segunda-feira, 30 de abril de 2012

Primeiro de Maio

Opera Mundi Opera Mundi Segunda, 30 de Abril de 2012FAÇA DO OPERA MUNDI A SUA HOME PAGE BUSCA RECEBA NOSSA NEWSLETTER INDIGNADOS 30/04/2012 - 09h30 | Pedro Henrique França | Nova York Occupy Wall Street resgata Primeiro de Maio nos EUA e convoca "apagão de consumo" O movimento, que ocupou o centro financeiro de Nova York, também sugeriu uma greve nacional Pedro Henrique França/Opera Mundi Por décadas, trabalhadores em todo o mundo tem no 1º de Maio um feriado nacional e um dia de protestos. Os Estados Unidos, país onde a data se originou, não. Esse ano, o movimento Occupy Wall Street irá tentar mudar essa realidade, convocando para esta terça-feira (01/05) uma greve geral e um "apagão de consumo", denominado "Um dia sem o 99%". O movimento, iniciado em agosto de 2011 no Parque Zucotti, uma praça no coração financeiro de Nova York, e que se espalhou por várias cidades do mundo, inclusive no Brasil, pretende ocupar mais uma vez as ruas de Manhattan. “Estamos trazendo de volta a atenção para Wall Street”, conta ao Opera Mundi o médico brasileiro Alexandre Carvalho, um dos idealizadores do Occupy. A luta recomeça amanhã, conclamando os apoiadores a não irem à escola, ao trabalho e, principalmente, às compras. Algo semelhante foi feito no fim do ano passado, quando estima-se que seis milhões de norte-americanos transferiram suas poupanças de grandes bancos para pequenas instituições financeiras. Bancos como o Bank of America estão entre os principais vilões da crise econômica, pois foram ajudados pelo governo do presidente Barack Obama logo após o colapso no mercado imobiliário. No segundo semestre de 2009 o índice de desemprego já batia a casa dos 10%. A articulação para o "Dia D" se fortaleceu nos últimos dias, quando os ativistas montaram um acampamento em frente à Bolsa de Valores para divulgar o ato. A programação do "Strike May 1st" começa com a ocupação do Bryant Park, logo pela manhã, onde acontecerão eventos culturais. Depois, às 16h, seguem em marcha para a Union Square. Às 19h, outra marcha, desta vez para seu lugar de origem, o Zucotti. A estimativa é que mais de 10 mil pessoas participem. Pedro Henrique França/Opera Mundi A ideia, diz Carvalho, é reacender a chama da indignação, um pouco apagada com as baixas temperaturas do rígido inverno norte-americano e, sobretudo, ao grande revés sofrido em novembro, quando a polícia de Nova York e de outras cidades dos EUA evacuaram os ocupantes de suas praças, proibindo-os de continuar instalados em suas sedes. “Perdemos muitos ativistas com isso”, conta Carvalho. “A nossa liberdade foi enjaulada. De repente as leis mudavam toda hora. Temos até um jingle que diz ‘I Get Confused When The Law Changes Everyday' [Eu fico confuso quando a lei muda todo dia]”. O "May Day", dizem os ativistas, é só o começo. Ações semelhantes devem se espalhar ainda pela Europa entre 12 e 15 de maio. “Acho que na Europa vai ser ainda maior que nos EUA”, analisa Carvalho, alegando o impacto da crise econômica como principal fator de mobilização. As autoridades nova-iorquinas e a polícia, desde o início do movimento, têm acompanhado e armado barricadas no entorno da nova sede, a Bolsa de Valores. E, como em outras iniciativas do Occupy - a exemplo da caminhada na Ponte do Brooklyn e do ‘Occupy Times Square’ -, as chances de confusão e prisões são grandes. “Nós sabemos [que teremos problemas] e fazemos piada até. Fulano sempre diz para o outro ‘Te vejo na prisão’”, diz o brasileiro. Revolução virtual Mesmo com a baixa de ativistas pela falta de espaço geográfico - e também por conta do inverno nova-iorquino -, o Occupy nunca deixou de existir, graças sobretudo à internet. O movimento manteve-se forte nas redes sociais - Twitter e Facebook -, além de diárias trocas de e-mails e por meio de informativos enviados via mensagem aos celulares de uma grande rede de cadastrados. “Vivemos a era do que nós chamamos de revolução ‘Virgeo’: virtual e geográfica”, pontua Carvalho. Segundo ele, diferentes núcleos controlam esses meios de informação, uma tendência, diz, de um movimento descentralizado, da “revolução no século XXI”. “Não temos um líder, um grupo. Temos vários coletivos e vários líderes. A palavra centralização não existe na nossa luta.” (Opera mundi)

Akira e Van Gogh

Quando Akira Kurosawa encontra Van Gogh por Eli Boscatto em 27 de abr de 2012 às 04:15 samurai6.jpg No filme Sonhos de Akira Kurosawa, a dimensão da obra de Van Gogh é uma das histórias. O cineasta encontra Van Gogh em sua obra através do personagem vivido por Martin Scorsese. O filme se baseia mais em imagens que no diálogo e foi exibido entre os filmes fora de competição no Festival de Cannes de 1990. No filme um estudante de artes entra nos quadros do pintor e tenta seguir seus passos e acaba por tomar algumas lições, e termina por perdê-lo no meio dos trigais do quadro Campo de Trigo com Corvos. Este é um filme arrebatador, mas para assistir com calma prestando atenção nas sutilezas das imagens. Suas poucas frases dizem muito. A obra Campo de Trigo é considerada derradeira, logo depois ele morreria segundo consta cometendo suicídio. Van Gogh foi considerado louco pois todo mundo se lembra dele porque teria cortado sua própria orelha. Mas pouco importa se era louco ou como ele morreu, afinal sua loucura tinha implícita uma lucidez criativa que o sobrepunha. As cores e os traçados das suas pinturas fazem o olhar delirar, especialmente quando ele pintava a natureza, os campos e o céu. Na obra Campo de Trigo com Corvos parece mesmo que ele flertava com a morte. Entre o amarelo dos trigais e o azul do céu; três caminhos, um sem saída e dois que levavam ao desconhecido, e a revoada de corvos, os mensageiros. A vida representada nas cores fortes e alegres dos trigais e do céu, o desconhecido e a morte nas cores mais escuras, e a fusão de Van Gogh nessa paisagem. A morte é assustadora, um assunto tabu principalmente no ocidente, queremos esquecer que começamos a morrer assim que nascemos. A finitude nos angustia e passamos a vida tentando nos eternizar de alguma forma, através dos princípios da ciência, das religiões ou da arte. Não é sem razão quando alguém disse que “a arte existe porque a vida não basta”. O eterno antagonismo entre Eros, o deus grego do amor que representa a vida e Tanatos, o deus da morte, duas forças contraditórias buscando se conciliar. Van Gogh mostra ao estudante de artes onde ele poderia encontrar inspiração. A pintura deve ser uma poesia muda e a poesia uma pintura que fale. (Plutarco) eliboscatto Artigo da autoria de Eli Boscatto. Curiosa, inquieta, adora se emocionar. Pretensa poeta.. Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/por_tras_do_espelho/2012/04/quando-akira-kurosawa-encontra-van-gogh.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29#ixzz1tHmW491K

Millôr, o gênio de direita

RESPOSTA DA CIGARRA A NIZAN GUANAES (Uma fábula tupiniquim de Millôr Fernandes) Posted: 25 Apr 2012 11:19 AM PDT RESPOSTA DA CIGARRA A NIZAN GUANAES A CIGARRA E A FORMIGA (2009) (Millôr Fernandes) Cantava a Cigarra Em dós sustenidos Quando ouviu os gemidos Da Formiga, Que, bufando e suando, Ali, num atalho, Com gestos precisos Empurrava o trabalho: Folhas mortas, insetos vivos. Ao ver a Cigarra Assim, festiva, A Formiga perdeu a esportiva: “Canta, canta, salafrária, E não cuida da espiral inflacionária! No inverno, Quando aumentar a recessão maldita, Você, faminta e aflita, Cansada, suja, humilde, morta, Virá pechinchar à minha porta. E, na hora em que subirem As tarifas energéticas, Verá que minhas palavras eram proféticas. Aí, acabado o verão, Lá em cima o preço do feijão, Você apelará pra formiguinha. Mas eu estarei na minha E não te darei sequer Uma tragada de fumaça!” . Ouvindo a ameaça, A Cigarra riu, superior, E disse com seu ar provocador: “Você está por fora, Ultrapassada sofredora. Hoje eu sou em videocassete Uma reprodutora! Chegado o inverno, Continuarei cantando – sem ir lá – No Rio, São Paulo Ou Ceará. Rica! E você continuará aqui Comendo bolo de titica. O que você ganha num ano Eu ganho num instante Cantando a Coca, O sabãozão gigante, O edifício novo E o desodorante. E posso viver com calma Pois canto só pra multinacionalma”. (Blog l. Nassif)

domingo, 29 de abril de 2012

Cinema

Herzog, Glauber e 'Cobra Verde' Humberto Pereira da Silva + de 400 Acessos Werner Herzog é sabidamente um cineasta idiossincrático. Seu longa-metragem de estréia, "Sinais de Vida" (1968), anuncia uma visão de cinema da qual se manterá fiel pelo menos até "Cobra Verde" (1987). Entre esses filmes, uma preocupação manifesta de exibir paisagens, ambientes e hábitos incomuns ao espectador habitual de cinema. Com isso, gerar desconforto e afrontá-lo em suas expectativas. Assim, embora seus filmes perfilem ao lado dos de Rainer Fassbinder, Margarette Von Trotta, Alexander Kluge, Volke Schlondörff e Wim Wenders, que encabeçam o movimento de renovação do cinema alemão nos anos 60 e 70, num ambiente de contestação política e social pós 68, o cinema herzoguiano possui características peculiares. Como decorrência, em certa medida ele se afasta de seus colegas de geração no Novo Cinema Alemão. Esse afastamento é admitido pelo próprio Herzog, que, idiossincrático, expressa em diversas entrevistas apenas simpatia com relação ao Novo Cinema Alemão. E suas declarações, de fato, precisam ser vistas com atenção: ao contrário de Fassbinder, ou Wenders, em Herzog temas de fundo histórico, social, político, não têm como propósito imediato revelar algo como o "espírito" alemão (o Zeitgeist a que se referiam os pensadores românticos). Por isso, ele se desloca frequentemente do ambiente político e social germânico para espaços geográficos distantes (América Latina, África, Austrália), em busca de realidades sociais e históricas marcadas pelo estranhamento, o inabitual, a convivência tensa entre personagens em confronto com a natureza ou ajustamentos culturais. É o que se vê na tetralogia "Aguirre, a Cólera dos Deuses" (1972), "Fitzcarraldo" (1982), "Onde Sonham as Formigas Verdes "(1984) e "Cobra Verde". Destes, o destaque aqui será para "Cobra Verde" (Distribuição: New Line Home Video), naquilo que assimila do Cinema Novo brasileiro, especificamente de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964) e "O Leão de Sete Cabeças" (1970), de Glauber Rocha. Ecos do cinema glauberiano podem ser encontrados em outros filmes de Herzog. Contudo, "Cobra Verde" não só é o filme herzoguiano em que a assimilação é mais flagrante como exige que se tenha atenção ao momento em que foi concebido. Assim, ao vê-lo é preciso considerar o ano de seu lançamento, 1987; ou seja, época em que o Novo Cinema Alemão - tanto quanto o Cinema Novo - era capítulo de manual de história do cinema. Nesse sentido, "Cobra Verde" é um objeto estranho em sua proposta de gerar estranhamento. Ao ver esse filme é preciso considerar também que nele a radicalização do bizarro, do grotesco: nas sequências finais, um figurante negro com deformação física caminha de quatro na praia. A imagem é indiscernível: sabe-se que é um ser humano, mas enxerga-se um animal. No confronto com o bizarro em Glauber, "Deus e o Diabo" exibe uma figurante que ouve, imersa entre outros figurantes, a prédica do Beato Sebastião com uma pedra na cabeça. A radicalização em Herzog deve-se ao fato dele isolar o figurante e, com isso, acentuar o choque que a imagem provoca. Mas se as imagens de "Cobra Verde" mimetizam as de Glauber, seu propósito é distinto. Ao contrário do diretor baiano, Herzog não propõe um cinema condicionado por injunções políticas. O confronto que se estabelece entre ambos é principalmente formal, na maneira como captam imagens com o intuito explícito de afrontar o espectador. "Cobra Verde", "Deus e o Diabo" e "O Leão" "Deus e o diabo" surpreendeu a crítica européia no Festival de Cannes em 1964, com suas imagens secas e alegóricas do sertão nordestino. Nesse filme, imagens que, mesmo para brasileiros dos grandes centros urbanos, eram inusitadas. Glauber, com seus enquadramentos em forte contraste com a estética cinematográfica dominante, possibilitados pelo recurso da "câmara na mão", trouxe efetivamente uma novidade. Por isso, revistas conceituadas como Cahiers du Cinéma e Positif, na França, foram sensibilizadas por sua estética e expandiram o olhar europeu para o que se fazia no que na época era o chamado Terceiro Mundo. Ou seja, com o Cinema Novo e Glauber a crítica européia passou a ter um viés menos autoreferencial e inseriu na pauta de debates uma maneira de fazer cinema que escapava aos códigos vigentes. Há, de fato, razões específicas no contexto cultural e político dos anos 60 que explicam a aderência da crítica européia ao projeto de cinema proposto por Glauber. Mas aqui, interessante observar, como o Novo Cinema Alemão assimilou elementos da estética glauberiana, com destaque inequívoco para Werner Herzog. Desde seus primeiros filmes, como se vê em "Sinais de vida", "Os Anões Também Começaram Pequenos" (1970) e "Fata Morgana" (1970), o propósito de mostrar uma realidade dura, impalpável, castigada por um sol escaldante, que torna as imagens chapadas, sem contraste. Herzog, então, aponta a câmara para lugares inóspitos, culturas, povos e personagens que causam inevitável perda de referência, com respeito ao que se via no cinema. As imagens em seus filmes não só não eram habituais como escapavam a qualquer vínculo com posts turísticos. Essa maneira de conceber o cinema, esse ardor militante, preocupação em romper e instituir um marco (o cineasta se desloca de uma posição confortável em busca do exógeno, de uma realidade que exige acomodação), foi em grande parte mimetizada do Cinema Novo brasileiro. Tanto quanto Glauber, Herzog mergulha num universo simbólico no qual os códigos são imprecisos, do ponto de vista da racionalidade cinematográfica de então. Ambos transitam numa realidade cuja paisagem, e a ação dos personagens, afronta a expectativa comum. Para ambos o cinema é uma espécie de campo em que as imagens não são cômodas e sim visam tirar o espectador de sua passividade e confrontá-lo com um objeto que, ao mesmo tempo, se presta à apreciação estética e exige uma tomada de posição. Com isso, Glauber e Herzog propõem um tipo de cinema exasperante, incômodo, no qual o grotesco e o estranhamento se apresentam para revelar que a realidade tem uma dimensão mais ampla que aquela de um olhar compassivo, acostumado a ver o cinema como veículo que visa apenas a agradar. Esse é, então, um caminho que se oferece ao espectador: ver como "Cobra Verde" mimetiza imagens principalmente de "Deus e o Diabo" e "O leão". "Cobra Verde" narra a trajetória de um temível bandido. Natural do sertão nordestino, Francisco Manuel da Silva, o Cobra Verde, transita no intermezzo entre a proibição do tráfico de escravos e sua abolição. Ele serve a um coronel de engenho, o maior produtor de açúcar em Pernambuco (o roteiro foi extraído do livro "O vice-rei de Vidá", de Bruce Chatwin, mas, vale ressaltar, o auge do ciclo do açúcar no nordeste deu-se no século XVII e não no XIX, época em que a ação se passa), por isso, a justificativa da mão escrava e a manutenção ilegal do tráfico. Neste entrementes, Cobra Verde acaba por engravidar as filhas do coronel e como pena é enviado a Elmina, na costa ocidental africana, no reino de Daomé, com o objetivo de ativar o tráfico, mas numa missão suicida: acreditava-se que, por causa da tensão entre clãs rivais, ele seria morto. Vejamos, então, como "Cobra Verde" assimila elementos da estética glauberiana. Herzog abre seu filme com um repentista que canta, mediante pagamento, a história de Cobra Verde. Em seguida à cantoria de abertura, a imagem da desolação com a casa paupérrima em que habitava com a mãe, que acabara de morrer. Corte e uma panorâmica da terra seca e calcinada, enquanto os créditos aparecem na tela. Mais um corte e um enquadramento fechado no rosto de Cobra Verde; a câmara faz um zoom invertido e vê-se que ele está ajoelhado e apoiado sobre a cruz colocada na cova de sua mãe; ao fundo, imagens de carcaças de animais espalhados; a câmara, então, gira, em sentido horário e capta toda a vastidão do espaço sem vida até tornar a Cobra Verde, que permanece ajoelhado. Novo corte e uma vaca agoniza no chão. Por fim, a sequência inicial se encerra com a imagem da vegetação seca e contorcida. Essas imagens de abertura quase se repetem quadro a quadro na abertura de "Deus e o Diabo". Na primeira imagem do filme de Glauber, uma panorâmica em sobrevoo da paisagem sertaneja e sua vegetação típica; a câmera se movimenta da direita para a esquerda e a paisagem se mantém intacta, nenhuma alteração em sua aridez, nenhum contraste, senão dos créditos que aparecem na tela. Corte e um enquadramento fechado no rosto de uma vaca em estado de putrefação; em contraponto, o rosto do vaqueiro Manuel, num enquadramento fechado; seu semblante dá sinais de resignação e preocupação, diante do animal morto. Corte novamente e a câmara, em plongée, acompanha os movimentos de Manuel, que se afasta do animal, monta o cavalo e segue adiante. Por fim, ele encontra o Beato Sebastião e seus seguidores; as imagens, tremidas, se alternam entre Manuel e o séquito em torno do Beato. Com essa descrição, vê-se praticamente a mesma situação: a paisagem inóspita e um personagem imerso num habitat inclemente. É flagrante a assimilação das imagens iniciais de "Deus e o Diabo" em "Cobra Verde". Mas elas revelam também as diferenças de propósito entre Glauber e Herzog. Cobra Verde permanece parado, enquanto lamuria a morte da mãe; já Manuel se movimenta diante da adversidade. Desse imobilismo decorre uma postura niilista, indiferente, desdenhosa quanto ao que o circunda; já a movimentação de Manuel traz os sinais de sua errância: entre o fanatismo religioso e a violência do cangaço, a esperança de mudar a ordem do mundo e reverter sua condição miserável. Mas a assimilação de elementos de "Deus e o Diabo" não se restringe à sequência de abertura. Há igualmente outra sequência na qual podem ser traçados paralelos com "Cobra Verde", a da aparição de Antonio das Mortes. Nas primeiras imagens de Antonio, numa montagem rápida, com diversos saltos, ele desponta atirando e matando. Em seguida, um travelling perscruta seu andar solitário no vilarejo a que chega. Antonio caminha e as pessoas olham-no, assustadas. Herzog inverte a ação violenta de Cobra Verde e a transporta para o final da sequência. De resto, se tem praticamente a mesma situação: um vilarejo com casas simples, animais que dividem espaço com as pessoas, ambos carregam uma arma de cano longo em punho, vestem uma espécie de capa e não deixam dúvida que suas presenças criam um clima de apreensão. Em relação às sequências iniciais, contudo, não há a quase repetição dos planos. Glauber privilegia o travelling e estende a duração da cena, marcada pela letra cantada por Sergio Ricardo. Em Herzog, por outro lado, uma montagem lenta, com alternância entre o andar de Cobra Verde e, de modo acentuado, o enquadramento fechado em seu rosto. Respeitadas as diferenças, as duas sequências satisfazem ao mesmo objetivo: exibir um personagem solitário, taciturno, que atemoriza e potencializa a força de um batalhão: Antonio das Mortes sozinho dizima os seguidores do Beato Sebastião; Cobra Verde foi enviado para a África porque o coronel temia que tentar matá-lo resultaria no sacrifício de muitos homens. Pode-se evocar que o espírito dessas cenas foi extraído de Sergio Leone em "Por um Punhado de Dólares" (1964): um pistoleiro solitário chega a uma cidade. Mas basta confrontar as datas de lançamentos e ver que "Deus e o Diabo" antecede ao western de Leone. Glauber exibiu "Deus e o Diabo" no mês de maio de 1964, no Festival de Cannes; já o filme de Leone foi lançado na Itália em setembro do mesmo ano (Fonte: http://www.imdb.com/title/tt0058461/releaseinfo). Ou seja, é praticamente improvável que Glauber soubesse do personagem de Leone para compor Antonio das Mortes. Além disso, ele foi diversas vezes solicitado a responder como havia criado seu personagem. E ele sempre se refere a histórias de jagunços que ouvia na infância. Deve-se considerar, ainda, que Glauber se dizia influenciado pelo western de John Ford e a figura do pistoleiro solitário em Ford é distinta da maneira como Antonio das Mortes é concebido. Da mesma forma que em "Deus e o Diabo", "Cobra Verde" também assimila elementos de outro filme glauberiano: "O Leão de Sete Cabeças". As semelhanças são encontradas na maneira como, nas ações que passam na costa africana, Herzog aponta a câmara para os rituais e a coreografia dos habitantes de Elmina. Como Glauber, a mesma preocupação em acentuar a dimensão religiosa, a crença numa mitologia de que não se pode racionalizar com padrões ocidentais. A assimilação de "O Leão" em "Cobra Verde" é flagrante na sequência em que Herzog filma um sacerdote branco que oferece hóstia aos nativos. Num espaço aberto, a presença de uma entidade invisível sentada num trono; o acesso a essa entidade, que paira sobre todos, se dá por meio de um gestual fechado à compreensão ocidental. Na continuidade da cerimônia, com a câmara fixa em plano médio, as pessoas em fila aguardam o recebimento da hóstia. O sacerdote, então, avança e coloca a hóstia na boca dos fiéis, até que, por último, a câmara se movimenta e enquadra a cabeça de um cabrito, que também recebe o Corpo de Cristo. A cerimônia mostra a presença da Igreja entre os nativos, mas, ao mesmo tempo, que essa não ocorre com o total apagamento de suas crenças. Pela hóstia os nativos recebem o Corpo de Cristo; mas, sem qualquer diferença com os humanos, uma besta também O recebe. Esse sincretismo entre o cerimonial cristão e a sobrevivência de crenças ancestrais também está presente em "O Leão": novamente numa cerimônia religiosa em espaço aberto com os fiéis enfileirados. A câmara realiza um travelling da direita para a esquerda, exibe o tamanho da fila e se retém numa espécie de altar onde, sobre o púlpito, há uma caixa com uma cruz entalhada em sua lateral. Os fiéis (ou convertidos à fé cristã) colocam a mão esquerda sobre a caixa e recebem orientação de um sacerdote negro para que orem (ou evoquem o sagrado por meio de falas e gestos) na direção de um ponto fora do campo. O rito guarda similaridades com o que seria o recebimento do Corpo de Cristo na Eucaristia. Mas a ambiência e os gestos revelam que a presença de símbolos cristãos não apaga as crenças nativas. Nessas duas situações, filmadas em plano sequência, o mesmo objetivo: exibir uma cerimônia que gera desconforto; em suma, que afronta. Além das situações descritas, vale observar, ainda, que tanto Glauber em "Deus e o Diabo" e "O Leão" quanto Herzog em "Cobra Verde" não exibem matizes psicológicos em seus personagens: Cobra Verde não é propriamente um indivíduo, mas um espectro, uma força para a qual não há identificação com o ambiente em que circunda. Uma força que para nós se acentua com a dicção alemã no meio da caatinga; mas que, justamente pela presença da caatinga, não deve gerar estranhamento menor nos alemães. Antonio das Mortes, Manuel ou Pablo, personagem guerrilheiro de "O Leão", também não são propriamente indivíduos e sim forças que se movem num mundo que opõe opressão e resistência. A considerar que ambos procuram apagar complexidades psicológicas em seus personagens, também é verdade que, no modo como são concebidos, há acentuada diferença entre Glauber e Herzog. Cobra Verde transita num mundo marcadamente absurdo, surreal; forças sociais ou tensões políticas estão presentes, mas sua relação com elas é marginal, anárquica, indiferente. Não que ele seja passivo ao que acontece, pelo contrário, mas nele principalmente a condensação de uma figura o tempo todo exposta à lei do acaso, às forças da natureza ou injunções de toda ordem. Sujeito às circunstâncias, ele ao mesmo tempo lidera uma rebelião vitoriosa e não consegue, na sequência final do filme, mover uma canoa próxima ao mar e assim se aventurar a retornar ao Brasil, uma vez que a abolição dos escravos torna sua presença na costa africana sem sentido. Os personagens glauberianos, por outro lado, são arquétipos de forças sociais e políticas que se movem na vastidão do sertão ou nas savanas africanas. O vaqueiro Manuel e Antonio das Mortes em "Deus e o Diabo" ou o guerrilheiro Pablo em "O Leão" carregam signos de sobrevivência ou rebeldia; seus destinos estão amarrados ao movimento da história e suas contradições. Em Glauber a força dos personagens reside na possibilidade de desencadear ou incitar transformações sociais e políticas. Um projeto estético de afrontamento A assimilação de elementos da estética glauberiana em "Cobra Verde" possibilita algumas observações. Primeiro, a percepção de que entre as décadas de 1960 e 1970 cineastas de diferentes cantos do mundo se movimentavam em função de projetos com características comuns, num diálogo incessante entre ideias e imagens. Herzog foi para as Ilhas Canárias e fez "Os Anões"; Glauber, praticamente na mesma época, estava no Castelo de Ampúrias, na Catalunha, e fez "Cabeças Cortadas". Ambos se deslocam à procura de paisagens inabituais, de hábitos e práticas culturais que não eram exibidas. Assim, quando Herzog fez "Cobra Verde", não se trata de mera assimilação, mas no fato de que ambos comungavam uma visão similar de cinema: revelar de igual modo as possibilidades de se fazer cinema em condições difíceis, tanto de filmagens quanto financeiras, e apresentá-lo de modo a tirar o espectador da condição passiva. Essa maneira de entender o cinema tinha como pressuposto exibir imagens que afrontassem, numa espécie de pacto que exige pegar ou largar. Segundo, a repercussão internacional de "Deus e o Diabo", seguida do manifesto "Estética da fome" (1965), inicia a proposta de cinema de afrontamento, que tem em Herzog um grande seguidor. Pode-se evocar que "Pather Panchali" (1955), do indiano Satyajit Ray, antecipa um tipo de cinema no Terceiro Mundo que coloca o espectador diante do inabitual. Respeitado o inequívoco valor e importância de Ray, sua proposta estética é distinta da de Glauber. Ainda que exiba paisagens e personagens inabituais, sua narrativa é conduzida de modo a "explicar" a psique dos personagens. Em termos glauberianos, em Ray o exótico aplaca a má consciência burguesa. Finalmente, "Cobra Verde", cuja recepção não teve o mesmo impacto junto ao público e à crítica que os filmes anteriores de Herzog, de certo modo é a pá de cal nessa proposta de cinema de afrontamento. O prenúncio do esgotamento dessa maneira de entender o cinema é revelado com a recepção negativa de "A Idade da Terra", de Glauber, no Festival de Veneza de 1980. Nesse sentido, o filme de Herzog é um último suspiro, um ato de resistência. A partir da década de 1980 o cinema segue uma nova trilha. Herzog, ao contrário de Glauber, sobreviveu para ver essa trilha e praticamente abandonou o cinema de ficção; a partir de então, sua filmografia voltou-se quase totalmente para o documentário. De "Cobra Verde" em diante, seu cinema ficcional indaga, antes, se cairá ou não no gosto do público. O diálogo entre cineastas com o propósito de afrontamento cedeu espaço a projetos individuais, conformados ao mainstream, voltados essencialmente a uma agradabilidade prévia de público e crítica. Sim, é possível encontrar momentos isolados aqui e ali. Mas não deixa de ser sintomático que o cinema do Irã, Abbas Kiarostami, ou mais recentemente o de Taiwan, Wong Kar-wai, desconfortantes e perturbadores no início, logo se ajustaram a acolhida calorosa de público e crítica: "Cópia Fiel" (2010), de Kiarostami, é cópia fiel do gabarito: afasta-se do afrontamento e serve-se à estética burguesa, para concluir com Glauber. Humberto Pereira da Silva (Digest. Cultural)

Homossexualidade

Após tentar 'curar' homossexualidade, ex-evangélico cria igreja GLS Luís Guilherme Barrucho Da BBC Brasil em São Paulo Atualizado em 27 de abril, 2012 - 06:34 (Brasília) 09:34 GMT Facebook Twitter Share Enviar a página Versão para impressão O pastor Marcos Gladstone (à dir.) beija seu parceiro, Fábio Inácio, durante seu casamento / Foto: Arquivo pessoal Marcos Gladstone fundou igreja junto com seu parceiro em 2006 Convertido aos 14 anos a uma igreja evangélica, o carioca Marcos Gladstone, de 36 anos, hoje gay assumido, sempre acreditou que seria "recuperado" da atração que sentia por homens. Durante quatro anos, ficou noivo de uma mulher, mas pouco antes de se casar, decidiu revelar à família dela sobre sua orientação sexual. Notícias relacionadas Gays correm para cartórios na Espanha para se casar antes de eleições Cidade do interior de SP realiza nesta terça 1º casamento gay do Brasil Forças armadas dos EUA tem beijo de lésbicas após fim de veto a gays Tópicos relacionados Brasil, Comportamento, Religião "Não sentia amor pela minha noiva; apenas amizade. Quando disse à família dela que era gay, a fofoca se espalhou rapidamente. Ela chegou a ficar três dias sem comer", recorda. Vítima de preconceito, Gladstone resolveu fundar em 2006, junto com seu parceiro, Fábio Inácio, de 31 anos, a "Igreja Cristã Contemporânea", pregando "um discurso de tolerância" e voltada predominantemente para o público gay. No início, contavam apenas com cinco membros. Hoje, a igreja já tem 1,2 mil fiéis e seis filiais espalhadas pelo Brasil, além da sede no Rio de Janeiro. Festas temáticas Fiéis dançam no festival EletroGospel, promovido por Lanna Holder / Foto: Divulgação Baladas gospel são uma das formas de igreja integrar novos membros Uma das formas encontradas pelas igrejas inclusivas para atrair novos fiéis e integrá-los aos membros antigos é promover festas temáticas. Na igreja 'Comunidade Cidade de Refúgio', fundada por Lanna Holder - ex-missionária da igreja evangélica Assembleia de Deus que acabou expulsa por ser lésbica - são comuns as baladas gospel, realizadas uma vez por mês. Na festa, chamada de "EletroGospel", bebidas alcoólicas não são permitidas. "O objetivo é que todos se divirtam com moderação. Somos cristãos e, portanto, contra qualquer promiscuidade", afirmou Lanna. Já na 'Igreja Cristã Contemporânea', os fiéis são convidados a participar de retiros espirituais, que ocorrem durante o Carnaval. Segundo Gladstone, a igreja recebe centenas de e-mails por dia de gays que têm medo de "sair do armário". "Nosso trabalho é de aconselhamento. É muito importante que um jovem homossexual não se sinta sozinho mesmo quando a família não aceita sua orientação sexual." (BBC Brasil)

Revolução

“Intelectuais têm pavor de revolução” por Jade Percassi, do Brasil de Fato ina camargo ciadolatao 199x300 “Intelectuais têm pavor de revolução” Iná Camargo. Foto: Cia do Latão Para Iná Camargo, quando um mero intelectual diz que o projeto socialista está fora de pauta, ele está simplesmente expressando seu mais profundo desejo que nunca entre mesmo na pauta. A professora Iná Camargo Costa, nesta entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, fala sobre arte e política em tempos de crise. Para ela, a arte convencional, uma das melhores expressões do fetichismo da mercadoria, em todas as suas modalidades, inclusive as chamadas vanguardas, é politicamente comprometida com os valores dominantes. A professora, que acompanhou de perto a luta dos grupos teatrais, principalmente de São Paulo, por políticas públicas para a cultura, afirma que não acha que o caminho da disputa pelos recursos públicos seja revolucionário. Para ela, o preço que os trabalhadores da cultura pagam pela opção reformista é a reprodução interna, tanto subjetiva quanto no plano da organização do trabalho, do que a vida no capitalismo tem de pior. Para Iná, na prática os artistas reproduzem todas as relações necessárias à manutenção do modo de produção capitalista e, reivindicando parte dos recursos públicos para a produção das suas obras e garantia da sobrevivência, demonstram estar completamente integrados ao sistema. “Todos pagam o preço da invisibilidade, inclusive política, a que estão condenados os que não se colocam como estratégia o confronto revolucionário com o monopólio dos meios de produção cultural”, afirma. Iná Camargo – que atualmente, atua como dramaturgista da Cia Ocamorana de teatro e que anunciou que por ocasião de seu sexagésimo aniversário faz sua despedida de eventos públicos “de qualquer natureza” – afirma que o problema, portanto, não é reiterar que “o projeto socialista está tão fora de pauta”, mas discutir por que as organizações políticas, tanto partidos quanto movimentos, não o colocam em pauta. E coloca um critério: quando um mero intelectual diz que o projeto socialista está fora de pauta, ele está simplesmente expressando seu mais profundo desejo que nunca entre mesmo na pauta, pois intelectuais têm pavor de revolução. Brasil de Fato – Em recentes participações em debates políticos, você tem reafirmado a presença histórica das linguagens artísticas nos processos políticos mais amplos, revolucionários e contrarrevolucionários. Quais os casos mais emblemáticos dessa relação entre arte e política? Iná Camargo Costa – Começando por colocar a questão em termos bem amplos, é preciso lembrar que as chamadas linguagens artísticas estão presentes o tempo todo em nossas vidas e sempre traduzem os valores da classe dominante. Basta prestar atenção ao modo de ser das nossas cidades, voltadas que são às necessidades do escoamento dos produtos da indústria automobilística: todos os sinais de trânsito exploram linguagens artísticas, desde as faixas de pedestres até as amplas avenidas, os parques, as pontes estaiadas etc. O discurso político, por mais convencional e conservador que seja, sempre tem ingredientes artísticos. A arte convencional, uma das melhores expressões do fetichismo da mercadoria, em todas as suas modalidades, inclusive as chamadas vanguardas, é politicamente comprometida com os valores dominantes. Nos debates de que participei ultimamente, a solicitação era tratar dos diferentes modos como artistas interessados no ponto de vista dos trabalhadores podem enfrentar esteticamente esses valores dominantes. Entendendo que o interesse era a luta de classes tal como se manifesta na trincheira da produção artística, achei que seria o caso de lembrar alguns episódios que a própria história da luta de classes já produziu, tanto no plano reformista quanto no revolucionário. Um critério político-dialético aqui é importante: até outubro de 1917 (revolução soviética), as manifestações reformistas podiam ser consideradas progressistas, mas depois da revolução elas adquirem um caráter contrarrevolucionário, de obstáculo claro ao avanço das funções e das próprias linguagens artísticas. Sem meias palavras: o mesmo critério que vale para a política vale para as artes. Sem perder mais tempo com a arte contrarrevolucionária que nos assedia durante 24 horas por dia, passemos ao interesse pela revolucionária. Neste caso é obrigatório tratar daquilo que foi feito nos anos que se seguiram à revolução soviética. Como meu maior interesse é teatro, as intervenções que andei fazendo acabaram se voltando para o teatro de agitprop, a manifestação mais revolucionária possível em matéria de arte, de acordo com o critério acima enunciado. Por isso vou me referir apenas às relações entre política e agitprop. Os artistas que se dedicaram a ele – e entre os mais conhecidos estão Maiakóvski, Meyerhold e Eisenstein, para ficar só no campo do teatro – já tinham uma posição política clara: Maiakóvski e Meyerhold eram militantes do partido bolchevique e Eisenstein integrou-se diretamente ao exército vermelho em 1918. Para eles, a função da arte revolucionária era participar da luta pela construção do poder soviético – o mais democrático já inventado pela humanidade – de todas as formas possíveis, desde fazendo a propaganda direta do ponto de vista revolucionário sobre as questões da ordem do dia, até inventando formas totalmente inéditas, como a do “processo de agitação” em que o público era diretamente treinado para participar dos sovietes com desenvoltura e conhecimento de causa. Sendo o agitprop, disparado, a minha forma preferida de arte, nem gosto muito de perder tempo com as outras. Simplificando bastante: as relações são antes dos artistas, do que das artes, com a política. Os que se decidem por um caminho revolucionário são livres para inventar as melhores maneiras de aproveitar todas as linguagens disponíveis. No mesmo processo, acabarão inventando suas formas próprias, ou inéditas, como foi o caso do teatro jornal, do processo de agitação, da peça dialética e assim por diante. No caso brasileiro, qual foi o papel da produção artística na disputa de hegemonia ao longo da história recente? Vamos combinar que eu não gosto muito de “disputa de hegemonia”, pois aqui no Brasil essa expressão assumiu desde os anos de 1970 uma conotação abertamente reformista, pela qual não tenho nenhuma simpatia. Isso no plano da política, porque no plano da arte ela pode ser tranquilamente absorvida pela expressão mais verdadeira, que é “disputa de mercado”. Dito isto, é preciso reconhecer que desde fins do século 20 há uma forte movimentação de jovens supérfluos (que não encontram emprego no mercado cultural) tentando desenvolver uma produção artística fora do mercado, tanto para criticá-lo quanto se esforçando para fazer alguma coisa que pode ser identificada como “disputa de hegemonia”. Se não há dúvida sobre o fato de que isto realmente é feito em termos de obras, isto é, no plano simbólico, já não se pode dizer o mesmo quanto à estratégia, pois esses trabalhos desenvolvidos à margem do mercado cultural não têm a mais remota condição de disputar absolutamente nada com ele em termos de alcance. Basta pensar no número de pessoas que um capítulo de novela atinge e o número de pessoas que um trabalho de teatro de grupo tem a possibilidade de alcançar. Não é por outra razão que a chamada “Cultura fora do eixo” põe em pânico tantos militantes do teatro de grupo. Eu diria que, no âmbito do mercado que realmente está sendo disputado, eles, pelo menos, não são hipócritas, jogam limpo. Já disseram que é de mercado que se trata e se habilitam a disputar o fundo público para essa finalidade, inclusive deixando claro que estão muito bem sintonizados com estes tempos de “empreendedorismo” que caracteriza a ação de todo mundo no campo cultural. Os que dizem disputar hegemonia precisam esclarecer melhor seus próprios objetivos, pois enquanto não o fazem estão perdendo de goleada para os militantes da “economia da cultura”. Há exemplos na atualidade que indicam uma reativação desse fazer artístico que assume sua vocação eminentemente política? Acho que os grupos teatrais, ou as brigadas, que se desenvolveram no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), claramente reativam a vocação eminentemente política do teatro, até porque foram criadas pela própria direção do movimento que desde o começo considerou necessária também a intervenção no âmbito cultural. Por haver esse processo no interior de um movimento político, os grupos teatrais que se aproximaram do MST – e isto no Brasil inteiro, a começar pelo Rio Grande do Sul – também desenvolveram essa vocação. Por outro lado, veteranos de outros episódios de politização mais ampla no país, como o União e Olho Vivo de São Paulo, entre outros, nunca perderam esse espírito. Mas todos pagam o preço da invisibilidade, inclusive política, a que estão condenados os que não se colocam como estratégia o confronto revolucionário com o monopólio dos meios de produção cultural. Quanto aos grupos teatrais mais jovens, que apareceram nas ondas criadas por movimentos como o “Arte contra a barbárie” e “Redemoinho”, por serem majoritariamente integrados por filhos da classe média, é possível observar neles o interesse por essa reativação de um fazer artístico politizado em graus variados. Nota-se isso sobretudo nos assuntos, nos temas abordados e na opção por formas diversas do teatro épico. Mas a condição de classe média pesa muito, todos oscilam tipicamente entre euforia e depressão e, sobretudo, muitos reagem mal a qualquer proposta de organização política mais efetiva. Por isso o Movimento dos Trabalhadores da Cultura está demorando tanto para decolar. Tem muita gente que ainda acha que artista não é trabalhador! Em que medida a organização interna dessa(s) categoria(s) se fortalece e/ou se fragiliza ao se deparar com as contradições da disputa por recursos públicos e a contribuição para a elaboração de um política cultural junto ao Estado? Essa questão tem pouco interesse para mim, pois não acho que o caminho da disputa pelos recursos públicos seja revolucionário. O preço que os trabalhadores da cultura pagam pela opção reformista é a reprodução interna, tanto subjetiva quanto no plano da organização do trabalho, do que a vida no capitalismo tem de pior: começando pelo consumo privilegiado (por ser sempre e necessariamente para poucos) de todos os bens produzidos pela classe trabalhadora – de alimentos a verbas públicas (a renda do Estado provém da mais-valia arrancada dos trabalhadores agrícolas, industriais e dos serviços, não é mesmo?) – e culminando com a reprodução entre eles mesmos da estrutura social mais geral, na qual quem tem mais pode mais, prevalece a hierarquia do saber, a administração das pessoas, o paternalismo mais odioso, inclusive reclamado pelos mais jovens e assim por diante. Isto é: na prática os artistas reproduzem todas as relações necessárias à manutenção do modo de produção capitalista e, reivindicando parte dos recursos públicos para a produção das suas obras e garantia da sobrevivência, demonstram estar completamente integrados ao sistema. Não dá para imaginar que daí saia alguma alternativa revolucionária. Por isso venho perguntando com insistência aos artistas: vocês acham possível se dar bem e ser feliz neste mundo, tal como ele está organizado, ou a sua felicidade pessoal e profissional depende de uma mudança total? É claro que “mudança total” é código para revolução… Do ponto de vista da disputa com a indústria cultural, há condições da produção artística alinhada com os interesses da classe trabalhadora confrontar o que está sendo imposto pela lógica do capitalismo? Quando um projeto socialista parece “tão fora de pauta” para a grande massa de trabalhadores não organizados, sem consciência de classe, etc.) Enquanto não aparecer um movimento ou partido que ponha essa questão na ordem do dia, por certo que não há condições subjetivas. Quanto às objetivas, elas estão dadas desde a própria revolução de outubro. Aliás, este ponto já foi tratado por revolucionários como Lenin e Trotsky e, no Brasil, foi desenvolvido artisticamente por Mário de Andrade numa ópera chamada Café. Nesta obra acontece uma revolução que culmina com a tomada revolucionária dos meios de comunicação. No caso, o rádio. O problema, portanto, não é reiterar que “o projeto socialista está tão fora de pauta”, mas discutir por que as organizações políticas, tanto partidos quanto movimentos, não o colocam em pauta. Em outras palavras, desmascarar as organizações políticas que, ao insistir no ponto, continuam empurrando com a barriga a ação reformista que é, repito, contrarrevolucionária. Um critério: quando um mero intelectual diz que o projeto socialista está fora de pauta, ele está simplesmente expressando seu mais profundo desejo que nunca entre mesmo na pauta, pois intelectuais têm pavor de revolução. Mas quando um dirigente partidário ou de movimento organizado diz a mesma coisa, ele está expressando o caráter reformista de sua própria organização, ou pelo menos da tendência que ele representa nessa organização. Um contraexemplo é o discurso do Gilmar Mauro no último congresso do MST. Como você resumiria então os desafios correntes para a ativação simbólica da luta de classes? Acho que já respondi a questão, mas especifiquemos um pouco mais. Não podemos ter a veleidade de achar que artistas sem qualquer vínculo com organizações revolucionárias propriamente ditas sejam capazes de avançar nessa ativação simbólica da luta de classes, para além do que já fazem em seus trabalhos, às vezes até sem consciência. Antes de mais nada, eles próprios precisam entender o que seja luta de classes pois, enquanto não o fizerem, nem ao menos saberão qual o seu lugar nessa luta. E nessa ignorância política tenderão sempre a reproduzir os valores dominantes. Para estes casos, recomendo sempre a leitura dos escritos políticos de Brecht, que nunca tergiversou sobre a questão. Ele diz com todas as palavras que o proletariado espera pelo menos três serviços dos intelectuais e, portanto, dos artistas: a) que desintegrem a ideologia burguesa (nos dois sentidos: cair fora e denunciar, criticar até reduzir a pó); b) que estudem, compreendam, expliquem e exponham artisticamente, sempre de maneira crítica, as forças que movem o mundo e c) que façam a teoria e a arte avançarem na direção dos seus interesses. Simplificando: ultrapassar o estágio em que os artistas se encontram, de completa ignorância política, é o principal obstáculo. Se este obstáculo for ultrapassado, os demais serão mais facilmente superados. * Publicado originalmente no site Brasil de Fato. (Brasil de Fato)

sábado, 28 de abril de 2012

Millôr, o gênio de direita

"Viver é desenhar sem borracha", para começar. Uma frase que engloba tantos sentidos. Se pensarmos metaforicamente, a borracha pode ser q (Millôr)

França

Marine Le Pen quer derrotar Sarkozy e liderar direita francesa O grande projeto da extrema-direita francesa é tornar-se o partido eixo de todas as direitas do país. O seu eleitorado é composto por camponeses, 29% de operários, 33% de pobres e jovens de origem popular. Em resumo, 70% dos eleitores frentistas são oriundos das classes populares, ou seja, o segmento mais golpeado pela crise e pela política de Sarkozy. Marine Le Pen vendeu a eles seu conto de se livrar dos estrangeiros e sair do euro. Agora, ela quer derrotar Sarkozy. Eduardo Febbro - De Paris Paris - Marine Le Pen está muito perto de realizar seu projeto: “fazer explodir o sistema político”. Ainda falta uma etapa, mas o que já tem muito próximo é a explosão da direita governante, o partido União por uma Maioria Popular (UMP), criado por Nicolas Sarkozy. Seu resultado no primeiro turno das eleições presidenciais do domingo, 17,90% dos votos, a colocaram como peça-chave no tabuleiro político francês. A guerra suja pela conquista de seus eleitores já começou. O presidente candidato Nicolas Sarkozy e François Hollande dependem hoje do que farão os 6.421.773 eleitores que optaram pela extrema-direita e os 3.275.349 que votaram no centrista François Bayrou. A quadratura do círculo são os eleitores da Frente Nacional. Marine Le Pen não deu nenhuma declaração de voto e o mais provável é que chame o voto em branco. A candidata frentista já está pensando nas eleições legislativas de junho com um enfoque baseado no mesmo objetivo adotado na disputa presidencial: contra os partidos majoritários, o Partido Socialista e a União por uma Maioria Popular de Nicolas Sarkozy. Ambos, diz essa advogada de 43 anos, são ramos da mesma enfermidade. O futuro político da França depende da versão mais obscena e indecente da ação política: xenófoba, negacionista, anti-semita, anti-muçulmana, anti-euro e uma longa lista de outros lamentáveis “anti”. Com os votos obtidos no primeiro turno a filha do fundador da ultradireitista Frente Nacional está também dando razão à estratégia do principal conselheiro de Nicolas Sarkozy, Patrick Buisson. Esse homem oriundo da extrema-direita luta pela união de todas as direitas para “regenerar a sociedade”. Marine Le Pen tem os meios de fazer voar em pedaços a plataforma da direita clássica, em cujo interior coabitam uma direita conservadora-liberal, uma direita “nacional” e uma direita social. Marine Le Pen instalou o que ela mesma chamou de “marinismo sem complexos”, ou seja, a aceitação da Frente Nacional como um partido a mais, sem a aura diabólica que acompanhou os anos em que seu pai fundou e dirigiu o partido. Os conservadores estão seguros de levar o segundo turno em maio. Juntos, o total dos votos da direita é majoritário: Sarkozy, mais Le Pen, mais Bayrou e Nicolas Dupont-Aignan somam 56%. Essa é a contabilidade otimista que faz a equipe do chefe de Estado. Os socialistas, com todas as forças de esquerda unidas com eles, chegam a 43,7%. No entanto, a transferência de votos entre os dois turnos não é automática em sua totalidade. 68% dos eleitores da Frente Nacional votariam em Sarkozy, 18% em Hollande e 22% se absteriam. Quanto aos centristas, um terço optaria por Hollande, outro terço por Sarkozy e um outro terço escolheria a abstenção. O problema está em que esses dados são variáveis: cada pesquisa oferece um cenário distinto da transferência de votos. As diferenças entre elas são abismais. Isso não muda o desafio: indiscutivelmente, é a extrema direita que administra o jogo. Sarkozy e Hollande tem dificuldades quase semelhantes: para ganhar, Sarkozy necessita conquistar duas categorias de eleitores opostas: os centristas e os ultra-direitistas. Em cinco anos de mandato, nunca conseguiu realizar essa síntese. Hollande precisa fazer o mesmo, ainda que com duas diferenças: em primeiro lugar, ele ganhou o primeiro turno no último domingo, o que constitui tanto um efeito positivo como uma vantagem; em segundo, os votos da Frente de Esquerda, de Jean-Luc Mélenchon, e da ecologista Eva Joly, estão em seu campo. Ambos os candidatos já abriram o voto para ele. Consciente dessa desvantagem, Sarkozy saiu para o ataque. Acusou os socialistas de ter pretendido “instalar” na presidência o ex-diretor gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn. Esse brilhante economista francês era o ultra-favorito das pesquisas, mas despencou no abismo por causa de dois escândalos sexuais consecutivos, um em Nova York, com uma empregada do hotel Sofitel, e outro na França, com uma história envolvendo prostitutas. O presidente candidato se dirigiu aos eleitores da Frente Nacional, “a França que sofre”. “Eu os escutei”, disse o mandatário. Não há dúvidas disso. Passou cinco anos na chefia do Estado flertando com os vapores da extrema-direita, atacando a Europa, os imigrantes, os muçulmanos, fazendo o papel de policial enojado, modificando de maneira perversa as leis sobre imigração, expulsando do país muitos estudantes de elite. Sarkozy fez o monstro crescer e agora precisa dele. A extrema-direita, cujo eleitorado é cambiante, esfrega as mãos. Loira e radiante, Marine Le Pen passeia com o troféu por todos os canais de televisão. A filha do negacionista Jean Marie Le Pen, aos 43 anos, superou o modelo paterno e se alçou ao patamar do inelutável. O eleitorado da extrema-direita é composto por camponeses iletrados, por 29% de operários, 33% de pobres e jovens de origem popular. Em resumo, 70% dos eleitores frentistas são oriundos das classes populares, ou seja, o segmento mais golpeado pela crise e, por conseguinte, pela política de Sarkozy. Marine Le Pen vendeu a eles seu conto de se livrar de 95% dos estrangeiros e sair do euro. Cerca de 25% da juventude acredita nela por suas propostas sobre a segurança, a expulsão dos imigrantes e a “preferência nacional”, ou seja, o trabalho, o seguro social e os demais benefícios são para os franceses. Laurent Bouvé, professor de Ciências Políticas e especialista nos temas relacionados à extrema-direita, assinalou ao jornal Libération o essencial das propostas de Marie Le Pen: “ela propõe soluções para a insegurança econômica e social, ataca a Europa e a globalização, defende que as mercadorias não passem as fronteiras e apresenta soluções para a insegurança cultural denunciando a imigração”. O grande projeto da extrema-direita é tornar-se o partido eixo de todas as direitas. “Esta vitória prova que os franceses aderem cada vez mais à Frente Nacional, em todos os temas”, disse Jean-Michel Dubois, tesoureiro da campanha da FN. Marine Le Pen reivindicou muito mais e não lhe falta razão. Em um dado momento, a FN impôs a Sarkozy os temas da campanha. Marine Le Pen se define como “o centro de gravidade”, a mulher que, segundo ela, obrigou Sarkozy a “falar dos esquecidos”, da carne halal (carne tratada segundo o rito muçulmano) e do perigo que representava para a França a visita de vários pregadores muçulmanos. Estes temas nada têm a ver com a economia, o desemprego, a crise, a educação ou a justiça, mas são os temas centrais da agenda da Frente Nacional. Desde que “Marine” assumiu as rédeas do partido de seu pai em janeiro de 2011, a líder frentista caminha com uma obsessão: acabar com a UMP de Sarkozy aproveitando sua derrota nas eleições presidenciais. “Nicolas Sarkozy não tem nenhuma possibilidade de ganhar. Ele sairá deixando um campo em ruínas”, disse a filha de Le Pen. De fato, a vitória de Hollande é uma peça dessa reconstrução da direita pela qual trabalha a extrema-direita. Os analistas convergem em um ponto: Marine Le Pen fará tudo o que está ao seu alcance para que Sarkozy saia derrotado. Tradução: Katarina Peixoto (Carta Maior) .

Ditadura

“Em 64, acabou tudo”, diz ex-piloto de Jango – Especial para o QTMD? Momento em que o Comandante Mello Bastos contava como fez para que o avião em que trouxe João Goulart de Buenos Aires para Porto Alegre, em 1961, não fosse atacado por aviões de caça: "Voei baixinho". Foto: Ana Helena Tavares Paulo Mello Bastos, ex-piloto da Aeronáutica e da Varig, resgatou uma caixa-preta. Não a de um avião acidentado, mas a de um país que foi impedido de voar. Por Ana Helena Tavares O livro “A caixa-preta do golpe” conta como o que aconteceu em 1º de Abril de 1964 tolheu o sonho dos trabalhadores brasileiros de construírem um país mais justo através das reformas de base. Seu autor escreve com propriedade: era líder sindical atuante e foi ele quem pilotou o avião trazendo Jango de Buenos Aires para Porto Alegre, em 1961. O então vice-presidente voltava da China para assumir a presidência, após a renúncia de Jânio Quadros. O voo foi tenso, pois o avião estava ameaçado de ser abatido por militares brasileiros que queriam dar o golpe já naquele ano. Com a criação da “Cadeia da Legalidade”, Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, havia feito da capital gaúcha o pouso mais seguro. Com invejável lucidez e incrível vitalidade aos 94 anos, o comandante Mello Bastos contou, em entrevista exclusiva ao “Quem tem medo da democracia?”, sua bela história. Correio Aéreo e definição de fronteiras “Quando Getúlio estava no poder, havia fazendeiros paraguaios com suas terras dentro do Brasil. Dois terços do Exército brasileiro eram aquartelados no sul. Então, Getúlio criou a “Marcha para o Oeste”. Começou devolvendo todos os troféus que o Brasil tinha ganhado na Guerra do Paraguai. Um gesto simpático para que as fronteiras fossem bem definidas.”. “Eu fazia correio aéreo (pela Aeronáutica), de norte a sul, por todas as áreas fronteiriças, e ajudei nessa definição. Depois, passei para a reserva, no posto de tenente-coronel, com 20 anos de serviço ativo (em 1953). Cortei todas as minhas vinculações, saí do Clube Militar, passei a ter uma vida civil e fui para a Varig, onde fiquei 10 anos”, contou. Em São Borja com Getúlio Mello Bastos conheceu Getúlio Vargas na intimidade de sua fazenda em São Borja (RS): “Fui Lá (no final da década de 40), com uma comitiva, para convencê-lo a se candidatar em 50, já que não tinham cassado os seus direitos políticos, e a criar Petrobras. Ele lá com seu charutão… Aceitou, elegeu-se e criamos a Petrobras”. Em 1954, Getúlio se suicidou. “Ele havia chamado os generais para o Catete, para discutir a situação do Brasil perante o mundo, as conspirações, os golpes… Só um, o Brigadeiro Epaminondas, ministro da Aeronáutica, se definiu a favor de Getúlio. Os outros ficaram calados. Disse Getúlio: ‘Já que os senhores não se decidem, decido eu’. Saiu da reunião, subiu para o quarto, deu um tiro no coração e morreu.” De acordo com Mello Bastos, logo após o suicídio de Getúlio, “foi decretada intervenção em todos os sindicatos”. JK: “criador e vaidoso” Falou ainda sobre Juscelino Kubistchek: “Fez um bom governo. Era um sujeito criador e muito vaidoso.” Sobre a criação de Brasília, disse que “é um capítulo à parte em nossa história.” E garantiu que não foi ideia de JK.“Era ideia da coroa. Para evitar ataques de navios piratas, o imperador (D. Pedro II) pensou em transferir a capital para o interior, mas não fez”, historiou Mello Bastos. Jânio Quadros: “inteligente, mas mau caráter” Sobre Jânio Quadros, disse que “era inteligente, mas muito mau caráter. Armou uma visita de Jango à China comunista.”. E descreveu, em detalhes, como fez João Goulart chegar são e salvo ao Brasil naquele ano de quase golpe (1961). O então piloto soube da renúncia voando: “Eu ia do Rio de Janeiro para Uberaba, levando 30 ou 40 fazendeiros a um leilão de gado, sempre havia isso. Eu estava na escuta, sabia da agitação e anunciei: o presidente Jânio Quadros renunciou.” “Parece que eu joguei toneladas de gelo, foi um silêncio absoluto. Um caos… Jango estava na China, voltou por Paris e Nova York, onde conferenciou com Kennedy. E, em lugar de fazer Nova York – Rio de Janeiro, como até hoje se faz, ele veio pelo Pacífico. E chegou a Buenos Aires. O Brasil todo revoltado, armado, aquela complicação toda.” O voo histórico “A Varig sabia que eu era janguista e, para resguardar, fui buscá-lo. Eu era comandante de avião a jato, Caravele, beleza de avião. Então, fiz um plano. Em vez de vir a 40 mil pés, 13 mil metros, eu vim a 300 pés, infringindo. Porque, como o avião de caça ataca, com metralhadora, de baixo para cima, eu vindo baixinho ele não tem espaço para me atacar, senão ele bate. Eu que trouxe o Jango de Buenos Aires para Porto Alegre”, relatou orgulhoso da missão cumprida. Logo após deixar o presidente em segurança, Mello Bastos foi de Porto Alegre para São Paulo, onde recebeu voz de prisão. “Jango ficou em Porto Alegre e, naquela mesma noite, eu fiz um voo para Natal. Pousei em São Paulo. Estava tudo revoltado lá… Mandaram me prender. Muito embora eu estivesse na reserva (como Coronel da Aeronáutica), o cara que queria me prender tinha dois anos atrás de mim na antiguidade (patente inferior).” “Então, eu disse: Mudou agora, é?! Onde é que já se viu?! Sou mais antigo que você e você vai me prender?! Me dá essa pistola aí, eu disse. E ele: ‘Ah, não vou lhe prender… É que querem falar com você lá dentro’. Fui… Entrei lá… Todos os oficiais numa sala. Poxa, eu tinha trazido o presidente da República e eu sabia de tudo, né…” “Mas, em determinadas horas, eu sou meio de teatro… Entrei acenando e dizendo: boa noite, boa noite, pode ficar todo mundo descansadinho, podem voltar para casa, porque o presidente da República, Dr. João Goulart, eu já trouxe, deixei em Porto Alegre para ele tomar um banhozinho, mudar de roupa para assumir a presidência.”, contou gesticulando os acenos e continências daquela noite. Assista ao comandante Mello Bastos contando esta história. “O céu de Brigadeiro é aquele sem nuvens, perfeito para voar, mas eu voava em qualquer tempo. Sempre exerci a profissão com vontade, com amor, buscando dar o meu melhor. E não tem mistério para isso: é só se dedicar.”, assegurou o comandante. “Greve Mello Bastos” Em 1963, ele foi demitido da Varig, deflagrando uma grande paralisação dos transportes no Brasil – conhecida como “greve Mello Bastos”. A convocação foi feita pelo CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e atendida não apenas por aeroviários e aeronautas, mas também por trabalhadores de transportes ferroviários, marítimos e petroleiros. Toda essa solidariedade se explica. Além de comandante da Varig, Mello Bastos era diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Transportes Marítimos, Fluviais e Aéreos, e presidente-fundador da Federação. Se não bastasse, junto com Dante Pellacani, Hércules Corrêa e Oswaldo Pacheco, compunha o secretariado político do CGT. “Foi aí que eu peguei a minha ‘ficha de comunista’… Engraçado… Um cara cujo salário era 10 mil dólares ia lutar para rebaixar o salário? Isso não existia!”, frisou. Petróleo e maniqueísmo Segundo Mello Bastos, a luta pelo petróleo foi “o que definiu a nação” e deu o tom do maniqueísmo que caracterizou a época: “Eram chamados de comunistas todos os militares que defendiam que a Petrobras tinha que ser inteiramente brasileira. Nós chamávamos os outros de entreguistas.”, lembrou. A mídia e o golpe “Maria Antonieta disse diante de uma multidão: ‘Por que não dão brioche para o povo?’” Mello Bastos revelou acreditar que é isso o que a grande mídia, que ele definiu como “representante da alta burguesia”, diz diariamente ao povo e foi o que disse em 64 para desvirtuar as atenções sobre o que realmente estava acontecendo e ajudar no golpe. Para ele, “se não houvesse o jornalismo, tudo seria pior. Mas é preciso que só se procure o caminho da verdade. Sendo assim, é insubstituível na sociedade”. Preso na embaixada Em 09 de Abril de 1964, poucos dias do golpe, Paulo Mello Bastos teve os direitos políticos cassados pelo Ato Institucional – Nº 1. No dia seguinte, o jurista Clóvis Ramalhete, já falecido e que era próximo politicamente ao então líder sindical, disse que iria esperá-lo na esquina da embaixada chilena. Corriam, no rádio, diversos boatos sobre Mello Bastos. “Um dava conta de que eu tinha sido morto na Baixada Fluminense. Outro dizia que eu tinha sido preso ferido na Baixada Santista. Que estavam me procurando, isso estavam…”. Achando que Clóvis Ramalhete “não iria se expor” e desconfiado das intenções do jurista, com quem tinha o que definiu como “amizade de conveniência”, Mello Bastos decidiu não ir à embaixada chilena. Foi para a uruguaia. “Eu estava todo bonito… Meu paletó era cor de petróleo. A embaixada do Uruguai estava cheia. Já tinha umas 20 autoridades lá dentro. Polícia na porta. Não entrava ninguém. Tive que dar uma “chave de galão”, que é quando o cara impõe sua autoridade pelo posto (hoje seria uma “carteirada”). Mostrei minha carteira de coronel e consegui entrar.” “Um cara me perguntou: ‘O que o Senhor quer?’ Achei um desaforo num clima daqueles… Mandei que chamasse o embaixador e rápido. Ele foi… O embaixador chegou e me perguntou: ‘O Senhor é o Comandante Mello Bastos?’ Digo:sou.” “E fiquei lá 71 dias até o governo uruguaio mandar um avião me buscar. Um amigo me deu o livro “O crime do século”, sobre o assassinato de Kennedy, para eu levar. E fiquei 3 anos e 2 meses exilado no Uruguai. Tinha gente infiltrada lá.”, garantiu. A infiltrada Mello Bastos contou sobre uma jornalista, casada com um fotógrafo, chamada Madalena: “Ela era do PTB e chegou a escrever matérias para o partido. Um dia, nos encontramos saindo da casa de Brizola (no exílio). Ela me perguntou: ‘você é comunista?’ Eu disse: ‘então você não sabe que a pessoa quando diz que é comunista é logo perseguida?! Me admira você, uma jornalista, bem informada, me perguntar isso.’ Respondi que não sou, porque não sou mesmo. E se fosse, também diria que não. Anos mais tarde, já no Brasil, eu li uma matéria que revelava que ela tinha sido ‘cachorra da ditadura’. Quer dizer, estava lá no Uruguai para passar informações sobre o comportamento dos exilados”. Um delegado agente da CIA “Eu morava com um general no exílio. Um dia tocou o telefone às 4h da manhã. Era a Polícia de Segurança. Disseram: ‘o Senhor está convidado a ir à delegacia’. Eu disse: ‘não aceito o convite!’ E disseram: ‘tem que ir de qualquer maneira’. Fui… Cheguei lá e dei de cara com um delegado que eu sabia que era agente da CIA. Ele era também juiz de futebol.” “Primeiro, ele me disse uma verdade: ‘o Senhor esteve na fronteira.’ Sim, estive. Fui buscar minha esposa (que ainda é viva e acompanhou a entrevista). ‘O Senhor cruzou a fronteira’. Não, não cruzei.” “‘O Senhor sabe que está ameaçado de morte?’ Digo: ‘é difícil, não tenho inimigos’. E ele disse: ‘tem muitos! A sua segurança está por um fio e o governo uruguaio tem compromisso com a vida do Senhor. Queremos pôr vigilância na sua porta’.” “Digo: ‘eu não quero!’ E ele disse: ‘então, o Senhor vai assinar uma declaração’. Digo: ‘redija!’ Ele redigiu e eu assinei, eximindo a polícia uruguaia de qualquer ocorrência que atingisse a minha segurança, da violência até a morte.” Convivência com Jango no exílio Segundo Mello Bastos, João Goulart era “uma figura humana maravilhosa. Não perseguia nem discriminava e não se vingava de ninguém, de nada. Era um homem pacifista.”. Além de ter sido piloto do avião presidencial, Mello Bastos conviveu durante algum tempo com Jango no exílio. “Havia uns doze sargentos exilados conosco. Jango todo mês pagava a estadia dos doze. Ele dava o dinheiro para mim e para o Waldir Pires, que recentemente foi ministro da Defesa, e nós repassávamos para a dona da pensão. Era gozado… Ele tinha uma perna dura, com defeito. Virava pra gente, metia a mão no bolso e já estava com o dinheiro contado.” Reformas de base Sobre as reformas de base, defendidas por João Goulart e apoiadas pelo CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), Mello Bastos disse que a intenção era que, para debater as propostas, fosse formada uma Assembleia Nacional Constituinte: “Queríamos promover debates durante 1 ou 2 anos. Em cidades, vilas, fazendas, reunindo todos os sindicatos. Depois de todo mundo palpitar, cada categoria escolheria seus representantes para uma Constituinte. Tinha até um cara, (Francisco) Julião, de Pernambuco, que dizia: ‘Reforma Agrária – na lei ou na marra’. Nada de golpe! Quando chegou em 64, acabou tudo. Foi dado o golpe e todo mundo teve que desaparecer não sei como.”, lamentou-se. CGT Contando sobre a criação do CGT, o ex-líder sindical fez questão de explicar a origem da palavra “pelego”: “Getúlio tinha dividido o movimento sindical à semelhança da organização italiana fascista, de Mussolini. Naquela época, na Itália como aqui, o presidente da Confederação (dos pilotos) tinha um belo carro e levava tudo na base da influência política. Vivia cheio de pelegos em volta.”, contextualizou Mello Bastos. Para, em seguida, definir: “Pelego é o couro do carneiro que as pessoas usavam muito no Rio Grande do Sul para se cobrirem por causa do frio. Então, passou a ser usado para designar o cara que fazia tudo só para se proteger e era menino de recado do Ministro do Trabalho.”. E continuou: “Construímos o CGT para dar combate aos pelegos. Começaram a achar que estávamos querendo comandar a política do país… O que não era… Miguel Arraes, por exemplo, era nosso companheiro. Sarney quase foi para o nosso lado, mas, quando viu que a coisa ficou preta, caiu fora…”. José Sarney: “nunca foi de confiança” Instigado a detalhar sua opinião sobre o atual presidente do Senado, Mello Bastos ponderou: “Ao substituir Tancredo, Sarney prestou um grande serviço ao país. Pacificou e evitou uma guerra civil, porque o homem no qual se tinha esperança morreu, ficou um vazio e os militares estavam com as armas nas mãos. Prestou um ‘servição’, mas nunca foi de confiança”. Corrupção na ditadura “Nossa senhora, como havia!, garantiu Mello Bastos. “Você acha que o (Mário) Andreazza construiu a ponte Rio-Niterói (batizada de ‘Costa e Silva’) com dinheiro que ganhou de herança? A estrada Rio-Teresópolis é outro exemplo. E digo mais: eu trabalhei em empresa de consultoria em engenharia. Conheci o pai do Eike Batista: Eliezer Batista. Sei bem como esses caras ganham dinheiro.”. Volta do exílio e prisão Mello Bastos voltou do exílio em 1967. Estava clandestino e era considerado morto. Primeiro foi para São Paulo, em seguida para o Rio de Janeiro: “Eu não podia sair de casa. Mas tinha amigos importantes que me diziam: ‘você tem que colocar a cara de fora!’ Foi o que eu fiz… Vendi meu carro, um fusca vagabundo, e comprei um táxi. Trabalhei de taxista. Saía cedinho de casa e nem saía do carro para comer.” “Até um dia que me prenderam. Perguntei: ‘por ordem de quem?’ Responderam: ‘do chefe de polícia’. E eu: ‘Por quê?’ E eles: ‘ah, comandante! Nós sabemos de tudo… O senhor veio do Uruguai, pousou no Galeão, depois foi para a Tchecoslováquia, passou uma temporada lá, voltou pro Galeão de novo e agora está aqui na clandestinidade’. Digo: ‘meus parabéns! Não foi nada disso!’ Já viu que os caras estavam por fora, né…” “Aí me levaram para o DOPs. Num regime ditatorial, não fazia diferença eu ser coronel… Quiseram que eu fizesse uma declaração de bens… Depois, pediram pra eu fazer uma declaração sobre como voltei pro Brasil, como cruzei a fronteira, quem me trouxe… Menti. A verdade é que voltei de ônibus, com identidade falsa, etc…. ” Filha torturada Mello Bastos foi solto em pouco tempo e não chegou a ser torturado, mas sua filha, a jornalista Solange Bastos, que também acompanhou a entrevista, foi. “Violentamente, no DOI-CODI”, conta o pai. Na época, ela era aluna do Colégio de Aplicação na Lagoa (Rio de Janeiro) e tinha uma professora que era do Partido Comunista. “Eu nunca incentivei meus filhos à participação política”, garantiu Mello Bastos. “Mas ela quis ir para o Chile, estudar. Estava lá quando Allende caiu. Participou de um panelaço lá. E, quando voltou, foi presa. Posta em câmara de gelo, etc…”. A luta pela anistia Como narra em seu livro “Bastidores da Anistia”, Mello Bastos ajudou a construir a Lei de Anistia. “Fui para Brasília (meados da década de 70). Eu era representante de nomes como Oscar Niemeyer e minha missão era iniciar uma campanha de desmoralização da ditadura no exterior. Um trabalho diário. O então 1º secretário da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Henrique Cordeiro, um sujeito fantástico, era quem coordenava essa desmoralização.” “Como era feito isso? Nós enviávamos para outros países (principalmente para a Europa) denúncias sobre as barbaridades que a ditadura estava fazendo aqui. Essas denúncias eram escritas e organizadas em envelopes, uns 15 ou 20 de uma vez (não podiam ser muitos para não dar na vista). E eu colocava no Correio. A imprensa europeia quase sempre publicava. Era difícil para o governo brasileiro dizer que as denúncias eram falsas. Foi um processo lento, uma lei negociada. Mas a minha tarefa eu cumpri.” Nesse momento, o comandante, hoje completamente anistiado, vai às lágrimas. Para ele, a anistia foi mesmo “ampla, geral e irrestrita”. “Eu, na Anistia, me dediquei de corpo e alma. Um vai e vem de deputados, senadores, uma loucura… Tinha um senador alagoano, Teotônio Vilela, que liderou a campanha no Senado. Da última vez que ele entrou na ABI, o salão cheio, todos choraram” (e o comandante chora de novo). Figueiredo: “ditador, torturador” “Ditador e torturador” foram os termos usados por Paulo Mello Bastos para definir João Batista Figueiredo, general que estava no poder na época da Lei de Anistia. Mello Bastos contou que o pai de Figueiredo participou de uma revolta em 1922 e foi anistiado, mas assegurou que a abertura política só aconteceu porque o general não teve outra saída. “Figueiredo nunca sonhou em ser presidente, foi colocado lá, aquilo deve ter pesado nele. A pressão internacional era muito grande e o Brasil estava isolado, como está hoje a Coréia do Norte. Isso é uma coisa que influi comercialmente, em importações/exportações, dívidas, e é muito difícil para um governo controlar”, sustentou Mello Bastos. Internamente, a pressão também era grande. “Teotônio Vilela era um usineiro rico. E a Igreja também estava pressionando. E o povo, de um modo geral. Quando saiu a Lei de Anistia, foi uma festa”, lembrou jogando as mãos para o ar como quem solta papel picado. “Congresso legítimo” Para Mello Bastos, o Congresso que aprovou a Lei de Anistia “era legítimo e possuía deputados corajosos, que, inclusive, citavam outros países onde havia ditaduras para comparar com o Brasil”. A execração pública como punição “Se eu estou de um lado e você está de outro, seus dentes são iguais aos meus, você tem sofrimentos como eu tenho, a única diferença entre nós é o desejo, a fixação, de obter privilégios. Quando uma autoridade do regime dizia para um agente do Estado: ‘ou você tortura fulano ou você morre!’ claro que ele torturava. Mas para torturar alguém, por vontade, você tem que ter raiva… Ora, os torturadores nem conheciam aquelas pessoas! Então não faziam por prazer, mas para adquirir a confiança de seus superiores, promoção, vantagens, prestígio, status, dinheiro! Foi isso o que aconteceu. Ou seja, quem tinha prazer era o mandante, ele era o maior torturador, é ele que deveria ser preso. Mas todos já morreram. Quem colocou a mão para torturar tem que ser punido através da execração pública”, recomendou Mello Bastos. E completou: “O mais importante é que os arquivos sejam abertos e que se saiba os locais onde os torturadores enterraram corpos. E que se saiba quem foram os comandantes das operações, no Araguaia, por exemplo. Se algum estiver vivo, que responda por tudo ou diga quem estava mais acima… Mas quem torturou e está ainda vivo eu, sinceramente, não prenderia. Por mim, eu fritava eles e fazia picadinho (diz rindo)… E depois mandava rezar uma missa para irem para o inferno. Agora sério: os caras já velhos vão ficar quanto tempo presos? Eu faria assim… Proibia o cara de se mudar e pendurava na porta da casa dele uma placa: ‘Aqui mora um torturador’”. “Levante da Juventude” e “Esculacho” Isso já tem sido feito em alguns pontos do Brasil por um grupo, denominado “Levante da Juventude”, num movimento a que chamam “Esculacho”. Mas o ex-líder sindical sugere que isso fosse oficial. Para ele, “diante do que esses caras devem, a prisão não é nada. Matá-los também não serve. Muito pior que estar preso, onde estará protegido de ser morto, com comida e médico à disposição, é sair na rua e ser alvo de chacota. Todos apontando, gargalhando e dizendo: ‘ah, aquele cara torturou um montão’” E que ninguém diga para Mello Bastos que isso é ‘revanchismo’… “Ora, esses caras nunca foram julgados… Eu não quero que peguem os torturadores e torturem eles! Isso, sim, seria revanchismo! Não quero saber o que eles fizeram para fazer o mesmo com eles. Se for assim, a coisa não acaba nunca. O que diz a lei? Que tortura é crime imprescritível. Desaparecimento de corpos também. Então, que sejam julgados.” Perguntado sobre sua opinião a respeito do comportamento dos jovens que protestaram contra a comemoração do golpe de 64 em frente ao Clube Militar, o comandante respondeu sem hesitar: “Eu acho que os jovens estão sempre certos. Eles agem sem medir as consequências porque são movidos pelo impulso e não conseguem encontrar outra maneira de influenciar no sistema. Qual o instrumento legal que eles têm? Nenhum! Então, o que lhes resta é cuspir.” Comissão da Verdade Mello Bastos considera que é importante que a Comissão da Verdade dê certo para “mostrar que o Brasil tem organização”. Acredita que vai dar certo, e que poderá ser uma “satisfação para a sociedade”, mas acha que deveria ser investigado apenas o período da ditadura militar e sente falta de alguém de peso liderando a Comissão. “Imagina se D. Hélder Câmara fosse vivo e estivesse à frente disso? Seria uma maravilha”, suspira. “Muito satisfeito” com Dilma O ex-líder sindical disse estar “muito satisfeito” com Dilma, mas “com pena” da presidente: “Ela tem que arrumar a casa… Até tem uma meia dúzia de senadores e deputados corretos… Mas, fora isso, qual o material que ela dispõe? Os partidos e os políticos que eu conheço, você conhece, todo mundo sabe… Não deve ser fácil.” Vivemos uma “democracia política” Segundo Mello Bastos, “o Brasil vive hoje uma democracia política, mas, devido à dependência do poder econômico, não é uma democracia social. Esta nenhum país no mundo vive. ”. E quem tem medo? “Quem tem malfeitos”, resumiu. => Essa entrevista é a 12ª de uma série sobre a ditadura. Clique aqui para conferir as anteriores. inShare Print FriendlyImprima, salve em PDF ou envie por e-mail 5/5(100%) 2 votes Recomendar180 Tags: Paulo Mello Bastos 6 comments Giovanni G. Vieira 25/04/2012 em 14:56 (UTC -3) Responder Ao comandante Mello Bastos meus agradecimentos pela oportunidade que me deu de poder rememorar acontecimentos tão importantes da vida nacional. A ditadura militar, oriunda do golpe civil/militar fascista de primeiro de abril de 1964, deixou marcas, cicatrizes indeléveis – físicas, morais e psicológicas – na maioria do sofrido, expoliado, humilhado e ofendido povo brasileiro. Parabéns por esta entrevista, fiel relato daqueles trágicos idos de março de 1964 e do que se seguiu até 1985 com o fim da “redentora”. À Ana Helena também meus agradecimentos pelo encaminhamento da entrevista, que aproveito para repassar aos meus contatos. Abraço para você e para o Mello Bastos. Giovanni Vieira 1 0 Gostou? maria helena Santos Oliveira 25/04/2012 em 13:37 (UTC -3) Responder Ana Helena, Adorei a entrevista, mesmo porque tive participação indireta nela, já que coloquei você em contato com o comandante Mello Bastos, essa figura lendária da vida política brasileira. Fui apresentada a ele pelo Riani, por ocasião do lançamento do “Caixa preta do golpe”, no palácio Guanabara. Lá, alguns integrantes do conselho político do CGT estavam presentes. Além do comandante, autor do livro, Riani e Hércules Corrêa, que faleceu pouco tempo depois. Quardo com carinho o exempar do livro autogravado por eles. Sua entrevista, Ana, ficará para a história, enriquecida pelos detalhes e comentários esclarecedores de Mello Bastos sobre fatos importantes da vida nacional, que muitas vezes só são obtidos numa conversa solta e amigável como a que tiveram na atmosfera acolhedora de sua casa. Parabéns amiga! (QTMD)

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Internet

Pai da web adverte: controle da internet é assustador By admin – 23 de abril de 2012 Tim Berners-Lee defende que a vigilância estatal a praticamente todos os domínios da Internet é uma “destruição dos direitos humanos” (Philippe Desmazes/AFP) Tim Berners-Lee defende que a vigilância estatal a praticamente todos os domínios da Internet é uma “destruição dos direitos humanos” (Philippe Desmazes/AFP) Em conjunto com um dos fundadoreas do Google, Tim Berners-Lee afirma que tentativas de censura na rede estão se multiplicando — e alerta para os “perigos assustadores” destas medidas Por Susana Almeida Ribeiro, no Público Ambos os especialistas em Internet falaram recentemente ao diário “The Guardian”, num especial (Battle for the internet) que o jornal britânico está conduzindo, acerca da batalha pelo controle da Internet a que se tem assistido em todo o mundo e que está a ser protagonizado por governos, empresas, estrategias militares, activistas e hackers. Se em países como a China, Arábia Saudita e o Irãas censuras à atividade dos utilizadores são explícitas e constantes, nos EUA e no Reino Unido a censura também tem começado a anunciar-se, embora de outras formas. Na América foi a vez de a Administração Obama ter apresentado duas propostas de lei, a SOPA (Stop Online Piracy Act) e a PIPA (Protect IP Act), que têm como alvo impedir o acesso a sites que violam os direitos de autor mas que, potencialmente, ameaçam sites inócuos com conteúdos gerados pelos próprios utilizadores, podendo em última análise ser uma ameaça à liberdade de expressão e à inovação. Paralelamente, está em marcha nos EUA a CISPA (Cyber Intelligence Sharing and Protection Act), que, caso venha a ser aprovada (a votação decorre na próxima semana), daria ao governo norte-americano opções e recursos adicionais para garantir a segurança das redes contra ataques e reforçar a luta contra a violação dos direitos de copyright. No Reino Unido, a actual polémica prende-se com a anunciada legislação com vista à monitorização em tempo real de toda a actividade online – o que inclui emails, navegação em sites, blogues e redes sociais. Rapidamente os detractores desta anunciada lei fizeram saber que o combate ao crime e ao terrorismo está a converter-se em invasão de privacidade. Esta teoria foi agora apoiada pelo homem que é considerado o “pai” da Internet tal como a conhecemos hoje, Sir Tim Berners-Lee. “Destruição dos direitos humanos”, diz Berners-Lee Tim Berners-Lee, considerado o fundador da World Wide Web e cuja função atual é precisamente aconselhar o governo britânico sobre a forma de tornar os dados públicos mais acessíveis aos cidadãos, veio dizer em entrevista ao “The Guardian” que a extensão dos poderes de vigilância estatal a praticamente todos os domínios da Internet é uma “destruição dos direitos humanos” e que irá tornar vulnerável a uma eventual exposição pública uma grande quantidade de informação íntima. “Se passar a ser possível monitorar a atividade naInternet, a quantidade de controle que se passa a ter sobre as pessoas é incrível. Fica-se a conhecer cada pormenor… De certa forma fica-se a conhecer pormenores mais íntimos sobre a vida de alguém do que as pessoas com quem esse alguém fala todos os dias, porque muitas vezes as pessoas confiam na Internet quando procuram informações em sites médicos… ou por exemplo quando um adolescente procura na Internet informações sobre homossexualidade…”, descreve o engenheiro informático. “A ideia de que, rotineiramente, devemos guardar informação acerca de pessoas é obviamente muito perigosa. Isso significa que passará a informação que poderá ser roubada, adquirida através de funcionários corruptos ou operadoras corruptas e usada, por exemplo, para chantagear pessoas do governo ou do Exército. Arriscamo-nos a que haja abusos se armazenarmos estas informações”, alertou o especialista. Tim Berners-Lee considerou ainda que, se o governo considera ser essencial armazenar todo o tipo de informações sensíveis acerca dos seus cidadãos, então é necessário criar um “organismo fortemente independente”, que averiguaria – de forma isenta – se as informações recolhidas são ou não válidas em termos de ameaça à segurança nacional. Porém, tal como está neste momento, a legislação “deve ser travada”, disse claramente Berners-Lee ao “The Guardian”. Esta oposição aberta à legislação por parte de uma figura com tanto peso como Berners-Lee está com certeza a criar “dores de cabeça” à ministra britânica do Interior, Theresa May, que já fez saber que as medidas vão mesmo avançar no próximo mês, após o discurso da rainha, agendado para 9 de Maio.”É assustador”, diz Brin. Tal como Berners-Lee, também Sergey Brin – um dos fundadores do Google – é um defensor de uma “Internet aberta” e um crítico de todos aqueles que tentam atacar esses princípios de abertura. Na entrevista ao “The Guardian”, Brin alertou para o fato de haver “forças muito poderosas que se arregimentaram contra a Internet aberta, em todas as frentes e em todo o mundo”. “Estou agora mais preocupado que nunca. É assustador”, reforçou. Na sua opinião, a ameaça à liberdade da Internet deriva de uma combinação de governos que, cada vez mais, tentam controlar a comunicação dos seus cidadãos, da indústria de entretenimento, que tenta acabar com a pirataria, e do crescimento de “jardins murados restritivos” como o Facebook e as aplicações da Apple, que controlam de forma muito apertada o software lançado nas suas plataformas. O bilionário de 38 anos – cuja família fugiu do anti-semitismo que reinava na antiga União Soviética – é considerado a força motriz por detrás da saída do Google da China, em 2010, por causa das generalizadas tentativas de controle e censura por parte do regime de Pequim e também por causa dos constantes ciberataques. Há cinco anos, Brin disse não acreditar que a China ou qualquer outro país pudesse restringir, efectivamente, a Internet, mas o criador do Google indica agora que já percebeu que estava enganado: “Achei que não havia maneira de pôr o génio outra vez dentro da garrafa, mas agora parece – em algumas áreas – que o génio já foi posto dentro da garrafa!”. Para além de se preocupar com a censura à Internet em países como a China, Arábia Saudita e Irã, o criador do Google mostrou-se igualmente preocupado com a situação nos EUA, reconhecendo que muitas pessoas estão preocupadas com a quantidade de informação delas próprias que neste momento já está nas mãos das autoridades uma vez que está armazenada em servidores do Google. Brin esclareceu que a sua empresa é forçada, periodicamente, a fornecer dados dos seus utilizadores às autoridades e, algumas vezes, é mesmo proibida – por meios legais – de notificar os seus utilizadores que o fez. “Lutamos muito contra isto e conseguimos muitas vezes não obedecer a estes pedidos. Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para proteger os dados. Se pudéssemos (…) não estar sujeitos às leis norte-americanas, isso seria ótimo. Se pudéssemos estar numa jurisdição mágica na qual todas as pessoas do mundo confiassem, isso seria ótimo… Estamos a fazer isso o melhor possível”, disse. Brin alertou ainda para a forma fechada de operar das plataformas Apple e do Facebook, que na sua opinião dividem a Web. “Por exemplo, toda a informação contida nas aplicações – essa informação não é ‘rastreável’. Não é possível fazer buscas por ela”. Brin indicou ainda que ele e o seu companheiro de criação do Google, Larry Page, não teriam hoje sido capazes de criar o gigante tecnológico que fundaram em 1998 se a Internet já estivesse dominada pelo Facebook. “Temos que jogar de acordo com as regras deles, que são realmente restritivas. O tipo de ambiente em que desenvolvemos o Google – e a razão pela qual conseguimos desenvolver um motor de busca – era muito aberto. A partir do momento em que há demasiadas regras, isso reprime a inovação”. Pode-se argumentar que Brin terá palavras duras contra o Facebook porque este site se tornou rapidamente num gigante mundial – com cerca de 850 milhões de utilizadores activos em todo o mundo – e num poderoso rival do Google em vésperas de se estrear na bolsa. Mas Berners-Lee também há muito que vem alertando para o perigo da dominância da Internet por “silos” como o Facebook e as aplicações fechadas da Apple. Já em 2010 Berners-Lee tinha chamado a atenção para este problema, permanecendo atualmente preocupado com a criação de “fortes monopólios”. Berners-Lee acredita, porém, que é improvável que gigantes como o Facebook possam gozar do seu império indefinidamente. “(…) As coisas estão em mudança contínua, por isso é muito difícil dizer (…) como é que isto vai estar daqui a uns meses”. (Outra Palavras)

Juros

Um tiro no inimigo por Wladimir Pomar* 13 300x247 Um tiro no inimigoFinalmente, o governo parece haver se dado conta de que precisava impor um freio à continuidade da ação sem peias do sistema financeiro, tanto internacional quanto nacional. E, felizmente, em paralelo, tornou visível o papel que podem desempenhar, no desenvolvimento nacional, as empresas públicas estatais, sejam aquelas voltadas para a produção, sejam as que funcionam na circulação financeira. A decisão de rebaixar os juros cobrados por essas empresas, em especial o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, representou o primeiro tiro direto no pior inimigo do desenvolvimento econômico e social brasileiro. Até que ponto o governo está preparado para sustentar a disputa com esse monstrengo, não se sabe ainda. A reação inicial da fera, embora ainda soft, foi de uma desfaçatez total, exigindo compensações do poder público, como se fosse um miserável à míngua. Mas ninguém deve se iludir quanto às manobras sujas e desproporcionais que esse setor da economia vai empregar para retomar seus lucros astronômicos. E não é apenas ao governo que cabe enfrentá-lo, porque ele assalta, direta ou indiretamente, a todos os bolsos. Pode ser um bom motivo, inclusive para os setores sindicais que se juntam à Fiesp para reclamar da desindustrialização brasileira, discutirem com mais propriedade o papel oculto que esse sistema financeiro, internacional e nacional, desempenha nos custos de produção das empresas brasileiras e, portanto, em sua perda de competitividade nos mercados doméstico e externo. Assim, também do ponto de vista da comunicação social, talvez fosse conveniente o governo Dilma fornecer ao povo brasileiro dados e informações mais consistentes sobre a lucratividade desbragada do sistema financeiro. Isto, de modo a municiar os setores democráticos e populares frente às inevitáveis ações que aquele sistema vai adotar para melar as decisões que bateram fundo em sua rentabilidade, mas vão dar novo gás à competitividade de muitas empresas e a grandes camadas da população. Essa não será uma disputa a ser resolvida apenas nos salões e gabinetes governamentais. Ela interessa a todos, e a mobilização social pode jogar papel decisivo no enquadramento da lucratividade financeira a níveis menos bárbaros. Por outro lado, o governo também poderia aproveitar melhor a simpatia geral pela ação das estatais financeiras. Poderia redefinir a função das estatais elétricas na industrialização de sua cadeia produtiva, ao mesmo tempo em que poderia avançar na estruturação de outras empresas públicas capazes de acelerar os investimentos em infraestrutura e em plantas industriais. Se a Vale continuasse sendo uma empresa pública, ela hoje poderia estar desempenhando papel-chave na expansão das indústrias de base, especialmente do setor siderúrgico. Por outro lado, é incompreensível que as estatais elétricas não possam participar em associação com empresas estrangeiras na instalação de plantas industriais importantes para a diversificação da matriz elétrica, como as fabricantes de turbinas hidráulicas e eólicas, e as fabricantes de placas fotovoltaicas e lentes especiais para a produção de energia termo-solar. O que garantiria a possibilidade de transferir novas tecnologias para outras empresas nacionais, privadas e estatais, evitando que esses setores sejam monopolizados ou oligopolizados por empresas externas que possuem tais tecnologias. Outro resultado interessante da ação dos bancos públicos para corrigir as distorções do mercado financeiro foi a descoberta pública da necessidade imperiosa de evitar a monopolização ou a oligopolização dos diversos setores da economia nacional. Essa concentração monopolista ou oligopolista também causa distorções brutais em cada um desses setores, a exemplo do que acontece nas indústrias farmacêutica, automobilística e outras. O protecionismo a esses setores, a pretexto de evitar a desindustrialização nacional, só tem servido para eles aumentarem os preços de seus produtos. O que, quando se trata de bens de capital, mesmo intermediários, resulta em freio ao crescimento econômico e em tensões inflacionárias. Bem vistas as coisas, esse tiro no inimigo pode contribuir para um debate mais fundamentado sobre o desenvolvimento econômico, tendo por base a industrialização, e o desenvolvimento social, tendo por base a continuada e ampliada redistribuição da renda. * Wladimir Pomar é escritor e analista político. ** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.

Tupac Amaro

CANTO CORAL A TUPAC AMARU Alejandro Romualdo Valle Perú Lo harán volar con dinamita. En masa, lo cargarán, lo arrastrarán. A golpes le llenarán de pólvora la boca. Lo volarán: ¡y no podrán matarlo! Lo pondrán de cabeza. Arrancarán sus deseos, sus dientes y sus gritos. Lo patearán a toda furia. Luego lo sangrarán: ¡y no podrán matarlo! Coronarán con sangre su cabeza: Sus pómulos, con golpes. Y con clavos sus costillas. Le harán morder el polvo. Lo golpearán: ¡y no podrán matarlo! Le sacarán los sueños y los ojos. Querrán descuartizarlo grito a grito. Lo escupirán. Y a golpe de matanza, lo clavarán: ¡y no podrán matarlo! Querrán volarlo y no podrán volarlo. Querrán romperlo y no podrán romperlo. Querrán matarlo y no podrán matarlo. Querrán descuartizarlo, triturarlo, mancharlo, pisotearlo, desalmarlo. Querrán volarlo y no podrán volarlo. Querrán romperlo y no podrán romperlo. Querrán matarlo y no podrán matarlo. Al tercer día de los sufrimientos, cuando se crea todo consumado, gritando: ¡libertad! Sobre la tierra, ha de volver. Y no podrán matarlo. (Literatura Indígena)

Lispector

Um vazio, um retrato de Clarice em Literatura por Victor Silveira em 23 de abr de 2012 às 23:35 “Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei.” Pego emprestado o pequeno trecho de Manoel de Barros, entrelaçando ao que este diz da escrita clariana. claudia-andujar.jpgDo que é feito todo seu manancial literário, se não da busca constante de dar forma ao vazio do inaudito, do silêncio. Ao que não tem razão de ser, mas é. E todo seu impulso ficcional tendo intrinsecamente sua condição existência singular, sua vida, posta na mesa, nos dedos. Em uma escrita intensa e imediata no processo de gerar formas, filhos, textos, retratos, imagens simbólicas que invadem a visão da alma como um grito perturbador, que subversivamente, hora acalenta. Como a própria Clarice disse: "Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma ausência." E nesta aproximação do ato de fotografar e escrever. Trago o depoimento da fotógrafa Claudia Andujar, contando como retratou a escritora, em 1961. A foto ilustrou a capa da biografia "Clarice", de Benjamin Moser, lançado em 2009, pela Editora Cosac Naify. "Fui à casa de Clarice Lispector para fotografá-la a pedido da revista Claudia, que naquele ano de 1961 preparava uma reportagem sobre a escritora. Pouco me lembro daquele dia perdido no tempo, mas há detalhes que guardo para sempre. Ninguém da revista me acompanhava e fui recebida com muita simpatia por aquela mulher linda, vestida com simplicidade e elegância. Conversamos pouco. Quis deixá-la à vontade para a foto, e perguntei como gostaria de se posicionar. Se não me engano, a ideia de sentar diante da máquina de escrever e começar a trabalhar em algum texto foi de Clarice. E então ela se deixou absorver pelo ato de escrever, completamente entregue, sem quase notar minha presença". (Fonte: Cosac Naify) Falo mais de Clarice em um texto crítico quanto à sua atual popularidade no seguinte artigo: A impopularidade de Clarice Lispector. E compartilho um conto da transfiguração da menina em mulher neste: Clarice, Mulher Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/embriaguez_artistica/2012/04/um-vazio-um-retrato-de-clarice.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29#ixzz1t0HYKoWA (Obvious)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Viagens

Fora do Eixo: fragmentos de uma hacker-viagem By admin – 23/04/2012Posted in: Cultura, Destaques, Pós-Capitalismo Para aquela casa em BH, fluiu histórico de lutas, desejos e sonhos que movem o crescente movimento social da cultura Por Rodrigo Savazoni I Casa Fora do Eixo São Paulo. Sexta-feira, 20 de abril de 2012. Por volta de meio dia e meio. Sou recebido por Cláudio Prado e vários parceiros do Centro Multimídia do FdE, que registram cada movimento dos tripulantes que irão cair na estrada no Ônibus Infinito, uma aliança entre o Circuito Fora do Eixo, a Casa da Cultura Digital e o Ônibus Hacker. Nosso destino é Belo Horizonte. Vamos participar do lançamento da Casa Fora do Eixo Minas, em BH, que se soma à de São Paulo como bunker de articulação do movimento social da cultura. A previsão é que subam para o rolê várias “personalidades” que atuam na produção, defesa e difusão da cultura livre. II Na madrugada do dia anterior o Ônibus Hacker, um ônibus de verdade que foi comprado e adaptado com recursos obtidos por meio de uma campanha de doações feita no site de financiamento coletivo Catarse, quebrou em seu retorno de Brasília. Estava em Araguari, triângulo mineiro. Seria consertado e iria direto para BH. Nos encontraria lá. Para substituí-lo, o Fora do Eixo fretou um novo ônibus. Naquele dia, o Ônibus Hacker se duplicou, afinal, ele é um conceito e existe como plataforma nômade para juntar ativistas e articuladores da cultura livre em viagens de auto-formação e compartilhamento de conhecimento. III Já são três da tarde. Os tripulantes se juntam em frente ao novo Ônibus Hacker, para fazer a “foto oficial”. Reina a alegria. Para participar dessa viagem, vesti uma camiseta rosa do Che Guevara que comprei em Havana. Eu quero ter uma coleção de camisas rosas do Che Guevara. Sem perder a ternura. Fazendo da guerrilha cotidiana por uma vida menos ordinária um grande ato de amor. Sem abdicar de começarmos a transformação por nossas condutas, gestos e atos. Raquear é agir, de forma diferente, para fazer do mundo, com as próprias mãos, um lugar melhor. É isso que buscamos nessa aliança do Fora do Eixo com a Casa da Cultura Digital. IV Por volta das cinco, depois de feitas as apresentações, evocamos Alex Antunes, que é responsável por uma das traduções de Neuromancer, o romance de William Gibson que cunha o termo Ciberespaço, para nos contar sobre seu trabalho. É a primeira conferência da nossa universidade sobre rodas. Alex, jornalista, crítico musical, romancista, figuraça do bem, conta como foi versionar para o português as aventuras do anti-herói Case, um hacker. Pouca gente que estava no Ônibus conhecia Case. A palestra, que foi buscar as origens da ficção científica e sua relação com a literatura policial, foi feita utilizando o sistema de som do ônibus fretado. V Ciberespaço. Uma alucinação consensual. Lembrei-me, mas não falei nada na hora – digo agora – do Cyberpunk de Chinelos do Felipe Fonseca. “O tipo de pensamento que deu substância ao movimento do software livre possibilitou que os propósitos dos fabricantes de diferentes dispositivos fossem desviados”, escreve EfeEfe. Um ônibus hacker é um dispositivo desviado. O mundo é cyberpunk. E um pouco cyberhippie também. O mundo é do jeito que é. Está cada vez está mais divertido, com tanta gente aderindo a formas desviantes de viver. Ok, vão dizer: isso ainda é para poucos, a desigualdade é enorme! É verdade, mas não dá mais para esperar pelo futuro. Tem de ser agora. É a vida, afinal, que está em jogo. VI Traquitana construída sobre o telhado da Casa Fora do Eixo Minas Quase meia noite. A trupe chega a Belo Horizonte. Uma festa nos espera. A Casa Fora do Eixo Minas, em seus primeiros dias de vida, já demonstra-se mágica, como a de São Paulo é, como muitos dos festivais independentes do Brasil são. Sobre o telhado, em uma caixa d’água inclinada mais ou menos 30 graus, Vitor Guerra montou uma traquitana: um pedestal de microfone sustenta nas pontas uma caixa que abriga um projetor, o qual exibe, em uma empena cega do prédio vizinho, a logomarca do Fora do Eixo, com imagens sobrepostas, que fragmentam a logo, decompondo-a. Seriam nuvens? Gambiarra da melhor espécie. A traquitana do Vítor, que integra o Centro Multimídia do Fora do Eixo, que a cada dia produz mais e melhores conteúdos, é a metáfora que eu buscava. Somos o país do mutirão, que se adapta, que se modifica, com velocidade estonteante, para dar conta desse mundo fluido em que estamos inseridos. Um ônibus quebra? Vira dois. O sistema de som do ônibus? É um auditório. Uma casa? É um laboratório. Um pedestal? É uma traquitana que exibe imagens na parede que fazem a noite ficar ainda mais bonita. VII Durante todo o fim de semana, a Pós-TV transmitiu debates sobre as questões contemporâneas da sociedade, da cultura e da política. Sobreposição de vozes em streaming contínuo. No multiplex do precariado, ao lado da piscina, localizado no quintal dos fundos da casa, videoartistas exibiram seus trabalhos para um público seleto e qualificado. Na soleira do casarão, o Ônibus Hacker se estacionou, Belasco e Lívia Ascava abriram o gazebo e fomentaram imaginações brincantes de circuitos eletro-eletrônicos. Encontros ocorreram. Amores apareceram. Tudo gravado, filmado, e compartilhado nas malhas da rede. Para aquela casa, bonita, do bairro de São Lucas, em BH, confluiu o fluxo histórico de lutas, desejos e sonhos brasileiros e internacionalistas, que movem o crescente movimento social da cultura, que já ganhou as estradas, infinitamente. [Save as PDF] [Save as XML] [Print this Post] (Outras Palavras)