quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Pensamentando

17/10/2012, Corey Robin, Stop NATO “Age of Counterrevolution” Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu A London Review of Books que acaba de sair, publica resenha do livro Age of Fracture [Tempo de Fratura], de Daniel Rodgers, assinada por mim [1]. Só para assinantes da revista, o que é uma pena, não só porque é minha opinião, mas também porque é minha opinião sobre livro sensacional. Sem meias palavras, é a mais ampla história intelectual do pensamento social norte-americano no pós-guerra que jamais li. Merece muita atenção e discussão. Como já escrevi lá, é, também, uma reflexão falhada. O tema ao qual Rodgers se dedica não é alguma “fratura”: é uma contrarrevolução. Aqui, um aperitivo do que escrevi lá: Corey Robin Se se examinam os livros publicados entre 1944 e 1963 – dentre os quais An American Dilemma [2], The Origins of Totalitarianism [3], The Power Elite [4], The Organisation Man [5], The Feminine Mystique [6] e The Making of the English Working Class [7] – vê-se que mostram um mundo que estaria em movimento, rumo a uma coesão quase claustrofóbica. As classes consolidam-se, os brancos oprimem os negros, os “colarinhos brancos” oprimem os sem colarinho algum, os ternos caros caminham pelas ruas dos centros financeiros das grandes cidades, onde só se veem bancos e escritórios de grandes empresas. Auschwitz talvez estivesse a um mundo de distância de Levittown, mas o que Hannah Arendt viu como atos totalitários – “destruir todos os espaços entre os homens e empurrar homens contra homens” – autores do pós-guerra tomaram como boa descrição de toda a vida social. Quando Betty Friedan recorreu ao campo de concentração como metáfora para o mundo da mulher, refletiu o pensamento de uma geração treinada para pensar em termos de blocos de homens e de mulheres obrigados a viver em espaços limitados, modelados ou constituídos por diferentes vias, por padrões sociais. As décadas seguintes assistiram à publicação de The Declining Significance of Race [8], In a Different Voice [9], Free to Choose [10], Gender Trouble [11] e Freakonomics [12]. A unidade ou foi-se ou está em ponto morto. Nenhuma regra, nenhuma lei conta ou interessa. Fora a lei. Viva o desvario personalista. Tudo que era (supondo-se que algum dia tenha sido) sólido derreteu-se no ar. Mas onde Marx foi melancólico ou foi ao êxtase ao pensar essa noção, supondo que refletiria uma dissolução genuína do mundo social (burguês), autores e intelectuais veem hoje essa fragmentação não simplesmente como um modo transitório de ser do mundo, mas como a própria condição do conhecimento. Professor, historiador da história intelectual, Daniel Rodgers chama a esse tempo “Tempo de Fratura”, percebendo a tendência entre os intelectuais das últimas quatro décadas, de trocar “leituras fortes da sociedade” por “leituras mais fracas”. Entre meados do século 19 e meados do século 20, diz ele, “os pensadores sociais envolveram o ego [orig. self] em círculos cada vez mais e mais amplos de relações, estruturas, contextos e instituições. Os seres humanos nasciam dentro de normas sociais, dizia-se. As chances da vida eram maiores ou menores conforme o lugar que cada um ocupasse na estrutura social; até as características de personalidade ganhavam forma dentro do campo das forças da socialização.” E, então, tudo se quebrou. Não só o mundo externo – tudo se quebrou, afinal de contas, desde o início da modernidade; os últimos 25 anos do século 20 foram só um pouco mais partidos e fraturados que os primeiros 25 anos do século 17 – mas também, e especialmente, “no campo das ideias e da percepção”. “Ouve-se cada vez menos sobre sociedade, história e poder; e cada vez mais sobre indivíduos, transitoriedade, contingência e escolhas”. Rodgers rastreia essa “desagregação” das categorias sociais em vários discursos: econômicos, do Direito, da Ciência Política, da História, da Antropologia, sobre raças, gêneros e nos discursos filosóficos. E, se algumas das trajetórias que ele retraça são familiares (do patriarcado à performance nos estudos femininos, do pluralismo de grupos de interesse à teoria da escolha racional individualista na Ciência Política), o efeito cumulativo de ler outra vez, mais uma vez a mesma história, em tantos campos, é significativa e sedutora. Quando Ronald Reagan começa a soar como Judith Butler, e quando a ala evangélica da direita reacionária completa a ‘virada linguística’, não há como não ver que há algo no ar. ... É possível que Rodgers esteja narrando, em outras palavras, menos a história de uma fratura intelectual ou, mesmo, uma deriva nos modos básicos do capitalismo e, mais, uma contrarrevolução, organizada nos mais altos círculos econômicos e acadêmicos, e que se irradiou pela cultura, não raras vezes envolvendo até os mais convictos opositores da mesma contrarrevolução. Se Mises acertou ao dizer que “até os opositores do socialismo são dominados por ideias socialistas” – e os governos de Macmillan e Eisenhower sugerem, falando em termos amplos, que assim é – parece plausível que os opositores da contrarrevolução do livre mercado (de tecnocratas de esquerda, a teóricos do feminismo) podem, sim, na via contrária, ter sido dominados pelas ideias do livre mercado. Não necessariamente por orientação e prescrição política – embora muitos no Partido Democrata tendam a favorecer políticas monetárias mais que políticas fiscais e desenvolvimento, e desenvolveram um reflexo automático de cortar impostos –, mas no nível mais profundo das respectivas imaginações políticas, em particular no modo de ver o mundo em termos de ações não planejadas, espontâneas, não coordenadas, de um bilhão de particulares fraturados e desconectados; além de um correspondente cetismo quanto aos movimentos de massa. Há precedentes históricos de associação entre fratura e contrarrevolução. Em resposta às insurgências de endividados que se viram na América nos anos 1780s, e que ameaçaram os interesses de credores e proprietários, James Madison observou que, em pequenas sociedades, é possível, para maiorias democráticas, com interesses claros e distintos (usualmente contra a propriedade), unir-se e impor sua vontade à minoria. Mas “amplie a esfera” da sociedade, Madison escreveu, “e você tem maior variedade de partidos e interesses; e você torna menos provável que uma maioria do todo tenha motivo comum para invadir os direitos de outros cidadãos; ou, se tal motivo comum existe, será mais difícil para todos que dele partilhem descobrir a própria força e agir em associação uns com outros””. Depois da Revolução Francesa, doutrinadores como François Guizot e Pierre Royer-Collard, e um aluno deles, Tocqueville, chegaram a conclusões similares sobre o valor contrarrevolucionário do pluralismo. E no Sul Velho [orig. Old South] [EUA], John Calhoun formulou sua teoria das maiorias co-ocorrentes [orig. theory of concurrent majorities] [13] – uma sociedade já fragmentada fragmentar-se-á cada vez mais, pela quase impossibilidade de o governo nacional empreender qualquer ação concertada a favor da maioria – para contra-arrestar o Norte abolicionista. [14] Mas nem sempre a fratura é dispositivo contrarrevolucionário. E nem todas as contrarrevoluções seguem a via da fratura. Mas o fato de fratura e contrarrevolução aparecerem tão frequentemente associadas obriga a perguntar por que a fratura tanto ameaça a revolução e a reforma; e por que é tão amigável face à contrarrevolução e ao retrocesso? Por que unidade e coesão são condição necessária, se não suficiente, para qualquer movimento democrático de baixo para cima? Movimentos das classes subordinadas exigem ação concertada de homens e mulheres os quais, individualmente ou localmente, têm pouco poder; mas os quais, coletivamente e nacionalmente (ou internacionalmente) têm, potencialmente, muito poder. Se esperam exercer o poder que têm, esses movimentos têm de pressionar a favor da unidade e têm de manter a unidade, em inúmeros contextos de desafio e dificuldades; e não têm só de defender a unidade dentro dos movimentos (sempre são movimentos onde não faltam heterogeneidades, de gênero, de raça, de status, de religião, de etnia, de ideologia): têm também de defender o poder dos próprios comandantes. Para movimentos democráticos de baixo para cima, a unidade é a conquista mais precária e mais preciosa, sempre sob ameaça, simultaneamente, de dentro e de fora. Movimentos contrarrevolucionários, ao contrário, sempre se beneficiam, pelos mais diferentes modos, da ação de forças de fragmentação. Elites políticas e econômicas, porque são independentes umas das outras no controle sobre os recursos, não precisam tanto de unidade e coordenação. Importante, para essas elites, é criar, estimular e preservar a desunião entre seus adversários, na direção absolutamente oposta ao que disse Rosa Luxemburg, para quem “o mais importantedesideratum” em qualquer luta é “a máxima unidade possível da parte social-democrática das massas proletárias”. [15] É muito fácil, como sempre se acaba por descobrir, construir a desunião. A fragmentação não apenas pulveriza os revolucionários que se opõem às forças contrarrevolucionárias, espalhando-os em vários bandos de gente tão insatisfeita quanto incapaz de qualquer ação produtiva. A fragmentação também torna ainda mais difícil identificar a classe ou a claque governante. A ação de massa já não encontra alvo claro (a Bastilha, o Palácio de Inverno). O que se vê é uma espécie de poder borrifado sobre muitos, sem qualquer ligação com alguém, grupo ou indivíduo, potencialmente acessível para vários, tanto quanto efetivamente acessível para ninguém. Esse, na minha avaliação, é um dos grandes obstáculos que a esquerda enfrentou nos últimos cerca de 50 anos. Talvez, com o Movimento Occupy – a convocação à unidade, o esforço de unidade com os “proletários de todo mundo” (“somos os 99%”) que já quase parecem pós-estruturais –, estejamos deixando para trás aquele obstáculo. Notas dos tradutores [1] ROBIN, Corey. “Achieving desunity”. Resenha de RODGERS, Daniel, Age of Fracture, Harvard, 360 pp, £14.95, September, ISBN 978 0 674 06436 2, in London Review of Books, vol. 34, n. 20, 25/10/2012, p. 23-25 (só para assinantes). [2] MYRDAL, Gunnar, An American Dilemma. The Negro Problem and Modern Democracy [1944]. [3] ARENDT, Hannah, Origens do Totalitarismo [1951] (em português do Brasil). [4] WRIGHT MILLS, C. A elite do poder [1956], Rio de Janeiro: Zahar, 1968. [5] WHYTE, William H, The Organization Man [1956]. [6] FRIEDAN, Betty, A Mística Feminina [1963] (em português do Brasil). [7] THOMPSON, E. P. [1963; nova ed. revista, 1968] A Formação da Classe Operária Inglesa: A Árvore da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3 vols, 1987. Trad. Denise Bottman e Antônio Augusto Pereira Prates. [8] WILSON, J. The Declining Significance of Race: Blacks and Changing American Institutions [1978]. [9] GILLIGAN, Carol. In a Different Voice [1982]. [10] FRIEDMAN, Milton; FRIEDMAN, Rose [1980], Liberdade para escolher, Rio de Janeiro, Ed. Record, 1980. [11] BUTLER, Judith. Gender trouble: feminism and the subversion of identity [1990]. [12] DUBNER, Stephen J.; LEVITT, Steven D., Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta, Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. [13] CALHOUN, John Caldwell [1782-1850], Dissertação sobre o governo (Estudos introdutórios de Viriato Soromenho-Marques e Diogo Pires Aurélio. Trad. João C.S. Duarte, Lisboa: Círculo de Leitores, imp. 2010, 175 p., Coleção: Clássicos da política. [14] Para Calhoun “A imposição dos interesses protecionistas do Norte a todo o país poderia acontecer, mediante o fortalecimento do poder central criado pela Constituição, entendida como compromisso pré-constituído e esgotado. A defesa dos interesses dos Estados sulistas fez com que Calhoun afirmasse uma abertura da Constituição ao poder constituinte, fundado na construção da política com base no antagonismo social e que não deveria ser amarrado nos ditames do poder constituído”. [Nota de esclarecimento, de: A Constituição de 1787 e a Limitação da Participação Popular] [15] LUXEMBURG, Rosa. Greve de massas, partidos e sindicatos. São Paulo: Kairós, 1979 [ing. The Mass Strike, the Political Party and the Trade Unions [1906], Cap. 8: “Need for United Action of Trade Unions and Social Democracy”. Postado por Castor Filho às 23:50:00 Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar no Orkut (Redecastor)

Europa

Europa: uma ou duas décadas perdidas? Às vésperas de mais uma cúpula da União Européia, vários analistas começam a falar de uma “década perdida” no continente europeu. Na década vindoura, os planos de austeridade ceifarão as possibilidades de recuperação, aprofundando a crise e correndo o risco de transformá-la numa crise política de grandes proporções. Flávio Aguiar Às vésperas de mais uma cúpula da União Européia, que começa em Bruxelas nesta quinta-feira, vários comentários e comentaristas começam a falar de uma “década perdida” no continente europeu. A referência é a crise do euro – a moeda única de mais da metade dos países da UE. O euro entrou em circulação há dez anos atrás, em 1 de janeiro de 2002, embora já fosse uma “moeda escriturária”, isto é, contábil, desde 1999. A princípio saudado como o resultado de um grande acordo político-financeiro e como o vetor de uma nova era de prosperidade para os países que o adotaram, aos poucos a nova moeda tornou-se a tela visível – a ponta do iceberg, em termos mais antigos – de uma profunda crise político-financeira no continente e o vetor de uma série de confrontos de fundo que evidenciam a construção de uma enorme desigualdade. Essa passagem da imagem da panacéia para a imagem de uma crise se espelha na pauta real que se delineia para esta cúpula que ora se inicia. A pauta formal envolverá discussões sobre a Grécia e a Espanha, sobre a tangibilidade do fundo de emergência para se contrapor à crise financeira e outros pontos de acerto ou desacerto. A favor do encaminhamento desta pauta existe o apoio nada desprezível de que a UE ganhou o prêmio Nobel da Paz deste ano. De fato, este é um feito para um continente que há séculos via, pelo menos, uma grande guerra eclodir a cada duas gerações. Entretanto, nos bastidores desta pauta há outra, a pauta real, das oposições e confrontos. Por exemplo: Norte x Sul, Endividados x Credores, “Austeros” x “Perdulários”, e assim por diante. De um lado, os “desenvolvimentistas”, capitaneados por François Hollande; do outro, os “austeros monetaristas”, liderados pela implacável Angela Merkel. Ainda nos bastidores dos bastidores – já nos camarins do subsolo – outra guerra desponta: aquela entre Mario Draghi e o Banco Central Europeu, e Jens Weidmann e o Banco Central Alemão. Draghi continua insistindo nas sua proposta de comprar “bonds” diretamente dos países endividados, forçando os juros a baixarem; Weidmann, derrotado no Conselho do BCE, continua insistindo na tese de que isso transborda o escopo do BCE, que seria unicamente manter a estabilidade da moeda e dos preços, e passa a ser uma política fiscal, “politizando” indevidamente a sua ação. Não sei Weidmann pessoalmente o deseja, mas partidários de sua tese parecem dispostos até a levar o caso aos tribunais europeus, questionando legalmente a proposta de Draghi. Se olharmos do ponto de vista conservador e ortodoxo, de fato, a primeira década do euro pafrece ser uma década perdida. Ou seja, os países do “Sul” da Europa perderam o tempo e a oportunidade de introduzirem as necessárias reformas no seu mercado de trabalho e nos investimentos públicos, levando o continente à presente crise de insolvência de vários de seus estados. Mas se olharmos do ponto de vista de uma economia voltada para o social, as décadas perdidas serão duas. Na passada, a UE e a zona do euro em particular perderam a oportunidade de traçar regras claras para seu setor financeiro, cuja desordenação, combinada com políticas de natureza neo-liberal aceitas quase hegemonicamente como “salutares”, levou à atual situação de crise da dívida dos estados e crise do crédito das instituições bancárias, as primeiras e as segundas prisioneiras dos mesmos empréstimos recebidos e concedidos. Na década vindoura, os planos de austeridade, brandidos como nova foice sobre o continente, ceifarão as possibilidades de recuperação, aprofundando a crise e correndo o risco de transformá-la numa crise política de grandes proporções, comn a possibilidade da consolidação de propostas de extrema-direita e inviabilizando o sonho europeu de união com prosperidade. Fica a escolha, ao gosto da leitora ou do leitor: uma ou duas décadas perdidas. Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim. (Carta Maior)

Cartola

O Samba do Operário Se o operário soubesse Reconhecer o valor que tem seu dia Por certo que valeria Duas vezes mais o seu salário Mas como não quer reconhecer É ele escravo sem ser De qualquer usurário Abafa-se a voz do oprimido Com a dor e o gemido Não se pode desabafar Trabalho feito por minha mão Só encontrei exploração Em todo lugar

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Millôr, o genio de direita

Os três porquinhos e o lobo bruto (nossos velhos conhecidos) Era uma vez Três Porquinhos e um Lobo Bruto(1). Os Três Porquinhos eram pessoas de muito boa família, e ambos(2) tinham herdado dos pais, donos do Porcão, um talento deste tamanho. Pedro, o mais velho, pintava que era uma maravilha - um verdadeiro Beethoven. Joaquim, o do meio, era um espanto das contas de somar e multiplicar, até indo à feira fazer compras sozinho. E Ananás, o menor, esse botava os outros dois no bolso - e isso não é maneira de dizer. Ananás era um mágico admirável. Mas o negócio é que - não é assim mesmo, sempre? - Pedro não queria pintar, gostava era de cozinhar, e todo dia estragava pelo menos um quilo de macarrão e duas dúzias de ovos tentanto fazer uma bacalhoada. Joaquim vivia perseguindo meretrizes e travestis, porque achava matemática chato, era doido por imoralidade aplicada. E Ananás detestava as mágicas que fazia tão bem - queria era descobrir a epistemologia da realidade cotidiana. Daí que um Lobo Bruto, que ia passando um dia, comeu os três e nem percebeu o talento que degustava, nem as incoerências que transitam pela alma cultivada. MORAL: É INÚTIL ATIRAR PÉROLAS AOS LOBOS. 1 - No sentido de inculto, não lapidado. 2 - Três é ambos? ************ A esperteza À maneira dos...croatas - Deus do céu, meu sobrinho, este pano ainda está aqui? - disse o velho comerciante eslavo (1), quando, ao mexer na prateleira de fazendas, encontrou uma peça que tinha colocado ali há mais de seis meses. - Mas, tio, como é que eu posso vender essa fazenda? - perguntou-respondeu o sobrinho. - Está velha, manchada, mofada, e o padrão saiu de moda há muito tempo. - Ora, meu caro sobrinho, vendendo. Olha! Vem a calhar. Veja e aprenda - disse o velho fazendeiro (2) ao ver entrar na loja uma velhinha, daquelas que, a essa altura, nem velhinha deveria ser mais (3). - Que deseja, minha senhora? - falou ele, cheio de mesuras. E, antes que a velhinha se explicasse em sua voz já longínqua, passou a mostrar rolos e rolos de fazenda, sem mostrar, naturalmente, a que pretendia mesmo vender, mas deixando sempre que ficasse bem visível aos olhos(4) da velhinha. E, como os leitores já adivinharam(5), depois de algum tempo a velhinha saía da loja com a peça de fazenda velha e mofada, tendo pago por ela o dobro do preço que pagaria por uma peça nova. Mas aparentemente convencida do que lhe dissera o vendedor: estava comprando uma rarirade inglesa, um desenho único, etcétera, etcétera, etcétera(6). Quando a velha saiu, o velho mercador mostrou pro sobrinho a nota de quinhentão que ela deixara e lhe deu a lição definitiva e eterna da história do comércio: - Vê, meu sobrinho, uma mercadoria jamais se vende pelas suas qualidades, mas sim pelas qualidades do vendedor. A mercadoria tem o valor de quem a propõe no mercado. O garoto olhou a nota espantado e disse ao tio: - Maravilhoso, meu tio, e profundamente verdadeiro. Mas tem também o valor da malandragem do comprador que faz sempre o preço da mercadoria reverter a seu valor verdadeiro(7). Vê só, tio: a velhinha pagou ao senhor uma nota falsa. Bota os óculos. MORAL: Não há vitória definitiva. 1 - Ao fundo e ao cabo, todo comerciante é eslavo. 2 - O que vende fazendas. 3 - No máximo, poderia ser uma ex-velhinha. 4 - Embaraçados. 5 - Não sei pra que é que eu escrevo! 6 - Etcétera. 7 - Mais ou menos por aí começa a lei da oferta e da procura. ********** Certas coisas figadais À maneira dos... egrégios Quando Tongo Tango, interrogado por Jango Lomango sobre a morte de seu pai, respondeu que ele tinha morrido depois de comer patê de foagrá (pasta feita com fígado de ganso), Lomango se espantou: - Como? O fígado estava podre? - Não – explicou Tongo Tango -, estava bom. Mas todos sabem que não se deve comer fígado de ganso, porque é uma coisa terrivelmente tóxica. Mortal. - Que bobagem mais boba! – riu-se Lomango. – Se o fígado de ganso fosse tóxico, os gansos não andariam por aí, lampeiros. Não resistiriam ao próprio fígado. - Resistem – concordou Tongo -, mas resistem pouco. Os gansos vivem 2% do que vive o ser humano exatamente por causa do fígado. Lomango calou-se, abalado. E como ele próprio possuía um ganso, nessa noite, na surdina, pegou um facão, foi ao quintal, abriu o ganso e lhe tirou o fígado. E ao ver que o ganso morria, concluiu sabiamente: - Tongo tem toda razão. Se o fígado fora do ganso lhe faz tanto mal, imagina se permanecesse mais tempo lá dentro. MORAL: TODA LÓGICA É MORTAL (Saite do Millôr)

Militares

Portal Militar: Exército prende militares por defenderem democracia Cap.Ribeiro foto revista IstoÉ "É preciso ter reforma urgente dentro das Forças Armadas, diminuição do número de oficiais generais e extinguir a justiça militar, que é corporativa ao extremo, reestruturação do plano de carreira, respeito, dignidade e tratamento humano para todos os militares, principalmente da graduação inferior. O descaso com a tropa vem de longos anos, a Revolta das Chibatas é um exemplo da opressão que os militares de baixa patente sofreram em 1910, eles defendiam o respeito humanizado, a luta não foi contra políticos civis e sim contra nossos chefes, mas infelizmente nada mudou..." - Visqueira, Sargento e blogueiro do Blog Portal Militar EXÉRCITO BRASILEIRO: Oficiais são presos por defender cidadania e democracia nos quartéis. *José Mendes Visqueira A discriminação nas Forças Armadas é algo interna corporis, partindo do maior (superior) para o menor (subordinado) trazendo em si o medo daqueles que não conseguem se defender dos atos arbitrários praticados pelos seus comandantes, chefes e diretores. Denunciar maus tratos, abusos de poder, tortura física e psicológica, assedio moral e assédio sexual envolvendo militar e militar, ou militar e dependente de militar, tornaram-se rotina na estrutura das Forças Armadas, e aqueles que resolvem lutar pelos seus direitos encontram na Justiça Militar um obstáculo no procedimento de fazer justiça, por vez essa tal de “justiça” castrense é o baluarte na manutenção dos privilégios daqueles que usurpam o poder. Tem sido fácil aqui nesse Portal atribuir tudo de ruim que ocorrem dentro das Forças Armadas, no que tange a questão salarial, a questão da reestruturação da carreira militar, sobretudo dos subordinados, atendimento médico-hospitalar, transferências, e a readaptação dos manuais militares a Constituição Federal de 1988 a classe política, notadamente ao PT (Partido dos Trabalhadores) e classificando os políticos desse partido como os “petralhas”. Quem são esses que aqui escrevem no Portal? Que não se identificam? Quem são esses que esconde a verdade dos fatos, e atribui a classe política os nossos erros, erros que são cometidos não pelas Forças Armadas, mas por alguns oficiais que sedentos de poder, com uma mentalidade que não condiz com a Constituição Federal? São esses oficiais que põe o nome da Marinha, Exército e Aeronáutica na berlinda, que maculam as instituições. Esses Senhores se apresentam como dono da verdade, senhor do tempo, semi-deus, ditam regras fora e dentro dos quartéis, pisoteiam as ordens judiciais, violentam e estupram a Constituição Federal, tal como fizeram nos ido de 1964, quando alarmaram a sociedade civil e militar do tal “perigo comunista” e sem consulta popular deram o golpe de estado, conduzindo o Brasil para prejuízos financeiros incontrolados, desmataram a Amazônia com a bandeira do “desenvolvimento do progresso” ,educaram a classe pobre para o analfabetismo selvagem, perseguiram os Praças (Soldados,Cabos,Sargentos e Subtenentes) prendendo e expulsando das corporações aqueles que desobedeciam as ordens impostas para não serem eleitos a cargos políticos. Passaram-se mais de 40 anos, e nada mudou. Os velhos, gorilas da Ditadura Militar (1964-1985) se foram, deixaram a caserna, mas seus ensinamentos até hoje são bem ministrados dentro da Escola Naval, na Academia Militar das Agulhas Negras e na Força Aérea Brasileira, reproduzindo seres arrogantes, deuses imundos e covardes, inimigos da lei e da ordem, antipatriotas, funcionários reacionários. Utilizam das barbáries dentro da caserna e violam a lei máxima do pais, a Constituição Federal. Sob o manto da disciplina e da hierarquia deturpada, realizam seus sádicos prazeres em cima dos subordinados. Dentro do murro dos quartéis criam seu próprio mundo, onde impera desvios de verbas, gastos exacerbados do dinheiro público, punições arbitrárias, farras e orgias. É como se fosse um feudo. Os subordinados são servos e os superiores são os patrões. Diante dos fatos históricos e culturais que permeiam instituição secular de farda, nem todos aceitam que a máquina militar continue oprimindo subordinados, e tendo a Constituição Federal como um monte de papeis sem valor na caserna. Nessa semana fomos surpreendidos, com o uso arbitrário da força. O Alto Comando do Exército agiu contra dois oficiais no Rio Grande do Sul, um, o Capitão Luis Fernando, que após perder as eleições para Deputado Federal pelo Rio Grande do Sul, teve sua prisão decretada por não se apresentar antes de ser apurada a votação, contrariando o que estabelece o Código Eleitoral. O outro militar, é o Capitão do Exército Mário Soares, lotado no 3º Batalhão Logístico em Bagé-RS, o referido oficial sofreu prisão ao criticar as Forças Armadas no combate ao crime organizado, assim como suas referências, alertando que o “Exército não pode mais ser uma ilha dentro do Estado”. Essas manifestações fazem parte da defesa do livro que ele lançou, com o titulo, “Exército na Segurança Pública: uma Guerra contra o Povo Brasileiro” (Editora Juruá). A reportagem ganhou duas páginas da Revista Isto É, e segundo os especialistas na área militar, os dois temas são tratados como caso de crime de deserção, esse é o artifício que o Comando do Exército utiliza pra barrar alguma voz que se levanta contra o poder constituído dos senhores dono do Exército. Conforme contatos mantidos com o Cap.Luis Fernando, ele informa: ” que não é contra a disciplina e a hierarquia, mas é favor de mudanças estruturais nos códigos militares, e que haja adaptação as normas constitucionais vigentes”. Essa mudança tão defendida pelo jovem oficial idealizador da democracia nos quartéis, lhe renderam dois meses de prisão em sua residência, a pão e água, onde homens armados dia e noite estão mirando pronto pra atirar com seus bacamartes caso ele resolva fugir. O referido capitão já coleciona inúmeras prisões por lutar em prol de mudanças radicais nas Forças Armadas, mudanças que repercutem mal nos ouvidos de nossas excelências, de tantos coronéis, majores e até mesmo capitães e tenentes, que o consideram como agitador e inimigo número um do Exército. Cap.Luis Fernando é de origem paupérrima, um sonhador, idealizador de grandes projetos para a classe desfavorecida das Forças Armadas, assim como dono de projetos para por o fim a miséria reinante na sociedade brasileira. O tipo de alteração proposta por ele é tido como subversiva para dentro dos quartéis, porque muitos oficiais perderiam suas regalias. Embora os Capitães Luis Fernando e Mário Soares pertençam a um grupo de oficiais evoluído intelectualmente, o primeiro mesmo sendo membro do Partido dos Trabalhadores, não representou obstáculo para o Exército brasileiro agir com "Braço Forte e Mão Amiga", como se o referido partido político não existisse, punindo o capitão, e comemorando com fogos de artifícios a prisão dos oficias progressistas, demonstrando a sociedade civil estampando na internet (https://www.defesa.gov.br/phocadownload/arquivos_resenha/2011-01-24/3.isto%20-%2026%20jan%2011%20-%20revista.pdf) que quem manda na estruturas das Forças Armadas são os novos gorilas,descendentes dos velhos gorilas rabugentos do golpe militar de 1964. Isso demonstra que ninguém de casaca apita dentro da caserna, e sim os de farda. Até cego ver que não são os políticos civis que não querem mudanças dentro do organismo militar, mas sim os nossos próprios comandantes. A manutenção de seus privilégios, como mordomias, transferências faraônicas na hora que bem quiser, bom atendimento médico hospitalar e outras regalias devem continuar. A Revista Isto É de 26 de janeiro de 2011, n° 2150 ( Revista vai ser recolhida na sexta-feira, dia 28 ) traz duas páginas de longas reportagens sobre esse descaso dentro do estado democrático de direito, aonde dois jovens oficiais estão sendo perseguidos, um por procurar a política para mudanças dentro das Forças Armadas, e o outro por publicar assuntos acadêmicos que a instituição militar não aceita, ou seja a livre manifestação do saber, amparado na Constituição Federal. Senhores aqui está um belo exemplo para os senhores pensarem sobre quem é o verdadeiro militar, se aquele que dar cara a tapa quando está na ativa, ou aquele safado que pratica barbaridades, depois vai pro meu civil se intitula professor/ advogado disso ou daquilo, querendo ser político, mas quando estava na ativa só praticou atos imorais, é esse o candidato que tu espera leitor pra te defender?. Em Resende-RJ está cheio de candidatos desse quilate. Cuidado, não compre gato por lebre. Está na hora das Praças (Soldados, Cabos, Sargentos e Subtenentes/Suboficiais) se reunirem, se organizarem politicamente, seguindo o que prescreve a Carta Magna, ajudar o governo da Sra.Dilma Roussef, e se possível pegar em armas pra derrubar aqueles que impeçam o governo dessa primeira mulher presidente do Brasil. Senhores somos brasileiros e patriotas, vivemos dentro desse lindo país, mas infelizmente separado dos demais cidadãos, não podemos reivindicar nossos direitos, não podemos sentar na mesa como os nossos chefes militares para discutir problemas pertinentes as nossas carreiras e o respeito e a dignidade. Os nossos comandantes não estão nem ai para nós, e nunca estiveram. Lembra-se do que ocorreu na Rússia em 1905, vocês estão sendo humilhados, excretados, punidos injustamente, o que falta para vocês se amotinarem, estão esperando comer a carne podre oferecida por esses senhores, tal como aconteceram com os marinheiros russo do Encouraçado Pontemkin? O que ocorrem atualmente dentro das Forças Armadas é que não temos representação política, o que temos é a manutenção dos privilégios de castas, igualmente como ocorreu na Rússia em 1905. Naquela época os soldados não queriam ficar fora da política, o pensamento deles era diferente do pensamento dos cadetes. Eles queriam o fim das castas de farda, defendiam que o exército é do povo, um exército de cidadão de pleno direito. Na Varsóvia, os soldados que ali serviam exigiam uma Assembléia Constituinte. Exigiam a liberdade de reunião e de associações fora de qualquer permissão ou presença de oficiais, eles queriam também nos tribunais, soldados delegados encarregados dos delitos das tropas. Essas reivindicações não diferem do que ocorre aqui no Brasil, queremos uma justiça militar mais humanitária com a participação de praças nos julgamentos de praças e não a participação de oficiais. Queremos as Associações de Praças funcionando a todo vapor sem perseguição de seus fundadores e de quem quer que seja, olha o que ocorreu com a Associação de Praças do Exército Brasileiro, com o seu fundador Subtenente Veloso. Onde está a democracia nisso? E vocês militares retrógados vem culpar a classe política pelo descaso que ocorrem dentro das Forças Armadas. Vão lavar a boca imunda de vocês e apontar o dedo para nós mesmo, somos os principais responsáveis por essa roubalheira e desvios de conduta que existem dentro das Forças Armadas. Se queremos mudanças,ela tem que partir do meio de nós, temos que entregar a sociedade civil, ao poder público, a classe política, esses senhores que se intitulam dono das nossas vidas e de nossos destinos, e se isso não surtir efeito, somos em maior número e temos as armas. É preciso ter reforma urgente dentro das Forças Armadas, diminuição do número de oficiais generais e extinguir a justiça militar, que é corporativa ao extremo, reestruturação do plano de carreira, respeito, dignidade e tratamento humano para todos os militares, principalmente da graduação inferior. O descaso com a tropa vem de longos anos, a Revolta das Chibatas é um exemplo da opressão que os militares de baixa patente sofreram em 1910, eles defendiam o respeito humanizado, a luta não foi contra políticos civis e sim contra nossos chefes, mas infelizmente nada mudou... ________________________________________________ * Autor é conhecido como a Lenda do 29° Batalhão de Infantaria Blindado(Santa Maria –RS), foi perseguido,torturado psicologicamente por mais de dez anos. Graduado em História pela UNIFRA(Santa Maria/RS),Pós-Graduado em Pensamento Político Brasileiro pela UFSM, Pós-Graduado em Sociologia na área de Segurança Cidadã, Violência, Criminalidade e Policia pela UFRGS, Especialista em Direito Militar,Especialista em Direitos Humanos pela FGV/RJ, Curso de Direitos Humanos pela SENASP-DF, Conselheiro em Direitos Humanos pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Curso de Direitos Humanos e Mediação de Conflitos pela ITS/SEDH/PR. BIBLIOGRAFIA: (Blogue do Souza)

Saramago

José Saramago – memorial de um génio publicado em artes e ideias por miguel oliveira | 22 comentários José Saramago morreu no dia 18 de Junho de 2010. Nobel da literatura, génio das palavras, mestre do texto. Controverso, comunista, ateu. Um tributo à pessoa que marcou a história da literatura universal, que faz periclitar as bases da História e do senso comum, e que deu um novo sentido ao mundo e ao ser humano. Uma história de vida e uma obra imperdível, uma “viagem de elefante”. jose saramago José Saramago morreu no dia 18 de Junho de 2010. Não sabemos se teve ou não um encontro com Deus, no céu, no inferno, ou no “desqualificado purgatório”, mas podemos ter a certeza que ambos precisavam de ajustar contas. Ateu convicto, José Saramago tem Deus como um dos temas-fetiche das suas obras. Era com Ele que gostava de conversar, era sobre as suas representações terrestres que dissertava com uma brilhante clareza interpretativa, muitas vezes recheada de causticidade, atraindo polémicas e excomunhões de muitos lados. Saramago encontra-se agora, porventura, num, seu e claro, vazio inconsciente. Um vazio que se preenche, como acontece sempre com alguém literariamente famoso que perece, num crescendo de interesse limitado no tempo, como também sempre acontece com o interesse súbito pela obra do perecido que renasce no consciente colectivo, com as vontades de evasão do presente e da realidade quotidiana dos cultos e incautos mortais, com a leitura das suas obras. Agora encontra-se na escuridão da sua própria ausência, presente aos latejantes de vida na significância com que estruturou as letras, as mesmas peças com que jogamos o jogo da vida em verbo, sem, no entanto e inevitavelmente, a perícia da exposição do capital intelectual e a arte da construção literária saramaguiana, ou, talvez, o encontremos um dia a conversar com Blimunda Sete-Luas, num metafísico “Memorial do Convento” (1982), esta agora hiperciente da azáfama e dos interstícios da vida, e d’ “As Intermitências da Morte” (2005). Apenas vagamente, conhecemos nós Saramago nos seus tempos de juventude. Sobeja um hiato temporal entre a primeira publicação do jovem escritor, bem depois das noites de sono partilhadas na cama com os avós Jerónimo e Josefa e os porcos, numa Azinhaga Ribatejana dos tempos da meia sardinha onde as pessoas eram constantemente “atiradas ao chão” por forças opressoras e esmagadoras, essa Azinhaga que o petrificou em estátua num banco de jardim, e a profícua e epopeica revolução literária, 30 anos depois. jose saramago Saramago não foi um académico e não ganhou prémios literários aquando da sua juventude. Saramago não foi sequer unanimemente querido, consensual, ou, como por vezes acontece nas esferas culturais e espectaculares, adulado. Terá inclusive dividido a população portuguesa, este anti-herói para parte do senso comum e para a grande parte da mediocridade política. Saramago não competiu o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa, porque não o deixaram. Os cordéis da manipulação literária e os senhores das marionetas políticas e religiosas não o permitiram. A humanização do mito de Jesus Cristo, n’ “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” (1991), foi a desculpa para tentar olvidar o homem que pôs Portugal (no mapa) e Espanha, o iberismo saramaguiano, a navegar pelo oceano, na sua “Jangada de Pedra” (1986). Países à deriva na unificação atracada de uma Europa cada vez mais distante e, paradoxalmente, maior. Portugal é um estado laico. A separação dos poderes entre a igreja e o estado estão, há muito, constitucionalmente definidos e aprovados. A dissecação de Jesus Cristo, o desdobramento do mito, do homem-deus em homem-(demasiado)humano, colocou no parlamento uma inflamada discussão sobre se seria este Saramago um homem suficientemente português para representar uma nação tão histórica e histericamente conectada a um deus (pátria, família) que este homem, português de nascença é certo, não acreditava. Talvez não suficientemente português mas suficientemente reconhecido mundialmente, Saramago arrecadou o Nobel da Literatura em 1998 e, justiça divina, o Prémio Camões em 1995. Não se refugiou no país que não aceitava as suas ideias, vá, os seus romances misto fusional de uma realidade tépida e uma ficção transpirada, como se se tapassem as lacunas de realidades incertas com o vómito de tempos deploráveis. Não se refugiou sequer, nem o degredo psicológico parece ser um motivo. Não hoje. Saramago escolheu na sua ibéria o recanto de memória mais distante dos homens que o rejeitaram, perto daqueles que são “as maiores vítimas do capitalismo ocidental”. O destino foi Lanzarote, a poucos quilómetros da costa africana. Ilha perdida das Canárias, Espanha, inóspita. Um acaso desidratado, um pedaço de terra negra onde escolheu viver e amar. Temos a certeza que se a ibéria se desprendesse do resto da Europa, Lanzarote ficaria no sítio, a ver passar ao largo a sua assustadora alucinação tectónica. Em Lanzarote nasceu uma epidemia contagiosa que colapsa a sociedade, uma cegueira espontânea que viria a revelar o que de mais extremo veste o ser humano – da animalidade à racionalidade, da violação ao amor. Ainda assim, esta penosa experiência para o autor e para o leitor, o “Ensaio Sobre a Cegueira” (1995), é uma “longa tortura” que mostra que nós, humanos, “não somos bons”. Dos mesmos olhos que viveram a visão da escuridão mundial vieram as lágrimas, durante a apresentação da adaptação deste ensaio ao cinema, ao lado do director brasileiro Fernando Meirelles. De Saramago podemo-nos essencialmente deleitar com cerca de 30 anos de obra, de uma literatura “anti-gramatical”, ou seja, que reduz grande parte da portugalidade, a sua enorme língua e as suas orgulhosas regras gramaticais, a um estilo novo e único, um estilo que transforma o hermético das convenções, da pontuação e dos parágrafos, do senso do tamanho frásico, numa literatura encadeada, numa leitura do pensamento, numa leitura que se lê sem se conseguir parar. Pelo menos até Saramago querer. Desmistifica o mergulho profundo e embrenhado no romance, alertando e antecipando os pensamentos e as dúvidas do leitor, tornando a relação entre ambos mais verdadeira, porém mais dominada. Incorrecta ou elitista, dizem alguns, eis uma forma de desconstruir centenas de anos de convenções e acordos em algumas dezenas de anos de romances, poemas e peças teatrais, contos e crónicas, viagens, diários e memórias e “A Maior Flor do Mundo” (2001), o único título infantil. É a língua algo em constante mutação, não é assim, querido acordo ortográfico? Deve então ser a escrita de Saramago um corte, um raio, uma faísca de mudança nessa transformação, nessa mutação. Saramago foi, é e será tão importante para a literatura portuguesa e mundial como o foram Fernando Pessoa ou Carlos Drummond de Andrade. Eis o homem que quando fala não mede o comprimento do sentido das palavras, em oposição à medida do comprimento interpretativo da sua escrita. Um homem que “quando se enfurece é simpático”, um autoproclamado “pessimista pela razão, optimista pela vontade”. Saramago diz o que pensa e o pensamento dele ecoa em palavras não polidas, despidas, em construções sólidas da sua verdade. Sem medo. Assume-se como comunista, ponto. Não ortodoxo, ponto. A tudo isto se chama, supomos, liberdade de expressão. Liberdade essa que por entre tantos anos de luta parece ainda periclitar nas certezas de alguns eruditos. O funeral reuniu muitos simpatizantes, amigos, amantes da sua literatura, curiosos e a natural nata politizada. Notou-se, no entanto, e de alguma forma despreocupadamente (pela irrelevância no caso), a ausência daquele que na altura em que um evangelho incendiou um parlamento era o primeiro-ministro, o actual Presidente da República Portuguesa, o Senhor Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva. Politicamente correcto, como sempre e como tem que ser, não se coibiu, com uma expressão entediada e simuladamente entristecida, de ler um comunicado escrito por um seu qualquer assessor. Um escrito banal daquele a quem Saramago chamou “o mestre da banalidade”. Acredito que sentisse uma perda para o país, mas não muito. José Saramago morreu no dia 18 de Junho de 2010. Saramago não pertence ao céu, para onde voou o fumo da combustão do seu corpo, mas sim à terra, local onde agora repousam as suas cinzas. Se de perto tocar Saramago as estrelas será sentado na “sua” passarola, onde a bordo conta a Blimunda Sete-Luas e a Baltazar Sete-Sóis “O Conto da Ilha Desconhecida” (1997). Foram “Os Poemas Possíveis” (1966) que nos deixou, e todas as letras encadeadas, “Deste Mundo e do Outro” (1971). migueloliveira Sobre o autor: miguel oliveira; possui o cérebro na ponta dos dedos. Pinta palavras em ecrãs de computador com aquilo que sintetiza do mundo e diz possuir um rádio no lugar da cabeça. Saiba como fazer par Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2010/07/jose_saramago_memorial_de_um_genio.html#ixzz2AbKe2OXX

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Cultura

O território das novas revoluções Posted in: Alternativas, Capa, Pós-Capitalismo Por: admin - 18/10/2012. Print Friendly Quando juventude das quebradas comunicar-se sem intermediários, as estruturas cedem, garante Celso Athayde: “Porque só há opressão quando há omissos” Entrevista a Inês Castilho | Imagem: Ratão Diniz – MAIS: Caminhos para a Política Cidadã no século 21 Em meio a críticas e esperanças, pensadores e ativistas debatem como superar crise da representação e reinventar democracia. Leia também, nesta série, as entrevistas com Fernando Meirelles, Ricardo Abramovay, Eduardo Viveiros de Castro e Drica Guzzi. – “Quem não estiver feliz tem que levantar o dedo, ainda que seja o dedo médio”, dispara o produtor cultural Celso Athayde, um dos fundadores da Central Única das Favelas, a CUFA, no Rio de Janeiro, ao convocar a juventude moradora das favelas a assumir seu próprio destino. “Só existe uma forma de fazer revolução social no país: é esses jovens que sofrem o impacto da desigualdade social assumirem o protagonismo da mudança. Não existe para sempre um opressor e um oprimido, só haverá opressor se houver omissos” – diz ele, em mais um diálogo da série “Outra Política”, realizado no âmbito do estudo “Política Cidadã”, que o Instituto Ideafix produziu para o IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade). Autor, com o rapper MV Bill, do livro Falcão-Meninos do Tráfico, que deu origem a um documentário; e de Cabeça de Porco, este em parceria com MV Bill e o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública – Athayde revela seu entusiasmo diante das possibilidades abertas à juventude das quebradas pela comunicação via redes sociais (como frisou Drica Guzzi em sua entrevista). “Não tem como desconsiderar que as redes sociais vieram para ficar e para dividir um espaço significativo com as mídias formais”, sustenta Celso. “Quanto mais as pessoas conseguem operar essas máquinas, mais próximas das informações, mais perto da revolução elas ficam, mais chances de ser livres terão.” Ao dizer isso, recorda a necessidade de engrossar a luta por banda larga de qualidade, junto com educação de qualidade (como defendeu o antropólogo Viveiros de Castro em outra de nossas conversas). As novas formas de comunicação livram os jovens da manipulação da grande mídia: da imagem negativa que ela imprime às favelas ou, por ocultamento, da imagem que não traz, da sociabilidade amorosa: “O amor está nas escolas, nos presídios, no trabalho. Contudo, parte da sociedade monstrifica esses seres humanos territorialmente distantes – as tais comunidades. Os noticiários deixam a impressão de que tudo está perdido, as relações estão dilaceradas.” Celso se declara admirador do MST, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, sobretudo pela audácia com que ele luta por aquilo em que acredita. “A democracia plena só vai existir quando as pessoas tiverem os mesmos direitos e as mesmas oportunidades”, diz ele. “Somos a sexta economia mundial e temos milhares de pessoas vivendo abaixo do limite da pobreza.” A CUFA, instituição de que é secretário geral, vem compartilhando com outros países e estados brasileiros a experiência acumulada em condições difíceis: excelência em superação e solidariedade, maestria em dar nó em pingo d’água – afinal, o Brasil é líder planetário em desigualdade. “A ideia de que os países desenvolvidos não têm problemas porque são ricos não é verdadeira. Existem problemas em todo lugar, seja porque os pobres mundiais migram em grande escala para esses países ou por outra razão.” Vivemos uma encruzilhada, escreveu Immanuel Wallerstein: “o sistema-mundo capitalista vive uma bifurcação, em que a ação coletiva da humanidade determinará que tipo de ordem mundial teremos no futuro, para o bem ou para o mal.” A encruzilhada, na umbanda, é um ponto de força utilizado para o descarrego de energias negativas. À semelhança das cachoeiras e praias emana vibrações energéticas especiais. Está propícia, portanto, ao exorcismo das forças do atraso da desigualdade mundial, que mantêm os países desenvolvidos, com 20% da população global, consumindo 80% dos recursos naturais. A seguir, a entrevista. (Inês Castilho) Como você percebe a participação política do brasileiro? A gente tem crescido e se desenvolvido, mas bem aquém do que deveríamos. Ainda há um ódio muito grande contra os políticos e da política, na classe social com que convivo. Por isso acabamos sendo dirigidos por outras camadas sociais, a dos coronéis, muito mais atentos e agressivos. As pessoas da classe fodida não têm muita crença em mudanças – o que faz com que se distanciem dessa realidade. A contribuição única acaba sendo votar, ou mesmo vender seus votos. Mas de certa maneira todos vendem ou negociam seus votos: o que difere são os preços praticados. A própria eleição da Dilma mostrou um pouco esse crescimento. Era de um lado o poste e do outro a grande máquina da mídia – e o voto foi consciente, não de protesto como em outros momentos. Só que, no dia a dia, não se vê ânimo em relação à política formal. Prefiro crer que estamos iniciando um processo. Quais os temas que mobilizam a sociedade, falando particularmente das classes populares? Juventude. A gente tem acompanhado um debate muito interessante no campo do trabalho e renda, discussões sobre a massificação da mídia. A juventude do movimento negro e movimento de estudantes tem se empenhado em relação a esses temas. As rádios comunitárias estão aumentando de maneira muito acentuada. Essa juventude está tendo a oportunidade de ter as redes sociais para se comunicar, e com isso fazer grandes intervenções. Estão se valendo delas como uma grande ferramenta: por lazer, para namorar, para fazer intervenções coletivas nas relações comerciais e políticas. É um debate muito bom que está acontecendo. Mais que isso, está sendo uma prática diária dessas classes menos privilegiadas. A tecnologia e as redes sociais têm um papel nos processos de mobilização política, a seu ver? Não tem como desconsiderar que as redes sociais vieram para ficar e para dividir um espaço significativo com as mídias formais. O mundo mudou a partir disso e, necessariamente, a mobilização da juventude passa por esse desenvolvimento. Quanto mais as pessoas conseguem operar essas máquinas, mais próximas das informações, mais perto da revolução elas ficam, mais chances de ser livres terão. Essas diversas formas de comunicação estão livrando essa juventude da lógica perversa a que a mídia formal submete as pessoas. Insisto em lembrar que são moradores das favelas – onde vivem em desvantagem social –, e que hoje criaram uma liga de empreendedores comunitários, seguro de vida grátis e muitos outros ativos para as favelas. Mais importante do que a ação é assumir o risco de tentar – isso é o que tem feito a diferença. Fale sobre a Central Única das Favelas, a CUFA. A CUFA começou como movimento hip hop e veio a entender que a cultura hip hop não é só os quatro elementos – o break, que é a dança; o grafite, que é arte plástica; DJ, o maestro; e rap, o canto. É mais o sentimento de transformação que essa juventude precisa ter. O MV Bill é um dos nossos fundadores, e minha maior alegria é dizer que o Bill ficou famoso e usa essa fama para viabilizar um monte de gente. Ele se transformou em um nome forte, mas que seria inútil, como ele diz, se não fosse usado para a coletividade, dar poder aos jovens. Nunca se comportou como artista, não aceita essa ilusão. A CUFA é uma instituição de jovens de favelas, cujo déficit cultural é muito grande. Ela possibilita a jovens como eu, sem nenhum estudo, se desenvolver em várias esferas – inclusive se relacionando com instituições que sempre criticaram, e mantendo sua crítica à Rede Globo e aos governos. O fato é que não podemos acreditar que existe para sempre um opressor e um oprimido. Precisamos crer que só haverá opressor se houver omissos. Quem não estiver feliz tem que levantar o dedo, ainda que seja o dedo médio. O sistema somos todos nós juntos, a CUFA entendeu isso. É uma instituição de jovens que diziam que todo mundo é opressor. Só que, ao dizer isso, esses jovens se colocavam automaticamente na condição de oprimidos. Sair do lugar do oprimido e se relacionar com aqueles que, em tese, são os opressores – essa era a grande encruzilhada. Parar de acusar as pessoas de playboy por terem acesso à coisa pública ou possuírem bens – mas valer-se também dos próprios direitos, a partir do conhecimento. Transformar suas relações, desenvolver-se e integrar-se socialmente, ganhar corpo e sentar-se à mesa onde se decide o seu futuro. É fácil? Não, não é. Mas a CUFA tem conseguido mostrar que impossível também não é. Qual a contribuição da CUFA ao aprofundamento da democracia brasileira? Acreditamos que só existe uma forma de fazer revolução social no país: é esses jovens que sofrem o impacto da desigualdade social assumirem o protagonismo da mudança. Se eles, que sofrem as grandes diferenças, não estiverem preparados ou condicionados a se preparar, a desgraça humana vai continuar. Pois quando esse monte de gente bem intencionada, de bom coração, que dá esmola e assim consegue dormir mais tranqüila – quando essas pessoas não puderem ou não quiserem mais ajudá-los, o processo de depressão vai continuar. Pois eles se transformaram em escravos dessa lógica de aceitar migalhas, ao invés de desenvolver e organizar o seu próprio destino. Agora, pedir que as pessoas sejam fortes é fácil – já os exemplos são muito difíceis. Minha mãe sonhava que eu fosse borracheiro e minha irmã, empregada doméstica que não roubasse a patroa; não conseguia imaginar minha irmã patroa. Romper com esse sentimento é nosso maior desafio: não só dizer, mas demonstrar, conviver com os exemplos bem sucedidos. Na verdade, esse é o maior legado que podemos deixar aos nossos filhos. Não conseguimos ainda massificar essa mobilidade social. Qual a presença da CUFA nos territórios das favelas? Quando a CUFA assume a perspectiva de transformar esses jovens em protagonistas, de trabalhar para eles entenderem a necessidade dessa transformação, torna-se uma instituição relevante. Está hoje em 412 cidades, de 17 países – em alguns tem mais de dez bases. Nos Estados Unidos a sede é em Saint Louis, mas tem base no Brooklin [em Nova Iorque], na Califórnia… Hoje a gente sabe que são intensos os conflitos na Inglaterra, na França. É falsa a ideia de que os países desenvolvidos são ricos e não têm problemas. Existem problemas em todos os lugares, seja porque os pobres mundiais migram em grande escala para esses países ou por outra razão. O papel da CUFA não é resolver os problemas das pessoas, mas estimulá-las a buscar suas soluções. Através de uma grande rede os problemas são resolvidos com menos traumas. A CUFA não é mais uma organização para as favelas, mas de pessoas de favelas que pregam a felicidade para todos. Queremos avançar sem fazer disso uma plataforma de marketing, as pessoas fazem parte da CUFA por convicção. Que trabalhos vocês desenvolvem? O primeiro grande ativo da CUFA é: como esses jovens de favela podem desenvolver seu próprio processo de construção? Essa é a luta, por vários caminhos – por exemplo o Top CUFA Brasil, a Taça das Favelas, as Olimpíadas das Favelas, Falcão Meninos do Tráfico, o Prêmio Anu, Comunidade Segura, Jungle CUFA, Data CUFA, A Ponte. Tem o audiovisual, o esporte, o basquete de rua – uma marca nossa. O curso de qualificação profissional, feito em vários lugares, que se adapta às características locais com o objetivo de democratizar o poder e descentralizar as oportunidades. A CUFA ganhou o Prêmio Darcy Ribeiro 2010, da Câmara dos Deputados em Brasília, por ter formado mais de 100 mil jovens no ano. Criou um projeto de audiovisual, com o conceito de que a favela já foi muito retratada e agora é a hora dela retratar o mundo. Oferece às pessoas das favelas ferramentas para que busquem as referências que quiserem. Queremos que formulem seus próprios pensamentos, e isso se dá através desses projetos e também por outros, como o Aglomerado, programa de tevê [TV Brasil], e vários programas de rádio. São meros fio condutores de um processo – não de mediação de conflitos, mas de mediação de felicidade e de paz. A seu ver, o que caracteriza as relações das pessoas com a família, a comunidade, a sociedade? Comunicação e lealdade. A sociabilidade é a maior característica do ser humano. Quando você se relaciona com as famílias, os grupos, as pessoas, vê que o amor está ali. O amor está nas escolas, nos presídios, no trabalho. O amor, com suas faces e formas, é o que permite às relações fluírem. Contudo, outra parte da sociedade monstrifica esses seres humanos territorialmente distantes – as tais comunidades. Elas são vistas a partir de noticiários nos quais as pessoas se matam – por amor ao sonho da mobilidade social. Esses noticiários deixam a impressão de que tudo está perdido, as relações dilaceradas. Acontece que, mesmo no caso das pessoas envolvidas com crack, as relações se despedaçam mas se vê o tamanho da paixão, o sofrimento das famílias na tentativa de resgatar seus entes queridos. Algum movimento social chamou sua atenção recentemente, no Brasil ou em outros países? O MST sempre foi uma grande referência pra mim, sobretudo pela audácia com que lutam por aquilo em que acreditam. Mas, como todos os movimentos, precisam rever certas questões. O MST entrou na mira da própria esquerda. Não quero analisá-lo por falta de propriedade, só quem está dentro da guerra sabe o tamanho da dor. Mas as críticas dizem que deixaram de ser solidários a pautas que não eram necessariamente suas, se distanciando de movimentos que sempre os apoiaram. Ao participar da pauta de outros movimentos, o MST fazia com que se apaixonassem pela sua pauta, de perto. Mas passou a caminhar só – e a ter só parte da compreensão do que representa. É fundamental que os movimentos trabalhem em rede, não acredito em nenhum movimento que não prospere a partir da rede. Se não, passa a fazer ações que podem dar resultados pontuais, mas não mudar o padrão social em que a gente vive. Uma organização que faz a opção de caminhar sózinha não é organização social, mas uma empresa de marketing social vestida de Ong ou algo que o valha. Pensando em tudo o que falou até aqui, você imagina novas formas de fazer política? Que valores sustentariam esse modelo? A democracia é o melhor dos modelos, desde que plena. Reconheço que muitas vezes é sinônimo de zona, arrisco até a dizer um absurdo: a melhor democracia é aquela praticada pelas pessoas que pensam como nós. Mas democracia plena só vai existir quando as pessoas tiverem os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Somos a sexta economia mundial e há milhares de brasileiros vivendo abaixo do limite da pobreza. Se tem miséria, não há oportunidades iguais. O mundo caminha para o caos. Foi importante tentar outros modelos, mas cada pessoa vai ter que achar uma forma de ser feliz socialmente, dentro do coletivo. O equilíbrio social pode se dar em um país onde existam milionários e proletariado. Ninguém precisa ser infeliz porque é proletário – você pode ter a dignidade garantida. Um país livre, democrático é aquele que permite a mobilidade social pela capacidade das pessoas, testadas a partir das oportunidades. Aí a democracia funciona para todos. Como você vê a questão do consumo, da publicidade? Não existe como fugir desse aguçar do consumo, quando se vive em um país capitalista. Nossa cultura é baseada na sexualidade e na perene promiscuidade, e consumir é de certa maneira manter sólidas essas referências, significa seduzir o outro o tempo todo. A publicidade joga mais lenha nessa fogueira e mantém aquecidos os mercados. Ao mesmo tempo em que a gente critica a forma como as pessoas são induzidas a consumir, argumenta-se que é o consumo que faz a máquina girar, a partir dele é que conseguimos equilibrar a economia. Nos momentos tensos, o próprio governo pede que as pessoas consumam, para evitar do país cair em depressão. O que vale para o capitalismo é o dinheiro – o amor é apenas um detalhe. Seu filho quer o tênis que todos estão usando. Somos escravos do consumo, assim como da sexualidade. Qual o sonho das pessoas? A mobilidade social: ter um carro bacana. Vocês querem ter uma casa bacana, querem que seus filhos estudem em uma boa escola para competir melhor no futuro. Estão preparando seus filhos para uma guerra, não só a do conhecimento, é a do consumo também. O consumo é o que faz você ter personalidade, ter as melhores coisas, é que leva a pessoa a se sobressair nos meios sociais. Nossas relações são baseadas naquilo que se possui, desde criança – quem tem ou exibe mais posses terá mais influência, status e poder. O consumo precisa ser tão abominado quanto é desejado. Você acha que a espiritualidade tem algum papel na vida, na felicidade das pessoas? A gente vê no dia a dia: o jovem que tem compromisso com a espiritualidade é mais focado, concentrado, e vive em grupos de um risco muito menor. Parecem mais felizes e levam vantagens em relação a outros jovens. Têm grupos mais sólidos e um código de ética, compromissos que transcendem a vida familiar. Os jovens que não têm contato com a espiritualidade têm suas relações sociais limitadas à família e à escola. Mas é importante saber qual é a felicidade que cada pessoa contempla – não descobri minha relação com a espiritualidade e me considero feliz e realizado. Pregar a espiritualidade é como obrigar as pessoas a acreditarem em Deus. É dizer a elas que faz parte do bom senso ser parte do consenso. A CUFA tem um grupo de LGBT – o que cria conflitos com os grupos evangélicos da CUFA. Ao mesmo tempo em que não podemos admitir que os direitos humanos sejam violados, não podemos oprimir a orientação religiosa das pessoas – e muitas entendem que o homossexualismo é um câncer social e moral. Não é fácil conviver com isso. Tem também o conflito dos evangélicos com o candomblé. Esse debate permanente leva a instituição a se voltar mais para a discussão dos direitos humanos do que para a da sexualidade. Temos que conviver com os conflitos que existem – e tendem a se acirrar. Procuram trabalhar com as semelhanças… Sim, pensar no desenvolvimento social dessas pessoas, cujo futuro sempre foi planejado pelos outros. Em busca de um projeto de construção de identidade, encontramos esse: uma grande rede, administrada por poucas pessoas, mas na qual todos tivessem benefícios claros, objetivos, e independência. Esse é o maior mérito da CUFA. Por ter vivido a vida inteira em favelas, o tráfico sempre foi uma referência para mim. O estatuto do tráfico pregava paz, justiça e liberdade. Essa paz nunca existiu; liberdade menos ainda, pois a base era a escravidão; e a justiça era baseada no entendimento de cada um. Para a CUFA, tudo o que eu não queria era isso. Mas já na criação da cúpula da CUFA começava um processo de opressão, a partir do momento em que instituiríamos quem mandava e quem obedecia. Decidimos então que o nosso modelo seria uma grande rede em que todos fossem independentes, donos dos seus espaços, mas deveriam satisfação ao coletivo. Um dia sentaríamos para profissionalizar esse sentimento. É o que estamos fazendo agora, apoiados pela Fundação Dom Cabral: sistematizando essa loucura que criamos até aqui. O mundo se desenvolve através de símbolos, são os heróis que nos posicionam, e não temos mais heróis. Carecemos, em todos os processos políticos, de grandes lideranças ou referências por quem a gente tenha prazer de se guiar. Houve um momento em que havia líderes mundiais amados, como Che Guevara. Pensar nos anos dourados de chumbo traz um romantismo saudável, apesar da dor… Você viveu essa época? Não vivi, mas o tráfico viveu, bebeu dessa fonte. A Falange Vermelha foi influenciada pelo MR8 e pela Var-Palmares, e mesmo por livros como Guerra e paz [Leon Tolstói, publicado em 1865-69]. As pessoas tinham motivos para fazer mais, para lutar. A involução tem contribuído para o esvaziamento da qualidade de tudo: a música não tem mais a qualidade de antes, as lutas não têm mais razões do que antes. Se me perguntar se será melhor direi que sim, mas vai ser difícil dormir convencido disso. O mundo caminha para onde deveria ir – para o caos. Dizer isso é ruim, bom mesmo é dizer o contrário e ir tomar um chope. Os países-referência ruíram, quem vai apagar essa luz? Às vezes dá a impressão de que colocaram os seres humanos em uma caixinha sem porta de saída, como se fossem ratos, e eles vão vivendo, se alimentando com o que tem na caixinha, fazendo sexo, se reproduzindo. Um dia a comida vai acabar e os ratos vão se matar. É o futuro que vê? O mais difícil é assumir isso. Prefiro fazer como as ciganas que leem nossas mãos: todas dizem que seremos felizes. Se é verdade não sei, mas o pagamento a elas se justifica pelo apoio moral. (Outras Palavras)

Capitalismo

A crise e a morte anunciada do capitalismo (provavelmente exageradas, como diria Mark Twain) . Por Paulo Roberto de Almeida Marx, por Liberati Fonte: www.pralmeida.org pralmeida@mac.com Sou regularmente contatado, através de meu site, por jornalistas e estudantes de diversas partes do Brasil, que, em função dos materiais que encontram no meu site ou nos blogs que mantenho para diversas finalidades, me procuram para resolver dúvidas informativas, ou mais exatamente didáticas (correspondendo, supostamente, a buscas na internet em torno de algum tema de seu interesse momentâneo). Muitas das questões, nestes tempos incertos, referem-se, obviamente, às origens da crise, seus desenvolvimentos e seu impacto sobre o Brasil. Algumas das questões são mais prosaicas, motivadas provavelmente pela previsível satisfação interior de algum professor alegadamente anti-capitalista, com as turbulências e possível decadência do sistema globalizado. Assim, recentemente, respondi a perguntas de um estudante de jornalismo sobre a crise e a morte do capitalismo. Com efeito, esse tipo de pergunta não deve sair da cabeça dos próprios alunos, mas deve ter sido lá colocada por algum desses professores desejosos de enterrar o capitalismo, o que apenas reflete uma incompreensão magistral sobre como funciona o mundo real. Em todo caso, aqui vão as perguntas e as minhas respostas: 1) Há a possibilidade de a atual crise econômica ser o início do colapso do sistema capitalista? Não existe a menor possibilidade. Quem afirma uma coisa dessas não tem a menor ideia de como funciona uma economia de mercado, ou de como funciona o sistema capitalista, que representa uma das muitas formas da economia de mercado. A atual crise econômica, que se desenvolveu a partir de uma bolha financeira, não é a primeira, nem será a última a afetar o sistema capitalista, por vezes de forma mais severa do que outras, como foi o caso 80 anos atrás, na crise das bolsas de 1929, na crise bancária de 1931 e na depressão que se seguiu durante a maior parte dos anos 1930. Para haver colapso do sistema capitalista teria de estar ocorrendo uma crise estrutural da economia de mercado, o que está longe de ser o caso. 2) Quais os fatores que apontam para que isso ocorra? Isso não está ocorrendo, justamente, nem vai ocorrer. O que está havendo é mais uma crise recorrente, previsível, e até “normal” para as condições em que operam as economias de mercado e o próprio capitalismo. Toda economia de mercado é inerentemente instável, pelo próprio dinamismo econômico, que produz descompassos entre setores, assimetrias de informação, desequilíbrios entre oferta e demanda, busca incessante de retornos mais elevados, mesmo à custa de maior exposição ao risco, diferenças de mecanismos regulatórios entre as economias nacionais – na ausência de mecanismos supranacionais, ou internacionais, que possam monitorar todos os tipos de ativos transacionados – ainda mais num sistema capitalista que funciona, em larga medida, com base nas iniciativas individuais dos detentores de ativos e nos tomadores de créditos. Em algum momento, o desejo de ganhos extraordinários vai superar a propensão à cautela pelos agentes de mercado, e quando, por algum motivo sempre imprevisto, alguém desconfia que aqueles ganhos não vão se realizar, começa uma retirada maciça das aplicações naquele mercado. Como todo o sistema funciona com base na confiança, e como os agentes costumam ter o comportamento de manada, é óbvio que haverá um descompasso entre os ativos efetivamente existentes no mercado e aqueles valores transacionados no mercado de futuros com base numa valorização hipotética (por definição, sempre acima das possibilidades reais do mercado). Apenas para se ter uma ideia das dimensões envolvidas nesses vários mercados, considere-se que o PIB mundial – isto é, a soma dos valores agregados por todos os países, durante um ano, nos seus respectivos processos produtivos nacionais –, situa-se ao redor de 50 trilhões de dólares; a soma dos ativos transacionados efetivamente nos mercados financeiros, sob diversas formas, aproximava-se, antes da crise, da casa dos 200 trilhões de dólares, ou seja, quatro vezes mais o valor da produção anual; já a soma de todos os ativos financeiros virtualmente existentes, ou mesmo realmente, incluindo dívidas dos governos, mercados futuros, valores patrimoniais de casas, ações etc, alcançava a cifra de 500 ou trilhões de dólares, ou seja, mais de dez vezes o valor do PIB mundial. Esses 400 trilhões de dólares acima das transações de mercado representam uma valorização hipotética, ou virtual, que poderia, ou não, ser realizada, se todas as transações fossem realizadas em algum momento em todos os mercados existentes no mundo, mas isso compreende muita riqueza artificial, ou seja, valorização indevida ou exagerada de ativos, como ocorre em toda bolha financeira (por exemplo, uma casa de 100 mil dólares, estar sendo estimada no mercado a 150 mil, e com base nesse valor, servir de lastro, ou aval, a uma outra operação de empréstimo de mais 50 ou 60 mil dólares, inflando artificialmente a carteira de ativos de um banco, sem que o detentor original do bem consiga realizar aquela venda hipotética). Em algum momento a bolha estoura e todos perdem, mas no momento do jogo, todos estão supostamente ganhando. Esse é o capitalismo, nem bom, nem mau, apenas permitindo a realização de muitos negócios com base na confiança, ou na expectativa, de que tudo corra bem. 3) O capitalismo se fortalece com a atual crise? Certamente, posto que algumas regras serão criadas, para diminuir a possibilidade de repetição desse tipo de crise, o que evitará, de alguma maneira, o exagero da especulação nesse tipo de modalidade. Mas, como o capitalismo é muito criativo, outros instrumentos financeiros e outros mecanismos de transações serão criados, de maneira que a próxima crise ocorrerá, certamente, mas de maneira diferente da atual. Os que falam de enfraquecimento do capitalismo ou de sua crise estrutural não têm idéia de como funciona o sistema, justamente permitindo enorme expansão dos negócios, muita especulação – durante a qual muitos ficam ricos, pois alguns sempre arriscarão seu dinheiro com novos negócios – e uma circulação de riqueza de maneira muito dinâmica. As tentativas de controlar o sistema são não apenas inócuas, como contra-produtivas, pois diminuiriam o seu dinamismo natural. 4) Quais são as soluções para o atual panorama econômico? As de sempre: regulação das transações com ativos, para evitar uma exposição ou alavancagem muita exagerada dos intermediários financeiros; maior transparência nas informações relativas a títulos transacionados; exigência de garantias quanto a depósitos, mas que não podem ser exageradas, pois isso diminuiria o poder da especulação, que é sempre positivo, pois ela permite negócios que normalmente não seriam feitos, na ausência de motivação para ganhos extraordinários. Os que pedem um capitalismo sem riscos, sem especulação, sem crises, não sabem do que estão falando, pois todo e qualquer sistema de mercado está exposto aos riscos das assimetrias de informação nesses mercados. O sistema sem risco é aquele sem dinamismo, como eram os antigos sistemas socialistas. Eram tão “estáveis” que estagnaram e desapareceram, e suponho que ninguém – salvo alguns utópicos irrecuperáveis – esteja pedindo a volta do socialismo, de resto impossível, pouco prático e irrealizável. Haverá, também, um pouco mais de sistemas de ajuda emergencial, com maiores volumes de recursos sendo disponibilizados para empréstimos a países em situações de desequilíbrio grave, como, aliás, já existe atualmente, mas com um volume financeiro não compatível com as eventuais necessidades de mercado. 5) Quem a crise econômica atinge diretamente no Brasil? Por quê? Primeiro pelo canal do crédito, sobretudo comercial, pois sabemos que o comércio internacional se faz, em grande medida, com base em letras de câmbio e outros modos de financiamento de curto prazo. Depois pela própria ausência de recursos para investimentos ou empréstimos de maior prazo. Também pelo aumento dos juros internacionais, o que é um resultado da diminuição dos volumes globais de recursos transacionados no sistema financeiro. Isso acaba afetando a produção, gerando, em conseqüência, desemprego setorial, ausência de investimentos e eventualmente até inadimplência, de empresas ou até dos países, que não dispõem de recursos próprios. Como o Brasil não emite uma moeda de aceitação internacional, como o dólar, ele depende de divisas estrangeiras para se relacionar comercial e financeiramente com o mundo: na ausência desses dólares, ele tem de usar reservas próprias, o que ainda é o caso, mas isso um dia pode acabar. 6) O dólar continuará sendo moeda padrão, do comércio? Sim, ainda que outras moedas possam ser usadas adicionalmente, complementarmente ou até em substituição ao dólar. Supondo-se que o dólar se desvalorize, o que não ocorreu até agora – mas pode vir a ocorrer – pessoas, empresas e países buscarão outras moedas, que preservem o seu poder de compra e o seu valor internacional – isto é, que não se desvalorizem – e que possam vir a fazer parte de suas poupanças, investimentos, transações. Pode ser o euro, pode ser o iene, o yuan chinês, o rublo russo, ou até o real brasileiro, dependendo das circunstâncias. Tudo é uma questão de confiança: se as pessoas acreditam naquela moeda e, sobretudo, naquela economia, elas continuarão a aceitar essa moeda e a investir naquela economia, do contrário ela será rejeitada por todos. Tudo depende do dinamismo e do vigor econômico de um país. Como a Europa cresce pouco, é uma economia pouco flexível, como o Japão é um país relativamente fechado, como a China ainda não inspira confiança no mundo, por se tratar de um regime ditatorial, sem muita transparência, e como o Brasil ainda é uma economia pequena, de baixo dinamismo e sem uma moeda conversível, é provável que o dólar continue exercendo seu papel de moeda de troca e de reserva internacional ainda durante algum tempo. Paulatinamente, outras moedas poderão se fortalecer e outras podem desaparecer... 7) Muitas empresas e grupos econômicos apontam a sustentabilidade como uma medida de sobrevivência para o futuro, No entanto, o que se avançou em termos práticos e como as empresas tem investido nessa questão? Sustentabilidade é um conceito vago, que apenas quer dizer que devemos usar os recursos do planeta de maneira a não esgotá-los ou extingui-los. Mas não há muita clareza do que isso signifique no plano setorial: quanto petróleo, quanta energia renovável, quantas terras agrícolas, quanta produção biotecnológica, etc. A tecnologia e os mercados terão respostas para os desafios do futuro, mas nem sempre existe uma consciência clara que é possível, ou preciso fazer, de quais são os meios ou técnicas mais apropriados para o crescimento e a manutenção no bem estar das populações, e sobretudo de quais seriam as prioridades de investimentos em novas tecnologias – que têm custos muito diferenciados entre as várias possibilidades e alternativas – em face do chamado custo-oportunidade, ou seja, como utilizar os recursos (por definição escassos) em função das alternativas e dotações diferenciadas no plano prático. As empresas mais proclamam do que praticam, de fato, a sustentabilidade, porque se tornou politicamente correto, por uma questão de imagem pública e de pressão de grupos ambientalistas, dizer que seus processos produtivos são sustentáveis. Mas tudo isso pode mudar rapidamente, com descobertas nos terrenos dos novos materiais (nanotecnologia), da energia, da biotecnologia. De toda forma, melhor confiar na pesquisa científica e nas comprovações empíricas do que em crenças pouco fundamentadas no conhecimento pouco objetivo do mundo real, como fazem alguns grupos ambientalistas, que praticam terrorismo ecológico dotado de pouca base científica. Indianapolis, Indiana, EUA, 11/4/2009 Fonte: ViaPolítica/O autor Mais sobre Paulo Roberto de Almeida

Bukowski

UM BUKOWSKI FRÁGIL em Literatura por Fernanda Pacheco em 11 de out de 2012 às 00:27 Charles Bukowski, o escritor que escondia sua fragilidade emocional atrás da popular imagem de um velho safado. "...é melhor continuar fingindo, parecendo normal, se esconder na multidão e ficar fora de vista, e a melhor maneira de se esconder é agir exatamente como todos os outros." É sempre difícil escolher um escritor favorito, até porque ser favorito é algo muito limitável, mas durante os últimos 4 anos o escritor Charles Bukowski (1920 - 1994) anda liderando o meu ranking. Eu me surpreendo com ele a cada livro que chega em minhas mãos e vou lhes explicar o porquê. Para começar, o velho safado (como é conhecido) tornou-se ao longo das leituras o oposto. Não vou negar que esse bom senhor realmente era um baita dum safado, mas não consigo reduzi-lo apenas a isso. O primeiro livro dele que eu li foi A Mulher Mais Linda da Cidade bem curto e simples. A princípio eu achei o livro uma grande pornografia, mas quando cheguei no final, percebi que o objetivo dele era mostrar a intensidade da vida, escancarar que o mundo não é essa belezinha toda e que debaixo do nariz da gente tudo que ele fala acontece normalmente. Passei a não ver motivos para considera-lo inferior ou "proibido". Há quem diga que o mais atrai os leitores de Bukowski é a escrita fácil, meio cotidiana. Mas é ai que eu vejo um grande problema: será que todo mundo que lê o old Buk se aprofunda? Parece papo de gente chata, mas eu sempre reflito muito depois que leio ele. Se repararem, ele SEMPRE termina com algo muito engraçado e ao mesmo tempo trágico. Entre os livros dele, estão (só para citar alguns) Factótum, Hollywood, Pulp, Cartas na Rua, Notas de um Velho Safado, Mulheres, a obra Crônica de Um Amor Louco e pra mim, o melhor de todos: Misto Quente. Nesse livro é possível desconstruir qualquer estereótipo bukowskiano. Você se depara com o interior daquele velho aparentemente vulgar, grosso, estúpido (muito evidenciado em Mulheres) e passa a conhecer um Bukowski frágil, fraco e triste. Os outros livros tornam-se mais compreensíveis ainda e a frustração do escritor para/com o mundo torna-se justificável. O que eu mais gosto é a forma como ele encarava toda a sujeira e a desgraça que perpetuava sua infância e juventude. Era como se ele dissesse: "Você tem problemas? Então não fique ai reclamando deles! Não queira que os outros tenha pena de você. Levante a bunda daí e vá fazer alguma coisa!". O livro não é necessariamente um biografia, mas é baseada em sua vida e começa sendo dedicada exclusivamente para todos os pais. Para quem nunca leu esse livro, eu recomendo. É um pouco triste, fato, porque ali ele narra a violência do pai somada a submissão da mãe, os problemas de saúde, a dificuldade para viver, etc. Mas também é um livro como qualquer outro digno de Bukowski com capítulos engraçados, sujos e sarcásticos. Como diria o velho: "Que tempos penosos foram aqueles anos - ter o desejo e a necessidade de viver, mas não a habilidade". O pai Henry, Bukowski ao centro e sua mãe, Katherine A grande característica do escritor era sua atitude de chutar o balde e falar o que quiser. Foi incompreendido muitas vezes, mas isso não o impedia de continuar dando suas opiniões ácidas e reflexivas. Suas relações sociais não eram boas, nunca foram. O mundo abriu suas cortinas muito cedo para o jovem Bukowski que logo tratou de examinar as pessoas com muita sinceridade, na maioria das vezes, sem obter conclusões muito positivas a respeito delas: "Lembro de uma carta longa e furiosa que recebi um dia de um cara que me disse que eu não tinha o direito de dizer que não gostava de Shakespeare. Muitos jovens iam acreditar em mim e não se dariam ao trabalho de ler Shakespeare. Eu não tinha o direito de tomar essa posição. E assim por diante. Não respondi na época. Mas vou responder agora. Vá se foder, colega. E eu não gosto também de Tolstoi!" (Último parágrafo do livro póstumo O Capitão Saiu Para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio) Além das novelas, contos e crônicas, Bukowski escreveu diversos poemas. Alguns publicados no livro O Amor É um Cão dos Diabos e outros em livros menores. Como poeta, tenho a impressão de que ele se saia melhor ainda. "quando chegar mesmo a altura, e se foste escolhido, vai acontecer por si só e continuará a acontecer até que tu morras ou morra em ti. não há outra alternativa. e nunca houve." (trecho do poema Então Queres Ser um Escritor?) No link abaixo o próprio escritor apresenta um dos seus poemas mais famosos e mais bonitos, o BlueBird: E aqui, o poemaBorn Into This: Acredito que era através de sua personalidade excessivamente forte que se escondia o Bukowski e sua fragilidade emocional. Abaixo o documentário que leva o mesmo nome do poema anterior sobre a vida do Buk onde isso fica mais perceptível ainda: Charles Bukowski foi um grande homem, senhores. Digo isso de boca cheia. Poucos souberam interpretar de forma tão óbvia e clara o fedor interno da alma humana. fernandapacheco Artigo da autoria de Fernanda Pacheco. É estudante de História, tem 19 anos e aprecia uma boa e velha miscelânea cultural digna de flâneur . Saiba como fazer parte da obvious.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Millôr, o genio de direita

O grande sábio e o imenso tolo Por um acaso do destino, um velho e sábio professor e um jovem e estulto aluno se encontraram dividindo bancos gêmeos num ônibus interestadual. O estulto aluno, já conhecido do sábio professor exatamente por sua estultície, logo cansou o mestre com seu matraquear ininterrupto e sem sentido. O professor aguentou o quando pôde a conversa insossa e descabida. Afinal, cansado, arranjou, na sua cachola sábia, uma maneira de desativar o papo inútil do aluno. Sugeriu: - Vamos fazer um jogo que sempre proponho nestas minhas viagens. Faz o tempo passar bem mais depressa. Você me faz uma pergunta qualquer. Se eu não souber responder, perco cem pratas. Depois eu lhe faço uma pergunta. Se você não souber responder, perde cem. - Ah, mas isso é injusto! Não posso jogar esse jogo – disse o aluno, provando que não era tão tolo quanto aparentava -, eu vou perder muito dinheiro! O senhor sabe infinitamente mais do que eu. Só posso jogar com a seguinte combinação: quando eu acertar, ganho cem pratas. Quando o senhor acertar, ganha só vinte. - Está bem – concordou o professor – pode começar. - Me diz, professor – perguntou o aluno , o que é que tem cabeça de cavalo, seis patas de elefante e rabo de pau? O professor, sem sequer pensar, respondeu: - Não sei; nem posso saber! Isso não existe. - O senhor não disse se devia existir ou não. O fato é que o senhor não sabe o que é – argumentou o aluno – e, portanto, me deve cem pratas. - Tá bem, eu pago as cem pratas – concordou o professor pagando -, mas agora é minha vez. Me diz aí: o que é que tem cabeça de cavalo, seis patas de elefante e rabo de pau? - Não sei – respondeu o aluno. E, sem maior discussão, pagou vinte pratas ao professor. ****** Hierarquia Diz que um leão enorme ia andando chateado, não muito rei dos animais, porque tinha acabado de brigar com a mulher e esta lhe dissera poucas e boas (1). Eis que, subitamente, o leão defronta com um pequeno rato, o ratinho mais menor que ele já tinha visto. Pisou-lhe a cauda e, enquanto o rato forçava inutilmente pra escapar, o leão gritava: "Miserável criatura, estúpida, ínfima, vil, torpe: não conheço na criação nada mais insignificante e nojento. Vou te deixar com vida apenas para que você possa sofrer toda a humilhação do que lhe disse, você, desgraçado, inferior, mesquinho, rato!" E soltou-o . O rato correu o mais que pode, mas, quando já estava a salvo, gritou pro leão: "Será que V. Excelência poderia escrever isso pra mim? Vou me encontrar com uma lesma que eu conheço e quero repetir isso pra ela com as mesmas palavras!" (2) (1) Quer dizer: muitas e más. (2) Na grande hora psicanalítica, que soa para todos nós, a precisão de linguagem é fundamental. MORAL: Afinal ninguém é tão inferior assim. SUBMORAL: Nem tão superior, por falar nisso. Moral: A sabedoria, nos dias de hoje, está valendo 20% da esperteza. ******* A jatobá e os juncos Um magnífico Jatobá vivia a sua vida galhofeira (1) cercado de uma multidão de juncos farfalhantes, à beira de um riacho riachante. Orgulhoso de sua imensa copa, ele a abanava a todos os ventos de todas as partes e, de vez em quando, é natural, aproveitava para fazer uma sombra indevida aos juncos que lhe ficavam em volta (2). Os juncos, às vezes, querendo saber onde andava o sol pra calcular em quanto tempo iriam se livrar do destino sombrio, perguntavam ao imenso Jatobá: “Que horas são, amigo?” “Eu não sou amigo e não digo horas pra juncos encharcados”, respondia invariavelmente o Jatobá. Os juncos, humolhados (3), voltavam ao seu farfalho humilde, enquanto o Jatobá apregoava aos grandes companheiros das matas a glória de sua cabeleira centenária. A vida é assim. Mas lá chega o dia... Esse dia foi de noite. Um vendaval daqueles de derrubar até torres de arranha-céu, se arranha-céu já existisse. O Jatobá, cuja imensa galhada oferecia uma resistência gigantesca (4) às forças da natureza, veio ao chão num estrondo assustador. O chefe dos juncos, vendo aquele desastre com o gigante, gritou sabiamente pro seu grupo: “Não resistam! Agachem-se!” (5). Tombado, o Jatobá foi arrastado pela corrente do riacho até uma serraria, onde imediatamente o transformaram em magníficas cadeiras de jacarandá. Mas os juncos, que riam satisfeitos, dançando ao sol da manhã de abril, sem a cobertura do Jatobá foram logo descobertos por empalhadores, que os arrancaram a todos e os utilizaram para empalhar cadeiras. Espicaçados pelo vírus da filosofia, os juncos não resistiram e perguntaram a uma cadeira: “Você sabe explicar por que a queda dos poderosos é mais terrível do que a dos mais fracos, mas no fim todo mundo cai?” E a cadeira respondeu sem hesitar: “Eu não falo com junco!”. MORAL: Orgulho não adianta; sempre se acaba com a bunda de alguém em cima. 1 – Cheia de galhos, e gozadora. 2 – Afinal, de que vale nossa alegria sem a infelicidade alheia? 3 – Quer dizer, amargurados dentro d’água. 4 – Quinta lei de dinâmica da prepotência. 5 – Segundo parágrafo do artigo primeiro da lei da sobrevivência política. (Saite do Millôr)

Palestinos

Opera Mundi Quinta, 18 de Outubro de 2012FAÇA DO OPERA MUNDI A SUA HOME PAGE Documento indica que Israel limitou número de calorias por palestino em Gaza Relatório dos ministérios da Saúde e da Defesa estipulava até mesmo o peso das embalagens que poderiam cruzar a fronteira Após uma batalha jurídica de mais de três anos, a organização de Direitos Humanos Gisha conseguiu acesso a um documento do Ministério da Defesa de Israel que detalha os limites para consumo de alimentos na região da Faixa de Gaza. Produzido em 2008 pela COGAT (Coordenadoria de Atividades do Governo no Território, na sigla em inglês), o relatório fixa um número específico de calorias supostamente suficiente para manter a população local viva. Clique aqui para ler o documento completo Autoridades israelenses calcularam que, na média, um morador de Gaza precisaria de 2.279 calorias por dia para não sofrer de desnutrição. Isso, em tese, poderia ser obtido a partir de dois quilos diários de alimentos para cada pessoa, o que abria a prerrogativa para que Israel permitisse a entrada de apenas 2.500 toneladas de suprimentos na região. O dossiê também estabelece o número exato de caminhões que seriam necessários para cumprir com esse fornecimento (170,4), assim como limite máximo de cinco dias semanais nos quais o procedimento seria permitido. Por que um rapaz em Gaza ateou fogo em seu próprio corpo? A família de Ehab Abu Nada responde Patriota chega a Israel para reuniões com Shimon Peres e Netanyahu Israel ameaça barco humanitário que vai à Gaza, diz Finlândia Pressionado por Israel, EUA cortam bolsas de estudo de palestinos O Ministério da Saúde chega a determinar que o peso das embalagens não poderia ultrapassar em 5% o volume de alimentos que carregava. A quantidade total de suprimentos leva em consideração “amostras” de alimentos para crianças com idade inferior a dois anos, o que acrescenta 34 toneladas na cota de fornecimento à população de Gaza. O dossiê data de um contexto em que Israel enrijecia as restrições para entrada de pessoas e bens materiais em território palestino. Entre os itens fortemente barrados à época estavam principalmente matérias-primas e suprimentos alimentares. O rascunho das regras de nutrição ficou sob responsabilidade de oficiais do Ministério da Saúde, que se basearam “no consumo médio israelense ajustado para a cultura e a experiência” em Gaza. Ao apelar à justiça local contra a decisão, o COGAT alegou que o documento era meramente “um rascunho”, que não traduzia “a política local israelense” e que nunca foi “efetivamente implementado”. Em entrevista ao jornal Haaretz nesta terça-feira (16/10), representantes do Ministério da Defesa garantiram que o COGAT jamais debateu o que classificam como “uma simples proposta”. A corte discordou desses argumentos e determinou a liberação dos documentos. (Opera mundi)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Mortos

Meus mortos Meus mortos andam agitados. Arranham paredes, barulhinho irritante, para chamar a atenção. Atenção que não davam quando eram não-mortos. Carregam móveis incorpóreos, de madeira que não há, livros criptografados em javanês. Jacques Gruman Meus mortos andam agitados. Arranham paredes, barulhinho irritante, para chamar a atenção, Atenção que não davam quando eram não-mortos. Carregam móveis incorpóreos, de madeira que não há, Livros criptografados em javanês. Meus mortos são mochileiros de cartola e fraque, Fantasmas de araque, Pele e dor subterrâneas. Às vezes, ensaiam vozes de alegoria, rock tangueiro, Kadish mineiro. Mineiro ? Meus mortos circunavegam o ponto final, Bussolares, intranscendentes. Procuram o que não acharam, nem acharão. Simulam emoções protocolares, maledicentes, Restos do que nunca foi. Meus mortos coagulam transições, Poesias incompletas, choros interrompidos, Erros de cálculo, gols perdidos. Caldeirão de vidas – vidas ? – em compasso de espera. Meus mortos, quem diria ?, riem. Às vezes. Às vezes. Às vezes. Meus mortos lambem as feridas De romances ancestrais. Choram, esperneiam, imploram, mas é o silêncio Que desembarca no seu cais. Meus mortos, oh legião despedaçada, Meus ais e meus ohs !, Minhas casas demolidas, meus sonhos, meus apelos, As pedras que não rolam. Meus mortos. Mortos ? Meus ? A dor de Marilene: Vieram numa Kombi. Dela, saíram os carrascos que chacinaram onze jovens. Era 1990, o lugar um bairro pobre na periferia do Rio de Janeiro. O crime, prescrito em 2010, jamais foi esclarecido. Dele, nasceram as Mães de Acari, que lutam até hoje para localizar os corpos de seus filhos e filhas. Luta que não comove, nem mobiliza. Nossos sentimentos estão anestesiados, nossa capacidade de indignação, dopada. Há alguns dias, morreu Marilene Lima de Souza, uma das Mães de Acari. Morreu amargurada, sem conseguir pistas para localizar o corpo de sua filha, Rosana de Souza Santos. Levou para o túmulo a indiferença de uma sociedade cada vez mais doente e tiranizada pelo consumo, cada macaco no seu galho. Uma lágrima para você, Marilene, e um naco da minha memória. (*) Engenheiro químico, é militante internacionalista da esquerda judaica no Rio de Janeiro. (Carta Maior)

Israel

srael y la ciencia del exterminio palestino Moisés Saab (PL) El nacimiento de Israel estuvo signado por un hecho que anunciaba una esencia genocida: el exterminio de los habitantes de la aldea palestina de Deir Yessin, equiparado a la aniquilación por los nazis de Lídice, la ciudad mártir checa. La diferencia es que el segundo hecho es referencia común y, el primero, cada vez más, queda envuelto en la bruma del tiempo. Sin embargo revelaciones sobre un programa realizado por las autoridades israelíes para mantener a los habitantes en Gaza en el límite mínimo de la supervivencia retrotraen a la actualidad el drama de los palestinos tanto en la Cisjordania, como en la franja escenario desde el fin de semana pasado de bombardeos diarios de la aviación y los tanques del ejército de Tel Aviv. Además, en estos momentos, una flotilla humanitaria cargada de alimentos y medicinas recabadas por suscripción popular en varios países, se dirige hacia esa zona, a pesar de las advertencias del gobierno del primer ministro Benyamin Netanyahu, según las cuales impedirán la llegada a puerto de las naves civiles. Entre 2007 y 2010, una de las dependencias del aparato militar israelí administró el flujo de alimentos a Gaza para mantener a los residentes en los bordes de la inanición, acorde con documentos desvelados por orden de un tribunal a instancias de una entidad humanitaria. El reporte fue confirmado por un portavoz castrense, el mayor Guy Inbar, quien precisó que los especialistas de las fuerzas armadas diseñaron una fórmula matemática que permitió determinar la ración mínima necesaria "para evitar una catástrofe humanitaria", según la descripción del interpelado. La intención del racionamiento obligatorio, por llamarla de alguna forma, fue presionar a la organización palestina Hamas (Fervor, islamistas) que está en control del área, añadió el mayor, quien aseguró que "nunca fue puesta en práctica". Aún con la precisión del testigo, es notorio que en la franja los habitantes sobreviven gracias a una red de túneles que la conectan con la Península de Sinaí, en Egipto, a través de la cual se registra un activo contrabando de bienes y mercancías que son revendidos a precios inflados. Para esas fechas, las autoridades israelíes tenían catalogada a Gaza como "territorio hostil" y decretaron las restricciones que, por supuesto, tenían como blanco a la población civil, alrededor de un millón 500 mil seres humanos, como fórmula para "presionar al gobierno de Hamas". Entre las peculiaridades del bloqueo, los burócratas militares autorizaron el paso de salmón ahumado y yogurt sin grasa, verdaderos lujos, pero prohibían el paso de productos de uso cotidiano como el café y el cilantro, acorde con los documentos castrenses. Las restricciones fueron levantadas de manera parcial en mayo de 2010, pero el bloqueo naval sigue vigente y está convirtiendo a Gaza en una zona imposible de habitar, según un estudio de la ONU difundido semanas atrás. La escasez de infraestructuras, destruidas por la aviación israelí entre fines de 2008 y principios de 2009 durante la Operación Plomo Fundido, que los palestinos llaman la Masacre de Gaza, sumadas a medidas punitivas de diverso orden han convertido a la franja en un Geto de Varsovia multiplicado de manera exponencial. A fines de 1940, las autoridades nazis de ocupación en Polonia determinaron encerrar a los judíos en una zona de la capital polaca, de la cual solo podrían salir autorizados para trabajar: comenzaba la historia de uno de los tantos crímenes de las tropas hitlerianas en Europa, cuyo clímax fue el levantamiento del Geto de Varsovia entre el 18 de enero de 1943 y el 9 de abril de ese año. Miles de judíos murieron atrapados en los edificios incendiados por las tropas de Reich, fusilados o en combate. Resulta evidente que la enseñanza sería asimilada por los sobrevivientes de la matanza que, a su llegada a la Palestina ocupada por Gran Bretaña, se integraron a bandas terroristas como Stern, Palmach e Irgun, esta última el antecedente del partido Likud, cabeza de la actual coalición gobernante en Israel. Elementos de esas entidades, calificadas de terroristas por personalidades judías, como Albert Einstein o políticos como el exprimer ministro británico Winston Churchill, fueron los encargados de "dar un escarmiento" a los palestinos que se resistieron a las agresiones de los colonos sionistas del naciente Israel. Todos los parecidos entre las fórmulas "dar un escarmiento" "pueblo escogido" y "necesidad de espacio para refugiados", enarboladas por Israel con "espacio vital", "solución final" y los experimentos criminales con internos en campos de concentración nazis en la II Guerra Mundial, son, cada día, menos casuales. (Argenpress)

Millôr, o genio de direita

O gato e a barata A baratinha velha subiu pelo pé do copo quase cheio de vinho, que tinha sido largado a um canto da cozinha, desceu pela parte de dentro e começou a lambiscar o vinho. Dada a pequena distância, que nas baratas vai da boca ao cérebro, o álcool lhe subiu logo a este. Bêbada, a baratinha caiu dentro do copo. Debateu-se, bebeu mais vinho, ficou mais tonta, debateu-se mais, bebeu mais, tonteou mais e já quase morria quando deparou com o carão do gato doméstico que sorria de sua aflição, no alto do copo. - Gatinho, meu gatinho – pediu ela –, me salva, me salva. Me salva que assim que eu sair eu deixo você me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva. - Você deixa mesmo eu engolir você? – disse o gato. - Me saaalva! – implorou a baratinha. – Eu prometo. O gato virou o copo com uma patada, o líquido escorreu e com ele a baratinha que, assim que se viu no chão, saiu correndo para o buraco mais perto, onde caiu na gargalhada. - Que é isso? – perguntou o gato. – Você não vai sair daí e cumprir sua promessa? Você disse que deixava eu comer você inteira. - Ah, ah, ah! – ria então a barata, sem poder se conter. – E você é tão imbecil a ponto de acreditar na promessa de uma barata velha e bêbada? Moral: Às vezes a auto depreciação nos livra do pelotão. *********************** Cão! Cão! Cão! Abriu a porta e viu o amigo que há tanto não via. Estranhou apenas que ele, amigo, viesse acompanhado de um cão. O cão não muito grande mas bastante forte, de raça indefinida, saltitante e com um ar alegremente agressivo. Abriu a porta e cumprimentou o amigo, com toda efusão. "Quanto tempo!". O cão aproveitou as saudações, se embarafustou casa adentro e logo o barulho na cozinha demonstrava que ele tinha quebrado alguma coisa. O dono da casa encompridou um pouco as orelhas, o amigo visitante fez um ar de que a coisa não era com ele. "Ora, veja você, a última vez que nos vimos foi..." "Não, foi depois, na..." "E você, casou também?" O cão passou pela sala, o tempo passou pela conversa, o cão entrou pelo quarto e novo barulho de coisa quebrada. Houve um sorriso amarelo por parte do dono da casa, mas perfeita indiferença por parte do visitante. "Quem morreu definitivamente foi o tio... você se lembra dele?" "Lembro, ora, era o que mais... não?" O cão saltou sobre um móvel, derrubou o abajur, logo trepou com as patas sujas no sofá (o tempo passando) e deixou lá as marcas digitais de sua animalidade. Os dois amigos, tensos, agora preferiam não tomar conhecimento do dogue. E, por fim, o visitante se foi. Se despediu, efusivo como chegara, e se foi. Se foi. Mas ainda ia indo, quando o dono da casa perguntou: "Não vai levar o seu cão?" "Cão? Cão? Cão? Ah, não! Não é meu, não. Quando eu entrei, ele entrou naturalmente comigo e eu pensei que fosse seu. Não é seu, não?" Moral: Quando notamos certos defeitos nos amigos, devemos sempre ter uma conversa esclarecedora. **************** A sopa de pedras Quando terminou a guerra dos farrapos de Canudos, uma guerra dessas aí!, Serapião Pintumba perambulou por muito tempo no sertão. Á proporção que perambulava, penetrava, e, penetrando, sua miséria aumentava – pois o interior fazia as cidades empobrecerem com ele. Até que um dia chegou a uma aldeia de casas de taipa, distante de tudo, isto é, próxima de nada. Serapião bateu numa porta e pediu um pedaço de pão. Foi escorraçado. Bateu noutra porta, pediu um pedaço de queijo de cabra. Foi chutado. Bateu em outra porta e pediu um pedaço de rapadura. Foi cuspido. Bateu em outra porta e pediu uma lata velha. Foi atendido. Aí, Serapião se acocorou no meio da praça, fez uma trempe, botou a lata em cima e ficou esperando o destino. O destino, como sempre, juntou uns curiosos: “Que qui tu ta fazendo aí, Serapião Maluco?” perguntaram. “Uma sopa”, disse Serapião. “Tô veno nada”, criticou um velho crítico de sopas local. “Tão marranja água que cê vai vê”, disse Serapião. Arranjaram água pro Serapião, e fogo, e ele, assim que a água pegou uma fervura, jogou duas pedras dentro da lata e ficou lá mexe que mexe com um pau. “Que sopa é essa?”, veio a próxima pergunta. “Sopa de pedra”, disse Serapião. “De peeeeeedra?”, espantaram-se os habitantes da aldeia, em uníssono. “E pode sopa de pedra? Nóis num cômi sopa aqui tem mais di méis. Si dava para fazê sopa di pedra, a gente toda tava toda limentada.” Um demagogo presente aproveitou a dúvida no ar e vociferou: “É como os eternos leguleios, eternos prometedores de miragens, embaindo o povo do sertão com falácias infantis, acenando para o povo com soluções miríficas enquanto palacianos governosos se locupletam com suas gordas mordomias. Mas mesmo esses profissionais do engodo jamais pensaram em proposta de solução alimentar tão estapafúrdia!” Tomou ar e perguntou noutro tom: “Que é que você pretende exprimir, dialeticamente, com sopa de pedra?” “Bem”, respondeu Serapião, um tanto intimidado, a sopa pode sê só di pedra, né?, e inté qui sai boa. Mas se ocês mi arranja um picadinho de tocinho, um pezinho di cove, um naquinho di rapadura, aí dava muito in mió, né memo?” “Qué qui há, Maneco, sem essa!”, disse então um pau-de-arara que tinha trabalhado em Ipanema durante seis meses, pendurado num edifício da Vieira Souto, e por isso era considerado o grã-fino da aldeia. “Sopa de pedra é sopa de pedra! Não vem com subsídios que aqui não tem disso não. Você falou em sopa de pedra; vai ser sopa de pedra! Pessoal, todo mundo fazendo sopa de pedra aí na praça!” Em poucos minutos, a praça estava cheia de panelas, caldeirões, chaleiras, terrinas e latas fervendo com pedras. E cada um já procurava fazer sua sopa melhor que a do vizinho, com um sabor diferente: rocha, granito, sílex, calcário, pedra-pomes, basalto, pedra-sabão, pedra-ume, pedregulho. Mas terminou tudo numa grande decepção. Nenhuma das sopas de pedra tinha o menor gosto de sopa. Pior ainda – não tinha nem gosto de pedra. Foi aí que um caboclo mais imaginoso descobriu a única utilidade da pedra capaz de, naquele momento, satisfazer a todos os habitantes da aldeia. Tacou um paralelepípedo na cabeça de Serapião, que caiu ali mesmo e logo foi apedrejado por todo mundo, morrendo dilapidado. Como na Bíblia. Moral: Não se deve abusar da miséria do povo; ele acaba ficando empedernido. (Saite do Millôr)