quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Mortos

Meus mortos Meus mortos andam agitados. Arranham paredes, barulhinho irritante, para chamar a atenção. Atenção que não davam quando eram não-mortos. Carregam móveis incorpóreos, de madeira que não há, livros criptografados em javanês. Jacques Gruman Meus mortos andam agitados. Arranham paredes, barulhinho irritante, para chamar a atenção, Atenção que não davam quando eram não-mortos. Carregam móveis incorpóreos, de madeira que não há, Livros criptografados em javanês. Meus mortos são mochileiros de cartola e fraque, Fantasmas de araque, Pele e dor subterrâneas. Às vezes, ensaiam vozes de alegoria, rock tangueiro, Kadish mineiro. Mineiro ? Meus mortos circunavegam o ponto final, Bussolares, intranscendentes. Procuram o que não acharam, nem acharão. Simulam emoções protocolares, maledicentes, Restos do que nunca foi. Meus mortos coagulam transições, Poesias incompletas, choros interrompidos, Erros de cálculo, gols perdidos. Caldeirão de vidas – vidas ? – em compasso de espera. Meus mortos, quem diria ?, riem. Às vezes. Às vezes. Às vezes. Meus mortos lambem as feridas De romances ancestrais. Choram, esperneiam, imploram, mas é o silêncio Que desembarca no seu cais. Meus mortos, oh legião despedaçada, Meus ais e meus ohs !, Minhas casas demolidas, meus sonhos, meus apelos, As pedras que não rolam. Meus mortos. Mortos ? Meus ? A dor de Marilene: Vieram numa Kombi. Dela, saíram os carrascos que chacinaram onze jovens. Era 1990, o lugar um bairro pobre na periferia do Rio de Janeiro. O crime, prescrito em 2010, jamais foi esclarecido. Dele, nasceram as Mães de Acari, que lutam até hoje para localizar os corpos de seus filhos e filhas. Luta que não comove, nem mobiliza. Nossos sentimentos estão anestesiados, nossa capacidade de indignação, dopada. Há alguns dias, morreu Marilene Lima de Souza, uma das Mães de Acari. Morreu amargurada, sem conseguir pistas para localizar o corpo de sua filha, Rosana de Souza Santos. Levou para o túmulo a indiferença de uma sociedade cada vez mais doente e tiranizada pelo consumo, cada macaco no seu galho. Uma lágrima para você, Marilene, e um naco da minha memória. (*) Engenheiro químico, é militante internacionalista da esquerda judaica no Rio de Janeiro. (Carta Maior)

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