segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Meu DDD - Diário de um Deus Decadente

Meu DDD - Diário de um Deus em eterna Depressão (trechos - a pedidos)
nm“Ontem sonhei com ‘ela’. No sonho ‘ela’, peralta como sempre fingia-se triste, suas unhas, finas e delicadas, enfiadas num lenço branco amassado. Dentro do lenço algumas ilusões da véspera. Chegou-se ao ‘nosso’ bosque sombrio e atirou-se a escuridão, braços abertos como um nadador. Mas aquela era uma escuridão rasa e precária – como nós dois, correto – e ‘ela’ apenas afundou na lama, no poço, no lodo escuro de minha existência. E aquele imenso e exuberante bosque, alto como a cúpula de uma catedral, repleto de estranho movimento e agitação – como num frenesi – pois o bosque exibia uma luz baça e tímida, hesitante, plena de angústia e ansiedade, a minha angústia, não a sua alegria, pois era um bosque do meu mundo, não do seu universo. Alguém, displicente, espalha inadvertidamente sobre todo o bosque pétalas úmidas de um choro falso e precoce, pois eu ainda não havia chorado. Aliás, Deus não chora nem soluça (as vezes eu suspiro, mas aí sei disfarçar). ‘Ela’, agachada, cabeça encoberta, encolhida a um canto do bosque, aparentemente triste, finge soluçar. Eu me aproximo, altivo e soberbo, e toco-a com o indicador direito, como a conforta-la. (Na realidade, diga-se, gostaria de beija-la e acaricia-la, tê-la em meus braços naquele instante, mas algo me retém o gesto, alguma coisa segura os meus desejos e ânsias) Você é infeliz?, alguém lhe pergunta, em sussurro íntimo. Sou, porquê? Observo a distância o estranho diálogo (pois eu sei de suas mentiras e logros, ‘ela’, curiosamente, pode e quer ser feliz, ela consegue ser feliz; daí pergunto-me o motivo daquela farsa, daquele embuste), no entanto mantenho um discreto e talvez porisso mesmo, incompreensível ‘ciúme’ e ‘zanga’. (No bosque, em um certo momento inesperado, surge uma gigantesca teia de aranha, com uma pequenina e graciosa mosca aprisionada. A mosca, desesperada e impotente, debate-se, tentando em vão desvencilhar-se. Solidário com a sua impotência, chego receoso a esboçar a inevitável pergunta ‘Devo liberta-la? Devo deixar que a devorem?’. ‘Ela’, fêmea e receptiva, sempre aberta as incursões em seu ‘território’, disfarça uma ilusória dúvida e apenas sorri, travessa e desdenhosamente. Penso em recrimina-la – com uma dureza artificial – mas a menina já se afasta, a brincar com uma faca que de fato era-uma-faca. E eu, penso, inquieto, que nem sou um-Deus-que-sabe-ser-Deus?) Todos os meus navios são rosados, ‘ela’ me diz, referindo-se talvez a sua longa e comprida saia azul. E acrescenta em tom de inquirição ‘Os seus navios têm cor?’. Você fuma?, pergunto, reticente (eu queria a todo custo disfarçar a minha terrível dor no peito, a minha opressão e inação). Daí olho para a sua saia, de um verde inusitado, imaginando-a sem. É linda, penso ternamente. Suas pernas, seios, sua pequena cintura, tudo esfuma-se em uma só imagem de mulher desnuda. Doce e lindamente desnuda. Se eu morresse aqui onde você me enterraria?, ‘ela’ indaga, com uma tristeza que não lhe é peculiar. Você jamais morreria num bosque, digo-lhe. E acrescento, irônico, ‘Além do mais, você está com o seu Deus!’ ‘Ela’ sorri, bela e terna, e me beija a face (tinha os olhinhos fechados). E sussurra-me comunicando que quase todos os seus navios afundaram. Resta-lhe apenas a mim, apenas um Deus navegante, não naufragável (‘ela’, felizmente, ainda não me conhece). Num momento, no sonho, ‘Ele’ surge, inesperado, ameaçando toma-‘la’. Tira-‘la’ de mim!! Estremeço, amedrontado. ‘Ele’ aproxima-se, arrastando lentamente seus pés, pés gigantescos, como patas de elefante. Mas, engraçado, olha-me, terno e apaixonadamente, imaginando-me aventuras e loucuras, ‘todo um mundo de prazer e luxúrias’, parece querer insinuar. ‘Ele’ olha-me, insistente. É um olhar lúbrico e insinuoso. Tento imaginar algo rijo, um obstáculo qualquer, poderoso o suficiente para contrapor-se ao seu olhar, mas em vão. Ambos somos deuses, ambos onipotentes. Que fazer, como diria o revolucionário? No entanto não devo chorar. Eu também sou Deus! ‘Ela’ desaparece, como por encanto. Estávamos ali, agora, apenas nós dois: ‘Ele’ e eu, dois deuses, um conquistador, outro, tentando evitar a conquista (mas quem seria o objeto da conquista, ‘ela’ ou eu?). Mas esqueço o desenrolar... Mais adiante, no sonho, lembro, ‘ela’, deslumbrante e maravilhosa, ajuda-me a desvendar os meus ‘desfiladeiros’, meus ‘transes’ e ‘inseguranças’. Fala-me com uma meiguice/rude tão sua ‘O segredo, meu caro Deus, reside em ignorar os mistérios das coisas. Em (a)trair e evocar os nossos transes. Em resumo, meu Deus: bastaria preencher de tempo os nossos ocos. E nunca me deixe a margem de seu tempo, suplico-lhe’, finaliza, com um suspeito e repentino brilho nos olhos. Passa-se mais tempo de onirismo... ...pois é, durante todo o sonho eu fingia dores que não tinha, amores e sentimentos que jamais existiram e exagerava muitas ilusões do dia seguinte... Meu Deus, ela me diz, eu sempre tento ver a nossa vida apenas através dos teus olhos, mas infelizmente eu tento, tento e nunca consigo ver a sua imagem. Tento mil e uma vezes mas tudo se torna opaco e, curioso, dentro dos teus olhos, torno-me cega...Será, meu Deus, que o nosso amor seria inexeqüível? No entanto, quando fumo os meus cigarros, eu te vejo na fumaça subindo, ao beber um chope, é você que aparece na espuma, ao chorar, as vezes, você se esconde nas gotinhas de minha lágrima, Deus, isto é amor!! Odeio andar por aí misturando coisas, proclama, quase rindo de seus chinelos (pois estava a observar o chão, a observar os seus pés) e em seguida diz-me ‘Desejo tudo, todas as coisas, mas aos poucos, sem pressa...’, ‘Deus, eu te amo!!!’, grita, quase histérica.” “De onde eu venho, afinal? Qual a minha origem, o meu ponto de partida? Pois ao criar-me, criei-me certamente de algo, de alguma coisa primordial e básica. Em que tempo então eu existiria, ao criar-me? O meu tempo ou o dos que me antecederam? O meu espaço, a minha dimensão ou... Enfim, de que baú ou arca antiga retirei a substância para a minha criação?” “...todos dizem ‘ela’ me quer. Será?...” “Nietzsche só acreditaria num Deus que soubesse dançar. Mas eu também sei dançar! E eu não creio em mim! (como também não creio em Nietzsche)” “Ele retornou. Estivera ‘por aí’, diz, resmungando (está de mau humor). Sempre elegante, com sua bengalinha, o lenço no bolso. Não tocou em ‘nosso’ assunto, nada insinuou sobre ‘nós’, nosso ‘caso’ (nosso caso???). Perguntou-me, misterioso, sobre ‘ela’. (quais suas intenções?), onde ‘ela’ estará, o que faz, onde vive. Envelheceu, reparo. Apresenta rugas e cabelos brancos (pintura?). Está mais sério, mais sisudo, aparenta mais responsabilidade (ilusória?). Indagou-me, quase insinuando, tatibitate, se eu realmente gosto d’ela’. Disse-lhe a verdade. A minha verdade (pois eu, (in)felizmente a amo). Despachei-o, alegando ‘compromissos inadiáveis’. Que triângulo: dois deuses e uma mulher! Que loucura!!” “Foi no carnaval, ‘ela’ me disse ‘tire a máscara. Quero te ver, tocar em seu rosto, mexer em seus cabelos, quero me ver nos seus olhos, beber seu suor, chupar sua alegria’. - Assim termina o encanto e você não me emprestaria o rosto que gostaria que eu tivesse. Além do mais nunca seria um rosto de alegria. Daí ‘ela’ chorou no terceiro dia de carnaval (...logo depois veio o tempo que assanhou o seu cabelo e depois nos roubou uma paz que nós não tínhamos).” “Chamou-me a um canto, misteriosa: - Tenho uma filha - Dizem que eu também tenho um filho, brinquei - Sério Pensei. Olhei-a de viés. Vinte aninhos, se tanto. Corpo de menina. - Mora com a tia... Olhou-me como a pedir, a implorar ajuda. Disfarcei o meu sem jeito e fui cuidar de minhas ‘coisas’ (amanhã eu penso n’ela’ e em sua filha. Aliás, pode um Deus adotar garotas?)”. “...pois é, é uma interessante (e um pouco desagradável) sensação de ‘déjà vu’, algo como se eu em algum (longínquo?) passado, eu já houvesse me encontrado e conhecido, entabulado intermináveis papos comigo mesmo e, no final, brigado irremediavelmente comigo. Despeço-me então com um gostinho amargo na boca, mescla de fel e uma estranha (e deliciosa) lembrança de rapadura. Despeço-me tristemente, com um discurso severo e áspero, decidido a nunca mais ver-me. Pois é, é um fato, nunca gostei-me, nunca simpatizei comigo mesmo (sempre tive minhas ressalvas e discretas restrições. Embora, diga-se, conservo algumas poucas e agradáveis experiências e ‘aventuras’ no convívio e conluio com a natureza, o ‘mato’, o ‘selvagem’, o ‘belo’, o ‘inóspito’ e...comigo). discordava-me discretamente de minha existência, é um fato. Convenci-me um dia de que eu não poderia ser factível, eu não poderia – melhor: eu não deveria – existir ou sequer cogitar, imaginar (sonhar) essa possibilidade. Descarto-me, portanto. Na realidade falta-me algo, alguma coisa, talvez apenas um detalhe, uma pequena – ou grande? – minúcia para completar-me, tornar-me factível e palatável a mim mesmo. Não, eu não busco, como talvez aparente, a simples e frugal perfeição, o topo do mundo: eu sou humilde e ínfimo – eu, (in)felizmente, sei – eu quero ir apenas um pouco alem do infinito, talvez uns 2 metros e meio. Daí eu paro – devo parar, é a regra - e olho-me e decido. O quê? Não sei, realmente não sei.” “Quer ir embora, perguntei. Não sei. Você acha melhor eu ir? Talvez fosse bom. ‘ela’

domingo, 29 de setembro de 2013

71 - outro texto meu

Em 71 eu só escutava os meus silêncios, longos e tristes, em 72 eu desaprendi-me e tb escutava os muitos silêncios vindos do Araguaia...
E o cabo Anselmo?
Soledad? Tenho muitas Soledad em mim...incontáveis...
Lembra da Dina geógrafa?
É...perdeu-se no Pará tb...
Hoje é um lembrete na parede...e dói!...
Em 85 tentei desabrochar...
...
O Gabeira impediu...
(mas havia tb o Tancredo...)
FDP!
Quem?
Tudo, a humanidade, a vida...
Beijos...

EUA II

O surrealismo dos EUA, que discutem se matam ou não gente em outro país
Os EUA sempre foram um país belicoso. E observar o debate agora sobre a Síria faz qualquer jornalista sentir uma sensação macabra de “deja vu”. É informar, uma vez mais, o estar à beira de que estoure um horror desenhado e fabricado em Washington sobre outros, muito longe daqui. Por David Brooks, La Jornada

David Brooks – La Jornada


Washington – Os últimos dias aqui em Washington estão cheios deste muito particular surrealismo que brota quando os políticos debatem se devem matar ou não gente em outro país. O debate não é sobre quem vive, sofre ou morre, mas se atacar e destruir é ou não opção efetiva para castigar ou enviar uma mensagem ao outro, neste caso a Síria, que é proclamado como regime delinquente e ameaça ao mundo, segundo Washington.

O presidente Barack Obama e seus assessores redobram esforços esta semana para convencer o público e seus chamados representantes de que não se permitirá que outros governos matem seu próprio povo de maneiras inaceitáveis (ao que parece, há algumas que estão ok, como com armas de fogo em mãos privadas e execuções estatais), uma vez que tem que se defender as normas internacionais e os direitos de todos. Mas resulta curioso que os promotores disso não parecem entender que o que discutem é que para responder ao crime de matar gente o necessário é… matar mais gente.

Alguns comentaram que não há nada mais perigoso que uma superpotência em declive econômico e político, mas ainda militarmente suprema, uma vez que tudo o percebe como ameaça, mas só pode exercer seu poder através das armas.

Mas alguns pensavam que, passado o pesadelo bélico com George W. Bush e depois das guerras mais longas da história estadunidense, já não se contemplariam – pelo menos por um tempo – as ações bélicas como resposta. De fato, Obama ganhou sua eleição com essa promessa diante de um povo farto e esgotado por guerras e enganos. Mas talvez valha lembrar algumas das últimas palavras publicadas pelo grande historiador Howard Zinn pouco antes de sua morte, em 2010: “acho que as pessoas estão ofuscadas pela retórica de Obama, e as pessoas deveriam começar a entender que Obama será um presidente medíocre – o que implica, em nossos tempos, um presidente perigoso – a menos que apareça um movimento nacional para empurrá-lo em uma melhor direção”.

Obama convida o povo para que apoie sua decisão de bombardear, uma vez mais, outro povo, em nome da segurança nacional (talvez as duas palavras mais perigosas em qualquer vocabulário oficial, e algo que nenhum jornalista deveria usar sem colocar entre aspas, já que quase todo abuso do poder, tanto interna como internacionalmente, se justificou com isso, não só guerras, mas perseguições políticas e, hoje em dia, a massiva espionagem da população mundial por Washington e outros países). Também afirma que isso é necessário para defender os princípios mais nobres da humanidade.

Por agora, o povo estadunidense recusou esse convite de seu presidente e as pesquisas demonstram que, por ampla margem, o público não apenas não aprova um ataque militar, mas está convencido de que isso só piora a situação internacional.

Mas a vontade popular nesta democracia quase nunca foi um fator (Iraque, torturas) determinante nas políticas da cúpula política e econômica desse país. De fato, o que o público expressa é frequentemente o oposto ao que essa cúpula propõe e faz e frequentemente, quando sua oposição se torna demasiado ativa, até é percebida como ameaça aos interesses da nação. Noam Chomsky tem repetido que, afinal de contas, no que chamam uma democracia, o que mais teme o governo aqui é justamente seu próprio povo. E as revelações recentes de crimes de guerra estadunidenses, enganos diplomáticos, como também o fato de que esse é agora o povo mais espionado do mundo e da história – e que aqueles que se atreveram a vazar tudo isso ao público são acusados pelas autoridades de ajudar o inimigo e de serem espiões – só comprovam isso.

Esse sempre foi um país belicoso. A lista de ações, invasões e intervenções militares é de várias centenas e supera qualquer outro país, talvez em toda a história (algum historiador terá que fazer o cálculo exato). De fato, acaba de ser publicada a lista atualizada de exemplos do uso das forças armadas estadunidenses no estrangeiro entre 1798 e 2013, elaborada pelo Serviço de Investigações do Congresso, agência oficial não partidária da legislatura. Só em 11 de centenas de ações por suas forças militares os Estados Unidos declararam formalmente a guerra a outro país (uma delas é a guerra com o México, declarada em 1846) e a última foi na Segunda Guerra Mundial. Todas as demais, incluídas Coreia, Vietnã e Iraque, foram guerras não declaradas. O relatório afirma que, na maioria de casos, o status da ação conforme a leis domésticas ou internacionais não foi abordado. Só no que vai de 2013, a lista inclui ações militares em pelo menos 13 países.

A lista não inclui ações ou intervenções encobertas, por exemplo, não se menciona o apoio ao golpe de Estado contra o governo de Arbenz na Guatemala, nem contra o governo democrático no Irã, nem o apoio na invasão fracassada de Cuba (Playa Girón), nem o golpe de Estado contra Salvador Allende no Chile em 1973, exemplo que justamente completa 40 anos esta semana.

Observar tudo isso, esse anúncio de morte premeditada, obriga a qualquer jornalista que informou sobre esse país a sentir uma sensação macabra de “deja vu”, outra vez mais. É informar, uma vez mais, o estar à beira de que estoure um horror desenhado e fabricado em Washington sobre outros, muito longe daqui. É estar obrigado a informar que se requer atualizar essa lista de exemplos de uso de força militar.

E é esperar que esse povo consiga insistir, desta vez, não em nosso nome.


(Carta Maior)

EUA, 'Superpotência moral'

“Superpotência moral”? Dá um tempo.
É impossível afirmar que os Estados Unidos, país responsável pela maior parte do derramamento de sangue desde a Segunda Guerra Mundial na Ásia, América do Sul, Afeganistão e Iraque, seja dirigido por considerações morais. O ataque a Síria seria um Iraque II. Os EUA – que nunca foram punidos pelas mentiras do Iraque I e pelas centenas de milhares de mortos em vão nessa guerra - dizem que uma guerra similar deveria ser lançada. Mais uma vez, uma cortina de fumaça. Por Gideon Levy.

Gideon Levy - Haaretz



Um exercício de honestidade (e de duplo padrão de julgamento): o que aconteceria se Israel usasse armas químicas? Os Estados Unidos também afirmariam que iriam atacar? E o que aconteceria se os Estados Unidos mesmo tomasse essas medidas? É verdade, Israel jamais usaria armas de destruição em massa, embora as tenha em seu arsenal, exceto sob circunstâncias extremas. Mas o país já usou armas proibidas pelo direito internacional – fósforo branco contra a população civil em Gaza, bombas de fragmentação no Líbano – e o mundo não levantaria o seu dedo. E seria preciso poucas palavras para descrever as armas de destruição em massa usadas pelos Estados Unidos, das bombas nucleares no Japão ao Napalm no Vietnã.

Mas a Síria, é claro, é um outro assunto. Afinal de contas, ninguém pode seriamente pensar que um ataque a Síria sob o regime do Presidente Bashar Assad repousa em considerações morais. 100 000 mortos nesse país infeliz não convenceram o mundo a se coçar para tomar uma atitude, e apenas o informe da morte de 1400 por armas químicas – o qual não foi provado de maneira conclusiva – está persuadindo o exército da salvação mundial a agir.

Tampouco alguém poderia suspeitar que a maioria dos israelenses que apoiam o ataque – 67% de acordo com a pesquisa encomendada pelo jornal Israel Hayom – são motivados pela preocupação com o bem estar dos cidadãos sírios. No provavelmente único país do mundo em que uma maioria da opinião pública apoia um ataque, o princípio que o orienta é completamente estrangeiro: ataque aos árabes; não importa por que, apenas o quanto – muito.

Ninguém pode seriamente pensar que os Estados Unidos é uma “superpotência moral”, como Ari Shavit o definiu nas páginas deste jornal O país responsável pelo maior derramamento de sangue desde a Segunda Guerra Mundial – alguns falam em algo como 8 milhões de mortos em suas mãos – no sudeste da Ásia, na América do Sul, Afeganistão e Iraque – não pode ser considerado “uma potência moral”. Nem o pode o país no qual um quarto dos prisioneiros do mundo estão encarcerados, em que o percentual de prisioneiros é maior do que na China e na Rússia; e onde 1342 pessoas foram executadas – cumprindo pena de morte – desde 1976.

Até a afirmação de Shavit, de que “A nova ordem internacional que emergiu após a Segunda Guerra Mundial foi pensada para assegurar...que o cenário de horror e morte por gás não se repetisse” está desconectado da realidade. Na Coréia, no Vietnã, no Camboja, em Ruanda e no Congo, assim como na Síria, essa afirmação infundada pode somente causar um sorriso azedo.

O ataque assim seria um Iraque II. Os Estados Unidos – que nunca foram punidos pelas mentiras do ataque Iraque I e pelas centenas de milhares de mortos em vão nessa guerra - dizem que uma guerra similar deveria ser lançada. Mais uma vez, uma cortina de fumaça, com evidência parcial, e com linhas vermelhas traçadas pelo próprio presidente Barack Obama, e agora ele é obrigado a manter a sua palavra. Na Síria, uma guerra civil cruel se aproxima e o mundo deve tentar barrá-la; o ataque americano não fará isso.

Informes da Síria são aparentemente sobretudo tendenciosos. Ninguém sabe o que exatamente está acontecendo, ou a identidade dos mocinhos e dos bandidos, se assim podem eles ser definidos.

Devíamos escutar as sábias palavras de uma freira da Síria, a Irmã Agnes-Mariam de la Croix, que se queixou para mim, ao longo do fim de semana – do mosteiro em Jerusalém onde ela estava ficando, a caminho de volta da Malásia para a Síria – a respeito da imprensa mundial. A Irmã Agnes – Mariam descreveu o quadro de maneira diferente da maior parte da imprensa. Há uns 150 000 jihadistas na Síria, ela diz, e eles são os responsáveis pela maior parte das atrocidades. O regime de Assad é o único que pode barrá-los, e a única coisa que o mundo deve fazer é parar de fornecer-lhes militantes e de armá-los. “Eu não entendo o que o mundo quer. Ajudar a Al-Qaeda? Criar um estado jihadista na Síria?”.

Essa madre superiora, cujo mosteiro está localizado numa via que vai de Damasco a Homs, está certa de que um ataque americano só fortalecerá os jihadistas. “É isso o que o mundo quer? Um outro Afeganistão?”.

Talvez o mundo saiba o que quer, talvez não. Mas uma coisa agora parece clara: um outro ataque dos Estados Unidos poderá se tornar um outro desastre.

Tradução: Katarina Peixoto
(Carta Maior)

Pensamentando

O masoquismo, subsolo do sadismo
O que Charles Chaplin estaria insinuando ao apresentar "O grande ditador" com a mesma fisionomia de um simples barbeiro do gueto? Estaríamos diante de uma sátira sobre as origens pauperizadas de Hitler, ou Chaplin estaria falando da contiguidade entre a massa anômica e o Führer patriarcal? A massa heterônoma de pequenos ditadores se reconhece no Führer Pai, o mesmo que logo recorrerá ao infanticídio de seus súditos. O holocausto do outro pressupõe o auto-holocausto. O masoquismo, subsolo do sadismo. Por Flávio Ricardo Vassoler.

Flávio Ricardo Vassoler


O que Charles Chaplin estaria insinuando ao apresentar O grande ditador (1940) Adenoid Hynkel com a mesma fisionomia de um simples barbeiro do gueto? Estaríamos diante de uma sátira sobre as origens algo pauperizadas de Hitler? Ou, na verdade, Chaplin teria apreendido a profunda contiguidade entre a massa anômica e o Führer patriarcal?

O contexto imediato de realização do filme não poderia ser mais tétrico para as democracias liberais. Em 1940, a Alemanha transforma a Europa em seu Espaço Vital. Mas o que a “inocente população civil” teria a ver com a ascensão meteórica do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães?

Eu me lembro de uma foto do período da República de Weimar – o período alemão entre guerras que antecedeu a chegada de Hitler ao poder. Um menininho solta pipa com uma fila interminável de desempregados a lhe observar. 1929 e suas decorrências implacáveis. As fraturas históricas tingem o lúdico com uma nova tonalidade. A pipa não era feita de mero papel. Não. A pipa era feita de papel-moeda, nada menos que 2 milhões de marcos completamente sem valor tentavam alçar voo com as empinadas do alemãozinho. A foto ainda pôde capturar outra ruptura: em frente a um mercado, os seguranças repelem um senhor que lá tenta entrar com um carrinho de mão repleto de moedas. Na vitrine, uma torta custa, aproximadamente, 4 milhões de marcos. A inflação estratosférica lotou o carrinho do senhor Fritz com a poupança desvalorizada em busca do mero almoço.

Tanto a Dialética do esclarecimento (1947), de Theodor Adorno e Max Horkheimer, quanto As origens do totalitarismo (1951), de Hannah Arendt, observam com quem a população depauperada pela profunda crise econômica tem contato ao tentar vender o almoço para poder jantar. Quem são os donos do mercadinho? A quem pertence a lojinha da esquina? “Judeus, judeus, judeus!” – ressoa o mantra do antissemitismo. Mas por que havia uma grande quantidade de judeus nos setores sociais de circulação monetária?

Ora, historicamente, a Igreja e os monarcas permitiam que os judeus ocupassem postos na administração pública? Setores-chave da economia lhes eram vedados. A esfera produtiva lhes era proibida por excelência. A perseguição histórica transformou os judeus em nômades. A alta burguesia judaica compôs o seleto rol dos banqueiros. O nome mais emblemático desponta com os Rothschild, junto a quem o empreendedor brasileiro Irineu Evangelista de Sousa, também conhecido como Barão de Mauá, tentou contrair empréstimos. A “grande conspiração judaica para tomar o mundo” decorre do ódio aos financistas profundamente imbricado ao antissemitismo.

Os cristãos poderosos jamais puderam prescindir das parcelas de um Rothschild para fomentar suas guerras – e seus pogroms. Os industriais sempre se mostraram consequentes com a lei de desenvolvimento das forças produtivas ao contraírem adiantamentos de mais-valia junto às casas bancárias. Para a sociedade alienada de si mesma, isto é, para a sociedade que apenas vê o machado, e não aqueles que efetivamente empunham o instrumento letal, o “judeu” é o culpado pela bancarrota das instituições, o “judeu” avarento, a pequena burguesia dona das lojinhas, das mercearias, o “judeu” usurário – em suma, todos aqueles que pertencem à esfera da circulação econômica e que apresentam aos trabalhadores desempregados a nota promissória de seus salários roubados no chão da fábrica.

Eis um ponto a ser novamente destacado: a sociedade alienada de si mesma não reconhece os verdadeiros carrascos. A lógica de dominação e exploração fica oculta sob o véu da aparência. Os “judeus” expulsos da esfera produtiva são os algozes do cotidianos, os agentes concretos da inflação – ora, será que um dono de mercearia poderia deixar de aumentar os preços de seus produtos em meio à inflação galopante? Mas o proletariado desesperado quer alguém a quem culpar. A história não se assenta sobre o evangelho segundo Talião?

Onde está o bode expiatório? “O câncer judaico não tem raízes. A nação alemã está farta desses usurpadores!” Enquanto latia essas palavras de ordem e de ódio, o autor de Mein Kampf (Minha Luta, 1925) conhecia o pragmatismo político de seu antissemitismo. “Se não houvesse o judeu, teria sido necessário inventá-lo”. Não à toa o grande capital ariano afluiu com investimentos inimagináveis para que os nazistas contivessem o espectro vermelho que rondava a Europa. “A horda bolchevique, os judeus internacionalistas!”

O salário expropriado na fábrica só se torna imediatamente nulo diante das compras. Eu não sei quem são os donos da minha indústria; os acionistas não passam de uma fantasmagoria. Mas “o judeu e seus traços fenotípicos não me escapam”. Nesse sentido, a percepção de Chaplin é acurada. Hitler, que viveu tempos de mendicância na Viena do entre guerras, pôde efervescer o rescaldo de seu antissemitismo ao assistir à “lógica clânica e endógena dos judeus”.

Ora, se um grupo é historicamente perseguido, seus membros tendem a estreitar relações para ajuda mútua. Estamos diante de uma forma básica de defesa. Mas como são os algozes que escrevem a história e propagam as sentenças pelo rádio, as vítimas se tornam os réus. Pelo veredicto de época, os judeus de fato se tornaram o povo escolhido.

Que tal oferecer à massa rota uniformes elegantes e bem cortados? Que tal dar à massa um sentido de grupo, um sentido de pertencimento? Que tal acabar com a anomia social fortalecendo os egos combalidos pela crise com a lógica do Partido, com eventos públicos intermináveis, em meio aos quais a serpente humana marcha a passo de ganso? Todos os anseios são corporificados por Deus Pai, o Führer – vale lembrar que o verbo führen, em alemão, quer dizer “conduzir, levar, guiar; dirigir, liderar, guiar, estar à frente”. Hitler é a vanguarda do proletariado. Que significa chamar seu partido de nacional-“socialista”? Ora, Mein Kampf já não havia diagnosticado que as táticas propagandísticas da esquerda eram infalíveis? A cor vermelha atrai a massa em meio às ruas e avenidas, da mesma forma que o touro tresloucado vai em direção à espada oculta do toureiro. (Como sabemos que as hordas nazistas não passavam de bucha de canhão para a guerra, a comparação não tem nada de fortuito.) E mais: Hitler bem sabia os alemães, o franceses e o ingleses se veem, antes de mais, como alemães, franceses e ingleses. “O internacionalismo é uma abstração do judeu Karl Marx”. Eis o logo do “nacional-socialismo”, e as massas marcham pela estética das flâmulas e das tochas para, logo em seguida, romperem seu anonimato nas salas de cinema que Joseph Goebbels, o ministro da propaganda, fazia questão de superlotar. O eu débil se sente menos combalido ao (não) se reconhecer nas paradas nazistas que logo se confundirão com as trincheiras. Logo menos, a massa entre os escombros já não poderá se reconhecer.

Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, em alemão). Se notarmos bem, o nome desponta como uma imagem especular com os termos equidistantes em relação ao eixo da contração “dos”: “nacional” hipnotiza os “alemães”; “socialista” faz comício para os “trabalhadores”. O NSDAP chega ao poder, em janeiro de 1933, de “maneira democrática” – enfatiza Charles Chaplin. Assim, a contiguidade entre o grande ditador e o barbeiro do gueto tem um substrato de profunda (re)produção histórica. O Führer pressupõe os pequenos ditadores, cuja distância do poder – frustração basilar em uma sociedade calcada no hedonismo de César – será compensada pelas façanhas de Deus Pai. E se a história se consuma pelos holocausto tanto das vítimas quanto dos soldados, a massa/bucha de canhão se sente proprietária das terras e do espólio que jamais lhe pertencerão, já que pode disparar seu ódio contra o outro, o réu, o culpado, o condenado. Pilatos em miniatura, os pequenos ditadores gritam com o dedo em riste: ecce homo, eis o homem – “o judeu”.

O bom e velho Charles Chaplin nos faz pensar sobre a continuidade da paranoia historicamente orientada. Será que superamos a lógica persecutória do bode expiatório? No contexto brasileiro, por exemplo, quem são os nossos “judeus”? A quem se deve culpar? Talvez tenhamos uma pista do ethos fascista Brasil adentro ao nos depararmos com a síntese do poeta Francisco Alvim, que, em seu livro Elefante, bem soube fazer o diagnóstico de nossa sociopatologia. Assim falou o poema-pílula “Parque”: “É bom/ mas é muito misturado”. (Será por isso que o Parque do Ibirapuera, em uma das regiões mais ricas de São Paulo, tem tão poucas entradas para pedestres?) Não é esse o hino da classe média que votou em massa no deputado estadual Ubiratan Guimarães, o coronel da PM que comandou a invasão do Carandiru pela Tropa de Choque?

Consta que o Leviatã (1651), obra magna do filósofo inglês Thomas Hobbes como bandeira para a legitimação do absolutismo, desponta com a imagem de um grande monarca a envergar a coroa, a espada e o cetro de seu poder. Charles Chaplin nos pede que que observemos a figura do grande ditador hobbesiano com mais atenção. Quando nos aproximamos da imagem, vemos que o Leviatã é composto da somatória de cada um dos seus súditos. A massa heterônoma de pequenos ditadores se reconhece no Führer Pai, o mesmo que logo recorrerá ao infanticídio de seus súditos. O holocausto do outro pressupõe o auto-holocausto. O masoquismo, subsolo do sadismo. Adolf Hitler sentencia que O grande ditador poderia dar um novo título à marcha da História. “Crime, castigo e sadomasoquismo”.

(*) Flávio Ricardo Vassoler é escritor e professor universitário. Mestre e doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, é autor de O Evangelho segundo Talião (Editora nVersos) e organizador de Dostoiévski e Bergman: o niilismo da modernidade (Editora Intermeios). Todas as segundas-feiras, às 19h, apresenta, ao vivo, o Espaço Heráclito, um programa de debates políticos, sociais, artísticos e filosóficos com o espírito da contradição entre as mais variadas teses e antíteses – para assistir ao programa, basta acessar a página da TV Geração Z: www.tvgeracaoz.com.br. Periodicamente, atualiza o Subsolo das Memórias, página em que posta fragmentos de seus textos literários e fotonarrativas de suas viagens pelo mundo.

(Carta Maior)

Campo de Libra

‘Baixa’ inscrição para o Leilão de Libra é história mal contada
  Escrito por Paulo Metri  







Os sinais nos cercam, contudo nem todas as pessoas os observam. A vida ganha mais sentido para quem lê os sinais. Não há cursos para a melhor compreensão deles. Trata-se de um dom, que todos possuem, mas muitos não o estão utilizando.



Do site da ANP, a Agência Nacional do Petróleo, 11 empresas, incluindo a Petrobras, pagaram a taxa de participação para o primeiro leilão do Pré-Sal, que será realizado em 21 de outubro, com a oferta do campo de Libra. São elas: CNOOC (chinesa), CNPC (chinesa), Ecopetrol (colombiana), Mitsui (japonesa), ONGC (indiana), Petrogal (portuguesa), Petronas (malaia), Repsol/Sinopec (hispano-chinesa), Shell (anglo-holandesa), Total (francesa) e a Petrobras. Não se inscreveram quatro das maiores produtoras do petróleo mundial, que não deixam rastros positivos nos países hospedeiros: as norte-americanas Exxon Mobil e Chevron, e as britânicas BP e BG.



Para facilitar o entendimento, a leitura de um sinal disponível é mostrada. Uma comentarista econômica de um dos mais importantes jornais brasileiros, depois de ouvir um especialista, disse que o modelo adotado pelo governo para a exploração do Pré-Sal sofreu uma derrota, porque o interesse das empresas estrangeiras foi baixo. Para iniciar, os três, a jornalista, o jornal e o especialista, são remunerados por empresas petrolíferas estrangeiras. Em outro entendimento, o modelo foi um sucesso, pois espantou aqueles que não aceitaram o aumento da transferência de lucro do petróleo para a sociedade. A verdadeira mensagem emitida foi “este modelo atrai empresas que se contentam com um nível menor de exploração da sociedade brasileira” e, exatamente por isso, foi considerado ruim pelas mais gananciosas.



Os ruídos têm sido imensos, pois são ouvidas críticas como: “inscreveram-se muitas estatais de outros países, além da nossa”, “inscreveram-se muitas empresas asiáticas”, “as empresas norte-americanas e inglesas não gostaram do que descobriram na espionagem”, além de outras afirmações. Começando pela última frase, os anglo-saxões, se descobriram algo sobre Libra através da espionagem, foi algo positivo. Para provar o que digo, basta ler o que falou, recentemente, o ex-diretor da Petrobras, geólogo Guilherme Estrella, sobre este campo na Academia Nacional de Ciências (disponível no site do jornal “Hora do Povo”): “Libra são 10 bilhões de barris de petróleo já descobertos, é muito óleo. A nossa posição de reserva com o Pré-Sal é muito confortável pelos próximos 20 anos. Por que vai abrir Libra para a participação de empresas estrangeiras e interesses estrangeiros?”.



Com relação às demais frases, pode-se dizer que as petroleiras que priorizam a rentabilidade se esquivaram do leilão. As estatais estrangeiras, cumprindo determinações dos seus Estados nacionais, querem assegurar reservas no exterior para o suprimento de seus países e não se importam com um eventual expurgo do lucro promovido pela legislação brasileira. Assim, em parte, podemos nos regozijar porque estão fora do leilão de Libra alguns dos predadores tradicionais. No entanto, ainda existem outros na lista dos inscritos, que podem estar representando o grupo todo – lembrar que eles provavelmente atuam em cartel.



Outras causas citadas para as quatro gigantes do setor desistirem de participar do leilão de Libra foram: “forte interferência do Estado brasileiro”, “exigência de bônus bilionário” e “demora na realização de leilões”. Quanto ao bônus alto, é verdade, mas, para as quatro empresas em questão, não é obstáculo. A interferência do Estado brasileiro é necessária para aumentar as compras no país e as decisões dos consórcios nunca ferirem os interesses da sociedade. Quanto à demora na realização de leilões, trata-se de choro por não se conformarem com um marco regulatório melhor que a péssima lei 9.478 ter sido criado.



Quanto às estatais estrangeiras, deixo claro que, se nós deixarmos, elas vão depredar também nosso petróleo como qualquer petroleira privada estrangeira. Elas só têm duas diferenças: são orientadas por interesses das sociedades que representam e, consequentemente, são menos focadas na obtenção de lucro, se bem que não o desprezam.



Alguns amigos veem um eventual futuro consórcio entre chineses e a Petrobras como uma grande solução, pois eles irão financiar a parte que a nossa empresa terá que desembolsar. Dizem até que a presidente Dilma concorda com esta fusão de interesses e concluem que este consórcio irá ganhar. Neste ponto, lembro-me de Garrincha, que, na véspera de um jogo contra a União Soviética, quando o treinador explicava por onde os brasileiros deveriam penetrar na defesa adversária, perguntou: “já combinaram isto com os russos?”. No presente caso, pergunto: “já combinaram isto com a Shell, a Total etc.?”.



É preciso ter em mente que não há a pressa tresloucada que a ANP busca impingir para Libra. O Brasil, graças unicamente à Petrobras e a nenhuma empresa estrangeira, está abastecido, pelo menos, pelos próximos 40 anos. Também, o Brasil poderia garantir um fornecimento de petróleo a partir de Libra para a China, de médio prazo, em troca de financiamento para implantação deste campo, sem precisar chamar estatais deste país para serem sócias.



Resta colocar qual seria a posição ideal para a sociedade brasileira. A empresa escolhida, ao produzir o petróleo de Libra, precisa comprar, ao máximo, bens e serviços nacionais, empregar muitos brasileiros, desenvolver tecnologia somente aqui, reinvestir o lucro exclusivamente no Brasil, atender ao chamado para execução de políticas públicas de interesse da sociedade brasileira e contribuir com um grande percentual do lucro líquido de Libra para o Fundo Social. Enfim, a empresa deve ter um compromisso inquebrantável com o povo brasileiro. Assim, só vejo uma empresa que é capaz de satisfazer a este critério.



Felizmente, alguns espíritos iluminados, nos quais está incluída a presidente Dilma, conforme pessoas que presenciaram os acontecimentos, colocaram na lei 12.351 o artigo 12, que permite entregar à Petrobras, sem leilão, qualquer área julgada estratégica. E, diga-se de passagem, mais estratégica que Libra é impossível. Obviamente, a Petrobras terá que assinar com a União para receber Libra num contrato de partilha e, acrescento, com uma cláusula de fornecimento do lucro líquido para o Fundo Social bem alta (no mínimo, 80%), além do pagamento dos royalties.



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Libra: com aliados como estes, quem precisa de inimigos?



Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia

Blog do autor: http://paulometri.blogspot.com.br/

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Manifestações

‘O Estado, a cada manifestação que passa, só deixa mais claro que declarou guerra à população’    l  
Escrito por Gabriel Brito e Raphael Sanz, da Redação 





“Não vai parar, não tem mais volta. Isso que aconteceu no Brasil foi uma ruptura, tanto pra escancarar a democracia disfarçada que temos, como pra fazer nossas reivindicações serem ouvidas de uma vez por todas”, resume ao Correio da Cidadania o advogado Luiz Guilherme Ferreira, um dos responsáveis por tirar da prisão os manifestantes detidos arbitrariamente, quando não a esmo, pela polícia militar, durante os protestos que o Brasil vem registrando.



Como se sabe, a brutalidade policial e seus traços de Estado de Exceção deram o tom dos atos realizados pelos estados brasileiros, no último dia 7 de setembro, mantendo na ordem do dia as pautas colocadas na mesa pela população a partir das jornadas de junho. Depois disso, o governo carioca sancionou lei que proíbe máscaras em atos de rua, em clara tentativa de criminalizar os militantes black blocks, sob as escusas de praticarem “vandalismo”, como bombardeia a mídia incessantemente.



Por outro lado, tal postura, hipócrita diante da omissão face as brutalidades do aparato de guerra do Estado, atesta que os poderes dominantes do país já estão em franco conluio pelo esvaziamento dos atos, que, lembre-se, repudiaram raivosamente antes do ponto de viragem. Para Ferreira, apenas mais um ato de criminalização da luta social, o que é comprovado pela postura arbitrária e obscurantista do Estado, através de sua polícia e delegacias, com seus inúmeros abusos sobre os direitos das pessoas, como descreve o membro dos Advogados Ativistas ao longo da entrevista.



Apesar da contra-ofensiva repressora, Ferreira não hesita em estimular as pessoas a continuarem no exercício de livre manifestação, inclusive radicalmente, esperando que o movimento se intensifique em 2014. “Vá pra rua como quiser, esse direito ainda está garantido, manifestar-se na rua, ainda, não é crime. Portanto, vá pra rua, com sua máscara, como quiser, de forma violenta ou não. Se for violento, o Estado não está autorizado a brutalizar sobre ninguém por algum crime. Faça o que pensa que vá modificar alguma coisa. Quer só levantar cartaz, levante, quer jogar pedra na polícia, também pode jogar. Não estou incitando nada disso, mas são coisas que acontecem e as manifestações estão aí pra deixar claro, os fatos estão aí provando o que ocorre nas ruas. E o Estado não está autorizado a cometer brutalidades contra o cidadão. Pelo contrário, o Estado já tem mecanismos, há muito tempo, instaurados na sociedade a fim de absorver esse tipo de atitude”, explica.



A entrevista completa com Luiz Guilherme Ferreira, novamente realizada em parceria com a webrádio Central 3, pode ser lida a seguir.



Correio da Cidadania: Desde o mês de junho, você vinha oferecendo assistência jurídica às prisões claramente arbitrárias realizadas pela Polícia Militar durante as manifestações de rua, o que se repetiu nos atos de 7 de setembro. Inicialmente, o que poderia nos contar a respeito dessas recentes manifestações, o que elas reivindicaram e criticaram com mais força?



Luiz Guilherme Ferreira: Este último ato foi chamado por diversos movimentos, com as bandeiras que todos já vinham trazendo, em nome de transporte público, desmilitarização da polícia etc. Mas a novidade, por ser um 7 de setembro, dia da falsa independência do Brasil, era que muitos setores da direita iriam comparecer. Iriam, porque na verdade não foram às ruas. Porém, isso tornou as expectativas mais tensas. E tudo acabou se confirmando, com uma repressão bem brutal da polícia.



Correio da Cidadania: Como foi a atuação dos black blocks, agora no centro da discussão política e novos alvos de criminalização por parte de governos, a exemplo da lei anti-máscara no Rio? Como se deu, mais precisamente, a repressão estatal nos atos?


Luiz Guilherme Ferreira: Em princípio, o black block é uma forma de atuação, uma tática. Não é organização e não tem líder. As autoridades estão buscando, com seus velhos parâmetros, referenciados em grupos antigos, um líder, uma organização, coisas que não existem. Por isso, a incapacidade de conseguirem lidar com eles. No mais, a incapacidade do Estado em lidar com a população sempre foi clara. Agora, fica latente com os grupos novos, que reivindicam apenas o básico para sociedade, o que incomoda os poderes dominantes.



O black block tem a ação direta como forma de atuação, que por vezes depreda patrimônio público e privado. Apenas constatar que são criminosos, e têm de ser presos, é esvaziar demais uma atuação totalmente política. Eles não saíram às ruas da noite para o dia e resolveram quebrar tudo. E com essa criminalização, pela incapacidade do Estado em lidar com tal novidade, gera-se a brutalidade policial. Assim como a incapacidade de lidar com a pobreza, e tudo aquilo que foge à realidade dos padrões de vida de classe média pra cima, gera a resposta bruta e desmedida do Estado. E insistem, ainda por cima, em chamar de “confronto”. Policiais armados até os dentes contra um bando de moleques com máscara é algo tido como “confronto”.



Mas não é novidade pra ninguém. O lado fascista da polícia paulista, carioca etc. sempre foi latente. Só que no 7 de setembro, especificamente, ao menos aqui em São Paulo, foi uma coisa desmedida. Teve gente que ficou cega, foi atropelada, torturada, conforme informações que obtivemos nas delegacias. Os próprios policiais civis e delegados tentaram impedir o trabalho dos advogados, tentaram nos intimidar... Portanto, é assim: o aparato estatal contra a população.



Correio da Cidadania: Você acha que a atuação repressora, dentro da sua visão, próxima aos fatos, confirma as opiniões que afirmam ter o Estado preparado um clima de terror psicológico contra a população, ecoado pela mídia, com a finalidade de esvaziar os protestos nesse dia simbólico?



Luiz Guilherme Ferreira: Claro. Desde o início, em todos os lugares, a polícia, como braço armado, foi colocada pra amassar as manifestações. Atualmente, dizem que o black block traz insegurança às ruas. Mas, na verdade, nem precisamos falar de manifestação. Voltando um pouquinho no tempo, por exemplo, a janeiro: estava todo mundo andando tranquilo na rua, em janeiro? Com certeza, não. E o black block, estava na rua? Tampouco. De modo que, como sempre, trata-se do Estado policialesco. Agora, a atuação deles se volta a outra faceta da população. Ainda há o massacre na periferia, mas agora resolveram massacrar um pouco mais pelo centro, massacrar outro “caráter” de pessoa, como eles dizem, não apenas os seus tradicionais “bandidos”. Claro que tentam apresentar os novos inimigos como bandidos. Mas é apenas mais uma história de criminalização de movimentos, cerceamento de direitos (como no caso das máscaras), prisões arbitrárias etc.



Correio da Cidadania: Até que ponto existe legalidade, ou não, na lei que proíbe as máscaras, aprovada no Rio de Janeiro e provavelmente vista com muito carinho pela classe política dos outros estados?



Luiz Guilherme Ferreira: Sobre as máscaras, é uma iniciativa totalmente ilegal do Estado. A quadrilha de bandidos, como podemos chamar esses que legislam, deputados estaduais, federais, senadores e respectivos governos, agora que vê uma revolta popular pisando em seus calcanhares, resolve ser rápida na resolução de determinados assuntos. Porém, é uma rapidez totalmente ilegal. A Constituição Federal garante direito de manifestação, não diz nada sobre máscara etc. Temos de levar em conta que as manifestações são atitudes legítimas do cidadão. Mas saindo do contexto da manifestação, não posso andar de máscara na rua, fora de atos? Claro que posso. Tenho de me identificar a todo momento? Não.



Assim, a manifestação não se difere muito do dia a dia, é a mesma coisa que o direito de ir e vir. E a identificação forçada que querem fazer beneficia quem? A polícia, que fica filmando e fotografando movimentos, e depois busca seus militantes em casa etc. A lei não ajuda ninguém, portanto. Eles podem andar sem identificação na farda. Podem dar tiro e cegar pessoas. Mas nós não podemos andar de máscara na rua. Nesse ponto, legalmente falando, não há o mínimo cabimento. Mas até se discutir isso numa esfera maior, leva-se tempo. E eles utilizam a lentidão, produzida por eles mesmos, pra manterem a situação tal como está.



Correio da Cidadania: Quais as manobras do Estado pra dificultar o trabalho dos advogados que tentam libertar os presos em atos políticos?


Luiz Guilherme Ferreira: Desde o início das manifestações, percebemos que são atitudes propositais. Desde a plantação de provas, colocando mochila com molotov, bola de gude, estilingue e atribuindo seus usos aos presos. Espancam os manifestantes no trajeto da rua à delegacia. Avisam que levarão os presos a uma determinada delegacia e não o fazem, levando-os a outro lugar. Os delegados tentam impedir o trabalho dos advogados, dizendo que estamos lá pra “captar cliente”, algo proibido pela OAB. Tentam usar nosso trabalho dessa forma, alegando “captação de cliente”. Omitem informações, escondem os presos.



A partir do dia 7, teve gente que passou dias presa porque não tivemos nem notícia da prisão. Gente que não teve direito ao telefonema, ao advogado, nada. De todas as formas, o uso da máscara está conectado às dificuldades que o Estado e seu aparato tentam impor às manifestações. Querem sufocar as manifestações e continuarem na vidinha bonita deles.



Correio da Cidadania: Tendo em vista que já temos presos, mortos e desaparecidos nesses tempos de democracia, vimos o caso da menina do Rio de Janeiro que teve seu nome incluído num inquérito policial por ter postado matérias do black block. Depois, até por orientação dos pais, avisou que poderia pedir asilo político na Argentina. Qual o impacto de tal fato no momento político que vivemos, trata-se de mais um caso que corrobora a ideia de semelhança do atual regime político brasileiro com a ditadura?



Luiz Guilherme Ferreira: É o complemento que faltava: a relação desses fatos com ditaduras militares. O que são ditaduras? Regimes de exceção. A que? Às leis que vigoram no país. Colocar o crime de formação de quadrilha sobre pessoas que não se conhece e administram uma página virtual do black block é uma exceção à lei. A pessoa não voltar pra casa, por correr risco de ser presa, configura exceção à lei. Uma pessoa ser detida apenas para averiguação, quando a prisão só pode ser feita em flagrante ou através de ordem judicial, é uma exceção à lei.



O que estamos vivendo hoje não é uma ruptura do dia pra noite, tal qual no golpe de 1964. Mas é algo maquiado e vem vindo aos poucos. Como eu disse, antes mesmo das manifestações, já não tínhamos nossos direitos respeitados, principalmente pela polícia. Agora, a situação apenas se agravou. A semelhança com ditaduras é gritante e só não vê quem não quer. Se sair à rua pra se manifestar e não saber se voltará pra casa, ou se voltará cego por causa da brutalidade policial, não configura regime de exceção, não sei o que pode ser um regime de exceção.



A lei está dando lugar à arbitrariedade das ditas “autoridades”. Portanto, fazem o que querem, na hora que querem, sem respeitar lei alguma. Sem a mínima dúvida, um regime de exceção.



Sobre a história da menina, como o nome diz, asilo político significa perseguição política. Num Estado dito democrático, é impensável. Mas é o que está acontecendo.



Correio da Cidadania: Quais caminhos você acredita que a sociedade e seus movimentos mais organizados podem tomar pra conter e superar, progressivamente, a truculência estatal nas manifestações, que, de norte a sul, segue a mesma linha traçada por você?


Luiz Guilherme Ferreira: Permanecer na rua. O Estado, a cada manifestação que passa, só deixa mais claro que declarou guerra à população. Mas seus representantes só estão lá porque permitimos. Portanto, em minha opinião, tem de se continuar na rua. Alguns coletivos, como os advogados ativistas, se organizam pra defender as pessoas de qualquer tipo de ilegalidade – tentam ao menos. Conforme a repressão do Estado aumenta, a articulação do povo aumenta na mesma proporção. Se eles têm o Estado a favor, temos nossa articulação do nosso lado.



Não vai parar, não tem mais volta. Isso que aconteceu no Brasil foi uma ruptura, tanto pra escancarar a democracia disfarçada que temos, como pra fazer nossas reivindicações serem ouvidas de uma vez por todas. Para que possamos ter uma vida mais digna, políticos mais dignos, viver sem uma polícia militarizada e todo o resto que disso decorreria.



Correio da Cidadania: Finalmente, o que você espera das mobilizações, principalmente nos próximos 12 meses, com eleições e olimpíadas no calendário? E que orientações jurídicas você passaria aos manifestantes?


Luiz Guilherme Ferreira: Em relação à Copa do Mundo, em minha opinião, não deveria sequer ser realizada aqui. Pra mim, tal processo deve ser travado, porque se, é pra agradar os poderosos desalojando gente, investindo bilhões em estádios, enquanto todo o resto fica às traças, não tem que ter Copa nenhuma. Minha esperança é que ,perto da Copa do Mundo, estejamos num estado de caos muito mais grave que agora. Assim espero, e gostaria mesmo que acontecesse. Estaremos na rua compondo o movimento.



Sobre orientações jurídicas, é o seguinte: vá pra rua como quiser, esse direito ainda está garantido, manifestar-se na rua, ainda, não é crime. Portanto, vá pra rua, com sua máscara, como quiser, de forma violenta ou não. Se for violento, o Estado não está autorizado a brutalizar sobre ninguém por algum crime. Faça o que pensa que vá modificar alguma coisa. Quer só levantar cartaz, levante, quer jogar pedra na polícia, também pode jogar. Não estou incitando nada disso, mas são coisas que acontecem e as manifestações estão aí pra deixar claro, os fatos estão aí provando o que ocorre nas ruas. E o Estado não está autorizado a cometer brutalidades contra o cidadão. Pelo contrário, o Estado já tem mecanismos, há muito tempo, instaurados na sociedade a fim de absorver esse tipo de atitude.



Minha orientação jurídica é a de que o cidadão vá à rua, mas sem esquecer de fazer o seguinte: tenha o número de um advogado e esteja com seu documento, pra eles não sumirem com você.



Ouça o áudio da entrevista aqui.

Gabriel Brito e Raphael Sanz são jornalistas.

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Sexo e Política de esquerda (e as Preliminares...)

Sexo - final
Temos que valorizar os pedaços de carnes flácidas, os punhados de peles enrugadas, os seios fartos e caídos, o saco espichado, mas associar tudo isso com prazer
— E as lésbicas, temos que pensar nelas também. Odeio puta que não gosta de sair com mulher! Sempre me ofendeu essa história. Mas é porque o mercado era mais restrito, agora é nós minha amiga! Vamos pensar num nome para nossa empresa. Somos trabalhadoras do prazer. Somos agenciadoras do prazer a todos sem discriminação, e também temos que formar uma equipe bacana, de gente que queira mesmo esse negócio, tem que ensinar a galera a chupar. Faremos um grupo de educadores sexuais!!!! Mas sem escola, por favor!!!! Descentralização!! Temos também que ter uma publicidade massa, porque essas propagandas pornográficas me dão nojo, só bunda e seio e homem cheio de músculo. Queria que nossa publicidade fosse feita para pessoas normais, pessoas comuns, sem extravagância de super corpos, somos responsáveis por desvencilhar o erotismo da super máquina. Temos que valorizar os pedaços de carnes flácidas, os punhados de peles enrugadas, os seios fartos e caídos, o saco espichado, mas associar tudo isso com prazer.

— Sim, você sabe, Élida, eu sempre fui da turma do prazer. Mesmo no tempo da minha militância na O. Muitas vezes disseram que eu era da ala da putaria no movimento feminista e eu dizia que há uma dimensão de puta em todas as mulheres – em todas as pessoas. E a gente enfia pra dentro do armário, querendo fazer com que liberação não seja putaria. O serviço de dar prazer, é parte da nossa constituição – não pode ter nada de errado em vender esse serviço, é um serviço e um serviço político, de re-erotizar o que ficou inanimado, abandonado, desprezado pela matriz sexual... Élida, este é o projeto da minha vida – eu preciso te abraçar!

— Mas me conta como você consegue dar conta de falar que um bordel de homens seria um serviço político, inda mais pensando nessa nossa tradição de esquerda, feminista e tudo isso? Talvez esse seja exatamente o embate ético e político que me paralisou tanto tempo, me impedindo de colocar pra frente esse projeto.

— Eu sei, acho que existe uma tradição de puritanismo na esquerda – e no feminismo. É a coisa de saber o que é uma mulher liberada – e achar que é muito diferente uma mulher liberada de uma puta. Eu sentia esse embate também, querida, toda a minha vida me diziam que política não chega na rua das putas. Eu dizia, por que? Eu sempre achei que o patriarcado se impunha com a pornografia e com a prostituição das mulheres e nunca dos homens: dinheiro por xoxota, o negócio do patriarca, como dizíamos trinta anos atrás. Se serviço de puta não é político, então o feminismo para mim é perfumaria! Pô, nós dizíamos que o que é pessoal é político e quanto mais nós socamos nossas vergoinhas pra dentro da gaveta secreta mais políticas elas ficam!
No nosso bordel de homens, nós vamos inverter isso, nós vamos oferecer homens por dinheiro, mas nem é porque todos podemos ser objetos sexuais, mas porque subvertemos a ordem erótica se oferecermos prazer para todo mundo...
— Porque o serviço de puta seria político?

— É um serviço de regulação das energias eróticas. Todas as mulheres tem medo de serem consideradas putas, não? As putas são o patriarcado em forma bruta, dinheiro por xoxota. É ali, nos bueiros das relações patriarcais que escorre o esgoto, nada mais politico que o lixo, não é? Mas não é só isso, existe alguma coisa ontológica na putaria, entende? Serviços eróticos são serviços. Mas porque puta é mulher, ficou sendo um serviço baixo. No nosso bordel de homens, nós vamos inverter isso, nós vamos oferecer homens por dinheiro, mas nem é porque todos podemos ser objetos sexuais, mas porque subvertemos a ordem erótica se oferecermos prazer para todo mundo... e é claro, porque hoje algum dinheiro já para nas bolsas das mulheres sem ter machos vigiando.

— É, a questão da aliança dos serviços baixos com o lixo. Nós somos as recicleiras. Nada mais banal. A questão que me pega mais pesado nessa coisa da inversão, é que o serviço pra mulher é mais delicado. Quer dizer, enquanto um homem na maioria das vezes vai pensar em penetração em relação a um serviço desses, a mulher vai pensar nas benditas preliminares. E preliminares é, diga-se de passagem, um bom nome para nossa empresa. A inversão, nesse caso, é total, é como se a prostituição feminina tivesse colaborado com a idéia de ser a lixeira do lixo, que na verdade é o esperma. Não sei, parece meio careta, mas me pega. Como formamos uma equipe de profissionais do sexo onde a grande questão para de ser a penetração e ejaculação e passe a ser um prazer mais desmedido, mais intenso e de preferência mais orgástico? Quero dizer, o serviço é político sim, mas quero também que seja revolucionário, por isso é necessário pensarmos na questão do pagamento. Ahahahha, amiga, tô adorando você de minha sócia.

— Élida, que tal um preço antropológico, cada um paga o que quer?

— Contribuição para sobrevivência do serviço! Adorei! O negócio é que essa equipe então tem que ser bem aberta. E não vamos esquecer que vai rolar um monte de mulher poderosa como usuária dos nossos serviços, nesse caso temos que valorizar o serviço e ficar de sobreaviso, porque não aceitaremos exploração, mas sim, acho incrível que não sejamos mega empresárias do coito, mas revolucionárias do desejo!!! ixi, to me sentindo nos 60 de novo!!! Com a diferença que posso pagar, mesmo falida, uísque bom!! Garçom, mais um uísque!
Eu quero preliminares espalhados por todos os hotéis da cidade, todos os cafofos, todas as rodas de sinuca nos botecos... é a marca do nosso feminismo que ama sexo: erotismo por todos os lados, de todos os jeitos, de todas as posições, com todos os órgãos
— Single malt! To achando ótimo, Élida. Preliminares, acho que é um nome perfeito para nós. E, imagina, mulher, uma camisinha da marca ’preliminares’...

— Fia, o pior é conseguir uma borracha de bicho. Deveríamos voltar a fase das camisinhas feitas de bucho de porco, ahhahah, um brinde! As preliminares.

— Eita, Élida, bucho de porco! Matar porco pra não fazer gente? Vamos começar com as preliminares, anunciando nossos serviços para qualquer idade, qualquer sexo, qualquer raça. E, bem baixinho, para qualquer faixa de renda! Eu quero preliminares espalhados por todos os hotéis da cidade, todos os cafofos, todas as rodas de sinuca nos botecos... é a marca do nosso feminismo que ama sexo: erotismo por todos os lados, de todos os jeitos, de todas as posições, com todos os órgãos. Dissolver a penetração, a ocupação e a colaboração em um mar de práticas sexuais preliminares – imagino o que a Andrea Dworkin, no fundo, no fundo, falaria disso... E, claro, não é preliminar a nada, tudo é apenas preliminar de outras preliminares; não há fim das preliminares...

— Ok, a gente não mata os porcos. Vamos pensar em algo menos drásticos para o prazer. Mas vamos combinar que esse latex das camisinhas atuais são um saco, tanto camisinha de homem quanto de mulher. Eu preferiria uma proteção mais orgânica, algo do tipo camisinha orgânica por produção genética! Podemos pegar pesado, fazer isso. Entrar com uma proposta no Cnpq! Como pesquisadoras, afinal, ambas somos professoras universitárias, nega!

— Beleza, A Aninha vai pirar no projeto, como começamos? Qual o primeiro passo?

— O primeiro passo é pagar a conta e trocar de bar, pois já tô na fase de cantar o garçom...
Nós nos tornamos sócias na Preliminares. Já fazem dois anos que estamos nessa e já tem Preliminares em cinco cidades diferentes. E queremos infectar mais. Mas passo muitas semanas sem encontrar a Élida; quando encontro, ela abre um sorriso de boca inteira, mostra os dentes tortos e desvia os olhos como se já tivesse entregado toda a cumplicidade.
(Outras palavras)

Um texto meu...

- vc já morreu antes?
- nunca!
- pois em 44 vc estava numa estrada em Nunnes nuazinha e morta...
- pode ser, pq n?
 -
- é, a mortalidade tem muitas versões...
- mas eu morri realmente em junho/45, apenas n divulguei
- mas a resistencia soube...
- essa esquerda, nossa esquerda....
- nós nos vendemos...a nós mesmos....
- explique-se...
- já n somos o q éramos, nunca fomos o q queríamos ser...
- eu morri como milhões, e daí?
- vc inexiste enquanto morta!
- mas estou aqui...
-sei...

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

EUA II

A Síria é o coração da resistência
Finian Cunningham, Information Clearing House
“People of the World are Fighting Back”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O terrorista Barack Obama no salão oval da Casa Branca
Os EUA estão expostos aos olhos do mundo inteiro como a ameaça terrorista número 1 que pesa sobre o futuro da humanidade. Muitos sabem disso há muito tempo, mas agora já está universalmente claro.

Com os EUA preparando-se para lançar guerra aberta contra a Síria (a guerra clandestina já varre o país há 30 meses), a vasta maioria da humanidade pode afinal ver por através das décadas de falsidade e autopromoção como modelo mundial de democracia e da lei internacional. O que o mundo vê é o feio oposto disso tudo.

Os EUA são estado terrorista que tem o mais profundo desprezo pela lei internacional, a democracia e os direitos humanos. Está outra vez pronto a matar incontáveis civis em nome de suas ambições políticas egoístas e autocentradas. Essa é a definição convencionada de “terrorismo”.

Bashar al-Assad
O presidente Bashar al-Assad da Síria disse verdade profunda recentemente, quando disse que seu país enfrenta agressão por mais de dois anos, mas só agora o real inimigo mostrou a própria cara – os EUA e seus seguidores servis. Mas o estado terrorista dos EUA não se deixa ver afinal só contra a Síria. Está-se revelando como inimigo do mundo todo.

Desde as guerras passadas no Caribe, América Central, Filipinas, Vietnã e Indochina, mediante golpes e operações clandestinas no Irã, Iraque, África, aos recentes campos de matança no Afeganistão, Iêmen, Paquistão e Somália, o quadro histórico agora está completo. Todos esses conflitos e muitos outros – numerosos demais para listar aqui – integram-se numa só verdade indiscutível. Os EUA são o maior estado terrorista do mundo. Se não for contestado definitivamente, então o futuro do mundo está hoje em perigo, mais do que nunca.

Em crimes de agressão anteriores, a elite governante dos EUA podia invocar a cobertura espúria de uma “coalizão de vontades”, ou violentava a autoridade da ONU ou da OTAN. Conseguia seus objetivos mediante uso abundante de mentiras, invencionices e de uma gigantesca máquina de imprensa-empresa para dar credibilidade à mendacidade.

John Kerry
Dessa vez, graças a uma imprensa alternativa e crítica e às comunicações globais instantâneas, as mentiras norte-americanas já não funcionaram. Foram expostos em apenas alguns dias, como foi exposta também, nas últimas poucas horas a tentativa do secretário de Estado Kerry de envolver a Síria no crime das armas químicas.

New York Times, a BBC e os falastrões de sempre na imprensa-empresa ocidental a serviço da propaganda imperialista cuidaram de facilitar o golpe de Kerry e o terrorismo de estado dos EUA com manchetes bombásticas: “Kerry apresenta provas contra a Síria”. Nenhuma crítica, nenhuma pergunta, por mais que tantos tivessem tantas críticas e tantas perguntas, com muita substância.

Há alguns anos, esse tipo de pensamento de manada teria bastado para dar aos cães de guerra norte-americanos tempo suficiente para iniciar uma guerra. Hoje, não mais. Em apenas alguns minutos depois da suposta condenação definitiva inventada por Kerry, declarações, artigos, tweets e blogs já haviam desmascarado a encenação e mostravam que, exceto pela repercussão na mídia ocidental, Kerry nada tinha a dizer e nada dizia, que se aproveitasse. Mais uma risível repetição das hipérboles de antes e retórica oca. Ou, pelo nome que merece: só mais mentiras.

O povo do mundo já alcançou nível de massa crítica de rejeição contra os estados bandidos de EUA, Grã-Bretanha, França, Israel e mais alguns cúmplices.


Vimos seus intermináveis assassinatos em massa e exploração de homens e mulheres na Ásia, África e nas Américas. Somos testemunhas de como esse mínimo grupo de estados terroristas impõem à vasta maioria da humanidade sua criminalidade vil e no processo nos insultam com mentiras e justificativas grotescas.

Vimos como esses estados bandidos roubaram terras, envenenaram águas, queimaram colheitas, destruíram moradias, assassinaram famílias inteiras com drones aéreos e drones em terra, na forma de esquadrões da morte. Cometeram todos esses crimes horríveis com mentiras e impunidade, a ponto de esses estados terroristas já operarem agora simultaneamente em mais de um país, em estado de guerra permanente e ininterrupta, levando o próprio futuro da humanidade à beira do abismo.

David Cameron
Domkey Hotey
Pois ainda assim, apesar do gangsterismo e de não haver lei que os proteja, os povos do mundo levantam-se e resistem.

Essa semana, o Parlamento britânico votou contra a arrogância do governo de Londres e não lhe permitiu continuar na relação criminosa de sempre com os norte-americanos. Na execução de crimes de guerra passados, no Afeganistão, Iraque e Líbia – para citar só esses – Washington sempre contou com os imperialistas britânicos para dar aos seus crimes um verniz de “coalizão de vontades”. Os planos do premiê britânico David Cameron de repetir o crime e apoiar Washington no bombardeio à Síria sofreram duro revés do Parlamento britânico, que não o autorizou a fazer o que tantas vezes antes os britânicos fizeram. Cameron foi forçado a recuar.

A votação no Parlamento britânico não é sinal de ética dos políticos britânicos. É, muito mais, reflexo do despertar global dos cidadãos do mundo, que afinal decidem que esse terrorismo de estado insano tem de acabar.

François Hollande
Domkey Hotey
O governo francês também recuou das bravatas belicistas de antes, e o presidente François Hollande já fala também de “solução pacífica, política, para a crise síria”. Até o primeiro-ministro fantoche, Stephen Harper, do Canadá, aliado sempre confiável de Washington, já disse que seu país não se envolverá militarmente na Síria. E há notícias de que 10 membros da aliança da OTAN – um terço do total – não apoiarão os ataques dos norte-americanos. Vários desses sempre foram tradicionais serviçais dos EUA. E, isso, sem falar dos opositores mais estridentes, como Rússia, China, Irã e a maioria das nações de Ásia, África e das Américas.

Os povos do mundo fartaram-se de assistir à elite ocidental reinante que age como terroristas que capturaram toda a humanidade como seus reféns. Essa elite não governa só o terrorismo militarista. Eles praticam terrorismo econômico, social, ecológico, com seu sistema capitalista arruinado de roubar e correr. Esse sistema alcançou seu ponto de colapso e por isso nós estamos sendo empurrados para tantas guerras – para que aquelas elites e seus fantoches políticos possam se apropriar dos últimos recursos. A solução que resta para pôr fim às guerras, é o povo derrubar o sistema econômico que os EUA e a elite ocidental ainda comandam.

Chuck Hagel
A criminalidade insana dos governantes dos EUA contra a Síria está deixando aí, à vista de todos, esse desafio histórico que toda a humanidade terá de enfrentar.
Depois da derrota parlamentar do governo Cameron na Grã-Bretanha, o secretário de Defesa dos EUA, Chuck Hagel, disse que

Nossa abordagem é continuar a buscar uma coalizão internacional que agirá em conjunto. É o objetivo do presidente Obama e de nosso governo... Seja qual for a decisão, que seja colaboração e esforço internacional.

Quase nem se acredita que esses fantoches norte-americanos possam soar tão ridículos! Esses norte-americanos iludidos parecem não estar vendo que estão sós.

As únicas “vontades” interessadas em apoiar a agressão dos EUA à Síria são Arábia Saudita e Israel. Só isso. Washington só conta hoje com as “vontades” de um regime feudal, de degoladores, e de um regime criminoso genocida pária.

Coalizão de vontades? Parece mais coalizão de assassinos.
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[*] Finian Cunningham nasceu Belfast, Irlanda do Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de artigos para várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi expulso do Bahrain (em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as violações dos direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo Ocidente. É pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como editor científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge, Inglaterra, antes de seguir carreira no jornalismo. Também é músico e compositor. Por muitos anos, trabalhou como editor e articulista nos meios de comunicação tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe. Anima um programa semanal de variedades aos domingos, às 03:00 GMT na Rádio Bandung.
(Redecastor)

EUA

Os judeus dos EUA empurram Obama para a guerra


“American Jews Push Obama to War”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Barack Obama, estafeta do AIPAC
A vida é coisa esquisita! Sobretudo se você é trilhonário norte-americano do Comitê EUA-Israel de Assuntos Públicos, American Israel Public Affairs Committee (AIPAC). Por um lado, você quer ficar cada vez mais rico. Por isso os EUA usam tão freneticamente as campanhas militares de curto prazo, sempre vitoriosas: para lembrar a todos quem é o patrão do mundo. E nesse campo, o capital reunido no AIPAC não se dá jamais por satisfeito: a super produção é proibida; o que eles produzem tem de ser consumido, para ser rapidamente reposto, vale dizer, armas e munição. São rápidos, por isso nos planos para consumir armas e munição redundante, além de fazer seu show pelo mundo, em regiões ricas em petróleo, gás e outros itens.

Meio sempre útil e à mão para consumir bombas e até caríssimos Tomahawks e fazer baixar os estoques no mundo é despejá-los sobre a cabeça de aborígenes tolos o suficiente para não ver quais são os interesses dos EUA.

Por outro lado, se você é norte-americano trilionário membro do AIPAC, você é obcecado defensor de Israel. (...)

Há aí um paradoxo: os israelenses dependem dos EUA, façam o que fizerem, mas todos os dias, e cada vez mais, vão-se tornando vítimas da ganância e das ambições de seus patrícios co-norte-americanos do AIPAC que consideram os EUA exclusivamente como instrumento do gerenciamento financeiro global. É o que os eventos na Síria comprovam.

A guerra no país vizinho já tem dois anos, mas nunca, até agora, ameaçou diretamente a segurança de Israel. Porém, no instante em que Washington tornou pública sua intenção de usar força militar e fazê-lo a favor (imaginem só!) dos arqui-inimigos de Israel – os islamistas – imediatamente os cidadãos israelenses, que têm lastimável experiência de outras aventuras dos EUA, puseram-se a comprar máscaras antigás e preparar abrigos antibombas e calafetar janelas e verificar o funcionamento dos sistemas de alarme para o caso de ataque químico.

O AIPAC diz que: “O estado judeu é nosso único aliado e o único país do mundo cujos cidadãos estão recebendo máscaras antigás em massa”. Quer dizer, todos têm de defender Israel. É fácil ver que o AIPAC está preocupadíssimo. Mas nenhum judeu israelense jamais teria de cheirar o perfume das especiarias asiáticas através dos filtros de uma máscara antigás, se os trilionários do AIPAC não metessem o nariz em tudo, pelo mundo, e se não usassem seus Tomahawk para meter-se em assuntos de outros países, fingindo que administram conflitos que eles mesmos provocaram.

O paradoxo mais espantoso nessas circunstâncias é que os israelenses sempre estiveram expostos, como agora estão, ao risco de se tornarem vítimas de armas químicas, caso aliados dos EUA – os islamistas – decidissem usá-las, como as usaram agora, recentemente. (Ninguém concebe que governantes sírios se exporiam ao risco de ter de encarar um tribunal internacional, acusados de crimes contra a humanidade).

Amos Yadlin
A situação não poderia ser mais favorável para os radicais islamistas que acorrem à Síria, respondendo à convocação dos EUA para defenderem “a democracia”. Quando tiverem lançado um ou dois ataques com gás sarin contra Israel, então terão criado, para o ocidente, o contexto indispensável para derrubar o governo legal da Síria, por ação militar. Simultaneamente, os mesmos islamistas radicais muito apreciarão assistir pela televisão aos israelenses, que eles odeiam figadalmente, nas vascas da morte...

Israel compreende isso? Que ninguém duvide: compreende perfeitamente. Os mais importantes especialistas do Instituto para Estudos de Segurança Nacional de Israel, Amos Yadlin e Avner Golov explicaram claramente, em artigo do dia 29/8/2012, intitulado “Intervenção Militar dos EUA na Síria: o interesse estratégico maior, por trás da ação punitiva” [orig. “US Military Intervention in Syria: The Broad Strategic Purpose, Beyond Punitive Action”, INSS Insight, n. 459, 29/8/2013:

O principal temor é que a ação norte-americana na Síria venha a ter consequências não esperadas que expandam o objetivo e a duração de uma operação militar. Por exemplo, qualquer operação militar contra Assad pode fortalecer as organizações jihadistas.

Avner Golov
Mas... vejam só! Os militares norte-americanos não fazem outra coisa, há dois anos, que repetir exatamente isso! Os militares norte-americanos têm alertado seguidas vezes sobre, precisamente, esse risco. [1] Além dos muitos alertas que vieram de países considerados os principais opositores ao modo como os EUA tentam implementar sua política para o Oriente Médio, Rússia e China. E de nada adiantaram tantos alertas.

Paira no ar uma impressão de que os que governam “a única potência global” são arrastados pelos próprios planos e não há o que os detenha. Não, pelo menos, com armas convencionais. Só a bomba atômica consegue impedir as agressões dos abutres norte-americanos. Por isso, precisamente, o programa nuclear iraniano tanto irrita Washington. E os trilhonários do esquizofrênico AIPAC, apesar dos temores hoje em Israel, continuam a empurrar Washington na direção do conflito armado. (...)

Assim, afinal, se pode começar a compreender melhor as declarações do AIPAC: querem atacar imediatamente a Síria, antes que o Irã construa capacidade nuclear. Seria uma lição para os persas: a tentativa síria de deter os EUA terminou como tudo termina(ria), em intervenção armada. Como se os EUA cogitassem de deixar em paz o Irã, se não construir capacidade nuclear. Aí está o exemplo do Iraque, que conta outra história.

O mundo caminha para o caos. A razão é o vai-e-vem na cabeça da elite que governa os EUA, que já começam a bater cabeça entre elas mesmas, na sanha de dominar o mundo.

Um dia, armam islamistas para derrotar a União Soviética no Afeganistão. Em seguida, são vistas em prantos sobre as ruínas das torres gêmeas destruídas por jihadistas em New York. Um dia, põem a Fraternidade Muçulmana na presidência do Egito. Em seguida o depõem, com a ajuda de um golpe militar. Agora, Washington provoca islamistas para que ataquem a Síria, sem saber, as próprias elites governantes norte-americanas, o que fazer se os seus novos “aliados” usarem o gás sarin que lhes chegou tão facilmente, para envenenar israelenses, europeus e os próprios norte-americanos.


Washington não entende que é a política imperial dos EUA que empurra as nações a procurarem meios possíveis para se autodefender, inclusive armas de destruição em massa?
Washington não entende que foi a política norte-americana que fuzilou o “reset” com os russos? Ou que as contradições entre China e EUA são exacerbadas pelas tentativas norte-americanas para converter competição econômica em ação militar e confronto político?

Os EUA forçam outras nações a entrar na corrida armamentista e unir esforços para manter à distância os enlouquecidos trilhonários norte-americanos-israelenses do AIPAC. Por quanto tempo mais sobreviverá a loucura geral? O que acontecerá se mais dia,menos dia, Washington pisar “a linha vermelha” da paciência do mundo, depois de ter atropelado todas as oportunidades diplomáticas?

Ainda não aconteceu. Com isso em mente, difícil resistir à tentação de dizer ao povo dos EUA: acordem, contenham, pelo menos, esse “Prêmio Nobel [Bomba!] da Paz” aí, de vocês! Será que já não têm aí problemas que chegue? Será que o presidente eleito de vocês nada tem com que se preocupar, das dificuldades dos norte-americanos, a ponto de só pensar e falar sobre o destino da “democracia” no Oriente Médio?

E se tanto só pensa nisso, como é possível que a melhor solução que achou, até agora, seja aliar-se à Al-Qaeda, à Fraternidade Muçulmana e a outros jihadistas mantidos e armados com dinheiro dos cidadãos contribuintes norte-americanos? Se os EUA não estiverem tentando abocanhar as riquezas do Irã, que diferença fará se o Irã for nuclear ou não? E Israel, se parar de roubar terras palestinas e de matar palestinos, talvez até ainda consiga viver lá mesmo, e em paz. Se Israel sente-se ameaçada hoje, quem a ameaça são os mesmos islamistas que o presidente Obama continua a alimentar e armar à custa do minguado Tesouro dos EUA, com a incansável ajuda dos trilhonários do AIPAC.

Acordem, povos dos EUA! Ainda não é tarde demais!


Nota dos tradutores

[1] Hoje, o movimento dos Veteranos da Inteligência em Defesa da Sanidade (orig. Veteran Intelligence Professionals for Sanity) enviou carta aberta ao general Martin Dempsey, comandante do Estado-Maior das Forças Conjuntas dos EUA, em que pedem que, se os EUA atacarem a Síria, contra todos os alertas que o general encaminhou a Washington sobre os riscos dessa ação militar, o general Dempsey alegue “impedimento de consciência” para continuar naquele comando, e renuncie.

    Obama, isolado, recua no ataque à Síria

    Abandonado até mesmo pela OTAN em seu plano de atacar militarmente a Síria, pressionado por manifestações populares em todo o mundo e sem chão depois de os próprios "rebeldes" sírios terem assumido a autoria do mais recente ataque químico à população civil -- possivelmente com gás sarin, de uso proibido --, o presidente Barack Obama foi salvo pelo Congresso, que resolveu fincar pé na decisão de autorizar ou não o ataque ao país árabe -- o que, por sinal, significa apenas exigir o cumprimento da lei segundo a qual é o Congresso dos EUA que dá o sinal verde, ou o vermelho, para a realização de intervenções militares.

    Obama esperava contar com a aprovação e o apoio material de seus parceiros de sempre para atacar a Síria. Mas o plano, tão caro a Israel e aos neocons sionistas que controlam o governo estadunidense, falhou. A verdade é que os EUA estão desacreditados internacionalmente. Ninguém mais leva a sério as justificativas do governo estadunidense para invadir nações e destruí-las depois da mentira sobre a existência de armas de destruição de massa no Iraque, motivo alegado para a intervenção militar naquele país (reforçada pelo ataque ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001, que a comunidade internacional sabe tratar-se de outra mentira, embora ainda silencie sobre isso).

    Metido numa sinuca de bico, como já havíamos apontado aqui, Obama encontrou na lei de seu próprio país, que seu governo vem violando sistematicamente, uma espécie de boia de salvação. Por isso cedeu aos apelos do Congresso e vai aguardar que o legislativo decida se o país deve ou não iniciar mais uma guerra. Como deputados e senadores estão em recesso e só voltam ao batente em 9 de setembro, há tempo suficiente para Obama desistir da empreitada com base nas provas levantadas pela Comissão de Investigação da ONU -- que extra-oficialmente levam à conclusão de que o governo Assad não teve nenhuma responsabilidade no lançamento de gás sarin na população civil -- e na recente declaração de "rebeldes" e suas famílias de que o ataque foi perpetrado por eles, "involuntariamente".

    Sob a batuta dos neocons sionistas, os EUA afundam cada vez mais em todos os sentidos, do econômico ao moral. Seu percurso para o estabelecimento de um Estado policial, fascista, foi cuidadosamente planejado pelos think-tankers cuja única pátria é o poder que o controle dos recursos naturais e energéticos do planeta lhes dará. Isso, claro, se chegarem lá. O caso Síria é ilustrativo de que a oposição ao domínio sionista da economia mundial, feito na base de ameaças nucleares e da força bruta.
(Redecastor)

Israel e seus genocídios...

Sabra e Chatila: Diário de um massacre
Genocídio cometido pelos falangistas (direita) libaneses e sionistas de Israel
 Diário de um massacre: a tragédia de Sabra e Chatila

Trinta e um anos atrás, mais de 3 mil palestinos foram mortos nos campos de Sabra e Chatila, em Beirute, onde viviam como refugiados desde a fundação de Israel em terras palestinas, em 1948. Até hoje não houve punição aos responsáveis pela chacina: o Partido Falangista libanês e os sionistas israelenses

Por [*] Baby Siqueira Abrão

Em setembro de 1982 o Líbano vivia uma situação política tumultuada, de guerra civil. Facções religiosas e partidos políticos libaneses e da Síria - país ao qual o Líbano esteve anexado até 1943, sob domínio colonial francês - promoviam atentados; a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), à época fazendo resistência armada à tomada de seus país pelos sionistas europeus, estava sediada em território libanês; o exército israelense invadira o Líbano em junho de 1982, com sua habitual violência, e instalara bases operacionais em vários locais, incluindo a capital, Beirute.

Bachir Jemayel
Israel dava apoio político e logístico à Falange, partido nacionalista da direita libanesa que mantinha um braço armado também apoiado pelas autoridades israelenses. Com os sionistas na retaguarda, a Falange conseguiu levar seu principal líder, Bachir Jemayel, à presidência do Líbano. Nove dias antes de assumir, porém, Jemayel foi morto num atentado promovido, de acordo com a Falange, por forças sírias de inspiração nazista.

Ariel Sharon, então ministro da Defesa de Israel, reuniu-se com a família de Jemayel dois dias antes do massacre de Sabra e Chatila para conversar sobre a necessidade de o partido vingar-se do assassinato. A revelação foi publicada pela revista Time de 21 de fevereiro de 1983, sob a alegação de que integrava o Apêndice B do relatório final da Comissão Kahane, que investigou a matança de Sabra e Chatila e considerou o ministro "indiretamente" culpado pela ação. Sharon processou a Time, mas a revista manteve a veracidade da informação, dizendo que se enganara apenas quanto à fonte da notícia.

A reunião entre Sharon e a família Jemayel, porém, foi mero protocolo. O ataque aos campos de refugiados de Sabra e Chatila, vizinhos um do outro, já estava acertado. As autoridades sionistas tinham conseguido expulsar dali os membros da OLP, o que deixou a população sem proteção alguma. Por isso seria muito fácil atacá-la. Aquelas pessoas desarmadas não ofereceriam nenhuma resistência, como de fato não ofereceram.

Ariel Sharon
A participação do exército israelense no massacre foi comprovada. E, como ele é subordinado ao Ministério da Defesa de Israel, o ministro à época, Ariel Sharon, não teve como escapar da responsabilidade pelo crime. Mas escapou da punição. Depois de intermináveis idas e vindas na Justiça da Bélgica - país que permitia o julgamento de estrangeiros acusados de crimes de guerra, e a cujos tribunais 23 sobreviventes do massacre apelaram - o caso foi encerrado.

Por quê? Em entrevista a esta jornalista em 2012, o professor Franklin Lamb, diretor das organizações Americans Concerned for Middle East Peace [Estadunidenses interessados na paz para o Oriente Médio] e The Sabra Shatila Foundation and Palestine Civil Rights Campaign afirmou que o encerramento se deveu “à pressão de Israel, por meio de Donald Rumsfeld, então secretário de Defesa dos EUA. Ele ameaçou tirar de Bruxelas o quartel-general da OTAN se o caso fosse adiante”. Rumsfeld foi secretário de Defesa dos governos Gerald Ford e George W. Bush, teve papel destacado na “guerra ao terror” - que eliminou grande parte dos direitos civis dos cidadãos dos EUA, promoveu guerras contra o Afeganistão e o Iraque e ameaça o mundo até hoje - e foi um dos fundadores do PNAC, o Project for the New American Center, think tank neoconservador de inspiração sionista que no final dos anos 1990 elaborou um plano, ainda em execução, para manter o domínio do mundo nas mãos dos Estados Unidos.

Ellen Siegel
O massacre de Sabra e Chatila indignou também os israelenses. Mais de 400 mil deles foram às ruas protestar, obrigando Sharon a renunciar a seu posto de ministro da Defesa. Ele, porém, logo depois voltaria à política, como primeiro-ministro. Em 2006, segundo a versão oficial, sofreu um AVC e desde então encontra-se internado, em coma.

O drama vivido pelos moradores de Sabra e Chatila - a maioria palestinos, mas também libaneses e imigrantes pobres de outras nacionalidades - e a ativa participação dos soldados israelenses ficaram registrados nos relatos dos sobreviventes e de outras pessoas que, de um modo ou de outro, testemunharam a chacina, como a enfermeira estadunidense, Ellen Siegel, o jornalista inglês Robert Fisk, então sediado em Beirute como correspondente no Oriente Médio do jornal The Independent, a modelo Debbie Jackson e os próprios soldados israelenses que participaram da ação e que relatam suas experiências no filme Valsa com Bashir.

Fui atrás de alguns desses testemunhos para dar ao leitor uma ideia do que foram aqueles trágicos dias de 1982 - do ponto de vista de quem sobreviveu para contá-los. É estarrecedor, e vem a seguir.

[*] Baby Siqueira Abrão é jornalista, tradutora, escritora e pós-graduada em filosofia, é correspondente dos veículos Brasil de Fato e Carta Maior no Oriente Médio, além de ativista por direitos humanos e justiça social. É autora de dois livros sobre história da filosofia, para as editoras Moderna e Ática. Eventualmente colabora com a redecastorphoto.

(Redecastor)

Saúde Mental...

‘Pessoas encarceradas com transtornos mentais vivem em masmorras’
PT na Câmara
Adital

Entrevista com a Deputada Erika Kokay

Psicóloga de formação e militante de direitos humanos por opção, a deputada Erika Kokay (PT-DF) integra o Grupo de Trabalho sobre Saúde Mental da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara. O GT está realizando um intenso diálogo com órgãos do Estado e entidades da sociedade civil e deve apresentar até o final do ano um relatório contendo diversas recomendações e propostas legislativas. Confira a entrevista exclusiva que Erika Kokay concedeu ao PT na Câmara sobre essa temática.


Imagem: saudementalrj.blogspot.com

PT na Câmara - Como pode ser resumido o cenário atual das pessoas com transtorno mental que estão privadas da liberdade?

EK - Nós temos por volta de quatro mil pessoas no Brasil que apresentam problemas de saúde mental e estão sob medida de segurança, a maior parte delas em regime de internação. São pessoas inimputáveis que possuem algum tipo de transtorno mental e entraram em conflito com a lei em função desse transtorno. Estas pessoas estão em hospitais de custódia, em tratamento psiquiátrico, e que estão envoltas numa profunda invisibilidade. O sistema prisional já é um manto de invisibilidade e isso me faz lembrar que [o filósofo] Michel Foucault foi muito lúcido quando disse que não é que o sistema não recupera, porque ele é feito para apartar, para invisibilizar e para que aqueles que não estejam dentro dos muros do sistema tenham a impressão de que não estão dentro dos muros do sistema tenham a impressão de que não estão ferindo qualquer preceito legal ou qualquer preceito ético num momento em que há tanta flexibilidade nas concepções de ética e de legalidade.

PT na Câmara - As penas excessivamente longas são uma realidade?

EK - Estes presos inimputáveis, em grande medida, estão cumprindo mais de trinta anos, de acordo com os resultados de uma pesquisa que foram apresentados ao grupo de trabalho. Ou seja, há um grande número de pessoas que estão cumprindo penas maiores do que se não estivessem cumprindo medidas de segurança, isto é penas maiores do que no sistema prisional comum. Existem pessoas que estão há mais de trinta anos encarceradas e existem pessoas que estão condenadas a prisão perpétua, num país que diz que a pena máxima é trinta anos e que não há prisão perpétua. Nós vimos isso no Piauí, em Brasília, no Brasil inteiro. Quer dizer, há pessoas que estão há cinquenta anos internadas numa ala psiquiátrica!

PT na Câmara - Pelo que apurou o GT, como é a situação familiar destas pessoas?

EK - As pessoas que cometem algum tipo de delito que envolve a família ou que agride a família tendem a sofrer o desprezo e a exclusão da própria família, além do preconceito que já sofrem da sociedade. Portanto, elas não têm família e não têm para onde ir, pois o Estado não tem residência terapêutica.

PT na Câmara - Quais as dificuldades para que sejam construídos espaços adequados de tratamento?

EK - Às vezes falta muito espaço no sistema prisional para que haja um tratamento adequado destas pessoas. Nós somos a quarta maior população carcerária do mundo, com cerca de 450 mil pessoas encarceradas, temos uma deficiência muito grande de vagas e as salas que deveriam servir para esse tipo de tratamento acabam sendo usadas para abrigar a superlotação. Mas é preciso haver espaço adequado e tratamento multidisciplinar, que envolva profissionais da medicina, da enfermagem, da psicologia, da psiquiatria.

No Piauí, a prefeitura da cidade onde funciona o hospital de custódia informou que tem dificuldade para enfrentar a resistência da população –que precisa de escolas, de creches e de outros serviços– à construção de uma residência terapêutica. Por isso, estamos discutindo a necessidade de o Estado criar algum incentivo para a criação dessas residências terapêuticas. Nós não podemos mais conviver com isso que ainda estamos convivendo hoje. Pessoas que já cessaram a sua periculosidade, que já deveriam estar em liberdade, mas continuam encarceradas.

PT na Câmara - O que é preciso fazer agora?

EK - Reconhecemos a qualidade do diagnóstico oferecido pelo Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça e também as iniciativas que estão sendo adotadas no sentido de dizer que a dignidade humana deve ser universalizada e, ademais, os direitos humanos cabem a todas as pessoas e são sustentados a partir da dignidade humana.

É preciso sensibilizar o poder Judiciário, pois ainda temos muitas internações compulsórias. E isso é grave porque internações ou medidas de segurança que não correspondem ao delito acabam gerando sentenças que são maiores do que se não houvesse o transtorno. E há também muitas pessoas que possuem transtornos mentais, mas que não deveriam estar encarceradas, porque a abordagem deveria ser outra.

Como os problemas já foram identificados, é preciso trabalhar na resolução das questões pontuais. E é preciso fazer isso na perspectiva de derramar a luz dos direitos sobre um segmento de pessoas que estão nas masmorras. Entre num hospital psiquiátrico e você terá a impressão de que está numa instituição medieval, porque a lógica é medieval e abrange todas as pessoas encarceradas, mas, abrange de forma muito mais aguda aquelas com transtornos mentais, que não são vistas como pessoas.

Nós queremos, por exemplo, discutir um plano de enfrentamento a álcool e drogas dentro dos presídios, pois estas substâncias são elementos muito presentes na vida delituosa.

PT na Câmara - Nas últimas duas ou três décadas o Brasil acumulou avanços na luta antimanicomial, mas ainda persistem contradições e problemas graves?

EK - O Brasil tem uma legislação importante e conseguimos legitimar a concepção antimanicomial na sociedade. Mas o Brasil também precisa reconhecer os seus holocaustos, do passado e do presente. Nós tivemos um hospício em Barbacena (MG) que foi fechado pela luta antimanicomial que assassinou mais de sessenta mil pessoas e no qual chegavam a morrer até 16 pessoas por dia. Muitas pessoas morriam durante os tratamentos com choque elétrico, que tomavam água de esgoto, que comiam ratos. Isso tudo aconteceu no Brasil até a década de 1980, quando tivemos as lufadas democráticas e humanistas.

PT na Câmara - Qual será o cronograma de do GT até o final do ano?

EK - Já discutimos a questão dos hospitais psiquiátricos, que, via de regra, são deficientes. Vamos fazer uma discussão sobre o enfrentamento ao álcool e às drogas nos presídios, porque queremos incluir a questão prisional nessa discussão. E vamos discutir os serviços substitutivos, porque também queremos discutir os bons exemplos, as boas experiências. Porém, infelizmente, ainda não podemos dizer que existe no Brasil onde as pessoas com transtorno mental em medida de segurança estão sendo tratadas com dignidade. E até dezembro queremos concluir o relatório e apresentá-lo à sociedade e às autoridades.

Rogério Tomaz Jr.

Pinochet



Em 23 anos de democracia, o Chile condenou repressores, mas deixou Pinochet impune
O ditador chileno Augusto Pinochet faleceu sem ter cumprido um único ano de prisão. Ironicamente foi em nome dos direitos humanos que os seus advogados o conseguiram manter longe das grades. 23 anos depois as feridas continuam abertas no Chile. Por Victor Farinelli, do Opera Mundi

Victor Farinelli - Opera Mundi


Em setembro de 1999, diante do plenário da Corte Suprema de Justiça do Chile, o coronel na reforma Olagier Benavides declarava, sobre sua participação no caso Caravana da Morte: “a missão determinava que todos os detidos envolvidos com o outro governo (de Allende) estavam condenados à morte. Os superiores diziam que não podia haver piedade, porque aquilo tinha que marcar um precedente, deixar claro, a todos os opositores, e também aos regimentos militares do país, que o novo governo não toleraria nenhum titubeio”.

Relatos como o do coronel Benavides não foram ouvidos em nenhuma corte de justiça do Chile na época em que eles aconteceram, durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Nos primeiros anos do regime, apresentar um recurso de amparo na Justiça para investigar o desaparecimento de algum parente ou conhecido era a única medida legal que se poderia fazer por meio dos tribunais. Medida, ademais, pouco efetiva, já que os ministros da Corte Suprema, naquela época, diziam abertamente que desconheciam indícios concretos da ocorrência de desaparições e execuções políticas.

Terminada a ditadura, o Chile foi pioneiro no continente em investigar e processar criminosos por violações aos direitos humanos. Em 1990, dois meses depois da posse do primeiro governo após o retorno da democracia, o presidente Patricio Alwyn criou a chamada Comissão Rettig. Através do relatório final dessa “comissão da verdade chilena”, entregue em 1991, foram abertas as primeiras cinco causas de direitos humanos no país, no ano de 1998, nas quais se processaram o ditador Pinochet e seus principais colaboradores.

Ao longo dos anos, e com a realização de uma segunda comissão (a Valech, em 2003), foram abertos um total de 1104 processos – 733 ainda em andamento – relacionados aos crimes de 1544 vítimas da ditadura. Foram determinadas as sentenças de 276 agentes do estado, dos quais 262 permanecem presos, alguns faleceram na prisão e outros libertados por diferentes motivos.

Praticamente todo o alto comando dos aparatos de repressão está hoje cumprindo pena nos presídios de segurança máxima de Punta Peuco e Penal Cordillera, construídos especialmente para criminosos da ditadura e criticados por organizações de direitos humanos, chamados de “prisões de luxo”. Essas mesmas organizações alimentam outra frustração, muito maior, que é o fato de que Pinochet faleceu sem cumprir nenhum condenação – algumas das quais foram postergadas por liminares conseguidas pelos seus advogados, e que eram baseadas, ironicamente, em razões humanitárias.

Processo 2182/98
O coronel Olagier Benavides era oficial do regimento militar na cidade de Talca, no sul do Chile (240 Km de Santiago). No dia 3 de outubro, recebeu a visita de uma comitiva de sete oficiais do Exército, liderada pelo general Sergio Arellano Stark, junto com um comboio de soldados, que saíram da capital três dias antes. Era a “Caravana da Morte”, que por onde passava deixava um rastro de violência e morte, manchando de sangue toda a delgada geografia chilena.

O depoimento do coronel Benavides era parte do processo 2182/98, o primeiro e mais amplo caso judicial por crimes cometidos pela ditadura no Chile, iniciado em 1998 pela então presidente do Partido Comunista chileno, Gladys Marín, junto com a AFDD (Agrupação de Familiares de Detidos Desaparecidos) e a AFEP (Associação de Familiares de Executados Políticos).

Eduardo Contreras foi um dos advogados que trabalhou na equipe jurídica responsável pela acusação no processo e lembra do que ele qualifica como “uma batalha jurídica”, tensa desde o dia em que a protocolaram na Corte de Apelações de Santiago. “Pinochet ainda era o comandante-chefe das Forças Armadas e tinha muito poder. Para sustentar sua inclusão como réu, tínhamos que apresentar uma causa perfeita para que não fosse rejeitada”, recorda.

Originalmente, o processo 2182/98 considerava apenas os casos Caravana da Morte e Chacina da Rua Conferência. O juiz Juan Guzmán, considerado um dos mais conservadores da Corte Suprema chilena, aceitou a causa, que transformou em réus o ditador Augusto Pinochet e os chefes dos serviços de inteligência e tortura: Manuel “El Mamo” Contreras, Arellano Stark, Miguel Krassnoff, Álvaro Corbalán, Pedro Espinoza Bravo, entre outros.

Um mês depois, a Corte aceita incluir no processo as informações levantadas pelo relatório final da Comissão Rettig a respeito dos casos de Villa Grimaldi, Operação Colombo e Operação Condor.

Pinochet detido, mas não no Chile
O processamento, do qual foi notificado em fevereiro, foi apenas o primeiro revés sofrido por Pinochet em 1998, que seria seu annus horribilis. A situação levou o ex-ditador a fazer uma manobra, renunciando ao comando militar e assumindo o cargo de senador vitalício designado pelo Conselho de Segurança Nacional, o que lhe garantia imunidade parlamentária – originalmente, a Constituição da ditadura determinava que todos os ex-presidentes chilenos e ex-comandantes-chefes das forças armadas eram designados senadores vitalícios, o que foi derrubado pela reforma constitucional de 2005.

Em outubro daquele mesmo ano, o ex-ditador viajou a Londres e foi detido em uma clínica onde realizada exames, graças a um pedido de detenção internacional e extradição, emitido pelo juiz espanhol Baltazar Garzón. Na Espanha, Pinochet era investigado por 94 denúncias de torturas a cidadãos daquele país durante o seu regime, e pelo assassinato do diplomata Carmelo Soria por parte das forças repressoras, em 1975. Sua prisão temporária na clínica dura mais de 500 dias e ele só regressa ao Chile em março de 2000, depois de forte pressão de políticos chilenos, incluindo os da centro-esquerda, que defendia seu julgamento por parte da Justiça Chilena.

O processo 2182/98 ainda não está concluído, mas já levou à condenação dos réus mais conhecidos: Contreras, Krassnoff, Corbalán, Espinoza, entre outros. A única exceção foi o ditador Pinochet, que faleceu no dia 10 de dezembro de 2006, sem nunca ter sido preso no Chile, como foi no Reino Unido.

Participação do Estado
Segundo o advogado Eduardo Contreras, que atuou em algumas causas relacionadas ao processo, “a principal dívida do Estado Chileno diante das violações de direitos humanos é que nunca tomou iniciativa em levar os criminosos aos tribunais, mesmo tendo os relatórios de duas comissões da verdade. Todos os processos, desde esse primeiro, foram iniciativa das organizações de familiares”.

Por sua parte, o diretor do Programa de Direitos Humanos do Ministério do Interior, Francisco Ugás, contesta em parte essa informação: “até 2009, havia um instrumento constitucional que impedia o Estado de participar de julgamentos dessa natureza”. Ugás diz que a partir de uma mudança realizada pela então presidente Michelle Bachelet, o Estado pode participar como parte interessada nas causas.

Para os familiares de vítimas da ditadura, porém, essa mudança é insuficiente. Segundo Gabriela Zúñiga, porta-voz da AFDD, “o Poder Executivo nunca teve uma atitude mais contundente em favor das causas de direitos humanos e o Poder Judiciário ainda mais, foi cúmplice dos crimes durante a ditadura, se negando a aceitar até mesmo os recursos de proteção, e depois, já na democracia, manteve certos pactos que permitiu a aplicação de benefícios inaceitáveis para os réus”. Zúñiga se refere a liminares com as quais os advogados de alguns condenados conseguiram a aplicação de “meia prescrição” e outros recursos visando diminuir as penas.

A mudança impulsionada por Bachelet também permitiu que a Corte de Apelações começasse a trabalhar em muitas outras causas menores de tortura e assassinato de opositores – até então, só era possível levar à justiça os casos de crimes massivos. Graças a isso, as organizações de familiares (AFDD e AFEP) protocolaram centenas de novas causas. “A grande maioria são casos desconhecidos, mas não menos importantes. Alguém que foi assassinado por estar na rua durante o toque de recolher, ou algum pequeno caso de desobediência civil que terminou em morte, também por abuso de autoridade”, explica Contreras.

Porém, três desses processos mais recentes se destacam pela importância de suas vítimas. Um foi o que rediscutiu a causa da morte do presidente Salvador Allende, que confirmou a tese de suicídio – e negando a possibilidade de que ele teria sido assassinado pelos golpistas.

Outros dois processos emblemáticos são o do general Alberto Bachelet, pai da ex-presidente e atual candidata presidencial Michelle Bachelet, e o que investida a causa da morte do poeta Pablo Neruda, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1971, falecido 12 dias depois do golpe, por uma suposta metástase de câncer que ele sofria.
(Carta Maior)