quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Índios

‘Esse governo só olha o dinheiro, o lucro, esquece que existem povos e nações’
Social



Como raras vezes se vê ocorrer, os últimos dias foram e continuam sendo de comoção em torno da maltratada causa indígena no Brasil. Após uma ordem de despejo da 1ª Vara Federal de Naviraí (MS) sobre terra indígena dominada por fazendeiros em Dourados (MS), os índios guarani kaiowá anunciaram através de carta aberta que não aceitavam a decisão e ficariam em suas terras ancestrais, vivos ou mortos, o que chegou a ser interpretado pelo público como um indicativo de suicídio coletivo.



Não era exatamente do que se tratava, pois os índios afirmavam que lutariam até o fim pelas terras e descartavam qualquer retorno à miserabilidade das cidades ou das beiras de estradas. De toda forma, o Brasil inteiro e agora o mundo veem se acirrar o conflito entre os latifundiários e seus habitantes originários, que por sua vez têm sido vítimas de uma crescente violência, representada pelas cerca de 500 mortes de índios guarani no estado desde 2003.



“Só nas aldeias Passo Piraju, Bokerón e Pyelito Kue (região de Dourados), são 412 famílias. Desde 2004, há um mandado de reintegração de posse. Hoje, a aldeia é estruturada, com água, energia, escola, posto de saúde, roça, animais, pomares...”, conta o cacique guarani Ládio Veron, que se encontra em São Paulo até 1º de novembro em busca de apoio e divulgação da causa guarani-kaiowá.



Na conversa com o cacique da aldeia Takuara (também afetada pela violência do “moderno” agronegócio), hospedado na metrópole por militantes sociais, fica claro que a repercutida declaração de guerra dos fazendeiros do Mato Grosso do Sul é concreta, já se traduzindo em cercos armados por pistoleiros em diversas fazendas, ou suas beiradas, ocupadas e acampadas pelos índios, em sua maioria guarani neste estado.



“Já temos 46 novas aldeias prontas pra serem reconhecidas. Três tiveram terras homologadas e outras três demarcadas. Todas foram embargadas pelo STF. Falta o estudo antropológico de todas as outras. A demora da FUNAI leva ao conflito. Nisso, somos muito ameaçados pelos fazendeiros e pistoleiros. E o índio começa a cansar, começa a acampar, mesmo em péssimas condições – sob sol, chuva, na lama, tem índio vivendo assim embaixo só de uma lona preta”, explica Ládio, deixando claro que os indígenas não abrirão mão de retomarem seus territórios, independentemente de saírem ou não as homologações e demarcações que esperam eternamente. “A takuara tem 90 hectares e 88 famílias, aguardando a demarcação. Mas Gilmar Mendes suspendeu todos esses processos de demarcação e homologação que citei”, completa.



Tal decisão não surpreende, ainda mais vinda de um magistrado famoso pela atuação política coronelista desde sua terra natal (Diamantino-MT), onde, por sinal, amealhou terras por meio de seus amigos da ditadura, como já comprovado pela imprensa. O pior, no entanto, é o padrão de decisões da justiça, em especial a sul-mato-grossense, sempre em favor dos proprietários brancos, quaisquer sejam as circunstâncias e perigos em jogo. “Nas mãos da justiça de São Paulo, os assassinos foram presos. Depois, o processo foi pra justiça do MS, que libertou os assassinos do meu pai. Agora, eles voltaram às milícias e continuam aqui nos ameaçando”, denuncia Ládio.



Aliás, o cacique também já foi alvo dos algozes do Cerrado, no que configura um método, no sentido de desfigurar a resistência e identidade indígenas. “Muitas lideranças estão morrendo, caciques, professores, rezadeiras. Eles têm como estratégia eliminar as referências dos índios e com isso enfraquecer mais ainda sua luta. Hoje morrem muito mais índios do que no tempo do FHC, quando nenhuma liderança morria”, disse, desnudando mais esse fracasso do governo Lula, disfarçado pelo ufanismo publicitário que exalta o “dinamismo” do agronegócio e sua importância na balança comercial do país.



Virada



Após prometer que demarcaria todas as terras indígenas já estudadas antropologicamente, o ex-presidente voltou a mostrar suas inumeráveis facetas políticas ao fechar acordo de biocombustíveis com o então presidente dos EUA, George Bush, nos idos de 2007, dando início a um período de inaugurações em série de usinas de álcool e cana de açúcar, geralmente tocadas à base de trabalho escravo e cujos donos foram por ele qualificados como “herois nacionais”.



“Depois das promessas não cumpridas, Lula fez o acordo dos biocombustíveis e foi aí que o jogo virou. Passou a falar em usinas, foi a inaugurações em que foi recebido com tapete vermelho de 10 metros pelos fazendeiros...”, lamenta o cacique.



Como desgraça pouca tem sido bobagem, os indígenas, na prática, não podem contar com o órgão oficial que em tese deveria estar a serviço de seus interesses. “A FUNAI, por sua vez, alega falta de estrutura. Não é o que vemos quando vamos lá. Tem funcionário se amontoando, assim como as cestas básicas que deveriam ser entregues aos índios”, critica.



Conforme avança a conversa com a liderança guarani, o mesmo ocorre com o grau de surpresa a respeito dos atos do órgão indigenista, o que faz suspeitar que seu principal papel seja o de praticar um jogo duplo que contenha a indignação dos índios, ao passo que mantém na mais extrema morosidade os processos de reconhecimento e entrega de terras. Inclusive, fazendo ameaças.



“A FUNAI tenta nos retaliar quando nos pronunciamos, vem dizer que não podemos e fazem ameaças. Foram ao MP pedir algum tipo de decreto que impedisse oficialmente as lideranças de se pronunciarem publicamente. Mas não tenho medo disso, vou falar. Alguém tem que sair de lá e falar. Outros também farão isso”.



Uma política de Estado



Apesar da indignação que se espalha com considerável alcance pelo país ante uma clara possibilidade de genocídio, não se pode vender ilusões de que a atual mobilização pelos direitos indígenas (reconhecidos pelo Brasil em sua Constituição e também por convenções da Organização Internacional do Trabalho) carregue consigo grandes chances de êxito, ao menos no curto prazo.



“Ao contrário do que diz o governador, não queremos o MS todo pra gente. Mas com 3539 hectares habitados por 16.000 famílias não há espaço pra mais nada, não tem onde plantar mais alguma coisa. As áreas que um dia foram demarcadas pelo antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) já estão todas lotadas. A FUNAI demarcou mais 12, todas já lotadas. E ainda por cima cercadas pelo agronegócio”, explica Ládio.



Dessa forma, depreende-se que não é sem alguma “racionalidade” que os fazendeiros intensificaram sua ofensiva antiindígena nos anos Lula/Dilma. Noves fora a milonga governista, as medidas práticas saídas de Brasília vão no claro sentido de incentivar os monocultivos e a total e desbragada exploração capitalista dos bens naturais.

A recente destruição via parlamentar do Código Florestal apenas escancara o caminho tomado pelo governo autointitulado “democrático-popular”. Com isso, não se pode colocar somente na conta de políticos, magistrados e fazendeiros locais a atual barbárie, representada por diversos cercos a aldeias indígenas em todo o estado, o que denota uma coordenada estratégia política, certamente bem calculada e amparada nos bastidores da República.



“Não tem mais Cerrado, Caatinga, mata alta... Estão acabando com tudo. Não temos mais as plantas medicinais que existiam aqui, por exemplo, pois pra onde se olha é um mar de cana. Eles derrubam tudo mesmo, cada árvore, dizendo que é por causa do veneno jogado por avião nos monocultivos. E aí não tem limites de intoxicação... A água da aldeia Takuara era cristalina; hoje está amarelada, pela poluição, agrotóxicos. Não tem mais peixe, não dá pra caçar, os rios estão secando”, enumera Ládio.



Enquanto isso, os guarani seguem em seu clamor por socorro e solidariedade, pois, ao contrário do homem branco explorado, não aceita ou deseja compreender a retirada do habitat natural em favor de um “desenvolvimento” que jamais debateram. Milênios antes dessa cunha, já tocavam suas vidas em harmonia com a natureza com a clareza de que tais terras são seu sustento, sendo obrigatória sua permanente preservação, através de todas as gerações.



“Esse Código Florestal que fizeram aí já está acabando com tudo. O cheiro da cana é insuportável. Mesmo ficando a alguns quilômetros da cidade, quando o vento bate nessa direção todos podem sentir, a garganta seca, pessoas passam mal... E o Lula teve a coragem de inaugurar usina em cima de terra indígena, no caso a Usina Nova América. Esse governo só olha o dinheiro, o lucro, esquece que existem povos e nações ali”.



Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

Violência Policial

‘Em São Paulo tem sido utilizada a linguagem da guerra, carta branca à violência policial’
Política



Colocando definitivamente uma pedra sobre o propagandismo tucano em torno de sua política de segurança, que estaria reduzindo a criminalidade e as mortes violentas em São Paulo, os meses de junho e julho registraram a maior onda da violência desde o sangrento maio de 2006. Desentendimentos entre a Rota e o PCC desataram o terror e desde então já se contabilizaram cerca de 200 mortes, dentro de circunstâncias similares à explosão de seis anos atrás.



Para tentar analisar as nuances dessa onda de violência, ainda pouco esclarecida oficialmente e com alguns novos elementos, o Correio da Cidadania entrevistou a advogada e socióloga Alessandra Teixeira, estudiosa da criminalidade urbana da metrópole. Para ela, “primeiramente, há a questão da orientação política do governo, pois decide ocupantes de pastas e secretarias, com incitação da violência e respectiva condecoração dos violentos. Em São Paulo tem sido utilizada a linguagem da guerra, imagens bélicas, frases demagógicas como “o bandido vai levar a pior”, enfim, uma carta branca à violência policial”, resume.



A autora do livro Prisões da Exceção - Política Penal e Penitenciária no Brasil Contemporâneo corrobora a tese que acusa o tucanato de praticar um virulento processo de higienismo social, que necessita do braço militar para atingir seus objetivos e acuar a população, além de um discurso afinado com a mídia para a sua legitimação.



No entanto, fica difícil compreender de onde se origina um aumento tão estrondoso da violência, levantando fortes suspeitas de desentendimentos entre crime e polícia em questões nas quais se associam. “Pessoalmente, é o meu palpite, com alguma base. Não sobre a Rota especificamente, mas historicamente as polícias sempre se relacionaram com os mercados criminais, de drogas, roubos etc.”, opina, lembrando que até o relatório do Ministério Público, de maio de 2006, relata que o estopim daquela onda de violência e mortes foi uma escandalosa extorsão da Polícia Civil ao chefe do tráfico, Marcola.



Cabe ainda lembrar o crescente prestígio social que os militares têm buscado, inclusive por meio de cargos civis, a exemplo de ocuparem 30 das 31 subprefeituras da cidade e lançarem candidaturas legislativas. Como diz a entrevistada, apropriam-se de momentos como o atual pra legitimar sua atuação violenta e extra-legal. “Essa conformação de gestão na mão de militares é uma excrescência. Há forças militaristas excrescentes no mundo inteiro? Claro que há, principalmente após o 11 de setembro. Mas o Brasil se encontra num contexto já tradicionalmente marcado pela violência, pela exceção, um militarismo específico, voltado contra o próprio povo. E São Paulo fornece um caso de estudo”.



A entrevista completa com Alessandra Teixeira pode ser conferida a seguir.





Correio da Cidadania: A que você atribui a última onda de violência em São Paulo, com centenas de crimes cometidos pelas forças policiais, em alguns casos até assumidamente, totalizando cerca de 200 mortes em um espaço de dois meses?

Alessandra Teixeira: Quando falamos em violência policial temos de ter em mente que não se trata de prática nova em nossa sociedade. A violência institucional no Brasil é bastante remota, diz respeito ao próprio processo de formação de nossas instituições.



No caso da violência policial especificamente, São Paulo viveu uma situação bastante dramática e publicizada, começamos a ficar sabendo das mortes causadas por policiais principalmente no período da redemocratização, quando a violência da Rota veio à tona, no fim dos anos 70, começo dos anos 80.



Portanto, a violência policial em São Paulo, antes de tudo, não é um fenômeno de agora. É importante termos isso claro. Infelizmente, no Brasil, a violência está quase que conectada à própria formação de tais instituições. O militarismo que praticam é de violência muitas vezes letal e praticamente sem precedentes.



Dessa maneira, ao longo dos anos tivemos alguns governos que tentavam ter um olhar mais atento e preocupado em relação a essas questões, e uma grande maioria de governos que na verdade endossou tais práticas. Quando vem à tona a questão da violência, ainda na ditadura, com Maluf no governo, começa a haver um movimento articulado de direitos humanos e denúncias. Depois veio o governo Montoro, tentando controlar bastante a questão da Rota. Até existe uma frase famosa da época, da secretária de segurança que disse “vou colocar focinheira na Rota”. Mas depois veio outro secretário e disse “vou tirar a focinheira da Rota”. É isso, a Rota mata, mas ainda existe a ideia no imaginário social de que ela pode ser truculenta, pois resolve.



No governo Covas, nos anos 90, tivemos a última tentativa efetiva de controle da letalidade policial, num momento em que ela também estava muito em alta. Houve alguma mobilização, a criação do programa Proar (Programa de Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar), que visava controlar a letalidade policial, retirava da rua os que matavam mais, fazia o policial passar por programas de apoio. Houve também a criação de ouvidoria, conselhos etc.



Com a morte do Covas e a entrada do Alckmin, esse quadro muda radicalmente. Passamos a ter uma nova valorização política, institucional, oficial, de uma polícia mais truculenta, enérgica, e com isso a letalidade voltou a subir. Nos inícios de 2000, a letalidade policial ficou crescente. Nos últimos anos, é especialmente crescente. E aí acho que concorrem alguns fatores que não podemos perder de vista.



Primeiramente, a questão da orientação política, do governo, que é fundamental, pois decide ocupantes de pastas e secretarias, com incitação da violência e respectiva condecoração dos violentos. No caso de São Paulo tem sido expressamente utilizada a linguagem da guerra, imagens bélicas são frequentemente colocadas, frases demagógicas como “o bandido vai levar a pior”, enfim, uma carta branca à violência policial.



Existem outras questões com respeito ao crime urbano? Sem dúvidas. Temos, a partir dos anos 90, e sobretudo anos 2000, fenômenos que fizeram mudar o padrão da criminalidade urbana, trazendo novos ingredientes.



Correio da Cidadania: O tráfico de drogas se encaixa aqui?



Alessandra Teixeira: Sim, há o mercado do varejo das drogas, que começou a ganhar importância em São Paulo, especialmente nas periferias. Num primeiro momento, na luta pela monopolização do mercado, houve um aumento da violência em tais territórios. Daí aquelas taxas altas de homicídio que marcaram os anos 90. Ao lado disso, a criminalidade patrimonial continuou grande e houve um aumento enorme do encarceramento. Em cerca de 10 anos, a população carcerária no estado de São Paulo mais que duplicou. Tudo isso contribuiu para o novo fenômeno, no caso, a emergência do PCC. Pode-se chamar de crime organizado, mas eu particularmente não gosto do termo, dá uma dimensão pouco real, pois continuamos falando de uma criminalidade de varejo. Claro que tem uma articulação, começa nas prisões, transborda seus muros, mas ainda assim é voltada a manipular o mercado do varejo.



De todo modo, isso expôs algumas mudanças na dinâmica criminal. Primeiro, uma luta pelo mercado que rendeu um aumento nas mortes, depois uma redução com a organização em torno do PCC, que monopolizou esse mercado. Por outro lado, há novas disputas que se abrem e tem ainda a questão da relação com o Estado, com as forças policiais. Chegou um momento em que havia muita omissão no trato dessa criminalidade. Não tenho elementos pra afirmar se foi omissão mesmo ou opção, por conta de algum interesse eventual.



Nos anos 2000, começa a haver uma política de enfrentamento no interior das regiões, tentando reprimir mais esses grupos. Isso levou a uma explosão pontual da violência, seguida de um recuo por parte do Estado. Há um período em que tudo parecia absolutamente calmo, tanto dentro como fora das prisões, com diminuição das taxas de homicídio, algo do qual o governo se vangloriou, mas no mesmo período as taxas de letalidade policial continuaram altas. Ou seja, houve diminuição geral nos homicídios, mas não diminuição dos homicídios por policiais.



Correio da Cidadania: Nesse sentido, há relação com a onda de confrontos que culminou em 500 mortes em 2006, sendo a vasta maioria de civis inocentes, sem envolvimento algum com o crime?



Alessandra Teixeira: Agora, este ano mais precisamente, temos alguma coisa que lembra aqueles dias de 2006, mas é diferente, pois não é evidente, não é um enfrentamento explícito ao governo. Os jornalistas sabem, esse aumento estrondoso da violência nos últimos dois meses é atribuído por várias pessoas a uma retaliação a uma ação da Rota que matou seis membros do PCC, no bairro da Penha. É uma interrogação, não temos como afirmar isso.



Nos últimos episódios, vejo essa interrogação, mas uma coisa é certa: a “reação” da polícia, como em 2006, não é de conter a violência, e sim de fúria, num momento em que ela se apropria de um poder extralegal, que de certa forma já é conferido por meio de mensagens políticas, corroborado no imaginário social, encontrando um terreno ainda mais favorável pra exercer essa violência. A partir disso, com essa carta branca, o arbítrio e a violência aparecem com mais força, sobretudo em regiões onde existe a menor presença do Estado, isto é, as periferias.



Correio da Cidadania: Militantes sociais e líderes comunitários de bairros mais pobres, os afetados pela onda de violência, dizem realmente se tratar de um momento de desentendimento entre Polícia e PCC, em questões em que na verdade atuariam associados.



Alessandra Teixeira: Isso indicaria envolvimento nos mercados criminais, em resumo. Pessoalmente, é o meu palpite. Não é um palpite totalmente adivinhador, mas com alguma base. Não sobre a Rota especificamente, mas historicamente as polícias sempre se relacionaram com os mercados criminais, de drogas, roubos etc.



É um tema da minha tese de doutorado, é algo consecutivo à própria criminalidade e violência. Os mercados ficam mais violentos quando a regulação pela polícia aumenta – não pela repressão, mas pelo gerenciamento da situação. Nos anos 60, a extorsão era uma coisa, depois, vieram os esquadrões da morte. O grau de extorsão foi aumentando e, pra dar conta disso, o mercado também foi ficando mais violento.



Os ataques de 2006 têm documentos produzidos pelo Ministério Público, e também pela ONG Justiça Global, em forma de dossiê, em que se afirma que o estopim daquela onda não foi uma política de segurança ou repressão, e sim uma extorsão exagerada da Polícia Civil. O Marcola estava nas mãos da Polícia Civil, sofreu uma extorsão absurda e, a partir disso, se detonaram os ataques. Isso está documentado e permanece pouco explorado pela mídia, que se interessa muito em não explorar o assunto por conta de suas conexões políticas.



Agora, mais precisamente, não temos elementos pra precisar tudo que acontece, mas há indícios, pois as mortes de policiais são crescentes também. Na baixada santista, que desde 2006 tem uma letalidade policial altíssima, também se registrou um importante número de policiais mortos recentemente. Fica uma interrogação, do que se trata? Claro que é um assunto complicado de abordar, mas muito provavelmente existe essa relação mencionada.



De todo modo, é importante destacar a absurda violência policial, que se apropria de momentos como esse, em que há um clamor, toda uma cobertura sobre violência e segurança urbana, que no imaginário social dá uma permissão ainda mais acentuada para o extermínio. Aí a polícia realmente leva adiante essa política e nada acontece. Só acontece quando se mata numa região nobre, uma pessoa branca, como se viu no Alto de Pinheiros. Só nesse caso o governo pediu desculpas.



Em 2006, a polícia matou 586 pessoas, sendo que a imensa maioria nunca havia tido nenhuma relação com o crime. E até hoje não houve nenhum pedido de desculpas. Lembrando que o governo era o mesmo.



É complicado, são questões sensíveis de abordar, sobretudo porque na sociedade há uma carta branca, aceitação e legitimação muito grandes dessa violência. A mídia pauta muito, é interessada, e a sociedade de certa forma aceita, há quem sustente essa visão. É difícil ter espaços pra abordar tais questões, e vejo que estão ficando piores, porque é muito forte a ideia do consenso político.



A própria esquerda não tem discurso que faça frente a tal contexto, não consegue problematizar, pois cai em seus receios de perder seus poucos eleitores. No período democrático, às vezes enfrentamos interesses mais difíceis para fazer frente, pois as polarizações são menores; diferente da ditadura, quando havia enormes clamores contra o regime. Hoje não há isso.



Correio da Cidadania: Em entrevista concedida ao Correio neste ano, o sociólogo Luiz Eduardo Soares defende a existência de uma nova estrutura policial, com a sindicalização dos servidores policiais e a desmilitarização das ruas, recomendação endossada pela própria ONU em visita ao país neste ano. Acredita que a estrutura policial deva ser reformulada neste sentido?



Alessandra Teixeira: Sou completamente a favor dessa discussão. O problema é que ela tem poucas chances de ir adiante, prosperar. Ela é positiva, provocativa, mas dificilmente emplaca. Se fizer uma pesquisa hoje, qual será a reação da população? Ela será majoritariamente contrária ao desarmamento da polícia. Até porque, como no caso de São Paulo, praticamente desde a criação da PM, e mais fortemente dos anos 90 pra cá, vemos políticas de valorização somente da PM. O resto da polícia foi sucateada, toda uma ideia de uma Polícia Civil e Judiciária, que preserve direitos, atue numa lógica exatamente de respeito aos direitos, não numa ótica militar, praticamente desapareceu das agendas políticas dos estados. Hoje são 100 mil homens na PM, contra cerca de 20 mil na Polícia Civil. Fora os aportes adicionais. Colocar esse debate hoje é interessante, no mínimo cria um alvoroço, mas não acredito em seu fôlego.



Talvez tenhamos que lutar por uma desmilitarização gradativa. Poderia se fortalecer a Polícia Civil, apesar de também ter uma tradição complicada, de corrupção, comprometida politicamente, o que serve de alimento para a crítica feita pelas polícias militares. Um forte investimento numa Polícia Civil já seria importante, uma divisão clara de funções. Efetivamente, a PM ficaria encarregada de atividades que lhe são pertinentes, como rondas, deixando de operar como polícia investigativa que não investiga, pois ela prende, é testemunha, entre outras coisas, enfim, faz tudo.



Portanto, seria mais producente uma “agenda de desmilitarização”. É claro que o ponto de vista ideal seria esse, da desmilitarização da PM, mas não se encontra no horizonte próximo.



Correio da Cidadania: Neste quadro, o que tem a dizer das medidas e declarações do governo do estado sobre os acontecimentos, especialmente quando se tem em vista evidentes medidas recentes de higienização social e o crescente empoderamento concedido aos militares na cidade de São Paulo, especialmente da reserva, que abocanharam 30 da 31 subprefeituras da cidade?



Alessandra Teixeira: Acho que o fenômeno da militarização é um pouco mais complicado do que parece, não passa apenas pela valorização da PM simplesmente. Primeiro, é preciso entender o que é essa militarização, e São Paulo fornece um caso de estudo. A militarização é um braço de medidas como essas que foram colocadas, de caráter higienista. Não se trata apenas de colocar militares nos postos administrativos, é mais que isso. Trata-se de produzir uma lógica de Estado pautada em ações de intervenção, que claramente usam o léxico da guerra, trata-se de como se operacionaliza um Estado de Exceção, mas não simplesmente a partir de uma corporação ou uma gramática.



Ninguém está dizendo que vivemos a ditadura militar, como nos anos 60, 70, porque era um regime configurado. Agora, tudo é feito “em nome da democracia”. A Operação Saturação e a Operação Centro Legal são exemplos disso, tudo em nome da democracia, uma retórica protecionista, que serve pra gerir as populações. É importante entender um pouco mais o que acontece. A ideia de nomear, por exemplo, “situações de risco”, é muito complicada. A ideia de “situação de risco” permeia tudo, e não são nada mais que intervenções, ocupações. O risco autoriza tudo, ele não é o código do direito, da justiça; o risco é o código da urgência, da exceção. Assim, precisamos analisar o quadro visando a reinvenção de tudo.



Porém, no caso dessas nomeações em São Paulo, especificamente nas subprefeituras, todas ocupadas por militares, já é algo escandaloso. Porque até dispensou a parte mais refinada do militarismo contemporâneo. Para entender, é bom entrar na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Parece que se está dentro do batalhão da polícia. Da portaria à secretária, todos vestem farda da PM, até o responsável por dar informações. Essa conformação de gestão na mão de militares é uma excrescência.



O fenômeno da militarização dos dias atuais é mais que isso – chamo de militarização high tech. É mais complicada. Temos que olhar a ideia das UPPs, a Operação Saturação, não é simplesmente a Rota na rua. E mobiliza a sociedade também, há uma gama imensa de ONGs querendo fazer o “bem” na periferia, ensinar as pessoas a ser civilizadas, levam o Poupa Tempo e outros serviços improvisados, tudo com a máscara da cidadania. Inclusive, recomendo que se pesquise melhor o que foi a Operação Saturação. Era repressão e prevenção; a ordem. Entravam com helicópteros, tanques, metralhadoras, faziam o serviço e depois ficavam permanentemente. Aí começavam com a história dos serviços improvisados, uma palestra aqui, uns cortes de cabelo ali, um dentista de vez em quando. Uma situação muito perversa. E é um novo código.



Acredito que, como tarefa, precisamos entender mais essa militarização. Até porque o discurso acaba apropriado pela direita, pela imprensa conservadora, que faz pouco caso dos críticos, dizendo coisas como “vocês estão loucos, não tem nada a ver com a ditadura...”. Vão chamá-los de ressentidos, algo que se vê na história da lei da Anistia, quando não se trata disso, e sim de uma tradição que marca nossa história,  apropriada para que se siga reproduzindo lógicas perversas de exclusão e violência.



Correio da Cidadania: Até porque algumas figuras proeminentes do meio militar se lançam cada vez mais na política, através de candidaturas legislativas, como é o caso do coronel Telhada, candidato a vereador que, entre outras figuras, não se cansa de defender abertamente as execuções praticadas por policias, desdenhar os direitos humanos, defender a ditadura militar, ameaçar jornalistas que não lhes fazem matérias favoráveis.



Alessandra Teixeira: É claro, eles também querem se apropriar dos códigos da democracia. Sendo assim, podemos ver como tudo pode ser apropriado, inclusive o jogo democrático.



Correio da Cidadania: Qual imagem você acredita que o Brasil esteja ostentando internacionalmente em face de uma realidade de extrema violência e abusos policiais, além de se tratar do país com a segunda maior taxa homicídios do mundo?



Alessandra Teixeira: É chocante mesmo. Há forças militaristas excrescentes no mundo inteiro? Claro que há, principalmente após o 11 de setembro. Temos vários exemplos, com cidades que caminham cada vez mais para a lógica de militarização, suspensão de condutas. Portanto, não se trata de algo intrínseco ao Brasil, mas que se encontra inserido em uma onda.



Mas o Brasil traz um contexto já tradicionalmente marcado pela violência, pela exceção, um militarismo específico, voltado contra o próprio povo, visto como o inimigo, um ingrediente muito explosivo. Isso é o que causa espanto no país.



As mortes chamam atenção, claro, mas a taxa de letalidade da polícia, quando se compara com a dos EUA, por exemplo, choca. Depois o secretário de segurança diz que não podemos comparar, porque são países diferentes... Realmente, são dois países completamente distintos, mas é evidente que se deve comparar.



Esse é o ponto, as pessoas sabem que a letalidade policial e a situação das prisões são degradantes, por se configurarem situações que ultrapassam a lógica high tech de militarização. Não estamos diante simplesmente da suspensão de direitos, como acontece nos EUA em determinados momentos, mas de forças quase que extralegais, de um Estado de Exceção permanente.



Aí aparecem os resultados econômicos do país e de fato o contraste é grande, fica anacrônico. O que obviamente compromete a imagem do país, porque é esse extermínio e esse genocídio que extrapolam os limites. Mesmo que a democracia esteja abalada no mundo inteiro, não alcança os níveis que vemos aqui.
Última atualização em Segunda, 03 de Setembro de 2012

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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Oscar Niemeyer

Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista    Escrito por Frank Svensson  
Sábado, 19 de Janeiro de 2013



Nasci em Belo Horizonte, em 1934. Dezesseis anos depois tinha minha carteira de trabalho. De dia trabalhava como apontador de obra numa pequena empresa de construção civil. À noite cursava o científico, preparando-me para ingressar nalgum curso superior. Natural ser-me-ia escolher engenharia civil. Na minha família não havia ninguém com formação superior, e eu temia as disciplinas das “ciências exatas”. Como havia ouvido que cursar arquitetura era menos difícil, concorri em 1957 ao exame vestibular na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Minas Gerais. Fui reprovado em desenho artístico, o que me fez matricular-me numa Escola de Belas Artes. No ano seguinte fui admitido em arquitetura.



Antes eu havia acompanhado a construção dos edifícios do conjunto da Pampulha. Surpreendiam-me as formas curvas das obras de Niemeyer. Contrastavam com a retilineidade das obras da empresa em que eu trabalhava. Soube que ele, no início de sua carreira, trabalhara com Lúcio Costa. Sabia também que Bela Bartok fazia levantamentos de música popular húngara para depois reinterpretá-las em composições modernas. Não seria o mesmo caso de Niemeyer?



Hoje percebo tratar-se de algo muito mais significativo. A geometria euclidiana surge do movimento das ferramentas: a linha reta do ato de serrar, o círculo do ato de tornear etc. Aproxima-se da matemática permitindo o cálculo das formas. Sou do tempo das máquinas de calcular. Permitiam-nos até três incógnitas, no máximo quatro. Que trabalheira... Com a ajuda do sábio Joaquim Cardoso, Niemeyer movia uma luta intensa para aproximar o conhecimento das formas à assimetria encontrada na natureza. É de se reconhecer o avanço que a geometria euclidiana teve para o domínio da natureza. Niemeyer, no entanto, procurava uma geometria mais avançada que a euclidiana, permitindo uma melhor integração entre a sensibilidade do arquiteto, no construído pelo homem, e a natureza. Com o surgimento da informática é que ocorreria um salto maior em relação a tal aproximação.



No fim de 1958 aceitei ser responsável por uma das secretarias do Centro Acadêmico e no ano seguinte ingressei no PCB. Sabíamos que Niemeyer vez por outra pernoitava em Belo Horizonte, a caminho de Brasília. Eu e mais três alunos (todos comunistas) decidimos procurá-lo no hotel em que se hospedava. Sugeriu-nos passar as próximas férias de fim de ano estagiando no escritório que dirigia em Brasília. Claro que aceitamos e passamos a nos preparar para isso. Uma vez em Brasília fomos encaminhados ao arquiteto Gladson da Rocha, que voltara do México e participava da equipe de Niemeyer. Pela manhã examinávamos os desenhos de alguma edificação no Plano Piloto.



Almoçávamos no Palace Hotel e à tarde íamos ao canteiro de obras relacionar a obra com os desenhos vistos pela manhã. Disso resultaria um relatório para posterior consideração de Gladson da Rocha. Percorremos assim praticamente tudo o que estava sendo construído a partir de projetos feitos pela equipe.



Soubemos que o projeto do Teatro Nacional havia sido concebido em cinco dias. Que cada uma das “pétalas” que configuram a catedral tem uma fôrma de madeira perdida em seu interior. Que para a catedral havia sido feito um projeto anterior mais adequado à liturgia católica. Era o papado de João XXIII, propondo grandes mudanças na Igreja. Decidiu-se por um projeto ecumênico, permitindo distintos tipos de culto. Daí a forma atual. Para calcular a forma das fôrmas de concreto armado recorreu-se a um padre alemão, professor de geometria descritiva. Aprendemos muito!



Como militante de um partido com um enfoque materialista dialético histórico, somos levados a sempre relacionar o específico com o geral, a parte com o todo, o lógico com o histórico, o regional com o nacional e o nacional com o internacional. Associando as obras específicas de um profissional como Oscar Niemeyer com categorias abrangentes como cultura brasileira, democracia, riqueza, liberdade, espírito de partido etc., era natural que em face de seu engajamento político-partidário nos perguntássemos que relação isso poderia ter com sua produção arquitetônica.



A escola que eu cursara não me dera clareza quanto a isso. Meus estágios em Brasília limitaram-se à curiosidade quanto aos edifícios em si, bem como à cidade quase como uma maquete. Foi meu trabalho na SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), em equipes interdisciplinares formadas para a solução de problemas concretos, que me forçaram a esclarecer o que seria específico da arquitetura. O que é que faria com que fosse arquitetura, não outra coisa? Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco conheci o professor Evaldo Coutinho. Seus livros evidenciaram a importância da vivência da realidade, de como de expectadores e usuários sermos transformados em valor arquitetônico, em componentes espaciais. Isto era muito mais do que uma apreciação e um conhecimento positivista dos lugares da vida. Sem sabê-lo, Evaldo Coutinho fez-me ainda mais marxista, enquanto a SUDENE convenceu-me da existência de uma consciência coletiva que incorpora as motivações de relações sociais e de produção.



A partir de 1968, com o esvaziamento da SUDENE, fui convidado a trazer sua experiência para a Universidade de Brasília, o que resultou num processo de conscientização de alunos quanto à realidade da região centro-oeste. Tornei-me incômodo ao regime militar e fui enquadrado na lei de exceção 477, do ato AI5, proibindo-me de lecionar e ser funcionário público em todo o território nacional. Tive de deixar o país.



Em 1975 recebi convite para integrar a equipe de Oscar Niemeyer em Argel. Minha convivência pessoal com obras de Niemeyer limitou-se a um período de trabalho na Argélia e a conhecer in loco suas obras em Paris e Milão. Cheguei à Argélia vindo da França, onde obtivera trabalho como professor convidado das escolas de arquitetura em Estrasburgo e Nancy. Passando pela Itália, procurei meu amigo Glauco Campelo, em Milão, e tive oportunidade de conhecer a construção da nova sede da empresa editorial Mondadori.



O senhor Mondadori, patriarca e fundador da empresa, estivera em Brasília. Conhecera ali os edifícios projetados por Niemeyer. Encantara-se especialmente pelo prédio principal do Ministério das Relações Exteriores. Manifestou que gostaria de conhecer seu arquiteto. Queria deixar algo assim como marco de sua atividade empresarial. Daí resultou o projeto e a construção da nova sede da Mondadori. Confesso ser, das obras de Oscar Niemeyer, a que mais me encanta. Constitui um exemplo tardio da arquitetura filantrópica do período industrial da sociedade moderna.



Quando os arquitetos, os usuários e os empreendedores da arquitetura são oriundos de uma mesma classe social, gosto, visão de mundo e modo de vida, também é comum resultar o melhor conteúdo artístico. Problemas quanto a isso surgem quando os interlocutores advêm de classes sociais distintas. O sindicato dos gráficos não deixou de observar sua estranheza para com a arquitetura palaciana que lhes foi destinada. Por outro lado, trata-se de uma obra que expressa a síntese perfeita entre as principais categorias da estética da arquitetura: “escala humana, proporcionalidade e fluidez espacial”, que quando atendidas subjugam ao máximo a tendência de “coisificação” da arquitetura.



É Hegel quem primeiro afirma ser o espaço a categoria que diferencia a arquitetura dos demais ramos artísticos. Seguindo o pensamento de Baumgarten, escreve uma obra classificando as artes por ramos. Faz ver que a arquitetura distingue-se da escultura por propor espaços “necessários e ocupados”. Busca um conhecimento das relações entre a vida e seus cenários. Alcançar a plenitude do conhecimento arquitetônico implica considerar a conquista da realidade pelo sujeito social também da condição de sujeito desta. Para tanto é preciso conhecer o corpo teórico de Marx e, segundo Lênin, para conhecer Marx é preciso conhecer Hegel. Hegel afirmava que um templo só atingia sua plenitude arquitetônica com a missa, com o culto. Marx e Engels é que afirmaram serem espaço e tempo categorias objetivas da matéria, permitindo ao usuário e ao observador conquistarem a condição de valor arquitetônico.



O prédio principal considera o programa usual para atividades burocráticas num conjunto de quatro andares, com andar térreo livre e terraço ajardinado para momentos de descontração dos usuários. Faz parte do conjunto uma praça em torno da qual se situam restaurantes e outros serviços destinados às necessidades dos empregados da empresa. Niemeyer quis fazer este conjunto lembrar uma aldeia italiana, com sua praça central.



É marcante em suas obras a presença da imagem primeira do pensamento, e como tal, sempre, de grande plenitude. Não se trata de imagem fotográfica. É mais uma atividade do que uma imagem. Tem raízes naquilo que o arquiteto absorveu vivenciando a realidade, conhecimento obtido por seus sentidos e por distintas formas de informação a respeito. No Palácio da Alvorada lembra-se da casa do senhor de terras do Brasil Colônia, com sua capela. Na Catedral de Brasília recorre a imagens do cristianismo primitivo etc. Uma primeira necessidade é tornar a imagem diretora clara para si mesmo, e Niemeyer o faz valendo-se do desenho à mão livre. Só assim consegue comunicá-la também a outrem. Seus desenhos em apresentações públicas são disputadíssimos como souvenirs de suas palestras. A partir desses desenhos recorre a representações em escala. Essas representações vão formando sucessivos projetos. Um projeto p.1 confrontado com novos desafios por resolver vai permitir um projeto p.2 e este um p.3, e assim sucessivamente, até poder considerar a previsão a mais completa possível. Considera, assim como Lênin, que a verdade absoluta não existe, mas deve ser incessantemente procurada.



Lucáks, pensador húngaro marxista, em seu livro sobre estética considera que a emoção ante soluções estruturais audazes é aparentada com a emoção suscitada por obras de arte. Lembro-me, por exemplo, da intensa emoção de quando pela primeira vez vi pinturas de Van Gogh ou dos muralistas mexicanos, bem como quando entrei no Museu Guggenheim, de Frank Lloyd Wright, ou no aeroporto de TWA, de Eero Saarinen, ambos em Nova Iorque. Um aspecto bem presente no palácio milanês é sua solução estrutural: uma sucessão de pórticos dos quais pende o conjunto de quatro andares. Uma solução já usada por Eduardo Reidy no projeto do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro.



O Palácio Mondadori está situado numa área destinada a empresas gráficas. Foi-me informado que a IBM também deveria localizar sua nova sede ali. Em função disso havia procurado Niemeyer para elaborar um projeto, ao que ele teria feito ver que não trabalhava para empresas multinacionais. Uma vez conversando com ele sobre trabalhar para a burguesia, fez-me ver a importância dos projetos saírem do papel, concretizá-los. Seus projetos são fundamentalmente ‘nacionalistas’, para edifícios de utilidade pública, independentemente da filiação político-partidária de seus promotores.



Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista



Niemeyer ingressou no Partido Comunista Brasileiro em 1945. Vivia-se intensamente o término da segunda guerra mundial. O exército vermelho tomara Berlim e expulsara os exércitos nazi-fascistas dos países do leste europeu. Os EUA, que só enviaram suas tropas (150 mil soldados) no fim da guerra, dedicavam-se com os soldados britânicos a impedir que países como Finlândia, França, Grécia e Dinamarca aderissem ao modelo socialista. Dresden foi submetida a intenso e destruidor bombardeio após a tomada de Berlim, por tratar-se de reconhecido reduto comunista.



No Brasil o PCB tornar-se-ia legal, participando das eleições presidenciais com candidato próprio, o engenheiro sanitarista Iedo Fiúza, que obteve 14% da totalidade de votos. Luís Carlos Prestes seria libertado e recebido por Pablo Neruda no Estádio do Pacaembu. O poeta Vinícius de Morais publicaria uma biografia do camarada Joseph Stalin; Graciliano Ramos escreveria “Memórias do Cárcere”, no qual menciona a participação de um jovem arquiteto que ainda não consegui identificar. Jorge Amado levaria ao prelo “O Cavaleiro da Esperança”, e Carlos Drummond de Andrade faria parte da direção do jornal “Novos Rumos”, divulgador da política cultural do PCB, pouco antes de publicar “A Rosa do Povo”.



Niemeyer continua a ser figura de destaque na galeria dos profissionais, artistas e intelectuais militantes do Partido Comunista Brasileiro, personalidades da nossa história que expressam dualidade ao percorrer todo o período da sociedade industrial capitalista. A dualidade de quem dá de si o melhor de seu conhecimento profissional, buscando a práxis social ainda possível na sociedade capitalista e concomitantemente milita no PCB, organização de luta por uma sociedade sem contradições antagônicas.



Só ingressei no PCB em 1959. Lembro-me muito bem da primeira tarefa de que fui incumbido. Dirigir uma reunião no Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, minha cidade natal. O advogado trabalhista Mário Alves, homem fino e culto, discorreria sobre a política sindical do PCB. Finda a reunião, eu deveria conduzi-lo ao hotel em que estava hospedado. No caminho ele procurou saber quem eu era e o que eu fazia. Informei-lhe ser estudante de arquitetura, militante na base do PCB na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais. Jamais esqueci uma recomendação dele: “Jovem, para ser um bom comunista é muito importante ser um bom profissional, tornar-se indispensável à sociedade pelo conhecimento do saber-fazer”.



O “partidão” solicitava a todos os seus membros a melhor habilitação profissional possível. Isso explica a galeria de cientistas e intelectuais que sua história pode ostentar. Não bastava saber ganhar eleições. Era fundamental saber-fazer. O PCB é aquele partido que por mais tempo – 56 anos – no mundo inteiro resta forçadamente clandestino. Muitos de seus membros foram assassinados, perseguidos, presos. Como exemplo, basta citar os oito membros desaparecidos de seu comitê central. Gregório Bezerra, somados os diferentes períodos, passou 26 anos em prisões. Prestes esteve 10 anos preso no Brasil e foi depois forçado a exílio.



Entre os perseguidos podemos destacar Josué de Castro, o médico que despertou o mundo para a questão da fome, propôs a criação da FAO/ONU e foi seu primeiro presidente. Foi cassado e impedido de voltar ao Brasil ainda em vida. Mario Schemberg, físico, também pernambucano, tornou-se internacionalmente reconhecido como tal. Graciliano Ramos, Jorge Amado e Raquel de Queiroz foram grandes nomes no campo da literatura. Caio Prado, por seus escritos filosóficos e históricos. João Saldanha, na área do esporte, e muitos artistas da antiga Rádio Nacional, isso sem enumerar militantes artesãos e operários a cuja memória a história do Brasil um dia fará justiça.



Entre arquitetos posso testemunhar que em cada uma das sete primeiras escolas de arquitetura no país funcionou – entre 1950 e 1964 – um departamento do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) e uma célula-base do PCB, composta de arquitetos e alunos de arquitetura. A destacar estão Demétrio Ribeiro, renomado urbanista autor dos planos diretores das principais cidades do Rio Grande do Sul, João Vilanova Artigas, em São Paulo, e Jorge Cury em Minas Gerais, entre outros.



A “Editora Revan”, que publicava revistas sobre a União Soviética, e a revista “Módulo”, artigos sobre a nova arquitetura brasileira, tiveram em Niemeyer, no Rio de Janeiro, sólido ponto de apoio. Entre os militantes que se dedicaram ao trabalho editorial no Brasil podemos citar Caio Prado, com a “Brasiliense”, Ênio da Silveira – “Civilização Brasileira” e Mário Zahar – “Zahar Editores”. Todos do PCB, dedicando-se à difusão da literatura progressista no Brasil. Niemeyer foi candidato a senador pelo PCB e presidente de associações de amizade com países socialistas. Recebeu o prêmio Lênin, acolheu Prestes em sua residência na Gávea, quando este voltou ao Brasil e evoluiu na militância política.



Do PCB como tronco inicial cresceram muitos “ramos furtivos”, principalmente por discordância com o caráter leninista. Numa entrevista dada em 9/11/98 a Anabela Paiva, da Revista Época – “A Intimidade Comovente” – Niemeyer declarou: “Voto na esquerda. Saí do Partido Comunista quando tiraram a foice e o martelo e virou PPS. Criamos outro partido comunista. Mas também sou ligado ao PC do B. Não acredito no que dizem sobre Stalin. É lógico que, na briga, a pessoa tem de tomar uma posição, guardar a unidade que a luta exige”. Era desde 1992 presidente de honra do PCB, que sobrevive e renasce das cinzas por necessidade histórica.



Durante certo tempo, o PCB valeu-se de “bolsões” no sistema capitalista brasileiro para apoiar avanços progressistas, inclusive no que diz respeito à arquitetura e urbanismo. Apoiamos distintas tendências políticas em todo o mundo, desde que apontassem para avanços em relação a situações vigentes. Fomos vítimas, muitas vezes, de posições social-darwinistas. Tínhamos o desenvolvimento como unidirecional. Custou-nos chegar à convicção de que uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna constitui uma possibilidade, não uma fatalidade histórica. Terá de ser conquistada. Exige de cada um uma postura revolucionária. Não bastam meras reformas. É por isso que o PCB insiste em não ser um partido reformista, mas marxista e leninista. Marxista por reconhecer ser necessário considerar o corpo teórico deixado por Marx para o conhecimento da mudança e da transformação da sociedade. Leninista por considerar o legado de Lênin fundamental para compreender as implicações da construção de um Estado proletário. Não se trata de copiar particularidades de situações havidas. Trata-se de não perder de vista aspectos essenciais já esclarecidos em experiências historicamente significativas.



O planejamento ordenador de situações é a “tábua de salvação” dos reformistas. Desde sua descoberta o Brasil foi objeto de planos: os da metrópole portuguesa, loteando o Brasil em capitanias hereditárias, com sete cidades administrativas iniciais; os do Marquês de Pombal, introduzindo a retilineidade de 37 novas cidades; os do Brasil Império, implantando novas capitais provinciais; a política de planejamento regional liderada por Celso Furtado etc. Pôr em ordem o existente não deixa de implicar progresso, mas sem garantia de transformação da sociedade colonial ou da capitalista. Igualmente, buscar o diferente pelo diferente, não passando do inusitado, do exótico do cosmopolitismo extravagante, também não leva à mudança das atuais categorias de totalidade. Ser revolucionário é ser transformador, colocar-se em sintonia com o movimento histórico de fazer com que o objeto social da história adquira também a condição de sujeito de si mesmo. Além de profissional competente, é indispensável militar político-partidariamente. É o exemplo dado por Oscar Niemeyer.



Edifício-Sede do Partido Comunista Francês



Em Paris, sua obra mais significativa é a sede do Partido Comunista Francês. Transcrevo um artigo de Luís Felipe Alencastro, professor titular de História do Brasil à época, na Sorbonne, sobre Niemeyer em Paris:



'Nos anos 70, na época em que morou em Paris, escorraçado pela ditadura brasileira, Oscar Niemeyer concebeu várias obras importantes, entre as quais a sede do Partido Comunista Francês. Disse-me um amigo francês, muito bem informado sobre o assunto, que ele jamais quis ser pago pelo trabalho feito para os companheiros do PCF, nem mesmo quando o PCF quis oferecer-lhe um pequeno apartamento onde ele pudesse morar enquanto estivesse em Paris. Sempre foi amigo e solidário com quem estava exilado aqui. Uma vez marcou um encontro comigo num café dos Champs-Elysées. Saía de uma comissão que julgava projetos arquitetônicos destinados a serem construídos em Paris.

Estava meio irritado. As discussões entre os membros do júri do qual ele fazia parte haviam-se prolongado além da medida, e a decisão não lhe tinha agradado. Para ele, todos os projetos eram ruins. Contudo, os outros membros do júri forçaram a barra para aprovar um dos projetos, sob o argumento de que ele era bom “em certas partes”. Oscar absteve-se sem dizer nada. No café, explicou-me o motivo com o seu certeiro sotaque carioca: ‘Pô, quando um projeto é ruim, ele é todo ruim! Se tem partes boas, elas estão no lugar errado, então são ruins também; tudo é ruim!’.

Na Universidade também acontecem essas coisas. Às vezes, a gente lê teses, artigos ou livros nos quais não dá para salvar nada. O trabalho foi mal concebido e está ruim do começo ao fim. Não tem conserto. Mas este é o tipo de reflexão delicada, sobre a qual não se pode citar nomes ou títulos, sob pena de atingir reputações’.

Considerações gerais

Na atividade de projetar de Oscar Niemeyer é constante a busca da melhor ação recíproca entre as partes e o todo, ou seja, a aplicação de um método dialético de projetar. Já o vi, depois de várias tentativas, reformular o projeto inteiro para encontrar o melhor resultado.


Frank Svensson é professor de arquitetura na Universidade de Brasília. O artigo é produto de depoimento de Frank Svensson quando Oscar Niemayer completara 100 anos.

Blog: www.franksvensson.blogspot.com.br

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Gonzagão

São Luiz Gonzaga



Recife (PE) - A vida de Luiz Gonzaga é como a Bíblia. As pessoas destacam nela o que mais  lhes convém, das coisas mais magníficas às menos dignificantes, de acordo com o que veem. Escrevo a frase anterior e me pergunto: mas não será assim com a vida de toda a gente?  Tentarei ser nestas linhas  mais ponderado na montagem da pessoa no seu aniversário.

Nos cem anos de nascimento de Gonzagão, do compositor, intérprete, sanfoneiro e símbolo do Nordeste do Brasil, todas as lembranças – ou recortes – vão para o santo e magnífico. É da justiça e do caráter da efeméride. Os críticos, num esforço de imparcialidade, falam que Gonzaga é não só o melhor dentre todos os cantores de alma sertaneja, mas também é o mais importante cantor-músico-compositor que o Nordeste  criou. E me pergunto outra vez: se a crítica não fosse tão imparcial, não diria que ele é o compositor brasileiro que melhor ilustra o Brasil para todo o universo, ao falar do seu pé de serra, da sua gente bárbara, que fala não só a terras do Oiapoque ao Chuí, mas da Groenlândia à Coreia, da  Oropa à  França e Bahia?    

Vocês já veem  o quanto é difícil falar de Luiz Gonzaga com ponderação, imparcialidade e distanciamento. Já faz três noites que no norte relampeia e tento não me lembrar das terras onde um dia vivemos, sem rádio e sem notícia das rádios civilizadas. Eu queria compor um texto com a nota dissonante do papel de Gonzaga na ditadura, do seu canto de canário do rei no tempo de Médici e Castelo Branco. Mas isso vem de algo bem primário e anterior ao sentido de pátria. Essa coisa com militares descendia do tempo em que ele entrou para o Exército para comer e fugir da pobreza, ou como ele dizia, porque ali era o “colégio do pobre, o único lugar onde o pobre podia entrar para se desenvolver, para se promover”.

Sim, é verdade, ele foi um homem de política conservadora, que dizia votar em Marco Maciel e em outros políticos que foram sustentados pela ditadura. Mas que conservador tão diferente, que estranho conservador de sentimento entranhado pela gente pobre, e de tal modo que mais sensato será dizer: Luiz Gonzaga foi conservador da boca pra fora. Quero dizer, da boca para fora de tudo que não fosse o que ele cantava. Como chamar de conservador, pelo que ele era e interpretava, a um artista que se apresentava vestido de vaqueiro ou de cangaceiro, e mais importante que a roupa folclórica,  que cantou e revelou Asa Branca para todo o mundo? Esse é um hino que está mais para Canudos e bem longe do Rei, das forças da repressão e do Império. Pronto, dei a nota que me moveu para estas linhas, e agora devo falar do que dele vi e ficou no coração.       

No começo, Luiz Gonzaga foi artista sem consciência do valor da sua gente, valor comercial, bem entendido, como ele gostava de dizer, que foi despertado para o seu lugar único e original por um grupo de universitários do Ceará, que lhe pediu pra tocar música do pé de serra do Nordeste. E nunca mais parou. Para lembrá-lo, para situá-lo no devido lugar que é seu por talento e natureza, acreditem, a gente nem precisa apelar para os seus compositores genialíssimos, como Zé Dantas, Humberto Teixeira e Zé Marcolino. Basta lembrá-lo como interprete. Luiz Gonzaga possuía o dom de conversar com o público enquanto cantava, improvisando falas e flexões de voz,  como eu nunca vi em outro cantor ou compositor até hoje.  

E nem é preciso lembrar o que ele faz com a sua volta à casa paterna, ao chegar de madrugada, de volta do mundo da fama,  ao narrar o velho Januário acordando na madrugada. Não, lembro de coisa mais prosaica, indigna até das recordações hierarquizadas pela poesia.  Lembro da sua interpretação em “Apologia ao jumento”, que vi uma vez no Recife. Ele conversava de sanfona com o povo, imitando vozes do camponês e do jerico: “Seu Luíii, cumi seu mio, e como, e como, e como..”, esses últimos versos a imitar a voz de zurro do jumento; “e como, e como, e como”. Impagável a sua descrição do jumento sabido, esperto, a balançar as orelhas no milharal, como se fossem antenas de inteligência. E como, e como, e como...

O espaço acabou e não disse nada. Nem precisei falar da recriação que ele faz em Maria, a composição de Ary Barroso, aquela cujo “nome principia na palma da minha  mão”. Enfim, amigos, as enciclopédias informam que Luiz Gonzaga nasceu em Exu, em 13 de dezembro de 1912 e morreu em, não importa, porque a sua vida não tem fim. Nos seus primeiros cem anos, esta foi a minha tentativa de imparcialidade. Perdi.
(Direto da Redação)

Médicos Cubanos

Médicos cubanos reafirmam compromisso com saúde haitiana

A Brigada Médica Cubana no Haiti ratificou o compromisso de continuar seu trabalho no país. O ideal dos médicos cubanos é fortalecer o sistema de saúde do país caribenho, que carece de diversos serviços públicos e teve sua situação agravada após o terremoto de 2010.

Médicos cubanos

Desde que chegaram ao Haiti, os médicos cubanos já atenderam 19 milhões 700 mil pessoas
Em uma assembléia, que também analisou os resultados do ano anterior, emergiram diversos critérios para fortalecer o sistema de saúde haitiano, com ênfase no atendimento primário.

Ricardo García, embaixador de Havana em Porto Príncipe, ressaltou aos profissionais de seu país, durante a assembleia que também analisou os resultados de 2012 "a continuar brindando atenção médica de qualidade a este irmão povo".

Os galenos cubanos atenderam em 2012 a 1 milhão 446 mil haitianos, número que chega a 19 milhões 700 mil desde que chegaram esta nação em 1998.

Ao mesmo tempo, precisou o coordenador da missão médica, Norberto Ramos, "foram tratadas 8.852 grávidas e operados mediante a Operação Milagre 3.070 pessoas.

Essa iniciativa, impulsionada por Cuba e Venezuela, está dirigida a atender e operar de maneira gratuita a doentes oftalmológicos.

Além disso, os médicos cubanos socorreram 324 casos de cólera e desenvolveram ações para evitar a propagação da epidemia, cujas vítimas mortais desde outubro de 2010 ultrapassam a cifra de 7.600 pessoas.

Fonte: Prensa Latina


domingo, 27 de janeiro de 2013

Democracia

 Antônio Martins – Democracia em crise. Mas em vez dela, o quê?
homem-com-flor-na-bocaDois textos sugerem: movimentos que puxaram mobilizações anticapitalistas de 2011 precisam dar um passo adiante. Tem a ver com poder

Por Antonio Martins(*)

Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra-mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade, decepado
Entre os dentes segura a primavera
Primavera nos dentes, Secos & Molhados

No ano frenético de 2011, os Indignados espanhóis e o Occupy Wall Street, dos EUA, foram protagonistas centrais. Levaram imensas multidões às ruas, para protestar contra o sequestro do futuro coletivo “por banqueiros e políticos”. Retomaram a denúncia do capitalismo, esquecida durante décadas em seus países. Reincluíram na agenda de debates temas esquecidos, como o crescimento das desigualdades e o surgimento de uma oligarquia financeira. Suas ideias influenciaram, em certo momento, as maiorias. Por isso, conquistaram espaços na mídia, entre os intelectuais e artistas. No entanto, sua capacidade de manter a mobilização inicial foi limitada. Iniciados respectivamente em maio e setembro, Indignados e Occupy refluíram cerca de dois meses depois. Desalojados das praças que ocupavam por repressão policial, não recobraram, até o momento, a antiga potência — nem para reunir multidões, nem para influenciar o debate público. Por que?Dois textos (1 2) traduzidos e publicados há pouco por Outras Palavras convidam a buscar respostas. Seus autores partem de perspectivas distintas. O catalão Manuel Castells, um dos grandes sociólogos contemporâneos, apresenta e analisa, num texto para o La Vanguardia, a criação do Partido do Futuro, impulsionado por setores dos Indignados. Ele continua a ver, no movimento, enorme capacidade de criação política. Já o escritor e jornalista norte-americano Thomas Frank, especializado em História da cultura e das ideias, é menos otimista.Escreve, no Le Monde Diplomatique, que o Occupy, provocou enorme chacoalhão na sociedade norte-americana, mas perdeu força rapidamente, por recusar-se a formular um programa de reivindicações concreto. No entanto, algo une Castells e Frank: ambos parecem enxergar que, superada a fase do entusiasmo inicial, os novos movimentos precisam dar um passo adiante — e ele está relacionado com algum tipo de diálogo com o poder e as instituições.

Castells reconhece que muitas das iniciativas do Indignados “parecem condenadas a um beco sem saída”. Embora o movimento esteja gerando uma cultura política inteiramente nova, ao convidar os cidadãos a compreenderem e interferirem diretamente na construção de seu presente e futuro — indo além do voto, partidos e instituições –, esta invenção choca-se com uma imensa barreira. O sistema político espanhol mostra-se impenetrável. A mudança de consciência “esgota-se em si mesma quando se confronta com uma repressão policial cada vez mais violenta”. Como o movimento não pretende (felizmente, para Castells) responder com força bruta, é preciso inventar algo novo.

O Partido do Futuro é uma espécie de esboço em construção, reconhece o autor. Ele terá registro legal mas não procurará disputar eleições nem, portanto, constituir bancada. Seu programa tem um único item: “democracia e ponto”. Ela materializa-se, em especial, na proposta de substituir a representação partidária por consultas diretas aos cidadãos, potencializadas pela internet: plebiscitos eletrônicos e elaboração colaborativa de leis (à moda da Wikipedia), por exemplo.

Como alcançar tal transformação? Castells adianta uma hipótese remota. Se, num dado momento, a grande maioria dos eleitores estivar disposta a “votar contra todos os políticos ao mesmo tempo”, o Partido do Futuro poderá facilitar “uma ocupação legal do Parlamento e o desmantelamento do sistema tradicional de representação, de dentro dele mesmo”.

Será razoável esperar por esta hipótese extrema? Como pressionar as instituições, até então? Esta parece ser a preocupação central de Thomas Frank, e o núcleo de sua crítica ao Occupy. Ao contrário do que recomendou Slavoy Zizek aos acampados no Zucotti Park, eles teriam “apaixonado-se por si mesmos”, diz Frank. Extasiaram-se com as inovações formais que produziram — a construção de comunidades nos espaços públicos ocupados, a horizontalidade radical que os levou a jamais escolher porta-vozes, as cozinhas coletivas, os mutirões de limpeza.

Frank não despreza estas conquistas. Reconhece que “construir uma cultura de luta democrática é muito útil para os ambientes militantes”. Mas objeta: trata-se “apenas de um ponto de partida”. O Occupy recusou-se a ir além. Significaria formular reivindicações concretas, que pusessem em xeque o “1%”. Dialogar com o conjunto da sociedade em termos que permitissem a construção de propostas comuns. Colocar na agenda temas como os empréstimos bancários usurários que arruinaram milhões de famílias; a salvação dos bancos com recursos públicos; a transferência de riquezas para os mais ricos, por meio de isenções de impostos e bônus astronômicos.

Por trás deste “grave erro tático” estariam a soberba e uma crítica ao Estado tão extrema e sem mediações que teria feito o movimento assemelhar-se, em alguns aspectos, ao discurso da direita ultra-liberal. A partir de certo ponto, diz Frank, qualquer intenção de apresentar um programa passou a ser vista pelo Occupy como “um fetiche concebido para manter o povo na alienação e no servilismo”. Em consequência, “um movimento de protesto que não formula nenhuma exigência seria”, na opinião de seus animadores, “a obra-prima última da virtude democrática”…

Este narcisismo teria levado os acampados a se fecharem num discurso cada vez mais acadêmico (Frank cita inúmeros exemplos, a partir da literatura produzida pelo movimento), hermético e… terrível, mesmo do ponto de vista estético. A advertência formulada por Zizek teria sido vã. “Os carnavais são fáceis. O que conta é o dia seguinte, quando precisamos retomar nossa vida normal. É quando nos perguntamos: ‘alguma coisa mudou’?”

É provável que a crítica de Frank seja precipitada. Um movimento que questiona tão profundamente as estruturas de poder (e o faz com apoio inicial maciço), como oOccupy, não pode avaliado em prazo tão curto. De qualquer forma, o que tanto seu texto quanto o de Castells põem em relevo é a necessidade de debater mais profundamente, no interior da nova cultura política, o papel do Estado; as estratégias e táticas necessárias para superar, além das estruturas de poder ultra-hierarquizadas, a dominação de classe.

Esta questão precisa libertar-se, nas condições inteiramente novas das sociedades pós-industriais, dos dois paradigmas que a conformaram, nos séculos 19 e 20: a visão marxista e a anarquista. O poder de Estado não é a chave para as transformações sociais, ao contrário do que pensavam os que julgaram construir o “socialismo real”. Ele está tão marcado por relações de autoridade e hierarquia que acreditar em sua “conquista” equivale a assumir estas relações desiguais. A construção de novas lógicas e relações sociais exige, ao contrário, des-hierarquizar e horizontalizar desde já, incorporando uma pitada de ghandianismo às tradições revolucionárias anteriores: “seja a mudança que você quer”.

Mas o Estado, talvez a instituição mais contraditória de nossa época, não é apenas uma máquina de opressão. É, também, o espaço em que se efetivam os direitos. Redução da jornada de trabalho; proibição do desmatamento; punição dos que praticam homofobia; garantia de uma renda cidadã; proteção dos direitos dos imigrantes, promoção da economia solidária — onde estas e tantas outras aspirações poderão se realizar, num tempo em que as sociedades ainda são marcadas por conflitos?

Menos vistosos, por enquanto, em sua capacidade de mobilização de multidões, talvez alguns movimentos que atuam no Sul do planeta tenham encontrado soluções avançadas para tais problemas. Eles falam, por exemplo, em hackear o Estado. É um termo provisório, mas certeiro. Significa ir além da ideia ingênua da “conquista”; compreender que a máquina estatal é, por sua natureza, oposta à ideia de uma sociedade solidária e radicalmente democrática.

Mas implica, ao mesmo tempo, ter consciência de que será necessário construir uma transição. Novas lógicas e mecanismos de articulação da vida social precisam ser imaginados e postos em prática desde já. A revolução não é a conquista do poder, mas um conjunto vasto de transformações político-culturais, que ocorrem em tempos distintos e seguem a dinâmica profunda das mudanças de mentalidade.

Mas tais transformações conviverão, por algum tempo, com a velha ordem. E serão mais rápidas e efetivas se for possível “inventar, no centro da própria engrenagem, as contra-molas que resistem”. Por isso, é importante combater a rotina do poder de Estado e, ao mesmo tempo, neutralizá-la; impedir que destrua boas sementes de futuro; se possível, fazer com que rode ao contrário…

É um debate de grande relevância e profundidade. Queremos fazê-lo juntos. As leituras de Castells e Frank são um ótimo incentivo.

*Antonio Martins é jornalista. Tem no “Quem tem medo da democracia?” a coluna “Outras Palavras”.
(Outras Palavras)

Futebol e política

Apóllo Nátali – Política no futebol – Operação Salva-Palmeiras!
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O ex-presidente Mustafá Contursi se mostrou contrário ao projeto de eleições diretas no clube.

Por Apóllo Nátali, especial para sua coluna no QTMD?

Time indefinido e em crise, o Palmeiras corre o risco de sofrer sérias humilhações diante de fortes adversários nas disputas do campeonato paulista, brasileiro da 2.a divisão, Copa Libertadores e Copa do Brasil. Uma punhado de preocupados torcedores do site Palmeiras Todo Dia montou o dossiê Operação Salva-Palmeiras, uma enxurrada de notícias sobre o clube colhidas na imprensa desde o final da década de 1990 até agora. O dossiê expõe uma seqüência de trapalhadas dos dirigentes e sinais de corrupção no decorrer das várias administrações.”O Palmeiras é um barco à deriva”, disse o novo presidente do clube, Paulo Nobre.

Dizem os palmeirenses preocupados: “O que se deseja é que, independente de quem ou qual grupo venha a vencer as próximas eleições, que se restaure a moralidade nas ações inerentes ao futebol da Sociedade Esportiva Palmeiras e que essa nova direção consiga resgatar a dignidade, devolvendo o Palmeiras ao lugar de onde nunca deveria ter saído, que é o caminho e a conquista de títulos”.

Uma casa italiana com certeza é onde ninguém se entende, todos brigam, ninguém tem razão e nem é por falta de pão. Assim parece o Palmeiras. De família italiana e torcedor do Palmeiras imponente há 77 anos, entendo do assunto. A uma semana de entregar o cargo de presidente dessa casa, seu então titular, Arnaldo Tirone, disse no programa Mesa Redonda da TV Gazeta que o Palmeiras precisava criar um departamento de psiquiatria. O que será que ele quis dizer com isso? Durante sua gestão ele se envolveu em episódio de troca de tapas com um conselheiro. Nesse dia, dizem, voaram cadeiras naquela turbulenta casa italiana.



 A moçada palmeirense do Fórum Palmeiras Todo Dia mostra-se saudosa do brilho do time em gramados espanhóis ao conquistar por três vezes o famoso troféu Ramon de Carranza. Primeiro clube brasileiro a conquistar esse torneio em 1969, venceu o Real Madrid na ocasião. Nas duas outras venceu mais uma vez o Real Madrid e o Barcelona de Cruyff, em 1974. Comemoram ainda os torcedores a homenagem de “Time do Século” conferida pela Fifa ao Palmeiras, tal a quantidade de titulos conquistados. O Palmeiras foi o único no mundo a enfrentar de igual para igual, e com memoráveis vitórias, o invencível time do Santos de Pelé e companhia. Ganhou uma Libertadores e foi vice-mundial porque o técnico Luis Felipe Scolari insistiu em manter Evair no banco, escalando um Asprila desmotivado. Há meio século, o Palmeiras conquistava o primeiro verdadeiro mundial de clubes, com a participação das seis mais poderosas equipes do planeta..



 Este pouco espaço permite a citação apenas em forma de pílulas do espólio de desatinos legado por sucessivas diretorias palmeirenses, narrados em pormenores, com nomes e sobrenomes dos atores e as datas dos imbróglios, nas 56 páginas do Operação Salva-Palmeiras. Vamos às pílulas.

Privatização do Palmeiras – criação sigilosa, em 1988, sem aval do Conselho Deliberativo, da empresa Palmeiras Ltda. Algumas publicações dizem Palmeiras S/A. Como gerente-delegado da empresa, Mustafá Contursi, assumia poder pessoal de representar a sociedade ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente, transigir, renunciar, desistir, firmar compromissos, confessar dívidas, fazer acordos, contrair obrigações, celebrar contratos, outorgar mandatos, adquirir, alienar e onerar bens, decidir quais torneios o time disputaria, bem como aumentar seu salário. Um ditador? Uma CPI vasculhou seus bens. Em seu quarto mandato, Contursi dizia não ao sistema de clube-empresa.



 A premiação de 1978 – no meio das brigas e desentendimentos por questão de premiação no campeonato brasileiro, a sentença salomônica de Contursi aos jogadores: se não quiserem jogar, não entrem em campo.

O maior drible sofrido – há 10 anos a direção do clube desprezou a disputa do primeiro mundial de clubes na Espanha, cedendo a vaga ao Vasco. O torneio acabou sendo cancelado.



 Mas que futebol!!! – após a primeira queda para a 2ª.divisão do campeonato brasileiro, em 2002, Contursi declarou que o futebol seria a terceira prioridade do clube no ano seguinte. Primeiro, as finanças, depois o patrimônio.

Caso Ruhmel – o Palmeiras não ganhava nada no contrato de 10 anos com a Rhumel para fornecimento de material. Contursi teria ligações com a empresa, que só existia no exterior, não tinha endereço no Brasil. Reeleito, Contursi usou a marca Reebok, cujos produtos são feitos pela Rhumell, que teve sigilo quebrado pela Justiça. Veio a Diadora na disputa da 2ª. Divisão. Depois, a relação do presidente Luiz Gonzaga Beluzzo com a Adidas precisou ser apurada.



 A farra dos empresários – influência de empresários nas negociações de atletas relacionados às categorias de base. Denúncias de pagamento de comissões, interferência direta em escalações. Empresários dominam divisões de base do Palmeiras.

O esquema São Caetano – vários jogadores do São Caetano, do ABC paulista, caiam de paraquedas no Parque Antártica. Outros que vieram de locais diferentes tinha direitos econômicos no Azulão, como é chamado o São Caetano. Gordas comissões para empresários. Arnaldo Tirone não quis revelar o valor da comissão paga ao empresário na contratação do atacante Luan.



 Censura no Palestra – Estatuto do Palmeiras, bloqueado pela Justiça, oficializa a censura no clube e dá à diretoria poderes para expulsar os sócios que fizerem críticas à administração. Uma moça corintiana, sócia do Palmeiras, vendo TV, comemorou em pleno glorioso Parque Antártica um gol do arqui-rival SCCP (palmeirense que se preze não escreve o nome do Corintians por extenso, segundo alguns da cúpula palmeirense que chamam esse time com uma expressão meio mafiosa: maledeto). A sócia corintiana foi expulsa. O então presidente Mustafá Contursi também suspendeu dois sócios ligados à facção Muda Palmeiras, que trajavam camisa da oposição. Naquela casa não se admite “falta de palestrinidade”, como disseram.



 Denuncias de fraudes – Ministério Público investiga suspeita de esquema de notas frias.Testemunhas falam em compra de dólares e árbitros.Aberto procedimentos criminal e cível para apurar suposta prática de enriquecimento ilícito e superfaturamento por parte de dirigentes. Eram 16 os suspeitos de enriquecer ilegalmente. O primeiro caso de enriquecimento ilícito envolvendo notas fiscais aconteceu no SCCP, arqui-rival palmeirense.

Suborno a fiscais da Receita – relatório do Palmeiras aponta que verba de 300 mil reais desviada pode ter virado suborno a fiscais da Receita Federal. Os fiscais foram pessoalmente no clube cobrar impostos atrasados, época em que Luiz Gonzaga Beluzzo era presidente mas estava internado em hospital.



 A devassa no clube – Inquérito na 23ª delegacia de policia de São Paulo promove devassa na vida do Palmeiras entre o inicio dos anos 2000 e 2010. Os investigadores farejam desvio de dinheiro, envolvimento de cartolas com empresários e sonegação fiscal, além de outras suspeitas. Um contrato de seguro teria sido pago a uma empresa que trabalha com eletrodomésticos, indicio de uso de notas frias.

Arena Palestra – Contursi reprova a construção do novo estádio e pragueja: “tomara que a obra pare”. Uma arena moderna caiu dos céus no colo do Palmeiras, pois a construtora WTorre entrega o novo paraíso de graça ao clube, que terá participação nos lucros durante os 30 anos em que a construtora vai explorar os negócios lá. E não é que as obras foram paralisadas? Foi por indefinição do presidente Arnaldo Tirone em assinar o contrato por questões de aprovação do seguro da empreitada. As obras do estádio inteiro também atrasaram por indefinição do local da construção da sauna.



 Corte de gastos – em sua política de contenção de gastos, Arnaldo Tirone faz economia de uma diária em hotel ao proibir a nutricionista Alessandra Favano de se concentrar com o elenco nas vésperas dos jogos.

Amistosos na Espanha – a diretoria bloqueia o retorno do Palmeiras aos gramados do futebol europeu ao cancelar amistosos que o time faria na Espanha no fim de março. Segundo os dirigentes o cancelamento não foi por motivos financeiros e sim por falta de “congruência”. Segundo J.F.Caldas Aulete, dicionário português editado há mais de 100 anos em Lisboa, congruência é o mesmo que conveniência.

Programa Avanti – o presidente Arnaldo Tirone interrompeu e demorou um ano para relançar o programa Avanti, lançado por Beluzzo em 2009, com o objetivo de angariar sócios. A “modificação profunda” exigida pelo presidente Tirone era verificar o direito de voto dos sócios.



 O Centro de Treinamento – o Palmeiras desperdiçou 27 milhões de reais ao engavetar projeto de construir um centro de treinamento para categorias de base em São Roque, em terreno de 65 mil metros quadrados doado pela prefeitura, financiado exclusivamente com dinheiro público. O clube não se animou a levantar o dinheiro com empresas públicas interessadas.

Valdívia – para ter esse jogador problemático de volta, o Palmeiras fez um crediário e paga 157% de juros até 2015. O investimento, que era de 14 milhões de reais, deve atingir 36 milhões de reais por conta de juros e correção.

Bagunça administrativa – o sócio que consumir algo nas dependências do clube não vai identificar a Sociedade Esportiva Palmeiras no recibo do produto emitido por máquinas da Redecard. Um provável erro administrativo no Palmeiras faz com que tais máquinas emitam recibo com o nome do gerente financeiro do clube, Marcos Bagatella.

Briguinhas, briguinhas- uma crise que vinha se arrastando entre o vice de futebol Roberto Frizzo explodiu quando o técnico Luis Felipe Scolari se irritou ao saber que problemas trabalhistas emperravam a troca de Ricardo Bueno por Pierre e que o Atlético Mineiro não pagaria pelo empréstimo do volante. Descobriu pelo lado mineiro que o acordo costurado por ele havia sido ignorado pela diretoria alviverde, que aceitara a transferência gratuita. “Se o senhor fez isso mesmo, eu vou pedir demissão”, disse o treinador para o presidente, de acordo com seus aliados. Scolari explodiu quando Frizzo assumiu a autoria da negociação.

Piadinhas, piadinhas – Felipão criticara supostas piadinhas sobre contratações por parte dos cartolas, dizendo que isso afastava reforços para o time. Ele queria bons jogadores no “episódio dos camarões”, e Frizzo disse que “é uma bobeira. Não tem nada a ver”. Em entrevista coletiva, o técnico disse que é papel dos dirigentes virem a público para avisar a torcida que falta dinheiro nos cofres do clube.



 Piadinhas japonesas: – Um erro no sistema do Avanti, o programa de sócio-torcedor relançado pelo Palmeiras, selecionou o Japão como país no preenchimento do cadastro para o programa. O torcedor vê abrir como opções de estados para escolha, os arquivos “Alex Muntaronakombi” e “Carlos Takacaranomuro”, ironizando irresponsavelmente a colônia japonesa.

Picaretagem – para os confrontos das finais da Copa Brasil a diretoria de Arnaldo Tirone praticou a venda casada de ingressos, isto é, quem não fosse da Avanti, programa de sócio-torcedor, não conseguiria ingressos. O Palmeiras esperava cerca de 10 mil associações para

Mostrou que apenas 12.240 ingressos foram vendidos antecipadamente pelo Avanti, o que significa que 16.317 ingressos foram vendidos de outra forma, não pelas bilheterias. Disse a diretoria: “Vendemos os ingressos para conselheiros, diretores, patrocinadores. Também aproveitamos a oportunidade para fazer relacionamento, vendendo para possíveis futuros parceiros”.liberar a venda de 3 ingressos por associado. O borderô da CBF.

A praia de Tirone – o presidente do Palmeiras vai à praia no Rio de Janeiro um dia depois da queda do time pela segunda vez para a 2ª. divisão. Disse que era para “tirar o estresse”.

Homenagem cancelada – o presidente do Palmeiras se atrasou para a festa do brasileirão em que o time seria homenageado e nem enviou representante, numa cerimônia em que todas as divisões do campeonato nacional receberam suas taças. Tirone disse que não foi avisado da homenagem.

Golpe contra as diretas – o ex-presidente Mustafá Contursi se mostrou contrário ao projeto de eleições diretas com a participação dos sócios, aprovadas finalmente para funcionarem a partir de 2014. Para ele, a discussão foi usada por alguns para retomarem o poder político no Verdão. A intenção de Contursi era deixar o presidente do clube apenas na parte social, sem poder de decisão num setor que reúne 16 milhões de torcedores.

*Apollo Natali é jornalista, formado aos 71 anos, depois de 4 décadas atuando na imprensa. É colaborador do “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Desabafos de um ancião”.





Obesidade infantil

A canetada contra a obesidade infantil

por Reinaldo Canto*

Há quem afirme que se trata de intervenção do Estado, um problema a ser combatido por uma sociedade livre e soberana. Esses mesmos costumam alegar que a liberdade de expressão é um direito sagrado e não deve sofrer qualquer interferência governamental.
sa12 A canetada contra a obesidade infantil

Quais os limites da publicidade infantil? Foto: Istock Photos

Isso pode ser verdade em determinadas circunstâncias, mas quando esse pseudo “direito” se sobrepõe mesmo a questões de saúde pública, aí merece ser questionado, ainda mais se essas ações “intervencionistas” visem à proteção da saúde das nossas crianças.

É exatamente o caso de dois projetos de lei, os PLs (1096/2011 e 193/2008) aprovados no final do ano na Assembleia Legislativa de São Paulo. Eles têm o objetivo de combater a obesidade infantil, um mal que já afeta 30% das crianças e pode até mesmo ser visto como verdadeira epidemia em nosso país.

O primeiro deles veta a comercialização de lanches com brindes e o segundo restringe a publicidade de alimentos não saudáveis direcionada a crianças.

Os pais conhecem bem essas questões: nossos filhos por vezes querem ir a lanchonetes conhecidas como fast food, cujos alimentos possuem baixo nível nutricional e alta presença de açucares e gorduras, apenas para adquirir um brinquedo.

Já o bombardeio incessante da publicidade em programas e canais infantis hipnotizam os pequenos para consumo daqueles biscoitos, doces e salgadinhos. Na hora das refeições se estabelece uma batalha desigual entre comidas saudáveis e naturais contra os mágicos pacotes de algo parecido com alimentos, oferecidos pelos coloridos e estimulantes anúncios da televisão.

Claro que existem outros fortes fatores contribuintes para o sobrepeso infantil, tais como o sedentarismo e os videogames, mas os controles propostos nos dois projetos de lei paulistas serão grandes aliados nessa luta caso sejam sancionados pelo governador Geraldo Alckmin.

Aliás, para que isso ocorra, o Instituto Alana, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, a Rede Nossa São Paulo e a Aliança pela Infância entre outras, lançaram uma petição online para que a população possa demonstrar seu apoio aos projetos e pressionem o governador paulista a assina-los até o dia 30 de janeiro. Ela está disponível em português e em inglês nesse link: http://www.change.org/SancionaAlckmin.

Caso São Paulo adote essas leis estará em ótima companhia, pois países europeus como Inglaterra, França e até vizinhos como Chile, além de cidades norte-americanas como São Francisco possuem leis semelhantes. Será uma grande inspiração para todo o país também enfrentar com seriedade o problema da obesidade infantil.

Governador, que tal começar bem a semana com uma “canetada” em favor de uma vida mais saudável e sustentável para nossas crianças?

* Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental.

** Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Clara Charf

A vida e a militância de Clara Charf

Clara Charf viveu duas ditaduras e ficou clandestina por quase 20 anos, ao lado do guerrilheiro Carlos Marighella, morto em 1969. Ela foi presa, ficou viúva, morou em Cuba. Aos 87 anos, em meio às homenagens ao marido, não larga o sorriso do rosto nem a vontade de continuar lutando para transformar o país.

Por Nina Lemos, na TPM

Alex Batista
Clara Charf

Clara e sua emblemática risada em seu apartamento, no Bom Retiro, em São Paulo: “Na época da ditadura o Marighella me proibiu de sorrir, porque seria facilmente reconhecida”
Clara Charf ainda estava no colégio, em Recife, quando um amigo da família foi preso. “Ele é ladrão?”, perguntou ao pai, comerciante. “Não”, respondeu ele. E não deu mais explicações. Um dia, ela encontrou o tal moço (Jacob, pai do fotógrafo Bob Wolfenson), já em liberdade, e lançou: “Por que você foi preso?”. Ele disse: “É que sou comunista”. “E o que é ser comunista?”, retrucou Clara. “No comunismo não tem dinheiro, você troca uma coisa por outra que precisa”, explicou. “Achei aquilo lindo e disse: ‘Então também sou comunista’.”

Clara gargalha ao contar essa história. Mas a verdade é que, desde então, ela nunca deixou de ser comunista. A senhora elegante que recebe a reportagem da Tpm com café, bolinho e gentilezas é a eterna companheira de Carlos Marighella, comandante da ALN (Ação Libertadora Nacional), guerrilheiro e o homem mais procurado do país durante a ditadura militar. Foi assassinado em 1969.

Mas essa senhora de 87 anos também é militante feminista até hoje e amiga de políticos como Luiza Erundina (para quem trabalhou durante seu mandato na prefeitura paulistana), Lula (que exigiu que ela fosse atendida no hospital das Forças Armadas quando se acidentou em Brasília em 2010) e a atual presidenta do Brasil, Dilma Rousseff.

Uma mulher leal

Clara tem a biografia "Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo", de Mário Magalhães, lançada em novembro passado, na mesa do apartamento alugado no Bom Retiro, centro de São Paulo. E comemora, com seu característico sorriso, este momento em que Marighella é homenageado. “Esperava por isso havia muito tempo. A história precisava ser recuperada. Você viu o filme, que maravilhoso?” Ela fala de "Marighella", documentário dirigido pela sobrinha dele, Isa Grinspum, que estreou em 2012 nos cinemas.

O filme tem trilha sonora dos Racionais MCs, que compuseram a música “Mil faces de um homem leal”. No clipe, eles encenam o episódio da invasão da rádio Nacional (quando Marighella e seu grupo leram uma mensagem para o povo brasileiro). O filme inspirou Caetano Veloso, que lança no seu próximo disco a faixa “O comunista”, uma ode de oito minutos ao guerrilheiro, em que cita Clara e suas irmãs Sara e Iara. “Ainda não ouvi”, diz, com ansiedade de menina.

Mas o que mais emociona Clara (em vários momentos ela cai em lágrimas) é o fato de Marighella ter recebido “anistia pós-morte”, decretada em novembro no Diário Oficial. “Por muito tempo achamos que isso nunca iria acontecer.”

“Passei anos sem sorrir”

Militante do Partido Comunista desde os 20 anos, Clara conheceu Marighella na década de 1940, quando era aeromoça e, ao mesmo tempo, fazia trabalhos para o “Partidão”. “Nos encontramos na porta do Partido Comunista no Rio de Janeiro. Ele me olhou e eu também. Depois me disseram que ele era o Carlos Marighella, então deputado do PC.”

Meses depois, começaram a namorar. Clara largou a carreira de aeromoça e passou a trabalhar na Câmara dos Deputados, numa espécie de gabinete do partido. “Vivemos poucos momentos como pessoas comuns. Logo o partido foi considerado ilegal e passamos a viver na ilegalidade”, conta.

O que significava ter nome e profissão falsos, mudar toda hora de casa, não ver os amigos. Mesmo assim, Clara tem saudade da rotina do casal. “Dividíamos as tarefas de casa, mas uma vez o Marighella chegou e eu estava passando roupa. Ele não se conformou: ‘Você fica passando roupa sozinha no silêncio, não pode. Vou ler para você enquanto isso’.” Clara chora muito ao contar essa história.

Depois da morte do marido, Clara foi para Cuba, onde viveu por mais de uma década – e guarda ótimas lembranças. Dos amigos e do trabalho como tradutora simultânea. Mas não podia contar sua história nem soltar sua farta risada em fotos – tinha medo de que a descobrissem. Além disso, acreditava que a revolução era possível e que poderia voltar ao Brasil para lutar. “Logo que fomos perseguidos, Marighella disse: ‘Seu sorriso é muito característico, Clara, vão te reconhecer nas ruas’”, lembra. “Passei anos sem sorrir. Imagina o que foi voltar ao Brasil e tirar fotos sorrindo”, diz, com a voz embargada.

Hoje, Clara é militante do PT, preside a Associação Mulheres pela Paz, acompanha todas as atividades que homenageiam o marido e não pensa em parar de lutar. “Sem justiça não há paz”, dizem os Racionais na música que homenageia Carlos Marighella. Clara segue a mesma máxima.

“As pessoas agora estão percebendo a importância do Marighella”

Tpm: A vida do Marighella virou filme, livro e música dos Racionais MCs e do Caetano Veloso. Como está sendo para você esse reconhecimento?
Clara Charf: Eu nem esperava mais [risos]. Quantos anos se passaram, meu Deus! E agora o Ministério da Justiça deu a anistia a ele, que maravilha. Quando me ligaram de Brasília e falaram que isso iria acontecer, quase caí para trás. Desde o governo Lula as coisas começaram a melhorar muito. As pessoas agora estão percebendo a importância do Marighella. Você viu o filme, que maravilhoso? Adorei. A música do Caetano ainda não ouvi. Me disseram que vai ter. Estou esperando [sorrindo].

Como você virou comunista?
Eu morava em Recife. Éramos uma família de judeus russos pobres. O pai do [fotógrafo] Bob Wolfenson, o Jacob, era filho de um amigo do meu pai. Lembro que uma noite o meu pai chegou em casa e falou: “O filho do seu Davi está preso”. Fiquei escandalizada. Perguntei: “Ele é ladrão?”. E meu pai: “De jeito nenhum”. E não explicou mais nada. Logo que foi solto chamaram a gente para um chá na casa deles, para comemorar. Perguntei para o Jacob: “Por que você foi preso?”. Ele me chamou em um canto e disse: “Porque sou comunista. Mas não posso falar agora. Depois vou na sua casa e te explico”.

Ele foi?
Foi. E ele foi responsável pela minha politização [risos]. Falo isso para o Bob: “A culpa é do seu pai”. O Jacob falou [Clara começa a chorar]: “Um dia vai ter uma sociedade em que todos serão iguais, e aí não vai ter dinheiro, vai ser tudo troca”. E eu: “Mas como assim?”. Ele: “Ah, se você precisa de um sapato, a gente troca de acordo com a necessidade”. Eu disse: “Ué, então também sou comunista!” [risos]. Depois, quando fui trabalhar em um banco como datilógrafa, me chamavam para reuniões de mulheres que trabalhavam em fábricas, reuniões de luta por melhores salários. Aí entrei na história, queria participar daquela luta.

Como foi a sua infância?
Meu pai era mascate. Minha mãe fazia tudo em casa. Lembro dela cozinhando naquele fogão a lenha, ao mesmo tempo abanando com a mão para que a casa não ficasse tomada pela fumaça. Meu pai não era religioso. Nunca seguimos as tradições judaicas, minha formação era democrática. Você tinha que ser sincero, honesto, tinha que trabalhar. Minha mãe queria que eu fosse pianista, então, alugaram um piano para que eu pudesse estudar, já que não podiam comprar. Ia um professor lá em casa e me ensinava. Fiz o primário e o ginásio em escola pública. Era um ambiente que tinha meninos e meninas. Tive ótimos professores, tanto que foi lá que aprendi inglês, e tradutora acabou sendo uma das minhas profissões.

Você também trabalhou como aeromoça.
Eu queria ser aviadora. Como não podia, porque não existiam aviadoras naquela época, decidi ser aeromoça. Agora, imagina isso na cabeça do meu pai. Minha mãe morreu com 40 anos, meu pai me queria perto dele. Mas eu já estava começando a me envolver com atividades políticas. Aquelas histórias de que a filha do [Luiz Carlos] Prestes nasceu no campo de concentração, todas essas notícias começaram a mexer muito com a gente. Peguei uma pneumonia e tive que sair do trabalho, aí decidi mudar para o Rio de Janeiro para tentar ser aeromoça. Meu pai só falava: “Não se meta em política”. E eu fui me metendo cada vez mais [risos].

Foi quando você conheceu o Marighella?
Conheci o Marighella na sede do Partido Comunista. Meu pai não sabia de nada, claro. Eu trabalhava como aeromoça em uma companhia chamada Aerovias Brasil. Como já era do partido, quando tinha viagem, ia e perguntava: “Tô indo para o Ceará, querem que leve alguma coisa?”. Fiz isso durante muito tempo. Em uma das vezes, fui pegar o material [documentos], entrei fardada e vi aquele cara parado na porta do elevador. Eu olhei. Ele olhou. Me chamou a atenção aquele preto enorme. E disse para um companheiro: “Vi um cara alto lá embaixo!”. E ele disse: “Ah, deve ser o Marighella”. Foi a primeira vez que escutei esse nome. Nem sabia que ele existia. E ele fez a mesma coisa quando subiu, perguntou quem era “aquela” moça.

E ele convidou você para sair?
Convidou nada! Continuei sendo aeromoça. E fui convocada para a inauguração de um voo que ia para Miami. Nesse voo, o comandante era integralista e ele não me suportava. Eu era a única mulher no voo e falava sobre liberdade, igualdade. Ele tentou me dar uma cantada, e eu, nada. Você sabe que naquela época algumas aeromoças saíam à noite com a tripulação, né? Hoje não é mais assim. Ele tentou, não conseguiu, ficou com ódio. O avião voltou quase vazio e combinei com meus colegas: “Um de vocês dorme, eu fico com outro, depois a gente troca”. Acharam ótima ideia. Quando ele me viu deitada, ficou louco. Escreveu em um relatório que eu era relapsa. Todos os garotos me defenderam, mas não teve jeito. Pensei: “Não vou ficar nessa profissão lidando com esse homem fascista”.

O que você foi fazer?
Voltei para o Rio e tinham montado a fração parlamentar. Era uma espécie de escritório que decidia e redigia todas as propostas, discursos e ações dos parlamentares do Partido Comunista. Os deputados só podiam levar para a Câmara o material que fosse aprovado lá. Foi um trabalho maravilhoso. E o Marighella, que fez parte da primeira bancada de comunistas do Brasil, era responsável pela fração. Foi lá que começamos a namorar e que fiquei amiga do Jorge Amado. Mas isso durou dois anos e passamos para a clandestinidade [nos anos 1940, na ditadura de Getúlio Vargas, que durou de 1937 a 45] .Começamos a ser perseguidos e fomos morar juntos. Mas nosso plano antes era casar de papel passado. A partir daí, ficamos entrando e saindo da legalidade. Essa era a nossa vida.

Como seu pai lidou com o fato de você virar companheira do Marighella?
Ficou desesperado [risos]. Falava que o Marighella era “preto, cristão e comunista” e que tinha me criado para casar. E ele foi até o Rio me pegar à força. Aí, fugi, ajudada por uma amiga, a Adalgisa. O pessoal do partido me mandou uma passagem e fui para a casa de uma comunista alemã no Rio. Daí me mudei com o Marighella e fizemos uma vida juntos.

Como era viver na ilegalidade, dava para ter rotina?
Não era normal. Você não podia dar o seu nome, inventava uma profissão. O seu companheiro, no meu caso, saía sempre à noite, trabalhava de madrugada, porque era procurado e não podia ser visto durante o dia. Eu era a cidadã pacata, que fazia as compras. Saía com a cestinha, comprava verdura, era simpática com todo mundo.

Onde moravam nessa época?
Morávamos no Ipiranga [zona sul de São Paulo], eram casas simples. Me chamava Vera. Não podíamos fazer amizade com os vizinhos. Tinha uma vizinha italiana que se sentia muito sozinha e tinha um neto, que vivia com ela. Eu não podia me aproximar deles. Passava o dia ouvindo a rádio Gazeta bem alto. Usava o rádio para disfarçar e falava para todo mundo que meu marido era viajante. Um dia, estou em casa e toca a campainha. Era a senhora italiana: “Dona Vera, a senhora sabe dar injeção?”. Fiquei sem saber o que falar. Eu sabia. Ela tanto insistiu que dei. Virei santa para ela. Quando saía para atividades políticas e ficava dias fora, ela molhava minhas plantas.

Como você ficava sabendo dos trabalhos que tinha que fazer pelo partido?
O próprio Marighella me transmitia as missões. Em uma delas, peguei uma pneumonia, parecia que ia morrer de febre. Ele ficou desesperado, não podia ligar para um médico. Falou com um companheiro farmacêutico que disse: “Vou parar meu carro na esquina, de madrugada, você enrola a Clara em cobertores e traz ela”. Fui carregada, ardendo em febre, e esse companheiro ficou comigo na casa dele. Conseguiu que médicos simpatizantes do partido fossem lá. Tínhamos toda uma rede. Fiquei três meses nessa casa, me trataram como se eu fosse uma neta. Eles eram mais velhos e tinham três filhos. Os pais não diziam nem para os filhos quem eu era, porque eles podiam falar sem querer na rua. Inventaram que eu era uma parente. Lá eu me chamava... olha, tive tantos nomes que nem lembro [risos].

Como sabiam qual era a hora de mudar de casa, de nome?
O Marighella era secretário-geral do partido, então ele mesmo sabia quando vinha a ordem de mudar. Quando estávamos havia muito tempo num lugar, começávamos a nos olhar e a gente falava: “Está na hora de largar esse aparelho”. Só podíamos levar uma mala pequena. Não levávamos móveis. Não levava roupa de cama, nada. Só o básico.

Você era vaidosa?
Claro que não, menina. Ninguém podia ser vaidoso. Não tinha tempo para isso, imagina. Você tinha que andar limpa, arrumada. Não podia andar com uma roupa rasgada, tinha que ser discreta. Mas vaidade? Ninguém tinha tempo para isso.

O que era mais difícil na vida ilegal?
Era muito difícil viver com a polícia atrás de você. Ainda mais sabendo que você não tinha feito nada. Pelo contrário, você estava ajudando o seu país. O que facilitava é que eu vivia com o Marighella, que era uma pessoa maravilhosa, humanista. Dividíamos todas as tarefas da casa. Logo ficou combinado que ele ficaria com as coisas mais pesadas. Ele adorava mexer com água, então, lavava o chão, lavava roupa. E eu passava. Até que um dia ele saiu e, quando voltou, eu estava passando roupa. Ele olhou, deu uma volta e falou: “Vamos combinar uma coisa. Não passe enquanto eu não estiver em casa”. Eu disse: “Por que, se você não sabe passar?”. Ele respondeu: “É que, quando você for passar, vou ficar ao lado, lendo para você” [começa a chorar e pede desculpas]. É que essas coisas mexem muito comigo.

O que ele lia para você?
Lia o que interessasse: poemas, discursos, notícias importantes do Brasil... Imagina se a essa altura do campeonato vou lembrar exatamente!

Quando saía, você tinha que se disfarçar?
Fui uma das primeiras a perder o direito de cidadã. O meu nome estava na primeira lista de pessoas que perderam seus direitos civis, quase no topo. Aí, o Marighella falou: “Clara, você não pode sorrir nas ruas, senão vão te reconhecer”. E parei de sorrir. Depois fui para Cuba, e lá também não podia sorrir nem tirar foto, por medo de que nos descobrissem e tivéssemos que voltar ao Brasil. Então, você imagina como foi quando voltei e todo mundo queria tirar foto comigo sorrindo. Achei que isso nunca fosse acontecer [chora].

Seu pai nunca chegou a conhecer o Marighella?
Quando o JK [Juscelino Kubitschek] era presidente, a gente tinha uma vida legal, morava no Rio de Janeiro, no Catete, e um dia meu pai foi conhecer o Marighella. Imagina, se apaixonaram. Ele acordava e ia comprar as frutas para o meu pai no café da manhã. Meu pai se deu conta da grande figura que ele era. Tanto ele como a minha irmã, do segundo casamento do meu pai, a Iara, ficaram lá em casa e próximos de nós. Mas logo veio a repressão e acabou com tudo.

Vocês foram ilegais na ditadura do Vargas, mas voltaram a viver na legalidade nos anos JK. Como foi?
Na década de 1950, fomos legais, o Carlinhos [Carlos Augusto Marighella], filho do primeiro casamento do Marighella, morava com a gente no Rio. Adoro ele, temos uma relação de muito carinho um pelo outro. Ele ficava no colégio Batista e passava o fim de semana com a gente. Tínhamos uma vida normal. O Marighella achava que você precisava ter vigor físico, que tinha que estar sempre em forma para o caso de alguma coisa acontecer. E também era muito estudioso. Mas a pronúncia dele para idioma estrangeiro, vixe Maria, era péssima. Um dia ele chegou em casa e trouxe um aparelho de madeira, como se fosse um remo. Ele sentava para fazer exercício com aquilo. Achei ótimo. Mas, ao mesmo tempo, para não perder tempo, ele queria estudar inglês [risos]. Ele colocava um aparelho no ouvido, como se fosse um rádio, e ouvia, repetia as palavras e fazia os exercícios. O Carlinhos chegou em casa e morreu de rir.

O Marighella era comandante da ALN (Ação Libertadora Nacional) e praticava a luta armada. Você andava armada?
Sabia de tudo, claro, mas não participava das ações armadas. Nunca tive arma nem aprendi a atirar. Era uma organização. E, dentro da organização, o papel do Marighella era um, o meu, outro. Eu fazia o trabalho de apoio tático. Cada um tinha sua função. Mas acho engraçado chamarem a gente de terrorista. Terroristas eram os militares. Eles que começaram a prender as pessoas, a torturar. Eles começaram uma guerra.

A gente apenas se defendeu. Se eles não tivessem começado a matar os companheiros como mataram, nunca teria havido da parte da resistência uma ação armada. É isso: eles começaram. Nós só tentamos nos defender e melhorar o país, lutar pela democracia.

Você sabia de tudo o que ele fazia, mesmo das ações mais sigilosas?
Não. O Marighella não falava abertamente. Um dia ele chegou em casa e disse: “Preciso estudar inglês porque vou viajar”. Eu não perguntei para onde.

Como conseguiu não perguntar?
Minha filha, porque não existia a possibilidade de fazer essa pergunta. Era uma norma. Era melhor não saber, porque senão você podia ser presa e acabar entregando na tortura. A única coisa que ele me disse foi que precisava aprender inglês em um mês. Então, ficamos um mês conversando em inglês [Clara teve bons professores na escola e tinha facilidade para a língua] e ele aprendeu um pouco. Ele viajou e eu fui presa.

Como aconteceu?
A direção do partido achou que eu poderia ser professora de um curso para ferroviários em Campinas. Falaram que eu seria recebida pelos companheiros em Campinas. Aceitei. Estava com problema de vista e precisei comprar óculos. Quando experimentei, perguntaram o meu nome e saiu Marta Santos. Nem pensei. Fui para Campinas e levei o recibo no bolso. Fui com uma sacola cheia de livros. Livros marxistas, claro. Quando cheguei, o companheiro disse que estava sendo procurado pela polícia. Olha a loucura que eles fizeram! Ele me levou para a casa de uma companheira e, chegando lá, ela não queria que eu ficasse. Ele foi procurar outra casa. Chegamos lá, a casa estava fechada. A essa altura, a polícia da cidade começou a achar a movimentação esquisita. E ele com mandado de prisão. A polícia o reconheceu, ele conseguiu fugir. Eu fiquei, fui presa e comecei a gritar: “Abaixo a ditadura de Getúlio Vargas”. Fiquei com ódio. Na delegacia, não tinha preso político, só ladras, prostitutas etc. O guarda entrou, me olhou e perguntou meu nome. Falei Marta Santos, e disse que tinha ido fazer tratamento de saúde em Campinas. Ele percebeu que era tudo mentira, né?

Como foi sua vida na cadeia?
Fiquei uns quatro meses presa [na ditadura de Getúlio Vargas, entre 1937-45]. Me levaram para a única cela disponível para mulheres. E o delegado disse para as outras: “Não falem com essa mulher que ela é comunista” [risos]. Uma chegou para mim e perguntou: “O que é comunismo?”. Eu disse: “Comunismo é dividir as coisas que você tem com as outras pessoas. Por exemplo, se eu tenho dois rádios, posso te dar um, porque só preciso de um”. E ela respondeu: “Então sou comunista. Fui presa porque tinha dois rádios na casa onde eu trabalhava e roubei um” [risos]. Fiquei queridíssima pelas presas. Daí me tiraram da cela com medo de eu fazer uma revolução com elas. Me levaram para uma cela sozinha. Ficava deitada em um colchão podre, sem casaco, sem nada. Começaram a trazer delegados de São Paulo para tentar me reconhecer, e nada. Perguntavam meu nome e eu dizia: “Marta Santos”. Um delegado falou: “Sua comunistinha de merda. Se você não falar a verdade, vamos acabar com você”. Se eu falasse, ia ter que contar tudo, que eu era a Clara Charf. Seria uma tragédia.

E como saiu?
O partido me mandou um recado de que eu teria que dizer meu nome. E começaram a se mobilizar para me tirar. Um dia, quando não aguentava mais, disse: “Falo meu nome, mas na frente do juiz”. Um dia depois, apareceu um juiz. Pensei: “E agora? Vou ter que falar!”. Nunca esqueci a cara dele. Senti um ódio quando vi aquele juiz do lado de fora e eu presa naquele lugar horrível. Tive um ataque na cela, joguei tudo no chão. Avisei o advogado que só falaria fora da prisão. Me levaram para o Tribunal de Justiça e quando disse que era Clara Charf foi um escândalo.

E aí?
Voltei para a cadeia e saí semanas depois. Fiquei com medo e disse que só sairia na companhia do responsável pela associação de imprensa de Campinas. Não sei por que falei isso. Mas, no dia seguinte, apareceu o cidadão e me tirou de lá. Me levou para a casa dele [começa a chorar]. Imagina, tinham preparado uma cama maravilhosa para mim, banho quente, comida quente. Que pessoas maravilhosas. Me deram a cama deles para eu dormir [chorando]. Ele me levou até o Rio de carro, avisou o Partidão. E foi lá que reencontrei o Marighella, que estava na China quando eu estava presa.

Por que deixaram a senhora livre? Nem eu sei ao certo, só sei que o advogado conseguiu um habeas corpus.

Como foi o reencontro?
Ele só chegou uns dias depois da soltura. Antes de dar um abraço nele, perguntei: “Escuta, você pode me dizer onde é que você estava?”. E ele: “Na China”. E eu: “Na China? Mas como você falou inglês com os chineses?”. E ele: “Ué, eles também não sabiam falar [risos]”. Ele se entendia desenhando. Morri de rir com as histórias dele. Ele era um grande desenhista. E a partir daí passei a ser conhecida, isso nos anos 1950.

Como era a vida de vocês na legalidade?
Tivemos um momento de muita felicidade e alívio com a eleição do João Goulart [em 1961]. Comecei a trabalhar na liga feminina, mas isso durou pouco. Logo veio o golpe. Invadiram nosso apartamento. O Marighella pressentiu tudo. Disse: “Vamos descer pela escada”. Eles subiram pelo elevador. Quando saímos, fomos para a casa de um trabalhador conhecido nosso. Marighella foi encontrar a zeladora para pegar umas roupas e levou um tiro. E foi preso. Só fui saber no dia seguinte, quando um companheiro me deu a notícia. Fiquei na agonia. Quando ele foi solto, fomos para um sítio, onde ele escreveu o livro "Por que resisti à prisão". Ele foi preso muitas vezes. E sempre foi conhecido por ser muito corajoso. Nunca falou nada na tortura.

Essa última ditadura que você viveu, após o Golpe de 64, foi a pior?
Toda repressão é horrível. Mas ali era um caso de vida ou morte. O golpe endureceu e Marighella passou a ser o homem mais procurado do Brasil. Nossa vida era muito perigosa. No dia em que ele foi assassinado, ele saiu para fazer uns contatos. Alguns deles eram com padres, para tentar tirar gente do Brasil pela fronteira da Argentina. Ele não sabia que os padres já tinham sido presos, torturadíssimos e que acabaram entregando ele. Eles mataram o Marighella como se fosse um troféu. Era o inimigo número um da causa deles.

Como soube da morte?
Estava em casa, à noite, esperando o Marighella voltar. Aí um companheiro chegou e falou: “Vamos sair daqui correndo. Você sabe o que aconteceu?”. E me contou [começa a chorar e para de falar]. “Ele foi morto, não é?” “Foi. Assassinado.” Me levaram para a casa de uma companheira maravilhosa, depois para várias casas. Até que montaram um esquema e consegui ir para Cuba. Fui com a roupa do corpo e carregando um retrato do Marighella, que foi a única coisa que sobrou do nosso apartamento [no dia da entrevista, Clara não encontrou a foto]. O resto todo foi queimado. Fui abraçada com essa foto para Cuba. Não a largava por nada.

Como foi a sua vida em Cuba?
Em Cuba eles eram maravilhosos. Colocaram a gente numa casa. Como era meu nome lá mesmo? Era Claudia Gonzales. Tinha amigos, mas não podia falar muito sobre a minha vida. Fui tradutora de cabine. Aprendi espanhol. Foi uma experiência profissional maravilhosa. Fiquei mais de dez anos sem ver muitos conhecidos. Minha família não podia nem pensar em me visitar.

Você só voltou ao Brasil em 1979, com a anistia...
Minha vinda foi uma epopeia. Ficamos sabendo da anistia, mas não existia consulado em Cuba. Tive que vir pelo Panamá e, chegando lá, não queriam me dar o passaporte. Fiquei semanas indo na embaixada, e eles diziam que não tinham autorização para emitir meu passaporte. Acabei vindo com uma declaração de viagem escrita em um papel. Mas consegui chegar. Aí foi aquela loucura. Imagina o chororô da família.

Foi difícil se readaptar?
Quando voltei a procurar emprego, olha, vou te contar... Ia toda arrumadinha. Minha irmã comprou um vestido para mim, pintei o cabelo. Fiquei agoniada atrás de emprego. Até que me falaram que o Sérgio Motta [empresário e ministro da Comunicação de Fernando Henrique Cardoso, morto em 1998] arrumava muito emprego para quem tinha saído da cadeia. Me convidaram para ser bibliotecária. Mas eu não tinha diploma. Acabaram me registrando como auxiliar de biblioteca. Fiquei trabalhando lá. Menina, você não imagina o sucesso. Estava contentíssima, já tinha entrado no PT, na Secretaria de Mulheres.

Como foi esse seu retorno à militância pós-anistia?
Quando voltei, começaram a me chamar para fazer palestras sobre Cuba. Eu estava feliz da vida. Chegava em casa, fazia minha comida. Até que um dia tocaram a campainha, e era toda a comissão de mulheres do PT. Perguntei se tinha acontecido alguma coisa e elas: “A gente quer que você seja candidata a deputada pelas mulheres”. Disse que elas estavam loucas, que isso nunca tinha passado pela minha cabeça. Mas aceitei. Resultado: tive mais de 19 mil votos [mas não foi eleita]. Não sei como. Eu não tinha dinheiro. Mas todo mundo queria ajudar. Foi uma coisa linda. Ninguém sabia como eu tinha tido tanto voto. Depois disso, fiquei superconhecida. Todo mundo me chamava para fazer palestras. Entrei na Secretaria de Mulheres, trabalhei na assessoria de relações internacionais com a [Luiza] Erundina. Trabalhei na Câmara. Ai, é tanta coisa que fiz que nem te conto. E continuo fazendo. Porque, quando você vai entrando na luta, você não para. Sou do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, desde que entrou o Lula. Sou da Secretaria de Mulheres do PT e presidente da Associação Mulheres pela Paz. E ainda dou palestras. Tem muita coisa para a gente fazer.

Em que o movimento Mulheres pela Paz atua?
A gente combate a violência contra a mulher. Nosso foco agora é trazer homens para dentro do movimento. Achamos que o homem não deve ser visto como inimigo, mas como alguém que pode ajudar no combate. Eles podem ajudar os filhos a não praticar violência contra mulher, podem denunciar e ajudar se isso estiver acontecendo com alguém da sua família.

Como é a sua rotina?
Ainda trabalho muito. Mas tenho meus limites desde que quebrei o fêmur, em Brasília, quando anunciaram a candidatura da Dilma, há quase três anos. Tinha muita gente conhecida lá, eu estava muito feliz, e alguém atrás de mim me chamou. Fui virar, perdi o equilíbrio e caí. Daí me botaram na ambulância, mas não tinha leito disponível em nenhum hospital de Brasília. Avisaram o Lula e eu fiquei esperando até ele conseguir um leito para mim no hospital das Forças Armadas, que a princípio só atende militares e familiares e pessoas que têm cargo oficial. Mas ele deu um jeito e fui pra lá.

A senhora precisou ser operada?
Fui operada e fiquei internada até me recuperar. Nesse meio-tempo, decidiram que seria melhor eu me mudar para perto da minha irmã Sara. Então quem fez a mudança, alugou e deu um jeito neste apartamento [no Bom Retiro, região central de São Paulo] foi o pessoal do PT. Os móveis da sala, essa estante... Eu não tinha nada disso. Quando voltei pra São Paulo, já voltei pra cá. Ah! E foi num avião das Forças Armadas também, a pedido do Lula, porque ainda não podia andar. Quando eu ia imaginar que ia ser bem tratada pelas Forças Armadas?



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(vermelho.org)