corporativa ni represión, temas centrales hoy de las protestas de los indignados en Estados Unidos. El problema del cubano de hoy tiene que ver con un deterioro del tejido social en buena medida provocado por las penurias impuestas por un prolongadísimo bloqueo estadounidense y, también, por nuestros propios errores e insuficiencias. En ese último sentido, nosotros mismos somos causantes y, a la vez, víctimas, de nuestro propio malestar. Y es nuestra obligación erradicarlo no sólo mirando la paja en el ojo ajeno.
(Adital)

Net

Curtir, o gostar da era digital!

Conectados, acessando sites ou lendo jornais na internet, os usuários materializam suas vidas nas redes socias, afinal o mundo inteiro caminha para um processo completo de indexação e compartilhamento de informação.

Para criar uma identidade digital na internet, nada melhor do que vincular ideias e conceitos sobre si mesmos nas próprias redes pessoais. Sendo assim, é possível traçar um perfil do que somos ou pelo menos pretendemos ser apenas a partir de um olhar mais atento nas redes sociais. Basta verificar o perfil de usuário no Twitter, Facebook, Orkut, YouTube, Tumblr ou qualquer outra rede existente.

Pensando nisso, as plataformas sociais fizeram questão de transpor para o universo digital essas estruturas de configuração pessoal - que antes eram exclusivas do mundo offline – no Google, os „circles‟, no Facebook, a nova timeline, uma linha da vida de cada usuário.
Identidade 2.0, digital, virtual ou online, como queriam definir, é construída através das manifestações pessoais e passa pela representação do outro perante a sociedade. Talvez ela seja a moeda mais importante do século 21. Como definiu o economista Thomas Hobess, há cinco séculos, “o bem maior depois da vida é a imagem pública”.

Mas, além da criação de um perfil ou um personagem, as redes também permitem a publicação de conteúdo relevante para os usuários. É nesse contexto de liberdade criativa para edição de material destinado a centenas de pessoas que o botão “curtir” ganha ainda mais significado.

Isso porque existiam duas formas de interação com o conteúdo virtual: a publicação e a replicação. Os dois principais personagens eram os produtores de conteúdo, num passado nada distante, e os internautas comuns que reproduziam scraps e auxiliavam em sua propagação. Nesse contexto, a interface de contato era apenas o “Publicar” ou “Comentar”. Verificamos que a consequência do ato “Publicar” é o excesso de conteúdo. Surge então uma nova urgência, a de qualificar e verificar o que realmente é importante.

“Aos poucos o curtir ganha uma nova funcionalidade, talvez mais importante que a original. Gostar do conteúdo agora também significa compartilhar, recomendar para seus amigos. É nesse momento que curtir e publicar passa a ter o mesmo sentido e ‘ser curtido’ se torna um grande objetivo” observa Elizangela Grigoletti, gerente de inteligência e marketing da MITI Inteligência.

Usuários mobilizam com criatividade

Ações promovidas pelos próprios usuários tendem a ter grande adesão por parte dos internautas, como é caso, por exemplo, da Marcha das Vadias, que tem sido realizada em todo o mundo e promovida pelo Facebook. Outro exemplo é a página que foi criada por um pai que quer dar o nome de seu filho Jaspion. Segundo ele, se houver um milhão de “curtir”, a esposa dele aceita. Ele já conseguiu mais de 350 mil cliques.

Nos EUA, a página ‘minha irmã disse que se eu conseguir um milhão de fãs ela dá o nome de seu filho de Megatron’ conseguiu atingir a marca em apenas 13 dias. Chegou a mais de um milhão e meio de fãs, mas a irmã não cumpriu a promessa.

Estrelas do “curtir”

Diversos eventos fakes são grandes sucessos no Facebook. É o caso do The Large Evento on Facebook, em que mais de seis milhões de pessoas confirmaram presença, ou Fim do Mundo – Eu Vou, com quase 200 mil confirmações. “Felizmente, a rede social também tem sido usada para incentivar o engajamento dos usuários em manifestações contra corrupção e também para promoção de causas sociais e ambientais”, lembra Elizangela.

Entre as marcas brasileiras, destacam-se Guaraná Antártica e L’Óreal Paris, com mais de um milhão de fãs cada. Peixe Urbano e Nike Futebol também seguem com sucesso no ranking das páginas brasileiras mais curtidas. No fechamento desse estudo, no início de novembro, essas páginas tinham respectivamente: 1.722.506, 1.459.516, 941.151 e 502.336 fãs.

Fontes: reportagem da ProXXima adicionada com informações do estudo da MITI Inteligência

(vermelho.org)