quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Pensamentando

Um ensaio qualquer: Filosofia, Arte e Ciência: quem está com a 'razão'?
 Marcelo Vinicius
Um amigo meu, do curso de Filosofia, uma vez me disse, com um tom irônico: "Marcelo, isso não é filosofia, isso é literatura, não tem valor". Outro dia qualquer, um professor da área das ciências naturais, da Universidade onde estudo Psicologia, estava criticando a Filosofia... Enfim, com tanta troca de "farpas", pensei: "têm que pararem com essa guerra entre a Filosofia, a Ciência e a Arte". A Filosofia, a Arte e a Ciência são esquemas de leitura da realidade. Elas são tentativas de compreender o mundo e nosso lugar no mundo. Assim, devido a isso, levantei a questão, sem maiores pretensões: Filosofia, Arte e Ciência, quem está com a 'razão'?

 Inicio este ensaio com a frase do poeta Fernando Pessoa: “a ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas, como se sente que são”.

A arte e a ciência têm em comum o fato de serem estratégias de comunicação de idéias, embora as informações que buscam comunicar possuem naturezas diversas. O artista está interessado em transmitir suas impressões sobre o mundo, quer discutir de maneira subjetiva os problemas que ele considera relevantes, quer dividir todas as suas angústias e encantamentos. Já o cientista, esforça-se ao máximo para eliminar a subjetividade de suas criações, são os modelos científicos.

Mas apesar dos sistemas de pensamento racionalistas, abstratos, impessoais e detentores de abrangente ascendência social estarem ainda presentes na nossa sociedade, a arte e a ciência, considerando o aspecto consiliente do conhecimento, não existem de forma independentes. Na verdade estas duas formas de produção de conhecimento, além da filosofia, a qual será comentada logo mais, se interpenetram de formas muito interessantes.

Para vislumbrarmos uma compressão sobre isso, no início do século XX, Albert Einstein anunciava sua teoria da relatividade e Hermann Minkowski publicava seu conceito de espaço-tempo quadridimensional. Essas idéias revolucionárias influenciaram as artes plásticas e foram estopim para o movimento cubista e suas obras multidimensionais. Arthur Miller descreveu como a teoria científica da cor permitiu ao impressionista Georges Seurat, no final do século XIX, produzir suas pinturas no estilo pontilhista.

Não obstante, encontramos cientistas como o neurocientista Antônio Damásio com o seu livro “O erro de Descartes”, para poder descrever o quão importante é a emoção em nossa experiência diária, e, conseqüentemente, o papel da arte. Outro caso foi o de Guimarães Rosa, um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos, que abandonou a medicina. Segundo ele: “repugna-me qualquer trabalho material, só posso agir por satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do subjetivismo”.

Também a carreira de Ernesto Sabato, este tido como o último grande nome da literatura argentina, passou por completa mudança em 1943. Naquele ano, Ernesto Sabato, que era Físico argentino, sofreu de uma crise existencial que o fez abandonar definitivamente a carreira científica. Largou a cadeira de Professor na Universidade de Buenos Aires e decidiu que daria dedicação total à literatura e à pintura. Segundo ele, “o Romance é um tipo de criação espiritual em que, diferentemente da científica ou filosófica, as idéias não aparecem em estado puro, mas misturadas aos sentimentos e às paixões dos personagens. (...) O romance não demonstra, mostra. (...) A literatura não faz filosofia, ela vive a filosofia”.

Dostoiévski, que era um escritor russo, considerado um dos maiores romancistas da literatura russa e um dos mais inovadores artistas de todos os tempos, foi considerado como o fundador do existencialismo, mais frequentemente pela sua obra literária “Notas do Subterrâneo”, descrito por Walter Kaufmann, filósofo e tradutor das obras do filósofo Nietzsche, como a "melhor proposta para o existencialismo já escrita”.

O que estamos percebendo é que a ciência, a filosofia e a literatura se entrelaçam, mesmo tendo naturezas diferentes. No entanto, agora, focaremos mais na filosofia e na literatura, que para mim são quase irmãs, encontraremos na literatura a filosofia e na filosofia a literatura.

Para os filósofos tentarem explicar aquilo que a razão pura não conseguia, eles recorriam à arte. Foi o caso de Platão quando ele recorreu às histórias, as narrativas, aos mitos, como “O mito da caverna” (na época não existia o nome “literatura” em si, mas o que ela é senão histórias, narrações, poesias e mitos?). Logo o filósofo Sartre se apresentou com as suas grandes obras literárias para falar da sua idéia, como “A náusea”. Não tão diferenciado, Nietzsche escreveu romances literários evocando sua filosofia, como “Assim Falou Zaratustra”.

Não poderíamos nos esquecer também de Albert Camus, um grande escritor e filósofo francês, o qual, a grosso modo, os seus livros testemunharam as angústias de seu tempo e os dilemas e conflitos já observados por escritores que o precederam, tal como Franz Kafka e Dostoiévski. As obras de Camus eram filosóficas e literárias.

Há coisas que não podem ser ditas diretamente, deste modo nos resta então a metáfora, a poesia, enfim: a arte, seja ela a literatura, a pintura, a música, o teatro, o cinema...

Por isso, mesmo em um mundo racionalista, com seus discursos lógicos e/ou verificáveis, mais do que uma atividade de lazer, a arte afirmou a sua vocação, rechaçando quaisquer dúvidas existentes sobre o seu poder de elucidar os indivíduos. Trazendo a frase do artista Jean Cocteau, este disse: “a ciência serve apenas para se verificarem as descobertas do instinto”. Aqui se percebe que a arte também é crítica, porém como uma atitude geral diante da vida, em busca de uma existência mais profunda, e sem se tornar em algo destituído de valor, pois simplesmente a arte se protege por ter o direito de se libertar das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência cotidiana.

Sendo assim, quando alguma coisa foge da razão, esta sendo objeto da filosofia e da ciência, o que nos salva é a arte. Ela está sempre lá, esperando e fiel. Não foi por acaso que Nietzsche proferiu que “a arte salvará o homem”.

Deste modo, tanto a ciência, como a filosofia e, principalmente, a arte puderam produzir conhecimento a fim de ampliar a sabedoria humana. Essa relação entre arte, filosofia e ciência é uma via de duas mãos. Cabe cada um seguir a sua. No meu caso, prefiro me definir, mais ou menos, nessa frase: "a ciência é minha fiel esposa e a arte é minha amante; quando me canso de uma, passo a noite com a outra."


marcelovinicius
Artigo da autoria de Marcelo Vinicius.
Escritor e agitador cultural. Estudante de Psicologia. Faz parte do projeto de pesquisa e extensão sobre cinema e produção de subjetividade (Sala de Cinema) e do projeto de pesquisa em Psicologia Social na Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS..
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