sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Millôr, o genio de direita

O grande sábio e o imenso tolo Por um acaso do destino, um velho e sábio professor e um jovem e estulto aluno se encontraram dividindo bancos gêmeos num ônibus interestadual. O estulto aluno, já conhecido do sábio professor exatamente por sua estultície, logo cansou o mestre com seu matraquear ininterrupto e sem sentido. O professor aguentou o quando pôde a conversa insossa e descabida. Afinal, cansado, arranjou, na sua cachola sábia, uma maneira de desativar o papo inútil do aluno. Sugeriu: - Vamos fazer um jogo que sempre proponho nestas minhas viagens. Faz o tempo passar bem mais depressa. Você me faz uma pergunta qualquer. Se eu não souber responder, perco cem pratas. Depois eu lhe faço uma pergunta. Se você não souber responder, perde cem. - Ah, mas isso é injusto! Não posso jogar esse jogo – disse o aluno, provando que não era tão tolo quanto aparentava -, eu vou perder muito dinheiro! O senhor sabe infinitamente mais do que eu. Só posso jogar com a seguinte combinação: quando eu acertar, ganho cem pratas. Quando o senhor acertar, ganha só vinte. - Está bem – concordou o professor – pode começar. - Me diz, professor – perguntou o aluno , o que é que tem cabeça de cavalo, seis patas de elefante e rabo de pau? O professor, sem sequer pensar, respondeu: - Não sei; nem posso saber! Isso não existe. - O senhor não disse se devia existir ou não. O fato é que o senhor não sabe o que é – argumentou o aluno – e, portanto, me deve cem pratas. - Tá bem, eu pago as cem pratas – concordou o professor pagando -, mas agora é minha vez. Me diz aí: o que é que tem cabeça de cavalo, seis patas de elefante e rabo de pau? - Não sei – respondeu o aluno. E, sem maior discussão, pagou vinte pratas ao professor. ****** Hierarquia Diz que um leão enorme ia andando chateado, não muito rei dos animais, porque tinha acabado de brigar com a mulher e esta lhe dissera poucas e boas (1). Eis que, subitamente, o leão defronta com um pequeno rato, o ratinho mais menor que ele já tinha visto. Pisou-lhe a cauda e, enquanto o rato forçava inutilmente pra escapar, o leão gritava: "Miserável criatura, estúpida, ínfima, vil, torpe: não conheço na criação nada mais insignificante e nojento. Vou te deixar com vida apenas para que você possa sofrer toda a humilhação do que lhe disse, você, desgraçado, inferior, mesquinho, rato!" E soltou-o . O rato correu o mais que pode, mas, quando já estava a salvo, gritou pro leão: "Será que V. Excelência poderia escrever isso pra mim? Vou me encontrar com uma lesma que eu conheço e quero repetir isso pra ela com as mesmas palavras!" (2) (1) Quer dizer: muitas e más. (2) Na grande hora psicanalítica, que soa para todos nós, a precisão de linguagem é fundamental. MORAL: Afinal ninguém é tão inferior assim. SUBMORAL: Nem tão superior, por falar nisso. Moral: A sabedoria, nos dias de hoje, está valendo 20% da esperteza. ******* A jatobá e os juncos Um magnífico Jatobá vivia a sua vida galhofeira (1) cercado de uma multidão de juncos farfalhantes, à beira de um riacho riachante. Orgulhoso de sua imensa copa, ele a abanava a todos os ventos de todas as partes e, de vez em quando, é natural, aproveitava para fazer uma sombra indevida aos juncos que lhe ficavam em volta (2). Os juncos, às vezes, querendo saber onde andava o sol pra calcular em quanto tempo iriam se livrar do destino sombrio, perguntavam ao imenso Jatobá: “Que horas são, amigo?” “Eu não sou amigo e não digo horas pra juncos encharcados”, respondia invariavelmente o Jatobá. Os juncos, humolhados (3), voltavam ao seu farfalho humilde, enquanto o Jatobá apregoava aos grandes companheiros das matas a glória de sua cabeleira centenária. A vida é assim. Mas lá chega o dia... Esse dia foi de noite. Um vendaval daqueles de derrubar até torres de arranha-céu, se arranha-céu já existisse. O Jatobá, cuja imensa galhada oferecia uma resistência gigantesca (4) às forças da natureza, veio ao chão num estrondo assustador. O chefe dos juncos, vendo aquele desastre com o gigante, gritou sabiamente pro seu grupo: “Não resistam! Agachem-se!” (5). Tombado, o Jatobá foi arrastado pela corrente do riacho até uma serraria, onde imediatamente o transformaram em magníficas cadeiras de jacarandá. Mas os juncos, que riam satisfeitos, dançando ao sol da manhã de abril, sem a cobertura do Jatobá foram logo descobertos por empalhadores, que os arrancaram a todos e os utilizaram para empalhar cadeiras. Espicaçados pelo vírus da filosofia, os juncos não resistiram e perguntaram a uma cadeira: “Você sabe explicar por que a queda dos poderosos é mais terrível do que a dos mais fracos, mas no fim todo mundo cai?” E a cadeira respondeu sem hesitar: “Eu não falo com junco!”. MORAL: Orgulho não adianta; sempre se acaba com a bunda de alguém em cima. 1 – Cheia de galhos, e gozadora. 2 – Afinal, de que vale nossa alegria sem a infelicidade alheia? 3 – Quer dizer, amargurados dentro d’água. 4 – Quinta lei de dinâmica da prepotência. 5 – Segundo parágrafo do artigo primeiro da lei da sobrevivência política. (Saite do Millôr)

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