sábado, 13 de outubro de 2012

Dirceu

José Dirceu no julgamento de Alice Zé Dirceu e Fidel Publicado em 11/10/2012 por Urariano Motta* Recife (PE) - Não se enganem os leitores. O mensalão no STF é, na essência, um julgamento político. E se ainda têm dúvida, observem a mídia massificada, o abuso de imagens na televisão, a telenovela em que se tornou o tribunal cuja chamada é punição aos corruptos para um novo Brasil. Um leitor calejado diria que as notícias se fabricam como as salsichas, com sangue e gordura fartos em ambiente de náusea. No entanto, o que há de mais pedagógico nesse julgamento é o fim das ilusões de como age o Supremo Tribunal Federal. Ali também se produzem salsichas, a saber, votos e juízos se fazem em obediência à sociedade de classes, na feroz luta política. Se ainda têm dúvida, observem que o conceito de prova foi reinventado. Indícios, que possuem a natureza, por definição, de serem hipóteses, viraram fatos, sob o especioso argumento de “é impossível que ele não soubesse”. Houve provas como deduções de retórica, digna de sofistas, na base do se isso, então aquilo. O elementar de qualquer tribunal do mundo civilizado, do não basta supor, não basta desconfiar, não basta ter como provável, foi jogado às favas. E por que ministros tão ilustres, pelo menos no brilho de suas ideais funções, sepultaram as nossas melhores ilusões de justiça acima de classes? O alvo do julgamento é Lula. O alvo são as conquistas de um governo de esquerda, que se trouxe ganhos maiores para o capital, também redistribuiu renda, e no que tem de pior, ameaça uma permanência no poder que pode gerar insuportável democracia: leis de regulação da mídia, perdas irreparáveis de privilégios. Daí que foi dado o passo necessário para a condenação do ex-presidente Lula: a punição de José Dirceu. Falta só mais um degrau. Na verdade, muito antes desta semana, o julgamento de Zé Dirceu estava escrito desde o século dezenove. Em escrita criadora, o seu julgamento já havia sido feito desde 1865. Mais precisamente, sob a pena de Lewis Carrol, em “Alice no País das Maravilhas”. O leitor por favor acompanhe estas linhas de Alice. - Não, não! - berrou a Rainha. - Primeiro a sentença, depois o veredicto. Se substituímos a Rainha pelo conjunto imprensa e tribunal do Brasil, perceberemos que aqui também a condenação estava antes sentenciada. Mas continuemos com Alice: Neste momento o Rei, que estivera ocupado por algum tempo escrevendo em seu caderno de notas, gritou: - Silêncio! - e leu: “Artigo Quarenta e Dois: Todas as pessoas com mais de um quilômetro e meio de altura devem deixar o tribunal”. Todo o mundo olhou para Alice. - E não irei de jeito nenhum - disse Alice; - além do mais, este artigo não é legal: você acabou de inventá-lo. O Rei empalideceu e fechou apressadamente seu caderno de notas. “Façam o seu veredicto”, disse ao júri, com voz baixa e trêmula. Se fazemos a diferença de que no Brasil os ministros do Supremo não empalideceram, os procedimentos criados pelo STF para esse julgamento repetem à perfeição Alice. Mas continuemos com o julgamento de José Dirceu, agora de modo mais claro: - Com licença de Vossa Majestade, ainda há provas a examinar - disse o Coelho Branco dando um salto: - este documento acaba de ser encontrado. - Do que se trata? - indagou a Rainha. - Ainda não abri - respondeu o Coelho Branco. - Mas parece ser uma carta, escrita pelo prisioneiro para alguém. - Só pode ser isso - disse o Rei, -a menos que tenha sido escrita para ninguém, o que não é muito usual. - A quem é endereçada? - perguntou um dos ministros. - Não é propriamente endereçada...- disse o Coelho Branco - na verdade, não há nada escrito do lado de fora. Enquanto falava, desdobrou o papel, acrescentando: - Nem é uma carta, afinal de contas: são versos. - Estão escritos com a caligrafia do prisioneiro? – perguntou outro. - Não, não estão - respondeu o Coelho Branco - e isso é o mais estranho de tudo. (Todos pareciam perplexos.) - Ele deve ter imitado a caligrafia de outra pessoa – disse o Rei. (Todos animaram-se outra vez.) - Com licença de Vossa Majestade - disse o réu, - eu não escrevi isso, e ninguém poderá provar o contrário: não há nenhum nome assinado embaixo. - Se você não assinou - disse o Rei - isso só piora a situação. Você certamente deve ter feito algo de errado, ou então teria assinado seu nome como qualquer pessoa honesta... - Isso prova a sua culpa, é claro - disse a Rainha: - Logo, cortem a sua cabeça! O logo acima foi conjunção para Lula e advérbio de tempo, urgente, em uma só palavra. Logo, cortem a cabeça da esquerda, foi, é a sentença. Provas para quê? _____________________________ Urariano Motta* é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997). Enviado por Direto da Redação

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