sábado, 21 de abril de 2012

Haiti

Dois anos sem mudanças concretas no Haiti Crítico do presidente haitiano Michel Martelly e das tropas humanitárias da ONU, Camille Chalmers denuncia que, apesar das doações, a metade dos escombros não foi removida e que 60% dos hospitais não foram reconstruídos. A entrevista está publicada no jornal argentino Página/12, 11-04-2012. A tradução é do Cepat. Camille Chalmers, economista e analista haitiano, tem um largo sorriso que deixa entrever seus dentes brancos e brilhantes. Ao longo de sua conversa com o Página/12, essa expressão irá perder força à medida que vai recordando algumas das catástrofes daquele terremoto que mudou para sempre a vida dos haitianos em 2010. Como a Universidade de Linguística, que desapareceu em um minuto junto com 5.000 alunos e dezenas de professores. Ou sua preciosa biblioteca, que foi sepultada junto com sua casa, o que fez com que vivesse refugiado em uma barraca até que ele e sua esposa pudessem alugar um espaço “pequeno e feio” na periferia de Porto Príncipe. Crítico do presidente Michel Martelly e das tropas humanitárias da ONU, Chalmers olha para a América Latina e especialmente a ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) na busca de pistas alternativas de cooperação e de solidariedade com o Haiti. Eis a entrevista. Em que fase do processo de reconstrução se encontra o Haiti atualmente? Mais de dois anos depois do terremoto é surpreendente ver que não há mudanças em relação ao dia seguinte daquele acontecimento. 50% dos escombros ainda não foram removidos. As infraestruturas mais importantes que caíram, tais como o Palácio da Justiça, o Palácio Nacional, 49 prédios universitários, mais de 60% dos hospitais, não foram reconstruídas. Tudo isso está no chão. Dos deslocados, há ainda 600.000 pessoas nas ruas vivendo em barracas em situações muito precárias, isso é inaceitável. Supostamente, dois anos depois a comunidade internacional gastou quatro bilhões de dólares e realmente não se veem os efeitos diretos concretos dessa reconstrução. Um exemplo significativo é Porto Príncipe, onde perdemos mais de 300.000 casas na parte urbana, o centro histórico está destruído em 80% e ainda não há um acordo sobre um plano para a reconstrução da capital. O maior contraste é a enorme e bela onda de solidariedade que se levantou em torno do Haiti depois do terremoto, não somente a interna, que foi chave e salvou muitas vidas, mas também do povo para povo. Do dinheiro desembolsado, uma parte muito pequena chega ao lugar, a maioria foi cooptado pelos governos, pelas grandes agências bilaterais de ajuda ou pelas ONGs. Não existe nenhum órgão de controle estabelecido? Depois do terremoto foi organizada uma conferência de doadores na ONU. Daquela reunião saiu uma decisão muito grave de fazer uma lei de emergência que permita assinar contratos e tomar decisões sem passar pelos procedimentos legais. Era uma lei de emergência que dava 18 meses para agir fora de qualquer mecanismo de controle. Depois desses 18 meses aconteceram coisas muito questionáveis. Evidencia-se agora que o Governo do Haiti foi marginalizado, que dos dois bilhões de dólares desembolsados para ajuda humanitária recebeu apenas 1%. Inclusive o governo da República Dominicana recebeu mais dinheiro. Estamos diante da uma situação de enfraquecimento muito grave do Estado e uma situação onde os atores haitianos não têm os mecanismos de controle das decisões estratégicas. Como qualifica o papel da missão das tropas de estabilização da ONU (Minustah), empregada há oito anos em território haitiano? Durante a presença nestes últimos anos da Minustah vivemos várias crises humanitárias graves e em cada ocasião sua presença não se transformou em um apoio real ao povo do Haiti para fazer frente a essas crises. Pelo contrário, uma das respostas da Minustah frente ao terremoto foi alugar um barco onde as tropas pudessem dormir na baía de Porto Príncipe. Esse aluguel custou 112.000 dólares por dia à ONU, o que constitui uma mobilização de recursos insultante. Desde 1992, tivemos várias intervenções da ONU. Em 1994, tivemos uma incursão militar e uma segunda em 2004. É uma tropa de ocupação disfarçada de força de manutenção da paz da ONU, que responde ao capítulo 7 de sua Carta Magna. Mas é uma manipulação, já que não houve crimes de guerra ou genocídios naquelas oportunidades para intervir daquela maneira ilegítima no Haiti. Por outro lado, aparecem cada vez mais episódios de violação em massa de mulheres, crianças e adolescentes. Armam-se cortes marciais e há condenações de um ano, quando muito. A resposta da Minustah é repatriá-los, mas sem nenhum processo judicial consistente. Como o governo de Martelly articula as demandas dos remanescentes das Forças Armadas do Haiti que exigem sua restituição? Martelly procura lançar um processo de renascimento do antigo Exército, mas de maneira que parece mais um processo de força paramilitar muito ligada a interesses corporativos e da oligarquia, mas que não tem nada a ver com um exército nacional republicano. Há muita resistência a isso, mas se aproveita do papel da Minustah para dizer que precisamos de uma Força Armada. Existe um corpo paramilitar ilegal que por debaixo da mesa recebe armas, equipamentos, uniformes e financiamento por parte do governo. Ocupam quarteis e, ao mesmo tempo, a sociedade civil denuncia essas manobras que podem nos levar de volta a uma ditadura. Sabemos que Martelly tem muita relação com os remanescentes do duvallierismo e muita tentação autoritária. Refere-se ao que Martelly definiu como reconciliação nacional, quando sugeriu que não via com bons olhos um julgamento por crimes de lesa humanidade contra o ditador Jean-Claude Duvalier (1971-1986)? Sua presença após seu exílio de 25 anos na França é insultante para os milhares de camponeses massacrados e os povos inteiros queimados sob sua ditadura que trouxe muita dor e sofrimento. É evidente que está protegido pelo governo e pela Justiça que lhe perdoaram todos os crimes políticos e de lesa humanidade (IHU)

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