quarta-feira, 25 de abril de 2012

Poesia

Anúncio da rosa Imenso trabalho nos custa a flor. Por menos de oito contos vendê-la? Nunca. Primavera não há mais doce, rosa tão meiga onde abrirá? Não, cavalheiros, sede permeáveis. Uma só pétala resume auroras e pontilhismos, sugere estâncias, diz que te amam, beijai a rosa, ela é sete flores, qual mais fragrante, todas exóticas, todas históricas, todas catárticas, todas patéticas. Vede o caule, traço indeciso. Autor da rosa, não me revelo, sou eu, quem sou? Deus me ajudara, mas ele é neutro, e mesmo duvido que em outro mundo alguém se curve, filtre a paisagem, pense uma rosa na pura ausência, no amplo vazio. Vinde, vinde, olhai o cálice. Por preço tão vil mas peça, como direi, aurilavrada, não, é cruel existir em tempo assim filaucioso. Injusto padecer exílio, pequenas cólicas cotidianas, oferecer-vos alta mercância estelar e sofrer vossa irrisão. Rosa na roda, rosa na máquina, apenas rósea. Selarei, venda murcha, meu comércio incompreendido, pois jamais virão pedir-me, eu sei, o que de melhor se compôs na noite, e não há oito contos. Já não vejo amadores de rosa. Ó fim do parnasiano, começo da era difícil, a burguesia apodrece. Aproveitem. A última rosa desfolha-se. Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) (P0emblog)

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