sexta-feira, 30 de novembro de 2012

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Carta aberta de Roger Waters (Pink Floyd) sobre a Palestina Link to Jornal A Verdade Carta aberta de Roger Waters (Pink Floyd) sobre a Palestina Posted: 29 Nov 2012 10:45 AM PST Leia em nosso site: Carta aberta de Roger Waters (Pink Floyd) sobre a Palestina Roger Waters na PalestinaEm 1980, uma canção que escrevi, Another Brick in the Wall (Part 2), foi proibida pelo governo da África do Sul porque estava sendo usada por crianças negras sul-africanas para reivindicar o seu direito a uma educação igualitária. Esse governo de apartheid impôs um bloqueio cultural, por assim dizer, sobre algumas canções, incluindo a minha. Vinte e cinco anos mais tarde, em 2005, crianças palestinas que participavam num festival na Cisjordânia usaram a canção para protestar contra o muro do apartheid israelita. Elas cantavam: “Não precisamos da ocupação! Não precisamos do muro racista!” Nessa altura, eu não tinha ainda visto com os meus olhos aquilo sobre o que elas cantavam. Um ano mais tarde, em 2006, fui contratado para atuar em Telavive. Palestinos do movimento de boicote acadêmico e cultural a Israel exortaram-me a reconsiderar. Eu já tinha me manifestado contra o muro, mas não tinha a certeza de que um boicote cultural fosse a via certa. Os defensores palestinos de um boicote pediram-me que visitasse o território palestino ocupado para ver o muro com os meus olhos antes de tomar uma decisão. Eu concordei. Sob a protecção das Nações Unidas, visitei Jerusalém e Belém. Nada podia ter-me preparado para aquilo que vi nesse dia. O muro é um edifício revoltante. Ele é policiado por jovens soldados israelitas que me trataram, observador casual de um outro mundo, com uma agressão cheia de desprezo. Se foi assim comigo, um estrangeiro, imaginem o que deve ser com os palestinos, com os subproletários, com os portadores de autorizações. Soube então que a minha consciência não me permitiria afastar-me desse muro, do destino dos palestinos que conheci, pessoas cujas vidas são esmagadas diariamente de mil e uma maneiras pela ocupação de Israel. Em solidariedade, e de alguma forma por impotência, escrevi no muro, naquele dia: “Não precisamos do controle das ideias”. Tomando nesse momento consciência que a minha presença num palco de Telavive iria legitimar involuntariamente a opressão que estava a testemunhar, cancelei o concerto no estádio de futebol de Telavive e mudei-o para Neve Shalom, uma comunidade agrícola dedicada a criar pintinhos e também, admiravelmente, à cooperação entre pessoas de crenças diferentes, onde muçulmanos, cristãos e judeus vivem e trabalham lado a lado em harmonia. Contra todas as expectativas, ele tornou-se no maior evento musical da curta história de Israel. 60.000 fãs lutaram contra engarrafamentos de trânsito para assistir. Foi extraordinariamente comovente para mim e para a minha banda e, no fim do concerto, fui levado a exortar os jovens que ali estavam agrupados a exigirem ao seu governo que tentasse chegar à paz com os seus vizinhos e que respeitasse os direitos civis dos palestinos que vivem em Israel. Infelizmente, nos anos que se seguiram, o governo israelita não fez nenhuma tentativa para implementar legislação que garanta aos árabes israelitas direitos civis iguais aos que têm os judeus israelitas, e o muro cresceu, inexoravelmente, anexando cada vez mais da faixa ocidental. Aprendi nesse dia de 2006 em Belém alguma coisa do que significa viver sob ocupação, encarcerado por trás de um muro. Significa que um agricultor palestino tem de ver oliveiras centenárias ser arrancadas. Significa que um estudante palestino não pode ir para a escola porque o checkpoint está fechado. Significa que uma mulher pode dar à luz num carro, porque o soldado não a deixará passar até ao hospital que está a dez minutos de estrada. Significa que um artista palestino não pode viajar ao estrangeiro para exibir o seu trabalho ou para mostrar um filme num festival internacional. Para a população de Gaza, fechada numa prisão virtual por trás do muro do bloqueio ilegal de Israel, significa outra série de injustiças. Significa que as crianças vão para a cama com fome, muitas delas malnutridas cronicamente. Significa que pais e mães, impedidos de trabalhar numa economia dizimada, não têm meios de sustentar as suas famílias. Significa que estudantes universitários com bolsas para estudar no estrangeiro têm de ver uma oportunidade escapar porque não são autorizados a viajar. Na minha opinião, o controle repugnante e draconiano que Israel exerce sobre os palestinos de Gaza cercados e os palestinos da Cisjordânia ocupada (incluindo Jerusalém oriental), assim como a sua negação dos direitos dos refugiados de regressar às suas casas em Israel, exige que as pessoas com sentido de justiça em todo o mundo apoiem os palestinos na sua resistência civil, não violenta. Onde os governos se recusam a atuar, as pessoas devem fazê-lo, com os meios pacíficos que tiverem à sua disposição. Para alguns, isto significou juntar-se à Marcha da Liberdade de Gaza; para outros, juntar-se à flotilha humanitária que tentou levar até Gaza a muito necessitada ajuda humanitária. Para mim, isso significa declarar a minha intenção de me manter solidário, não só com o povo da Palestina, mas também com os muitos milhares de israelitas que discordam das políticas racistas e coloniais dos seus governos, juntando-me à campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra Israel, até que este satisfaça três direitos humanos básicos exigidos na lei internacional. 1. Pondo fim à ocupação e à colonização de todas as terras árabes [ocupadas desde 1967] e desmantelando o muro; 2. Reconhecendo os direitos fundamentais dos cidadãos árabe-palestinos de Israel em plena igualdade; e 3. Respeitando, protegendo e promovendo os direitos dos refugiados palestinos de regressar às suas casas e propriedades como estipulado na resolução 194 da ONU. A minha convicção nasceu da ideia de que todas as pessoas merecem direitos humanos básicos. A minha posição não é anti-semita. Isto não é um ataque ao povo de Israel. Isto é, no entanto, um apelo aos meus colegas da indústria da música e também a artistas de outras áreas para que se juntem ao boicote cultural. Os artistas tiveram razão de recusar-se a atuar na estação de Sun City na África do Sul até que o apartheid caísse e que brancos e negros gozassem dos mesmos direitos. E nós temos razão de recusar atuar em Israel até que venha o dia – e esse dia virá seguramente – em que o muro da ocupação caia e os palestinos vivam ao lado dos israelitas em paz, liberdade, justiça e dignidade, que todos eles merecem. Roger Waters (A Verdade)

Índios

Tekoha, a retomada da Terra Sagrada Posted on 12 de novembro de 2012 by Bruna Bernacchio Print Friendly Midiativistas do Circuito Fora do Eixo visitam onze aldeias Guaranis Kaiowá, produzem vídeo-reportagem e abrem mais de 30 horas de gravação para quem quiser recriar obra Por Bruna Bernacchio Durante dez dias de novembro, Thiago Dezan e Rafael Vilela, midiativistas do Fora do Eixo, viajam por aldeias Guaranis Kaiowá do Mato Grosso do Sul, com duas mochilas e barraca nas costas, cultivando relações com famílias, lideranças e ativistas de movimentos e registrando tudo. Ao passar pelas diversas aldeias – Panambizinho, Ita’y (Lagoa Rica), Guyra Kambi’y, Laranjeira “Nhanderu”, Passo Pirajú, Apicay, Reserva Indígena de Dourados (Aldeias Bororó e Jaguapirú), Pyelito Kue, Campestre, Pirajuí. O objetivo era dar voz, ao invés de tentar falar pelos índios. Ao fazê-lo, vivenciaram a luta pela Tekoha, a terra sagrada — uma resistência à expansão desumana do agronegócio. Graças a esta imersão humana, livre dos interesses comerciais da mídia tradicional, revelam também o cotidiano dessas aldeias — de guerra, morte e medo, mas ao mesmo tempo incrivelmente alegre, de grande espiritualidade e constante debate sobre outras questões indígenas. Desde o início da viagem, Thiago e Rafael postaram com frequência fotos e pequenas narrações em uma página do facebook intitulada “Coluna Guarani Kaiowá”. Quando retornaram, produziram um vídeo reportagem, editando brevemente trechos das mais de 30 horas gravadas. A intenção inicial era mobilizar para as manifestações em favor dos guaranis-kaiowás que aconteceram nas ruas de todo o país, em 9/11. Agora, todo o material pode ser retrabalhado. Está disponível em licença livre, Creative Commons, para quem quiser utilizar. Para apresentar o vídeo e compartilhá-lo na internet, os midiativistas fizeram um interessante programa de Pós-TV, repleto de informações e relatos de suas experiências pessoais. A transmissão pode ser vista na íntegra aqui e aqui. Abaixo, uma seleção Outras Palavras de suas falas mais significativas. ————— “A viagem [...] teve um motivo muito claro: produzir e qualificar o debate nas redes sociais, sobre algo que já estava virando um fenômeno.” “Os próprios indígenas falavam muito, as lideranças: o que rolou no facebook foi um diferencial pra luta deles e pra permanência principalmente pro povoado de Pyelito Kuê.” “O que a gente vivenciou de perto é que essa história não é recente, não tem nada muito novo. Tudo isso já é um processo histórico, e a gente indo ou voltando, fazendo o vídeo ou não, continuam esses problemas.” “Esse contexto de mobilização social, com as marchas [...], é um começo. Tá todo mundo aqui começando uma pesquisa, uma investigação, uma mobilização, e uma forma de ativismo, que os brancos também puxam, mas na base das lideranças indígenas. [...] É um momento muito histórico da gente conseguir fazer essa conexão de brancos e índios, as duas culturas, as redes somando de todas as formas, eles mesmo fazendo um trabalho no facebook massa, a gente está aqui pra potencializar isso.” [...] “Trocando ideia com essa galera que já está há um tempo no documentarismo, o Bruno [Torturra] deu um toque pra gente: ‘Cara, se você não sabe falar como que foi, fala o que te tocou mais, isso que mais importa’. E pra gente o que foi muito tocante foi que, apesar daquele rastro de sangue, que a gente foi vendo a cada aldeia que a gente passava, [...] é a forma completamente calma, tranquila e alegre que os Guaranis Kaiowá lidam com essa situação. E não é que eles são passivos, ou porque eles não tem capacidade de lutar, mas eles são pessoas muito em paz, são muito alegres, apesar de tudo. Eles conseguem conversar com você com um sorriso na boca, que dificilmente alguém da gente que passasse por uma situação dessa, de perda de parentes, de ameaça de morte, tudo isso, conseguiria ter de forma tão natural. Então acho que mais marca assim mesmo é a alegria. [...] Como as crianças continuam brincando de pular no rio, como todo mundo continua vivendo, apesar de tudo. E lutando pela vida mesmo.” “Uma frase também do Daniel que eu acho muito importante: quando a luta é pela vida, a morte se torna um negócio muito pequeno.” [...] “Foram aldeias nas suas mais diversas condições. Desde aldeia que fica na beira de estrada, porque eles não têm nenhum outro lugar pra ir; até aldeia que fica dentro da fazenda, uma espécie de ocupação, que eles chamam de ‘retomada’, justamente porque é essa retomada ao território que foi deles anteriormente; aldeia que já estava regulamentada, regularizada, que os indígenas estavam ali sem problemas; aldeias que são demarcadas, mas que têm uma população indígena muito superior ao que comportam. Os antropólogos fizeram até uma assimilação de que isso seria uma espécie de campo de concentração indígena.” “Aí tem dados muito legais: que lá no Mato Grosso do Sul, cerca de 22 indígenas ocupam o mesmo espaço que uma vaca em hectares. Pra você ver que tipo de valores estão regendo essa distribuição de terras no nosso país”. [...] “Antoniel, que é uma das cinco lideranças indígenas do Brasil [...], pra ele conseguir ir visitar as aldeias, ele tem que ir com mais quatro homens da Força Nacional, que o Governo Federal mandou pra lá, justamente porque o estado do Mato Grosso do Sul não atende as aldeias indígenas. A Polícia Militar e a Polícia Civil não estão subindo para as aldeias. Num movimento muito de exclusão completo com aquela comunidade. [...] As aldeias não demarcadas, na verdade, são um grande território que não tem acesso a nenhum tipo de política ou serviço público. Então são grande aglomerados de pessoas que estão completamente à deriva, sem nenhum apoio do Estado. Por isso que a pauta deles, que às vezes parece uma pauta única, mas é isso, a questão da demarcação do território.” [...] “Boa parte dos guaranis não sabiam que ia ter essas manifestações dia 9, e foi muito emocionante poder ser o porta voz dessa mensagem, porque os caras não estão sozinhos gritando dos confins da floresta, mas que nós aqui também estamos falando nisso, estamos querendo nos aproximar mais deles.” [...] “Deste conteúdo que foi todo produzido lá, a gente priorizou a fazer esse vídeo pra mobilizar as manifestações [...], mas que são mais de 30 horas de conteúdo registrados, entre viagens, atolamentos, travessias de rio, depoimentos dos indígenas, e muitos outros episódios que aconteceram lá. E este conteúdo está todo em copyleft, se alguém pegar uma cópia dessa parada, é só entrar em contato com a gente. Se alguém quiser montar uma outra versão desse vídeo, os conteúdos estão na mão. Porque eu acho que esse é o grande diferencial do midiativismo que a gente vem produzindo aqui: não basta você só ir lá, expressar sua opinião, mas você abrir isso também, pra que outras pessoas possam fazer suas leituras. [...] Porque esse conteúdo está aí exatamente pra ser mostrado pro mundo todo.” [...] “…Ao longo desses dias todos lá, circulando pelo interior do Mato Grosso do Sul, a gente conseguiu pegar vários enchertos, várias visões de mundo, mas que no todo somam uma história comum. [...] Todos eles tinham acesso à essa terra de forma irrestrita antes do século XX, então até o começo de 1900, eles tinham acesso a praticamente todo o território do MS, e esse território foi sendo podado e cortado pelo Estado em missões de expansão de frente agrícola a partir de 1910. [...] Como a Reserva Indígena de Dourados, por exemplo, em que se pegou indígenas de várias etnías, de vários grupos, e se condensou eles, hoje são quase 15 mil, numa área de 3.500 alqueres, né, muito pouco espaço. Foram processos de esmagamentos mesmo, de confinamento dos próprios indígenas ali, pra liberar o espaço, pra expansão da agricultura, do progresso, nessa visão desenvolvimentista aí do território e de economia. “Então, o que existe é um processo global, em que as aldeias foram retiradas de seus espaços iniciais, e se recusaram a ir embora. [...] Porque eles entendem que historicamente ali é o lugar onde eles tem que estar. [...] Entre os anos 70 e 90, começou um processo gradual, que hoje se intensifica, de retomada. [...] Eles vão lá na raça mesmo, reocupam esse espaço, e resistem. [...] Até tem uma das entrevistadas aí, que aquela aldeia que a gente mostra na beira da estrada, chama Apicay, que é muito simbólico, porque o nome mesma já significa ‘os que esperam’, né, esperam pela terra sagrada.” “A repercussão, tanto lá quanto aqui, é muito legal. E acho que se todo mundo pudesse, todo mundo devia ir. Inclusive um dos atos que está sendo discutido agora pro final do ano, é de rolar um acampamento coletivo nessas aldeias em risco lá. [...] Acampamento solidariedade. [...] Ir ao local, olhar no olho da galera, e conseguir ter esse sentimento de troca, que vai muito além do conteúdo, né, a gente não estava lá pra só sugar informação, mas pra manter um canal de diálogo permanente. Eu acho que isso é uma metáfora do que deve ser essa relação da sociedade civil agora, com o movimento originário dos índios.” [...] “Eles estão bem marcados mesmo por essas experiências trágicas da mídia ir lá e fazer algo contra eles. [...] A questão da carta é bem importante, que ela foi extremamente mal interpretada. Foi interpretada pela sociedade aqui, pelas redes, como uma tentativa, uma ameaça, de suicídio coletivo, e todos os índios que você fala sobre isso são altamente contra isso, acho que em nenhum momento os povos indígenas consideraram se matar coletivamente. O que existe de fato é um processo, de certa forma, de uma depressão muito latente em várias pessoas, por vivenciar essa situação de conflito. Então de fato existe sim uma taxa de suicídio muito alta, e que resulta dessa pressão social e dessas questões todas que estão colocadas. Não de uma desistência da luta, mas de pessoas que não dão conta de aguentar emocionalmente. Eles falam de uma doença da alma.” [...] “A Pyelito Kue tem uma história que é bem significativa nesse processo deles, já existe como uma terra do outro lado do rio, onde as famílias estão instaladas, e essa superpopulação, crescimento ao longo dos anos, fez com que os mais novos migrassem pros territórios antigos, que tinham sido desocupados, e ocupassem o que hoje são fazendas. Então aí a ira dos fazendeiros, né. Porque os fazendeiros compraram essa terra do governo, a não muito tempo, há 50, 60 anos, e não querem por nada perder elas sem ter acesso ao valor que elas valem no mercado, né. Então essa treta é econômica. O governo vendeu uma terra que não era dele, pros fazendeiros, pra expansão da fronteira agrícola, e hoje está nesse impasse. Porque o governo também só se dispõe a pagar o terra da casa da fazenda, e não da terra bruta. E isso está num impasse que não existe solução fácil também, porque o governo tem que desenbolsar. [...] Mas isso não justifica uma atitude violenta por parte dos fazendeiros, né. A gente entende que o governo tem a sua parcela de culpa, por ter vendido lá trás essas terras, mas que hoje em dia a gente precisa, e conjunto, pensar numa solução sem causar mais violência pras pessoas, né.” [...]“Isso foi o encontro de educadores indígenas. [...] Foi muito bacana saber que eles estão juntos pensando como é que eles vão construir a escola deles, como é que eles vão conseguir ampliar o número de aldeias que possuem seus centros de ensino indígenas. E tinham mais de 200 pessoas lá, todas acampadas no mesmo lugar, comendo e fazendo sua comida em conjunto. E são lideranças indígenas do país inteiro dos Guaranis Kaiowá discutindo o futuro da educação indígena, passando por um processo de formação de um projeto de vida e sociedade que é muito claro. E fica claro também o quão de frente o projeto indígena bate com o projeto que está posto aí, dos grandes negócios, das grande empresas, megacorporações, e desse sistema baseado no consumo. [...] Pra gente, que tenta estabelecer no dia a dia esse processo mais coletivo, mais solidário, de uma troca mais justa, a gente fica impressionado com o que eles já têm, né.” (Outras palavras)

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Israel conspira contra si mesmo Posted in: Capa, Geopolítica, Mundo Por: Robert Fisk - 20/11/2012. Print Friendly Robert Fisk alerta: num Oriente Médio transformado, operação militar brutal de Telaviv ameaça, a médio prazo, própria existência do país Robert Fisk, no The Independent| Tradução: Inês Castilho Terror, terror, terror, terror, terror. Lá vamos nós novamente. Israel vai “extirpar o terror palestino” – o que vem proclamando há 64 anos, sem sucesso – enquanto o Hamas, a mais recente das milícias mórbidas “palestinas”, anuncia que Israel “abriu os portões do inferno” ao assassinar seu líder militar, Ahmed AL-Jabari. O Hezbollah anunciou várias vezes que Israel “abriu os portões do inferno” ao atacar o Líbano. Yasser Arafat, que era um superterrorista, depois um superestadista (após capitular sobre o gramado da Casa Branca) e mais tarde converteu-se novamente em superterrorista, quando percebeu que havia sido enganado, nos acordos de Camp David, em 1982, também falou muito sobre os “portões do inferno”. E os jornalistas estão escrevendo como ursos amestrados, repetindo todos os clichês que temos usado nos últimos quarenta anos. O assassinato de Jabari, líder militar do Hamas, foi uma “ofensiva com alvo”, um “ataque aéreo cirúrgico” – como os “ataques aéreos cirúrgicos” israelenses que mataram quase 17 mil civis no Líbano, em 1982; os 1.200 libaneses, a maioria civis, em 2006; ou os 1.300 palestinos, a maioria civis, em Gaza em 2008-09; ou ainda a mulher grávida e o bebê que foram assassinados pelos “ataques aéreos cirúrgicos” em Gaza na semana passada – e os 11 civis mortos em uma só casa em Gaza, ontem. Ao menos o Hamas não atribui a seus foguetes “Godzilla” nada de cirúrgico. Seu objetivo é matar israelenses – quaisquer israelenses, homens, mulheres ou crianças. Exatamente como os ataques de Israel em Gaza. Mas, não ouse dizer isso, ou será tachado de nazista anti-semita; quase tão diabólico, perverso, satânico e assassino como o movimento Hamas, com o qual – de novo, por favor, não fale sobre isso – Israel negociou alegremente nos anos 1980, momento em que encorajou esse “bando de monstros” a tomar o poder em Gaza e decapitar o superterrorista exilado, Arafat. A nova taxa de câmbio em Gaza para os mortos palestinos e israelenses chegou a 16 por 1. Vai subir, é claro. A taxa de câmbio em 2008-09 era de 100 por 1. E estamos alimentando mitos, também. A última guerra em Gaza teve sucesso tão impressionante (“extirpando o terrorismo”, claro) que as supostas unidades “de elite” de Israel não foram capazes sequer de encontrar seu próprio soldado capturado, Gilad Shalit, ao final entregue, no ano passado, por Jabari em pessoa – o mesmo líder do Hamas agora assassinado. Jabari seria o “líder oculto número 1” do Hamas, segundo a Associated Press. Mas como, ó céus, pode ser oculto, se sabemos sua data de nascimento, detalhes familiares, anos de cárcere em Israel, durante os quais trocou o Fatah pelo Hamas? Ao que parece, os anos na prisão israelense não converteram o sr. Jabari exatamente ao pacifismo, certo? Bem, não derramemos lágrimas; ele viveu pela espada e morreu pela espada, um destino que, claro, não aflige os aviadores de Israel enquanto matam civis em Gaza. Washington apoia o “direito de defesa” de Israel. Por isso, afirma uma neutralidade espúria – como se as bombas de Israel sobre Gaza não tivessem vindo dos Estados Unidos, assim como os foguetes Fajr-5 vieram do Irã. Enquanto isso, o lamentável secretário de Relações Externas de Londres, William Hague, acusa o Hamas de “principal responsável” pela guerra atual. Mas não há evidências de que isso seja verdade. De acordo com The Atlantic Monthly, o assassinato israelense de um palestino “mentalmente incapaz”, que se desviou para a fronteira, pode ter sido o começo dessa guerra. Outros suspeitam que o assassinato de um menino palestino possa ter sido uma provocação. Mas ele foi alvejado e morto pelos israelenses, quando um grupo armado palestino tentou cruzar a fronteira e foi confrontado por tanques israelenses. Nesse caso, homens armados palestinos – embora não do Hamas – poderiam ter dado o pontapé inicial ao conflito. Mas não haverá nada que pare esse absurdo, essa guerra de lixo? Centenas de foguetes caem sobre Israel. É verdade. Milhares de hectares de terra são roubados dos árabes por Israel – para judeus e apenas para judeus – na Cisjordânia. Nem sequer sobrou terra suficiente para um Estado palestino. Delete as últimas duas frases, por gentileza. Há apenas bons meninos e maus meninos nesse conflito odioso, no qual os israelenses reivindicam ser os bons meninos, para o aplauso dos países ocidentais (que, então, perguntam-se por que tantos muçulmanos não gostam muito dos ocidentais). O problema, estranhamente, é que as ações israelenses na Cisjordânia e seu cerco a Gaza estão trazendo para perto exatamente o que Israel anuncia temer, a cada dia: que o país corre o risco de ser destruído. Na batalha dos foguetes – não menos que Fajr-5 do Irã e drones do Hezbollah –, um novo caminho está sendo trilhado pelos dois lados, nessa guerra. Não se trata mais de tanques israelenses atravessando a fronteira do Líbano ou de Gaza. Trata-se de foguetes e drones de alta tecnologia e ataques computadorizados – ou “ciber-terrorismo”, claro, se cometido por muçulmanos. Os seres humanos destruídos pelo caminho serão ainda menos relevantes do que foram nos últimos três dias. O despertar árabe segue agora seu próprio caminho: seus líderes terão de acompanhar o humor das suas populações. Nesta condição, suspeito, está o pobre e velho rei Abdullah, da Jorndânia. A hipocrisia dos EUA “pela paz”, ao lado de Israel, já não vale mais nada para os árabes. E se Benjamin Netanyahu acreditar que a chegada dos primeiros foguetes iranianos Fajr justifica o big bang israelense sobre o Irã, o que ocorrerá? O Irá reagirá ao ataque e talvez atinja também os norte-americanos. Trará consigo o Hezbollah. E o que fará Obama, se se vir se engolfado por outra guerra entre o Ocidente e os muçulmanos? Bem, Israel pedirá o cessar-fogo, como acontece rotineiramente em guerras contra o Hezbollah. Pleiteará ainda, novamente, o apoio imortal do Ocidente em sua luta contra o mal, incluindo o Irã. E por que não louvar o assassinato de Jabari? Por favor, esqueça que os israelenses negociaram, por meio do serviço secreto alemão, com Jabari em pessoa, há menos de um ano. Não se pode negociar com “terroristas”, certo? Israel denomina esse último banho de sangue de Operação Pilar de Defesa. Está mais para Pilar da Hiprocrisia. (Outraspalavras)

Futebol e ditadura

'Memórias do Chumbo- O Futebol nos Tempos do Condor'. Chamadas: Argentina, Chile, Uruguai e Brasil Veja as chamadas do especial 'Memórias do Chumbo - Futebol nos Tempos do Condor' 'Meu pai contou para mim, Eu vou contar para o meu filho. E quando ele morrer? Ele conta para o filho dele. É assim: ninguém esquece.' Kalé Maxacali- Índio da aldeia de Mikael (MG) 'O futebol foi usado pela ditadura militar'. A frase é tão verdadeira quanto batida. A utilização do futebol para fins de propaganda não é um privilégio das ditaduras mas nelas esse uso é escancarado e, pela própria natureza autoritária deste tipo de regime, os limites desta utilização se ampliam tremendamente. Foi a partir desta repetida sentença que se iniciou essa história. A necessidade de sair e ir além desta óbvia formulação. Responder a diversas questões. O quanto o futebol foi utilizado pela ditadura militar no Brasil? Como? Quem? Em que momento foi mais utilizado? A que nível de utilização, vigilância e controle o regime militar chegou sobre a maior paixão dos brasileiros? Foram meses de um mergulho profundo. Incontáveis idas e pesquisa nos mais diversos arquivos. Arquivo Nacional (Rio e Brasília), Arquivo do Estado de São Paulo, Arquivo do Estado do Rio de Janeiro. Contatos com quem já vinha pesquisando o período. Dezenas de entrevistas. Horas de gravações. Bibliografia sobre o tema vista e revista. No decorrer deste caminho, a certeza de que era preciso ampliar o foco. Como se sabe, existiam pontos em comum, receituários e ações conjuntas entre diversas ditaduras do continente. Desde a década de 60 até culminar com a multinacional do terror, a Operação Condor. O futebol não esteve fora desse receituário de ações e modo de agir comum dessas ditaduras. A certeza de que era preciso ir além do Brasil para contar essa história gerou 'Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos do Condor', em quatro capítulos: Argentina, Chile, Uruguai e Brasil, que vai ao ar na ESPN Brasil entre os dias 18 e 21 de dezembro, nessa exata ordem. Um trabalho, com o perdão da auto-referência, ambicioso e pretensioso. Afinal, se não fosse assim, melhor nem começar. Ou traria novas respostas e olhares ou ficaríamos na velha frase-chavão. A pretensão era maior no caso brasileiro. Jogando em casa, a obrigação é sempre maior. Seria pretensão demais chegar de passagem ao país dos outros e descobrir histórias bombásticas. Ainda assim, no capítulo Argentina temos a confirmação, décadas depois, de histórias sobre as quais murmuravam-se coisas, mas não batia-se o martelo. Mas a grande pretensão nos países vizinhos era traçar um imenso painel do que foram aqueles anos quanto a essa relação 'Futebol x Ditaduras'. Contar essas histórias. Até porque, como verificamos in loco, essa memória tem sido mais bem tratada nesses locais. Na Argentina, inúmeros livros e documentários falam do tema específico. Uruguai e Chile não ficam muito atrás. Trataremos disso em outros textos. No caso brasileiro, esse mergulho profundo me faz ter certeza de algumas respostas para tantas perguntas. Muitas revelações absolutamente novas e provavelmente bombásticas estão ali. A quantidade de apuração conseguida me fez em algum momento achar que tinha um livro em mãos a ser publicado. Mas depois que Mário Magalhães lançou o espetacular "Marighella", botei a viola no saco. O novo parâmetro de exigência diante da obra passou a ser muito alto. É preciso um pouco de cara de pau para publicar algo depois de "Marighella". Seguiremos o trabalho mesmo depois da exibição. Aliás, esse é um ponto importante nessa história. Somos muitas vezes arrogantes nesse ofício de jornalista. Achamos que nossos trabalhos esgotam assuntos. 'Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos do Condor' é pretensioso por outras razões já descritas acima. Mas não por essa. Esse trabalho gostaria muito de, quem sabe, ser um clique para que muitos outros venham, de todos os lados. Jornalistas, pesquisadores... Ele responde a diversas questões, mas provavelmente nem a metade do que pode ser respondido ainda naquele período. Os arquivos brasileiros gritam. Nossa memória do período ainda não chegou nem no primeiro andar, por mais que livros (alguns ótimos) sobre o período estejam na rua. Com tanta bobagem sendo publicada e energia gasta em coisas patéticas, seria espetacular que um pouco mais de energia das mais diversas redações e profissionais fossem gasta para traçarmos essa memória. Nunca quis tanto que matérias ultrapassem o muito pouco que essas 'Memórias' alcançou. Nesses meses de pesquisa e mergulho, muita coisa sobrou. Ligadas ao tema de certa forma e que não couberam no tempo de um capítulo ou mesmo coisas do arquivo que saltavam aos olhos e tinham que ser resgatadas do sono profundo no fundo de uma pasta. Publicaremos algumas aqui até a exibição de 'Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos do Condor'. Estaremos falando e convidando mais vezes aqui no blog, no Bate-Bola 1 e nas chamadas. No vídeo acima, um tira-gosto de chamadas. Lá no fim, deixo o nome de gente envolvida na história. Fundamentais para botar isso de pé e cujo ritmo na linha de produção vai sendo ditado por Fábio Calamari. Acima de tudo, um sentimento comum passa por todo o trabalho, por todos os capítulos: é preciso contar essas histórias. Mais, muito mais do tanto que já são contadas. É preciso contruir a memória desse tempo vergonhoso do Brasil. Ao contrário do que alguns tentam passar, só contando é que passaremos por elas. Acima de tudo, se algo pode resumir tal sentimento, é a expressão que tanto ouvi nessas andanças pela nossa América: NUNCA MAIS! MEMÓRIAS DO CHUMBO- O FUTEBOL NOS TEMPOS DO CONDOR Quando: De 18 a 21 De dezembro Onde: Na ESPN BRASIL Reportagem, roteiro e produção: Lúcio de Castro Imagens: Luís Ribeiro e Rosemberg Farias Edição: Fábio Calamari e Alê Vallim Narração: Luís Alberto Volpe Arte: Stela Spironelli Chamadas: Rodrigo Takigawa (Fonte...)

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Obama

quinta-feira, 22 de novembro de 2012 Pepe Escobar: “Obama, o pivô” 22/11/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online “Obama the *Pivot” Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu Pepe Escobar O fabuloso Buda Reclinado em Wat Pho, Bangkok, [1] não subscreve, exatamente, as guerras de aviões-robôs armados, drones, nem “assassinatos predefinidos” – para nem falar de bombardear infraestrutura civil. O Buda, pois, deve ter ficado surpreso e confuso – para dizer o mínimo – quando o presidente Barack Obama, logo no começo de sua “pivoteação” galopante pelo sudeste asiático, e falando de Israel e Gaza, saiu-se com essa: “Nenhum país da Terra toleraria chuva de mísseis sobre seus cidadãos, vinda de fora das fronteiras”. Imaginem o Buda em nirvana, generosamente supervisionando a triste paisagem desse vale de lágrimas e constando, porque seria impossível não constatar, que o mesmo Obama faz chover drones Hellfires sobre o Paquistão e o Iêmen, enquanto um dos assassinatos predefinidos, marca registrada de Israel – além de ilegal – matava, precisamente, um comandante militar do Hamás, Ahmed al-Jaabari, no preâmbulo da mais recente sessão de castigo coletivo que Israel inflige a Gaza. Superobama Chame de “Doutrina Obama” ou chame de o velho excepcionalismo norte-americano; por toda a rua árabe, o apoio de Obama à chacina obrada por Israel foi analisada lado a lado com o seguinte fragmento de sensível análise geopolítica saída da boca do filho de Ariel Sharon: “Precisamos arrasar, até não haver pedra sobre pedra, todos os bairros de Gaza. Gaza, no chão! Os norte-americanos não pararam em Hiroshima – os japoneses estavam demorando para se render. Então puseram abaixo também Nagasaki”. [2] Alguém pensou em “solução final?”. Nem Obama – nem qualquer outro presidente dos EUA – admitiria a possibilidade de que Telavive vive de terrorismo de estado baseado em punição coletiva. Afinal, como Golda Meir disse um dia, “Esses tais de palestinos não existem”. Isso torna ainda mais cômica a notícia de que a secretária de Estado Hillary Clinton teria sido mandada construir um acordo entre Israel e Hamás. O governo Obama não tem poder para garantir que seu aliado Israel cumpra qualquer promessa de cessar-fogo. Mas, claro, é preciso fazer algum acordo. E o principal negociador é o Egito, não os EUA; o Egito do presidente Mursi da Fraternidade Muçulmana (FM). Desde o início Mursi soube que o primeiro-ministro de Israel, Bibi Netanyahu não bombardearia para sempre – crescendo, nos necrotérios, as pilhas de “danos colaterais”. Sabia que Bibi teria de retroceder, porque bombardear Gaza “até não deixar pedra sobre pedra” e bombardeio seguido de guerra em terra gerava risco real de não sobrar pedra sobre pedra em Israel, não só no terreno da opinião pública mundial mas, também, no terreno da geografia, mesmo, propriamente dita, de Israel. Fraternidade Muçulmana Já há semanas, o mantra incansavelmente repetido pelos conservadores e pela direita nos EUA é que a política de Obama para o Oriente Médio consiste hoje em beijar os pés da FM (Fraternidade Muçulmana). Ainda que se admita que Obama e seus assessores saibam negociar com a FM (o que absolutamente não é garantido, não, de modo algum), devem-se esperar resultados os mais ensandecidos. A Fraternidade Muçulmana está no poder no Egito: muito bem posicionada para assumir o poder também na Jordânia, aliada dos EUA; lidera hoje a nova oposição, oposição remixada, na Síria; e tem total apoio do Qatar. Como se não bastasse, o Hamás é, na essência, a Fraternidade Muçulmana no poder também em Gaza. Considerando que o Qatar, cautelosamente, preferiu sentar na última fila, nos trabalhos para resolver o drama em Gaza (porque teme antagonizar Israel), Washington teve de confiar no Egito. Quanto a Mursi, sabia que, se não tomasse distância segura dos EUA, na negociação de algum acordo, a rua egípcia lhe cobraria contas e se vingaria nas próximas eleições parlamentares. E só Mursi tinha suficiente margem de manobra para dançar em torno do objetivo supremo do Hamás – que é romper por bem o bloqueio físico e econômico (além de ilegal) que Israel impõe em Gaza. Mohamed Mursi E há também a Síria, caso mais estranho a cada minuto. O conselho da oposição remixada é operação conjunta de EUA e Qatar. O próprio Obama, em sua primeira conferência de imprensa depois de re-eleito disse que queria uma oposição “comprometida com uma Síria democrática, uma Síria inclusiva, uma Síria moderada”. Nada disso jamais apareceu na agenda de Doha – para nem falar de Riad. Qual terá sido a reação de Obama, ao ser informado de que as gangues do Exército Sírio Livre absolutamente não aceitam e descartam o novo Conselho Nacional Sírio – cujo líder, vale lembrar, acha que Facebook é complô do mal armado por EUA/Israel? Pois as gangues declararam que querem “estado islâmico justo”. Tradução: fodam-se Qatar e os EUA; preferimos a via saudita medieval. A única coisa certa é a seguinte: nos próximos meses será rotina assistir a Obama na luta para conseguir pivotear-se para bem longe dessa confusão, rumo ao Pacífico Asiático. O mar congestionado de peixes/Too many fish in the sea [3] O que nos leva ao destino final de tanta pivoteação: a China. A leitura que Pequim faz de toda essa conversa de pivô e pivoteação é papo reto. A Guerra Fria voltou – e a nova ameaça vermelha (amarela?) é a China. O governo Obama não tem nada a fazer intrometendo-se em disputas no Mar do Sul da China. Com o Império do Meio crescendo rumo ao posto de principal potência – primeiro econômica, em seguida também política – do mundo (o que virá, inexorável como a morte e os impostos), todo o sudeste asiático preferirá a integração, em vez da confrontação. Comparem-se isso e a posição – de fato, é cômica – de Obama, o qual, primeiro passo, já começou por aumentar o nível de tensão, ele e sua pivoteação pelo mundo; e agora faz pose de apaziguador benigno de tensões, envolvendo China, Taiwan e mais quatro nações do sudeste asiático no seu tour galopante de pivoteamento frenético. Países da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) É. A luta já começou. Afinal, estão em jogo quantidades imensas de petróleo e gás por explorar. Pequim só aceita negociações bilaterais. As Filipinas – que seguem a orientação dos EUA – querem internacionalização. O Camboja – na essência, colônia econômica chinesa – anunciou, durante reunião de cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático [ing. Association of Southeast Asian Nations (ASEAN), que todos os membros discutirão o Mar do Sul da China com a China, negociações bilaterais. As Filipinas – que fala de um “Mar das Filipinas Ocidentais” – disse que “Esqueçam!” Nesse ponto, a ASEAN e Pequim só conseguirão um “código de conduta”. Vai demorar. Mas é inevitável. Obama reuniu-se com o premiê chinês que se vai, Wen Jiabao, a quem disse que EUA e China “devem estabelecer regras claras de percurso” para comércio e investimento. Sem dúvida é mais civilizado que Mitt (Quem?) Romney prometendo deflagrar uma guerra comercial/monetária contra a China, no dia da posse na presidência. Não há qualquer registro de que Wen tenha mencionado, na conversa com Obama, a tal de pivoteação. Wen Jiabao e Barack Obama (dez/2009) Assim, sendo, afinal, quero dizer... O que Obama andou fazendo em seu tour galopante pelo sudeste asiático? Para horror dos excepcionalistas norte-americanos de todas as tendências, Obama, por lá, de fato, só fez exportar empregos norte-americanos. Obama partiu em ofensiva carismática, para expandir para o maior número possível de nações asiáticas, um negócio tipo Acordo Norte-americano de Livre Comércio, hoje conhecido como a Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)]. Essa TPP é mais uma sensacional ferramenta a serviço das corporações norte-americanas – além de ser mais um prego no caixão da manufatura norte-americana. Funcionários do governo Obama suaram a camisa para implantar na imprensa a ideia de que a TPP seria ferramenta para facilitar a pivoteação de Obama, em termos de “conter” a China. Na contramão, a própria Hillary Clinton anunciou que adoraria que a China fosse parte da TPP. Pivô? Pivoteação? Pivoteamento? Pivotearia? Não acreditem no conversê. É tudo, só, business. (Redecastor)

Israel

Israel desfolha a margarida da guerra por Pierre Klochendler, da IPS ministro Israel desfolha a margarida da guerra O primeiro-ministro do Hamás, Ismail Haniyeh, enfrenta uma nova arremetida de Israel. Seu escritório foi destruído no dia 17. Foto: Mohammed Omer/IPS Jerusalém, Israel, 20/11/2012 – O ataque de Israel ao Hamás parece um remake da guerra de 2008-2009 contra a Faixa de Gaza. A diferença está em se saber se tentará conseguir o que não conseguiu na ofensiva anterior: derrubar de uma vez por todas o Movimento de Resistência Islâmica. Para ampliar a operação, o exército israelense convocou 75 mil reservistas. Há quatro anos foram mobilizados menos de dez mil. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, viajou ontem para Cairo, somando-se aos esforços mediadores do Egito para conseguir um cessar-fogo entre Israel e o Hamás. O atual conflito já causou uma centena de mortes palestinas e três israelenses. Quando lançou a operação Pilar de Defesa, no dia 14, com o assassinato do comandante da ala militar do Hamás, Ahmad Jabari, e a destruição da maior parte de seu arsenal de mísseis FAJR de longo alcance, o objetivo declarado de Israel era, de algum modo, modesto: empurrar o movimento islâmico para um cessar-fogo de longo prazo que inclua todas as facções islâmicas, garantindo, assim, a tranquilidade em sua fronteira sudoeste. Os meios empregados estão longe de serem modestos. A força aérea e a marinha de Israel utilizaram lança-mísseis, bunkers e centros de comando em centenas de ataques, 200 apenas na noite do dia 15. No dia seguinte, foi bombardeada a sede do Hamás, e ontem foi o prédio onde funcionava o canal de televisão Al Aqsa. Por outro lado, centenas de mísseis caíram em cidades e povoados israelenses localizados em um raio de 40 quilômetros de Gaza, matando três civis. Pela primeira vez desde a primeira Guerra do Golfo (1991), mísseis de longo alcance chegaram à área metropolitana de Tel Aviv, sem causar danos. “Todos os sinais sugerem que Israel se fixou em um objetivo relativamente modesto: uma trégua de longo prazo”, escreveu o analista de defesa israelense Ron Ben-Yishai no jornal centrista Yedioth Ahronoth. Entretanto, não há indícios plausíveis de que o Hamás esteja pronto para semelhante trégua. Há quatro anos, no começo da operação Chumbo Derretido, Israel ainda gozava de uma relativa liberdade de ação e do apoio do Ocidente. Um fator que poderia limitar suas forças armadas agora é o risco de que a ofensiva leve a um uso ainda mais desproporcional da força e a uma indiscriminada matança de civis palestinos. Na guerra, que se desenvolveu entre 27 de dezembro de 2008 e 18 de janeiro de 2009, morreram 1.400 palestinos, 300 deles menores de 18 anos. Em um informe divulgado em setembro de 2009 por uma comissão investigadora liderada pelo juiz Richard Goldstone, Israel foi acusado de crimes de guerra. Na época, o governo israelense argumentou que havia restabelecido sua capacidade de dissuasão. De fato, períodos de calma se alternaram com outros de tensão. Este ano, com 750 mísseis lançados contra Israel pelas guerrilhas palestinas antes da atual escalada, os parênteses de tranquilidade duraram cada vez menos. Além disso, há uma consideração importante nos planos de contingência israelenses para um eventual ataque por terra: a Primavera Árabe mudou a região, cercando Israel em suas fronteiras do norte e do sul e aguçando a sensação de insegurança prevalente no país. No prazo de uma semana, bombardeios errantes lançados pelo exército da Síria contra posições de grupos rebeldes desse país aterrorizaram as colinas de Golã, ocupadas pelo Estado judeu, somando-se ao ataque com míssil que o Hamás assumiu contra um jipe israelense. “A faísca” que, segundo Israel, acendeu o conflito atual. Israel realizou represálias duas vezes, bombardeando posições sírias. Também enfrenta ataques guerrilheiros vindos do Sinai, uma região egípcia vizinha à Faixa de Gaza. Daí a atual ofensiva também buscar colocar à prova a reação do Egito, cuja cooperação é necessária para manter em vigor o tratado de paz de 1979, bem como a estabilidade no Sinai e em Gaza. Ao retirar o embaixador egípcio de Israel e solicitar a intervenção dos Estados Unidos e da Liga Árabe, o presidente Mohammad Morsi pareceu mostrar sua preferência pela diplomacia. No dia 16, enviou o primeiro-ministro, Hesham Qandil, para uma breve visita de solidariedade a Gaza. O motivo ulterior de Israel pode ser simplesmente este: não só enviar uma mensagem de dissuasão ao Hamás por intermédio do Egito, mas mostrar ao mundo árabe (incluída a organização xiita libanesa Hezbolá) e, mais além, o Irã, que o Estado judeu ainda é forte e ataca quando se sente ameaçado. Em termos gerais, a operação é funcional para os interesses dos dois lados. Serve a Israel em parte porque, enquanto continuar, deixa de ser um problema a intenção do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, de que a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprove a Palestina como Estado-membro. Depois de evitar que facções palestinas mais extremistas bombardeassem Israel durante quatro anos de incômoda “cooperação” de segurança com o Estado judeu, o Hamás finalmente pode se recolocar como vanguarda da resistência contra a ocupação. Além disso, o repúdio do Hamás a uma trégua imposta por Israel constitui uma tática deliberada para arrastar os militares israelenses para Gaza, em um remake da guerra de 2008-2009, com a esperança de que a invasão desperte a condenação internacional. Na noite do dia 16, foram lançados mísseis Fajr contra Jerusalém e caíram na Cisjordânia ocupada. Pelo menos em teoria, a arriscada política do Hamás poderia levar ao que não conseguiu a guerra anterior de Gaza: que esse movimento seja derrubado após cinco anos de mandato, e substituído pela ANP de Abbas. Mas o Hamás e Israel sabem bem que é improvável que a ANP assuma o controle da Faixa nessas condições. E também é muito difícil que, tendo se retirado de Gaza voluntariamente em 2005, Israel queira voltar a ocupá-la. Além disso, com os antecedentes negociadores do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o período de graça que desfruta Israel terá vida curta se o mandatário ordenar uma invasão total de Gaza. Por fim, a perspectiva de que em dois meses Netanyahu seja reeleito pode ter um efeito moderador sobre a ofensiva, embora seja funcional, pelos cálculos do primeiro-ministro, que a segurança – não a paz nem os assuntos sociais – ocupe um lugar prioritário na agenda da campanha eleitoral. No final, Israel continuar enredado em Gaza por tempo prolongado e muito perto da data das eleições pode colocar em risco as chances eleitorais de Netanyahu. Porém, enquanto o Hamás se negar a acordar uma trégua com Israel, a ofensiva continuará, com todos os riscos de um confronto mais profundo e agressivo. Envolverde/IPS (IPS)

Cinema

2012: A imagem do cinema brasileiro Posted in: Destaques, Povos Tradicionais, Sociedade Por: Bruno Carmelo - 13/11/2012. Print Friendly Observando os cartazes dos filmes nacionais, nota-se uma relação de consumo particular com os corpos fetichizados ou erotizados dos atores Por Bruno Carmelo, editor do Discurso-Imagem. Em 2012, até o meio de novembro, o cinema brasileiro tem apresentado bilheterias fraquíssimas. Apenas dois filmes ultrapassaram a marca de um milhão de espectadores (Até Que a Sorte nos Separe e E Aí… Comeu?, embora Gonzaga – De Pai pra Filho esteja chegando lá), enquanto outros que esperavam atingir a marca fracassaram amargamente (Xingu, Heleno, Paraísos Artificiais). Encontrar as razões para estes resultados seria necessário e interessante, mas este artigo propõe refletir sobre um elemento menor, pontual, mas bastante representativo do mercado de cinema: os elementos de venda do filme, ou melhor, os cartazes dos filmes nacionais lançados nos últimos doze meses. Considerando que muitos espectadores ainda decidem o filme que vão ver nos próprios multiplexes, diante dos cartazes, estas imagens servem como boas metáforas da imagem que o filme quer passar de si mesmo. Ou seja, o cartaz mostra não necessariamente o que o filme é, mas qual produto ele gostaria de ser, e qual público ele pretende seduzir. Certamente, todos os cartazes não podem ser reduzidos às mesmas estratégias, mas é possível perceber algumas tendências gerais. Os cartazes dos filmes mais populares têm apostado em uma simplicidade extrema. Em termos de design, são pôsteres sem profundidade de campo, com os personagens mostrados de corpo inteiro, colados um ao lado do outro, de modo a preencher o espaço. O fundo é apenas uma tela: estas são imagens literalmente superficiais. Não se conta a trama, nem o espaço ou o tempo. Mostra-se apenas o que se julga atrair o público mais amplo: caras, bocas, mulheres belas, atores famosos. É o caso de As Aventuras de Agamenon, o Repórter (terceiro maior sucesso do ano), Até Que a Sorte nos Separe (o líder) e o ainda inédito Os Penetras. No caso deste último, um primeiro cartaz, levemente mais complexo e com iluminação contrastada, mostrava os dois personagens abraçados, com um fundo desfocado. Ele foi trocado mais tarde por outro cartaz, de leitura direta, sem imagem ao fundo, com luz chapada e personagens vistos praticamente de corpo inteiro. Este enquadramento, pelo menos da cintura para cima, é útil para mostrar as formas do corpo, quando estas são importantes (a corpulência cômica de Hassum em Até Que a Sorte nos Separe, as curvas sedutoras de Mariana Ximenes em Os Penetras). E que a ordem entre os corpos não confunda o espectador: estes cartazes são feitos para agradar, para não forçarem o pensamento. Não há ambiguidade em uma imagem deste tipo. Isto já não ocorre com grandes produções nacionais que pretendiam alcançar um grande público, mas tiveram resultados abaixo do esperado. Não se pode estabelecer uma relação de causa e consequência (os filmes fracassaram porque foram vendidos de tal maneira), mas coincidentemente muitos deles apostaram na mesma estrutura de imagem: Xingu, Heleno e outros colocaram os rostos de seus personagens principais na metade superior da imagem, com elementos do espaço logo abaixo. Percebe-se: 1) O rosto do elenco global e/ou belo, ocasionalmente com uma figura conhecida (a representação de Gonzaga), 2) O tom do filme, sua época ou gênero representado pela sugestão de cenário na metade inferior. Parece que, pelo menos em 2012, o “cinema comercial de qualidade” apostou nesta combinação clássica de rostos (apelo popular) com paisagens e contexto histórico ou geográfico (apelo “artístico”). Já os filmes direcionados a um circuito restrito lançaram a mão das convenções e foram, como é de se esperar, radicais como sua proposta estética. Muitos deles inclusive colocaram seus personagens de costas, evitando o olhar do espectador. Febre do Rato surpreendeu pela imagem do personagem em um gesto pouco legível. Girimunho, Histórias Que Só Existem Quando Contadas, Sudoeste e Vou Rifar Meu Coração preferem dar mais importância ao espaço do que aos personagens, meros anônimos espremidos nos cantos do enquadramento. A maior importância, no caso, vem das metáforas, das sugestões, das cores e texturas. De certa maneira, quanto mais se sublimou a representação humana, mais se caminhou às produções propícias aos circuitos dos festivais. Se as considerações acima podem ser esperadas ou mesmo óbvias (filmes populares apelam para a leitura imediata dos corpos; filmes de circuito restrito evocam metáforas e sensações), a estrutura torna-se mais complexa diante de algumas produções cujos cartazes são incompreensíveis: eles não dizem de que trata o filme, a qual público ele se destina, em qual gênero ele se encaixa. O material promocional de Astro – Uma Fábula Urbana em um Rio de Janeiro Mágico não mostra se a obra é uma animação, se é infantil, dramático, cômico. Menos Que Nada cola rostos flutuantes pelo ar sem criar nenhuma relação entre eles, assim como o evangélico Três Histórias, Um Destino, que lembra as capas de romances de banca de jornal. Pelo menos, no caso deste último, o produto contava principalmente com o boca a boca nos centros de culto para conquistar seu público, não dependendo tanto do cartaz, trailer e instrumentos tradicionais de publicidade. Seria interessante comparar estas imagens com as dos outros anos, ou então colocá-las em ranking, da maior à menor bilheteria, mas constatemos apenas que em 2012 os filmes tentaram se vender pela relação muito curiosa à figura humana: nas grandes produções populares, o humano é claramente visível, disponível, mas também fetichizado, erotizado ou ridicularizado. Os corpos são fornecidos ao olhar para consumo direto, pelos nomes famosos, pela posição central e majoritária na imagem. Já os filmes menos comerciais, que apostam nos conflitos humanos, são aqueles que justamente esconderam as identidades de seus humanos, sugerindo apenas sua presença, sua relação com o espaço. O cinema popular apelou para imagens pouco inteligentes, mas ansiosas por agradar – são imagens da oferta, que antecedem o desejo do consumidor. Já o cinema dito alternativo combinou o design complexo com um sentido incompleto – são imagens da procura, que só se completarão caso o espectador já tenha uma vontade prévia de desvendar símbolos do tipo. – Bruno Carmelo é editor do site Discurso-Imagem. O acervo de seus textos publicados em Outras Palavras pode ser acessado aqui (Outras palavras)

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Israel

Netanyahu: vitória de Pirro 21/11/2012, M K Bhadrakumar*, Asia Times Online “Netanyahu wins a Pyrrhic victory” Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu Considerada à primeira vista, a operação de lançar novo assalto contra Gaza parece movimento vitorioso. Como se Israel tivesse acertado todos os tiros, 10 em 10, em sua “Operação Pilar da Defesa”. Mas é vitória de Pirro. Faz lembrar a ilusão de segurança que as bruxas inventam em MacBeth de William Shakespeare: “Só o poder de homem não nascido de mulher pode ferir Macbeth”. O impossível, de fato, está bem perto de acontecer: “Macbeth não será derrotado, até que a Grande Floresta de Birnam erga-se contra ele e suba a montanha até Dunsinaine”. Ahmed al-Jaabari A ilusão é que os israelenses destruíram o quartel-general do Hamás e explodiram em pedaços Ahmed Jaabari, comandante militar do movimento, em assassinato premeditado, o que, aparentemente, enterraria o movimento da Resistência. Mas a dura realidade é outra: a mesma operação comprovou que o “Domo de Ferro” de Israel, anunciado como impenetrável, não passa de mito: foi facilmente penetrado por mais de 2/3 dos foguetes do Hamás. Agora... Será que só resta a Israel a invasão por terra? O problema é que essa opção também se pode revelar mais um mito, o que se viu bem claramente em 2006 nas operações de Israel contra o Hezbollah no Líbano, cujos militantes quase sempre invisíveis, também dividem-se em vários subgrupos. A dura e clara realidade parece ser que, como já alertou o presidente Barack Obama dos EUA, “se soldados israelenses entrarem em Gaza, enfrentarão risco maior de serem mortos ou feridos”. [1] Verdade é que vê-se cada vez mais claramente que a realidade política pode tornar-se mais ameaçadora a cada minuto. Ao final do dia de ontem, Israel fez algo que jamais antes fizera em toda a sua história: sentou-se à mesa de negociações à procura de paz, apenas três dias depois de lançar ataque militar. [2] Benjamin Netanyahu O paradoxo está em que é verdade que Netanyahu não perdeu bala e acertou seus tiros no olho do alvo. É verdade que lançou o ataque contra o Hamás como propaganda da sua Grande Israel para o público interno e é bem possível que tenha melhorado a posição de seu partido Likud, dessa vez aliado ao ultranacionalista partido Yisrael Beitnu de Avigdor Lieberman para as eleições de janeiro próximo. A popularidade do Likud estava em queda, e o partido já se via ameaçado pela aliança de oposição do partido Kadima do ex-primeiro-ministro de Israel Ehud Olmert, e do partido Yair Labed, do ex-ministro de Relações Exteriores Shaul Mofaz. Netanyahu avaliou, corretamente, que a sociedade israelense volta-se cada vez mais para a direita militarista, e um show de força sob sua liderança daria ao seu partido proeminência suficiente para roubar o vento das velas da oposição israelense. Netanyahu pode agora jactar-se de que, sob sua liderança, Israel “degradou” a máquina de guerra do Hamás e enfraqueceu a ameaça que o grupo representa contra Israel. Pode dizer também que o Hamás vinha-se tornando cada dia mais ativo e que ele, Netanyahu, forçou o grupo a retroceder. Há algum acerto na avaliação de Netanyahu, segundo a qual o afastamento entre o Hamás e Damasco (e também entre o Hamás e Teerã) ao longo do ano passado, criaria boa oportunidade para atacar Gaza. Os novos patrocinadores do Hamás – o Qatar, a Turquia, etc. – são conhecidos como cães que mais ladram que mordem, diferentes, nisso, de Síria e Irã. A guerra civil na Síria também cria alguma distância entre o Hamás e o Hezbollah, o que opera a favor de Israel. Obviamente, os regimes sírio e iraniano estão reduzidos ao papel de coadjuvantes, quando poderiam ser dois atores protagonistas que fariam toda a diferença em relação à capacidade militar do Hamás. Assim, com o Iraque devolvido à Idade da Pedra e a Síria naufragada numa longa guerra civil, Israel só teria de preocupar-se com o Egito e estaria praticamente liberado para fazer o que bem entendesse no plano regional. Mohamed Mursi A mais importante conquista de Israel no atual conflito for ter conseguido engajar construtivamente o governo egípcio de Mohamed Mursi, da Fraternidade Muçulmana. Ter enviado dois negociadores israelenses ao Cairo mostra a facilidade com que Telavive engajou o governo de Mursi. Com toda a certeza, é mais que simples vitória simbólica para Telavive que Mursi, pela primeira vez, tenha sido obrigado a articular a palavra “Israel” em declaração pública no Cairo, numa conferência de imprensa, no domingo. [3] Não há dúvidas de que EUA, a Liga Árabe e Israel estão confiando em Mursi para uma função de “mediação” – e para negociar um cessar-fogo. Do ponto de vista de Telavive, o que quer que se decida como condições para um cessar-fogo negociado hoje (ainda que sob os auspícios da ONU), carregará o selo implícito da aprovação de Mursi, e essa pode ser a abertura de que Israel precisa desesperadamente, pela qual possa ter esperança de arrancar-se (com a ajuda dos EUA) da enrascada em que está, de modo a readquirir capacidade para agir no plano físico e no plano da ONU, no próximo governo. Claro que nem Netanyahu sonha com a volta aos tempos de Hosni Mubarak, mas qualquer coisa é melhor que o atual nada. Shimon Peres Bem visivelmente, o presidente de Israel, Shimon Peres não perdeu tempo e apressou-se a colher as vantagens dessa janela de oportunidade, e abertamente elogiou os esforços de Mursi para por fim às hostilidades. Disse que “o Egito é player importante no Oriente Médio”. [4] Israel tentará, daqui em diante, minar os laços que ligam a Fraternidade Muçulmana e o Hamás, que cada dia mais se vai convertendo às políticas de Mursi para Gaza. O conflito de Gaza também obrigou a opinião pública egípcia a encarar sua hora da verdade – que os egípcios estão sitiados numa espécie de terra-de-ninguém. As simpatias da rua egípcia vão integralmente para os palestinos, mas os egípcios não querem que a escalada na região arraste o Egito para conflito com Israel. Os egípcios sentem afinidades culturais com Gaza, mas estão muito aflitos ante a possibilidade de o enclave palestino virar local de produção de militantes que acabem por criar condições para nova guerra entre Egito e Israel. No que tenha a ver com a Turquia, outro grande player regional, Israel obrigou o primeiro-ministro islâmico da Turquia, Recep Erdogan também indiretamente, a perceber o que está escrito pelos muros, a saber, que o Cairo, não Ancara, é o centro, hoje, de toda a diplomacia regional sobre o conflito em Gaza. O veterano e influente jornalista Murat Yetkin, escreveu no diário Hurriyet, órgão do establishment turco, que Ancara não está satisfeita com o “papel secundário” e com o doloroso reconhecimento de que a potência regional do Egito já ultrapassou a da Turquia. Escreveu ele, sobre a frustração que grassa em Ancara: O papel do Egito na região volta à cena depois da Revolução Tahrir, e o governo do Egito é mais forte (...) A oposição síria, que começou nos campos de refugiados na Turquia, já declarou que considera o Cairo como seu quartel-general. A Primavera Árabe funcionou para o Egito e o país está nascendo das cinzas, outra vez, oferecendo modelo realista aos países árabes. E se Mursi conseguir salvar Gaza da ira de Israel, pode vir a ser um segundo Gamal Abdel Nasser, com o aval extra de ser eleito para o mundo árabe. Recep Tayyip Erdogan O ataque israelense contra Gaza mudou a bússola da política do Oriente Médio. Com certeza obrigará a reavaliar as políticas turcas. E Israel espera que haja mais realismo de parte de Erdogan sobre os laços da Turquia com Israel. Israel anda dizendo que a fratura dos laços só feriu, até agora, interesses nacionais vitais da Turquia, na medida em que a partilha de inteligência está suspensa; e Ancara perdeu sua capacidade para mediar os conflitos no Oriente Médio. Mas é caso ainda sem sentença definitiva. Erdogan também é demagogo. Sua retórica estridente ultrapassou em muito a de Mursi, quando Erdogan chamou Israel de “estado terrorista”, e passou a repetir que Telavive pratica “limpeza étnica”. Erdogan parece preferir surfar a crista da onda da opinião pública árabe, em vez de cuidar de algum “reset” nas relações turco-israelenses. No geral, analisada a coisa do ponto de vista da política externa, Netanyahu parece ter colhido uma sequência de vitórias. De fato, o golpe mais “matador” envolveu Obama. Netanyahu forçou o presidente dos EUA a manifestar clara solidariedade a Israel no teatro do Oriente Médio, apesar das flagrantes diferenças que houve entre os dois, no ano passado, em vários campos, e inobstante a malfadada aliança com Mitt Romney, em momentos críticos da campanha eleitoral nos EUA – que muito irritou Obama. Percepções e impressões fazem, sim, grande diferença na política do Oriente Médio e, mais uma vez, Netanyahu mostrou-se competentíssimo na arte de levar pelo nariz o governo dos EUA. Netanyahu é atento observador da política dos EUA, e apostou que conseguiria forçar a mão de Obama, dado o completo controle que Israel tem sobre o Congresso dos EUA, a imprensa e os think-tanks, apesar dos sinais preocupantes que continuaram a aparecer, de tempos em tempos, de que o presidente Obama começava a trabalhar numa correção de curso na fracassada estratégia dos EUA para o Oriente Médio. Netanyahu não errou. Aliás, a Operação Pilar da Defesa tem algo em comum com a sangrenta Operação Chumbo Derretido (dezembro de 2008): as duas surgiram imediatamente depois de vitórias eleitorais de Obama. Avigdor Lieberman Não é pouca coisa, também, que, exceto os países árabes, praticamente ninguém condenou o “direito de defesa” de Israel. Players influentes como Rússia, China e países europeus adotaram posição de neutralidade, com clamores de “restrição” dirigidos aos dois lados do conflito. Rússia e China, ambas, estão à espera de grandes oportunidades de negócios no mercado israelense. (Moscou também conta com as afinidades com Lieberman, imigrado da ex-União Soviética). Não há dúvidas de que os campos gigantes de petróleo e gás no Mediterrâneo catapultou Israel para o status de parceiro energético muito cortejado. Europeus, russos, chineses – o Leviatã é dor de cabeça para todos eles. Dito em outros termos, Israel não é mais amputado quádruplo com economia precária. Contar as árvores Finalmente, o conflito de Gaza pode ter sufocado o ameaçador movimento, pela Autoridade Palestina, de forçar uma votação na Assembleia Geral da ONU, dia 29/11, pelo reconhecimento de um Estado palestino – ação à qual Israel se opunha com unhas e dentes. Havia sinais crescentes de que Ramallah conseguiria mobilizar o apoio necessário, mas, no quadro regional em perpétua mudança, haverá agora pressões gigantescas sobre Mahmoud Abbas para que não obre na direção de aumentar as tensões. Seja como for, os “ganhos” de Israel – políticos, diplomáticos e militares – acabarão por ser aferidos em relação às “perdas” que lhe custará ter atacado com tal fúria, com tal ira desmesurada e “desproporcional” os desamparados e miseráveis habitantes civis de Gaza. A imagem de Israel na comunidade mundial, sem dúvida, sofreu duro golpe. E haverá quem entenda que, feitas as contas, as perdas ultrapassam em muito os ganhos, e que a história apenas se repetiu – Israel responde em fúria e desespero sempre que tem de enfrentar realidades emergentes, o que nada resolve e pode, inclusive, complicar ainda mais o futuro. É verdade, Israel pode ter reduzido a capacidade do Hamás em termos militares. Mas pode não passar de contragolpe, se tanto, apenas temporário para o Hamás, porque se deve considerar que, em pouco tempo, seus arsenais podem estar recompostos. Mahmoud Abbas A realidade em campo é que os foguetes do Hamás continuam a chover sobre Israel e Israel não tem informação aproveitável sobre de onde, precisamente, são lançados. Hoje, quem treme e pede paz é Israel, não o Hamás. Mais importante, o Hamás já conta com os foguetes iranianos, mais letais. O Hamás perceberá rapidamente que o apoio continuado do Irã vale o próprio peso, em ouro, agora que o Hamás busca alcançar o status de que goza o Hezbollah para forçar um confronto estratégico com Israel. É possível, em resumo, que Israel esteja empurrando o Hamás de volta para o abraço iraniano – o que Israel só tem motivos para temer. Também em termos políticos e diplomáticos, o Hamás vence, de longe, a disputa. O bloqueio israelense contra Gaza não poderá ser mantido. A fila de ministros do Exterior estrangeiros que visitaram Gaza na 3ª-feira (20/11/2012), fala por ela mesma. Não há qualquer dúvida de que o Hamás pôs abaixo a estratégica dos israelenses, de “contenção”. Ironicamente, o que se viu foi que Israel já começou a “lidar” com o Hamás sem sequer se aperceber, enquanto o padrão dos contatos diplomáticos para por fim ao atual conflito vai-se desdobrando até aqui e pelos próximos dias. Khaled Meshal Israel já deve ter percebido que a paisagem política regional mudou fenomenalmente a favor do Hamás, a partir, simplesmente, do fato de que Khaled Meshal mostrava-se em conferência de imprensa ao vivo, no Cairo, no momento em que a fúria dos jatos israelenses atacava Gaza. Em forma resumida, pode-se dizer que a Primavera Árabe foi colheita amarga para Israel; e o crescimento do islamismo na região, sob o estandarte dos Irmãos da Fraternidade Muçulmana opera a favor do Hamás. É possível que Israel, no processo, tenha empurrado o prato da balança, no campo palestino, a favor do Hamás e da Jihad Islâmica (contra o Fatah) como as genuínas vozes da Resistência. A posição do Irã parece afinal vitoriosa, agora que aliados secretos de Israel, como a Jordânia e as oligarquias do Golfo Persa, já estão obrigadas a lutar no contrapé. A luta para forçar uma “mudança de regime” na Síria torna-se ainda mais complicada, na medida em que a agenda da Resistência avança. Movimentos frenéticos de britânicos e da União Europeia, essa semana, no charivari regional para oficializar o reconhecimento diplomático para a “nova” oposição síria, deixa ver o nervosismo generalizado no “ocidente”. O xis da questão é que, enquanto a questão palestina permanecer no centro da mesa, o ocidente estará sobre furiosa pressão para “conter-se” e ver com objetividade a prioridade viciosa que tantos atribuem à “mudança de regime” na Síria... ao mesmo tempo em que o mesmo ocidente nada faz a respeito da questão mãe de todas as questões no conflito entre árabes e israelenses. É possível que Israel tenha prestado grave desserviço aos EUA, Grã-Bretanha e França e aos seus aliados regionais, quando chamou toda a atenção do mundo, outra vez, para o problema, ainda não resolvido, dos palestinos. Assim também, enquanto o Egito talvez negocie um cessar-fogo para o atual conflito, que ninguém espere que ajude a manter o bloqueio de Gaza fechando a passagem de Rafah, ou dando sobrevida à cooperação de inteligência da era Mubarak. Vale dizer que Mursi pode ter simplesmente tentado lidar com as pressões presentes, enquanto seu movimento estratégico geral, na questão palestina e nas relações entre Egito e Israel permanece absolutamente o mesmo de sempre. Mursi também já mostrou competência e talentos táticos, e deve-se prever que manterá Israel sem saber com certeza quais suas intenções. O teste limite será o Sinai, que é um barril de pólvora. Não há solução simples para pôr sob controle o Sinai sem-lei e os militantes se estão reagrupando onde os serviços egípcios de segurança não controlam absolutamente coisa alguma. Israel não tem escolhas fáceis à frente; e o ataque contra Gaza pode ter complicado as coisas ainda mais. Nic Robertson A falha fundamental, o erro, na estratégia de Netanyahu é não ver que o Oriente Médio é hoje região completamente diferente do que antes foi. Nas palavras de Nic Robertson, da CNN [5]: O Hamás ocupa hoje espaço completamente diferente. Ainda cercado nos becos superpopulosos de Gaza, onde foi eleito há seis anos, mas, agora, com muitos amigos fora de lá. O que mudou, mudou no rastro da Primavera Árabe que varreu de lá alguns tradicionais aliados de Israel e substituiu-os por governantes mais simpáticos aos Hamás (...). O Egito está longe de estar só na revolução regional que começa a isolar Israel... Assim sendo, onde fica Israel, hoje? Posto em poucas palavras, embora Israel seja mais forte militarmente, está hoje em posição política muito mais fraca do que estava em 2009. A retórica do Egito hoje, embora ainda não se tenha aproximado de suspender o acordo de paz com Israel, já tomou, sim, nítido viés pró=-Hamás. Todo o mundo árabe, universalmente e há muito tempo, rejeita profundamente o modo como o estado de Israel trata os palestinos. Antes, a maioria dos líderes árabes eram ditadores e não precisavam fazer qualquer concessão à rua árabe. Hoje, isso mudou. Os novos governantes regionais pós-Primavera Árabe eleitos democraticamente, sabem muito bem que há radicais linha-dura à espreita, esperando uma oportunidade. Obama parece compreender o problema que o encara face a face, e vê a imperiosa necessidade de cuidar de reestruturar, desde os fundamentos, todo o discurso dos EUA para o mundo muçulmano. Em sua primeira conferência de imprensa, depois de anunciado o resultado das eleições estava cheia de pistas do que passa por sua cabeça, no trabalho de modelar as políticas dos EUA para situações-problema como a Síria e o Irã. Isso dito, Obama talvez estivesse mantendo reservados os seus pensamentos, quando Netanyahu jogou-o, precipitadamente, dentro da crise de Gaza, mas isso não significa que seus pensamentos venham a mudar muito. Ao contrário, é provável que Obama sinta a compulsão, antes do que Netanyahu imagina, de romper as amarras que tanto prejudicam os interesses de longo prazo dos EUA no Oriente Médio. O ponto nuclear, central, de toda essa questão, é que a estratégia dos EUA para o Oriente Médio enfrenta hoje crise profunda. E a menos e até que as contradições mais fundamente enraizadas sejam expostas e resolvidas, os EUA não podem nem congregar nem dispersar os recursos que têm para “reequilibrá-los” na Ásia... onde se vai constituindo um desafio histórico que decidirá o destino mais amplo dos EUA como superpotência. Há momentos em que, na prontidão para vencer uma batalha, ninguém vê que, ali, perdeu a guerra. O momento presente bem pode ser um desses. Netanyahu talvez tenha ganho a batalha e obrigado Obama a apoiá-lo, mas não demora e também Netanyahu perceberá que isso, de fato, nem vitória foi. Notas de rodapé [1] 18/11/2012, USA Today, em: “Obama warns against ramping up in Gaza” [2] 20/11/2012, USA Today, em: “Conflict puts Gaza blockade back on negotiating table” [3] 20/11/2012, Haaretz, em: “When Morsi says 'Israel' out loud” [4] 19/11/2012, Ministério das Relações Exteriores de Israel, em: “President Peres meets with Quartet Special Envoy Tony Blair” [5] 20/11/2012, CNN (vídeo, em inglês, a seguir) em: “How Middle East has changed since last Gaza conflict” __________________ MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu,Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala. (Redecastor)

Memória

o nome de uma história comprida que não se explica em poucas palavras do cheiro a ria e aos bolos de limão em coisas minhas por m aresta em 14 de set de 2012 às 16:44 Não consigo conceber o que seria a vida sem memória. A memória, essa entidade, a nossa identidade e registo, aquilo que nos coloca no aqui e no agora tendo como referência um antes e um outro lugar. Aquela que nos transporta. Que nos eleva. Que aviva em nós memórias das coisas que foram e daquelas que poderiam ter sido. Às vezes basta um cheiro. Um som. Ou um sabor... As memórias da minha infância têm um cheiro a ria e a bolos de limão. E a fogo a estalar na lareira, feita no chão da casa do meu avô. Entre um "já vou" e um "espera um pouco", um cheio a sopas de café e pão, memórias da minha tia num escuro de madrugada, antes das saídas - minhas e dela - para o trabalho da distribuição do pão. E sempre, a todo o instante, a memória que é presente do presente de todos os dias: o aroma da minha filha, feito de cheiro de coisa boa. Há dias, já não me lembro bem do quando ou do onde, alguém informava que Gabriel Garcia Marquez não voltaria a escrever: perdeu a memória, segundo dizem. Não voltará, nem hoje nem nunca, a escrever as histórias que (decerto) fazem parte das histórias de muita gente. Confesso – vergonhosamente e com grande vergonha – que nunca li um dos seus livros. Nunca conheci uma história sua. Nunca corri, com os olhos e num discurso mudo, as ideias e as fantasias que encantaram todos os que o leram. Mas, naqueles segundos em que a notícia era escutada e se guardava naquele lugar do cérebro onde as memórias se refugiam e dançam, olhei para mim - para o meu presente e passado, e para o futuro que ainda não sei e que por isso ainda não guardo – e pensei que, tão triste quanto a própria morte, é o desaparecimento deste pedaço que vive nas nossas lembranças. [este é o meu post número doze, o mesmo nome do blog. permitam-me, por isso, que o use para trazer à memória - à minha e à de outros tantos - aqueles instantes do antes que, ainda hoje, fazem parte daquilo que sou ] monicaaresta Artigo da autoria de m aresta. escrever simplesmente pelo prazer de juntar as palavras. Saiba como fazer parte da obvious.

Nazismo

Em busca de desprendimento em Crônica por Giovana Damaceno em 30 de abr de 2012 às 01:35 Relato da experiência nos campos de concentração nazista dá a medida exata do que é realmente necessário para viver “Em busca de sentido”, de Viktor E. Frankl é uma grande lição de desprendimento que o autor, neurologista e psiquiatra, nos oferece, ao relatar detalhes de sua experiência pessoal nos campos de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial. A rotina diária como prisioneiro exigia mais que desprendimento e desapego; exigia quase sair do corpo, numa abstração total. Para Frankl, a maior parte dos milhares de pessoas que morreram nos campos, com exceção das friamente assassinadas, padeceu de suas próprias negações, da simples impossibilidade humana de deixar de ser o que é para simplesmente não ser; apenas existir. E para isso seria preciso abrir mão de si, o que para muitos significa a morte em vida. Porém, foi assim que ele sobreviveu – sobrevivendo a si mesmo. O autor conta que na recepção, no primeiro dia, já lhe tomaram as roupas, substituídas por trapos velhos de prisioneiros mortos, e os cabelos raspados. Ficaram apenas com os sapatos, que foram se desgastando com as marchas, o trabalho forçado, a umidade, a ponto de serem amarrados com arames, quando podiam ser amarrados, pois o estado de fome e desnutrição era tamanho, que o edema nos pés os impediam de calçar. Fora isso havia os piolhos, a fatia mísera de pão que era guardada para uma pequena mordida em vários horários do dia, a sopa aguada, que trazia apenas algumas ervilhas quando a concha descia mais ao fundo da panela. Dormiam tarde – quando dormiam – e de madrugada eram acordados por uma sirene infernal, chamando-os para a marcha até os locais das obras, que eram verdadeiras valas, onde cavavam e cavavam e cavavam. E eram sumariamente humilhados, diariamente, várias vezes ao dia. Este é um dos maiores exemplos de desprendimento que já pude conhecer, no qual, como disse, o indivíduo precisa sair de si, se quiser encontrar alguma força, algum sentido, para continuar vivendo. Porém, ao ler as poucas páginas do relato de Frankl, dá certa vergonha do próprio dia a dia, da rotina, do trabalho, dos relacionamentos, das exigências que tentamos o tempo todo impor ao mundo, como se para viver o ser humano necessitasse de tantos penduricalhos. Aprende-se noções básicas de higiene, apresentação pessoal, elegância ao vestir, etiqueta à mesa, que para a convivência em sociedade são fundamentais, mas que se tratados com exagero tornam-se, sim, puramente caso de apego, que levam o ser a nada; apenas os faz sofrer ainda mais num caso limite de privação como no de Frankl. Exigem-se a roupa bem passada, o colarinho esticadinho, sapato engraxado, terno, gravata. Gastam-se fortunas em salões, onde se alisam as madeixas permanentemente. “Não durmo sem meu travesseiro”, “Só tomo leite da marca tal”, “Não bebo isso”, “Não como aquilo”, “Não aceito!”, “Não permito!”. E nem vou me estender aqui nos apegos das relações pessoais do tipo ciúme ou sentimento de posse do outro. Quem sou eu pra falar de desprendimento e desapego; ainda me faltam algumas reencarnações pela frente para me libertar de mim. Mas a experiência com o câncer – longe de comparar com a experiência de Frankl – pelo menos já mostrou o caminho, ou seja, já pude entender que nada tem importância ao não ser estar viva, me relacionar bem com as pessoas, fazer o que gosto, ler, estudar, aprender sempre e mais, me aceitar e aceitar o outro, sem conceitos ou pré-conceitos, tentar compreender sempre mais e mais, não me sentir o dono do mundo nem de ninguém. Resta-me boa vontade para o exercício diário de colocar estas lições em prática. E para terminar esta conversa que ficou séria demais, um exemplo de exercício de desprendimento que ouvi de uma mulher em Paraty: a criatura precisa fazer xixi, não há local adequado por perto, entra numa padaria, pede uma água e permissão para usar o banheiro. Enfia a garrafa de água no bolso do casaco e vai. Passa pelo balcão, pega um bolinho de guardanapos. O banheiro tem duas portas: a primeira dá acesso apenas à pia; a segunda, ao gabinete privado. As duas portas possuem apenas os buracos de onde um dia houve fechaduras e maçanetas. O banheiro é imundo, fétido, tem o chão molhado, não há papel higiênico, tampouco luz. A mulher pode desistir, mas não há mais tempo. E então, decide tentar o malabarismo. Encosta a porta, segura-a com uma das mãos e com a outra precisa fazer todo o resto, além de não poder se sentar. Claro que nada dá certo. A posição de pé, os joelhos levemente flexionados, o braço esticado segurando a porta não lhe permitem a perfeita operação de fazer xixi diretamente dentro do vaso, o que provoca um problema a mais na hora de usar aquele mísero bolinho de guardanapos. Conclusão: ela tem que se conformar que a sensação molhadinha após vestir a calça deve ser superada, ou seja, deve abstrair. Afinal, seu xixi não passa mesmo de líquido corporal, rico em sais minerais, né? Ela segue em frente e continua o que estava fazendo, pois só poderá tomar banho tarde da noite – muitas horas depois. Está com nojo? Torceu o nariz? Então, que tal ler “Em busca de sentido”? giovanadamaceno Artigo da autoria de Giovana Damaceno. Jornalista e cronista.. Saiba como fazer parte da obvious.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Pensamentando

Novo ativismo: Distraídos venceremos? Posted in: Destaques, Uncategorized Por: Amanda Safatle - 21/11/2012. Print Friendly Segundo encontro da série Primaveras debate significado e potência de ocupações festivas do espaço público, como a da Praça Roosevelt em São Paulo Por Amália Safatle Quando uma multidão de cerca de 10 mil pessoas ocupa a recém-reformada Praça Roosevelt em um movimento apartidário, advogando que Existe Amor em São Paulo, a gente se põe a perguntar: isso faz parte de um novo ativismo? Será esta uma outra forma, soft e informal, de fazer política? Nossa hipótese é de que festa, a arte e a distração fazem parte desse caldo que passa recados fortes de insatisfação com o que está aí: uma sociedade desigual, imersa em crises civilizatórias e prova viva de que o atual sistema não está dando conta de fazer a economia funcionar em prol do bem-estar humano. E ainda por cima avança sobre os próprios limites físicos do ambiente. Se no primeiro encontro do ciclo “Primaveras – diálogos sobre ativismo, democracia e sustentabilidade” Ricardo Abramovay e Ladislau Dowbor nos ajudaram a mapear essas crises, no segundo evento avançamos na discussão sobre como usar o ativismo e a mobilização social para enfrentá-las. A pergunta norteadora do diálogo foi: será que assim, às vezes de forma tão distraída, venceremos? A multidão que participou do “Existe Amor em SP” ou do evento “Amor sim, Russomano não”, terá sido meramente atraída pelos shows de Criolo, Emicida e Gaby Amarantos, ou estava lá movida também por alguma indignação e motivação política, no sentido de buscar transformações? Até que ponto esse ativismo difuso, que parece episódico, festivo e sem continuidade, é efetivamente transformador? Pablo Capilé, um dos criadores do coletivo Fora do Eixo, que esteve por trás do Existe Amor em SP, vivenciou os movimentos de indignação na Espanha e foi um dos convidados do ciclo Primaveras. Traçou um comparativo que coloca o Brasil como um ator de destaque no ativismo mundial. Para ele, enquanto na Europa primeiro se aglutinaram bandeiras para depois buscar formas de criação e articulação de territórios, aqui se dá o contrário: existe uma estruturação permanente de pequenos territórios que aos poucos vão se articulando em rede. Eventos como o Existe Amor ajudam a amarrar esses laços entre grupos que antes não tinham diálogo, mas giram em torno de causas e pautas muito similares entre si. São os bikers, os grafiteiros, os ambientalistas, o pessoal do hip hop, oshackers. São 20 a 30 coletivos que, segundo Capilé, continuam debatendo dentro e fora dos shows. A soma dessas forças é poderosa: “A cada 1 real captado, esse movimento é capaz de transformar em 100”, diz Capilé. “Por exemplo: para fazer o Existe Amor em SP, o movimento gastou R$20 mil. Se cada um fosse fazer por fora, um evento como esse custaria R$ 500 mil. Só o cachê do Criolo custa R$ 70 mil. O do Emicida é R$ 40 mil. Mais segurança etc.” “Quem sempre viveu em gambiarra, em época de crise, surfa”, diz Capilé, comparando o Brasil de sempre com a Europa recentemente afundada em crise econômica. Para ele, tem muita gente lá fora querendo saber como a gente faz, qual é nossa tecnologia. “Não tem nenhum continente fazendo o enfrentamento como a América do Sul. E a África está pronta para se conectar com a América Latina, querendo saber como parir este novo mundo possível, que está grávido. Esses grupos continuam discutindo criando observatórios constantes, fazendo pressão social o tempo inteiro”, disse Capilé. O contraponto ficou por conta de Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas na USP, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) e também convidado pelo Primaveras. Para ele, a geração de ativistas de hoje, dos “occupies” não é pragmática e está completamente despreparada para converter essa energia potencial em mudança efetiva. Não sabe, por exemplo, lidar com a mídia, com as ONGs, com os partidos. Tem dificuldade em trabalhar com aspectos práticos do ativismo político, como captação e gestão de recursos financeiros. “Essas coisas são difíceis, tem que saber como se alinhar, como conseguir dinheiro, doação. São coisas básicas, mas que não são feitas porque esta geração não tem experiência política – não sabe fazer política”, critica. Ele ainda aponta que é um erro atribuir aos modos de comunicação o florescer de movimentos como a Primavera Árabe e os “ocupas”. Na verdade é o contrário: foi a geração política anterior, nos anos 1990, que desenhou os meios difundidos hoje, como YouTube, Flickr e Twitter para dar suporte aos movimentos que já estavam em curso. O Twitter tem poucos caracteres porque foi inventado justamente para servir como instrumento de mobilização política. Nesse momento, Ortellado convidou a uma reflexão: vitória ou derrota? Pois o que havia sido inventado como uma forma de fazer frente ao meios de comunicação dominantes e ao sistema econômico viraram as novas grandes corporações da comunicação, estrelas do mundo capitalista. “A gente desenvolveu um monte de tecnologias nos anos 90: primeiro, a comunicação ponto a ponto, aí tinha listas de emails, depois os sites de publicação aberta, depois os blogs coletivos. São as mesmas pessoas, nossos amigos, que foram desenvolvendo tudo isso. Fundaram empresa, hoje são milionários e estão profundamente integrados ao sistema. Temos agora 2 bilhões de usuários de internet. Vitória ou derrota? Capilé discorda da afirmação de que falta pragmatismo à atual geração de ativistas. “O problema são as plataformas atuais [sindicatos, partidos, movimento estudantil, conselhos municipais]. São analógicas e não dão conta de ativar os desejos do século XXI. Essa geração atual é pragmática quando se olha o processo, e não o produto final”, disse. Se as plataformas vigentes são inadequadas, quais seriam as adequadas? Estão para ser criadas? Como afirmou uma participante, ao mesmo tempo em que os partidos políticos podem trazer opressão, também trazem proteção – não é indivíduo sozinho defendendo uma ideia. “Ainda é interessante manter instituições e se combinar com elas?”, questionou. Outro participante deu seu depoimento: “Tentei me ligar a movimento estudantil, mas as estruturas de reunião, até esteticamente, não condizem com o desejo da galera. Os jovens estão negando tudo isso, mas sem propor coisas no lugar. Como criar novas estruturas de participação política que dialoguem com os centros de decisão?” “Conversar sobre política é muito difícil em qualquer sala de aula do Brasil. Vamos hackear as escolas porque aí fazem delas o local do debate das novas gerações”, propôs outra participante. “O movimento da mídia livre está crescendo, enquanto a TV Globo perde audiência. Embora eu tenha votado no Haddad, não me filiei ao PT, e sim aos vários coletivos dos quais faço parte. Então existe um novo movimento acontecendo em torno de uma pauta em comum que é a de viver bem”. “A juventude não entra no partido porque lá não sabe o que pode falar. Já nos coletivos, entra numa roda, senta no chão e fala o que quiser”, comentou-se. “Fazer memes, fazer arte, fazer festa é muito importante porque assim se consegue falar o que as palavras não dizem”, disse um rapaz. “A gente está muito mais empoderado e isso é uma forma de ativismo. Não dá mais para ser super pragmático, bibliográfico, sistematizado. É importante abrir um pouco mão do pragmatismo.” Capilé pontuou que é um mito o senso comum de que juventude atual não tem foco. “Ela tem, sim, um multifoco. Está preparada para lidar com várias coisas ao mesmo tempo”. Mas, em vez de trabalhar isso, receita-se Ritalina às crianças e aos adolescentes. E quando a discussão enveredou para a questão do centro de poder versus periferia, ele a taxou de contraproducente. “Não vale a pena ficarmos aqui discutindo o que é periferia e o que é a periferia da periferia do Brasil. Eu venho de Cuiabá – a capital mais longe do mar de todos os lados [onde o Fora do Eixo foi criado]. O Amapá não tem banda larga – quando o pessoal sai de lá, descobre que o GTalk é instantâneo! Ninguém sabe que Roraima é Brasil. E o ativismo nesses lugares é muito ativo. O Brasil não se define mais por São Paulo e Rio. Isso pra mim é revolucionário”. E assim Capilé fechou sua metralhadora. O Primaveras é uma iniciativa coletiva de Página22, Matilha Cultural, Escola de Ativismo, Outras Palavras, IDS e Crisantempo. O segundo encontro reuniu cerca de 100 pessoas no espaço Matilha Cultural, em São Paulo, e foi assistido on-line por 350 espectadores. Assista à íntegra do evento em www.ustream.tv/recorded/26971348. – Amália Safatle é jornalista e editora da revista Página 22 (Outras palavras)

Nazismo

Adestradas para odiar em Artigo por Gustavo Serrate em 05 de nov de 2012 às 03:28 As jovens gêmeas cantoras do Grupo Prussian Blue que trocaram a mensagem nazista de suas canções após conhecerem a maconha Nos idos de 2003, influenciadas pela ideologia nazista dos pais, as duas irmãs gêmeas de quatorze anos, Lynx e Lamb Gaede, saíram do anonimato para formar o grupo musical “Prussian Blue”. Com as belas vozinhas infantis, as irmãs cantarolavam um folk americano singelo, porém carregado da temática relacionada à “supremacia racial branca”. As irmãs Gaede O aspecto marcante da banda foi a contradição entre a beleza angelical das duas jovens e o conteúdo brutal das músicas. O termo Prussian Blue (Azul da Prússia) designa a cor dos uniformes militares de guerra do Reino da Prússia (entre 1871 e 1945), o maior território administrativo da alemanha durante o terceiro Reich. Algumas das canções recebiam nomes sugestivos como: "O despertar do homem ariano", "ódio por ódio" ou "garoto skin head". O pai das meninas, um caipira grisalho, estampava uma grande suástica no carro, e também marcava o gado com o símbolo do Reich. Para April Gaede, a mãe das meninas, o termo “racista” não é perjorativo. “Um racista é apenas uma pessoa que vê diferença nas raças, todo mundo é racista”, afirmou. April Gaede faz parte da Vanguarda Nacional de Supremacistas Brancos (EUA). As garotinhas, que começaram a cantar cedo, usavam camisetas com a imagem de um simpático Hitler estilizado e sorridente. Nos shows, elas brincavam de dançar lindamente uma coreografia em torno da suástica desenhada no chão. Uma das músicas homenageava Rudolf Hess, o sujeito que ajudou Hitler a escrever Mein Kampf, enquanto os dois líderes eram prisioneiros antes da segunda guerra mundial. A música dizia: "Rudolf Hess, um homem de paz. Ele não vai desistir. Ele não vai cessar. Eu deu sua lealdade à nossa causa”. Grupos skin heads logicamente elogiavam a “fofura” das meninas. Em certo ponto da trajetória familiar, April Gaede decidiu mudar-se do rancho familiar Gaede para um bairro mais próximo da cidade, com a condição de que fosse um bairro bastante “branco”. No novo bairro, porém, eles foram recebidos com rejeição. Assim que os vizinhos souberam quem eram aquelas pessoas, colaram dezenas de cartazes com dizeres do tipo “NO HATE HERE!” (Sem ódio por aqui!). A preocupação de April foi a de que as meninas sofressem rejeição e maus tratos dentro da escola e dentro da comunidade onde o pensamento nazista não se proliferava. Mas para o terror da mãe, a mudança de bairro e a mudança de escola significou muito mais do que rejeição. A mudança significou a transformação radical do pensamento das jovens. Conforme chegavam a adolescência, experimentavam a vida, conheciam novas pessoas e se distanciaram da mentalidade interiorana, passando a corresponder com pensamento mais tolerante. Explodiu então em toda a mídia, chegando até ao Brasil em tom de notícia bizarra, uma manchete sensacionalista, mas em parte verdadeira: “Irmãs gêmeas abandonam o nazismo por causa da maconha”. As gêmeas descobriram a maconha, e através dela conheceram o estilo de vida hippie. Abriram-se para um mundo mais torelante e liberal e hoje não pretendem mais propagar o ódio racial. Um documentário realizado sobre o grupo Prussian Blue, veiculado pela ABC News, captou depoimentos de Lynx Gaede, onde ela esclarecia seu novo pensamento: “Sou crescida agora. Eu era uma criança naquela época. E eu disse muitas coisas em que não acredito mais”. A menina afirma que ela e a irmã estudavam em casa, ensinadas pelos pais: “Éramos caipiras. Hoje me sinto orgulhosa da humanidade todos os dias, por termos tantas pessoas e lugares diferentes”, disse Lynx. Óbvio que a verdade é muito mais profunda do que os boatos. No período dos estudos, Lynx foi diagnosticada com câncer, e o tumor foi removido de seu ombro. A carreira do duo foi deixada temporariamente de lado para o tratamento. Por causa do câncer, Lynx foi medicada com Marijuana para fins medicinais. Mas parece que não foi só Lynx que usou a Marijuana medicinal pois a visão radical da irmã também se transformou. Hoje em dia as meninas tem uma postura liberal, e segundo alegam, seus impulsos criativos receberam um novo estímulo, e hoje, as irmãs se tornaram pintoras. April Gaede, a mãe das meninas, não aceita a nova postura das filhas e acredita que tudo não passa de uma rebeldia tipicamente adolescente. “Não é popular ser um branco supremacista, e elas querem ser populares”. Por Gustavo Serrate gustavoserrate Artigo da autoria de Gustavo Serrate. Jornalista e cineasta independente de Brasília. Interesses transitando pelo cinema, quadrinhos, fotografia, video making, motion design e toda forma de cultura independente ou marginalizada. Saiba como fazer parte da obvious.

domingo, 25 de novembro de 2012

Carpeaux

POR J. C. GUIMARÃES EM 18/11/2012 ÀS 10:09 PM A odisseia do espírito publicado em ensaios A "História da Literatura Ocidental", de Otto Maria Carpeaux, é um dos maiores testemunhos do humanismo no século 20 Jorge Luis Borges escreveu, em “A Biblioteca de Babel”, que “nalguma estante de algum hexágono (raciocinaram os homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os de­mais”. Tal livro, contextualizado, é Deus ou um simulacro de Deus. Inspirado no símbolo borgiano, proponho ao leitor deste suplemento um análogo de proporções mais modestas; outro livro — literalmente falando — que ambicionou compendiar todos os demais (de valor), foi escrito em português e se encontra no Brasil, onde foi também redigido, entre 1944 e 1945. O autor que o engendrou é de algum modo fantástico, e Borges o depararia num crítico — mais coerente falar aqui em historiador da literatura — nascido no império austro-húngaro no ano de 1900, chamado Otto Maria Carpeaux: o homem que leu quase tudo. Não é tanto exagero assim, se nos valermos de uma evidência concreta, bem ao alcance das mãos: a “História da Literatura Ocidental”, sua obra mais importante. “Livro” ou “biblioteca” é uma permuta aceitável para designar essa obra, na qual estão encerrados os mais importantes e até muitíssimos livros desimportantes de uma área inteira do conhecimento humano: a literatura. Longe de ser o único assunto que o erudito discutia com propriedade, já é o bastante para causar na gente verdadeiro espanto. A começar pelo tamanho invulgar. A obra divide-se em 4 volumes, 10 partes — ex­cluindo-se o prefácio —, e 35 capítulos distribuídos por 2.844 páginas de conteúdo, abrangendo uma quantidade vultosa de escritores, entre nomes totalmente desconhecidos e os canônicos: todos estes, até a data da primeira publicação, em 1959. O percurso coberto se abisma de Homero, no século oitavo antes de Cristo, até Eugen Gomringer, poeta teuto-boliviano concretista da década de 1950. Sem nenhum favor ou chauvinismo, “História da Literatura Ocidental” é, com certeza, o mais completo painel da arte verbal de todos os tempos, em qualquer língua. Deve existir, por certo, mas ninguém melhor do que Carpeaux nos dá a impressão cabal de abrangência em torno de um assunto. Despreza o padrão usual, que prefere o exame particularizado de casos ou, mesmo em história, julga prudente os cortes cronológicos menos extensos, sob o irreplicável argumento de que ninguém pode esgotar qualquer assunto. E mesmo quando os estudiosos tencionam cobrir uma história do início ao fim, os resultados cobrem as evoluções “nacionais”, no máximo, tornando praxe um padrão herdado da historiografia romântica. Exemplos dessa natureza são numerosos (portanto comuns) e abundam em qualquer país, podendo-se, entre nós, citar uma infinidade de congêneres da “História Concisa da Literatura Brasileira”, de Alfredo Bosi. Mas escrever uma história da literatura que comporte a evolução de quase todas as literaturas nacionais (para ser exato: estilos e obras) — de um hemisfério!? Antes de conhecer os resultados, estaríamos seguros de prever o fracasso do aventureiro, que teria pela frente uma quantidade insustentável de obstáculos. Entre eles: o acesso às fontes (onde encontrar os livros de, digamos, Anders Osterling? Pior: um acervo, combinado ou não, das literaturas holandesa, dinamarquesa ou catalã?), a variedade de línguas e, talvez, o principal e mais árduo: tempo para ler não centenas, mas milhares de livros, e lê-los com o mínimo de profundidade necessária ao exercício responsável da crítica. O gênio universal e a experiência humana de Carpeaux — quinze idiomas, a peregrinação pela Europa e o exílio final, na América do Sul — facultaram-lhe efetivar essa ambição única e desmedida. Pre­cisou de apenas um ano de dedicação tenaz, aos 44 anos de idade, para esgotá-la no papel. Carpeaux faz lembrar o que escreveu Harold Bloom na sua proposta de “Cânone Ocidental” — original pelo conceito de “ansiedade da influência”, não pela lista em si —, quando registra, com resignação estóica, os limites hu­manos de um pesquisador, a fim de justificar as dimensões de seu empreendimento pessoal: “É possível escrever um livro sobre vinte e seis escritores, mas não sobre quatrocentos”. Por se tratar de uma afirmação sensata, ninguém, sobretudo na academia — onde se ensinam as vantagens de se delimitar ao mínimo o objeto de pesquisa —, discordaria. A sentença prevalece para qualquer um até ser surpreendido por um autor tão singular quanto aquele imigrante austríaco, brasileiro por adoção, que escreveu não sobre 400 escritores, mas sobre 400 vezes 20! Para muitos, é tarefa impossível como é impossível decodificar o infinito de tantos romances, poemas, contos e peças já escritos em nossa tradição, durante 100 séculos. Que saibamos, não há em qualquer outra língua empenho tão extraordinário. Carpeaux nota que em 1782 o jesuíta Juan Andrés publicou “a primeira tentativa de uma história da literatura universal”, a “Dell’Origine, dei Progressi e Dello Statto Attuale D’ogni Let­teratura”. Registra as principais bibliografias, fichários, dicionários, florilégios e histórias que se seguiram desde o século 1, porém ne­nhum outro caso semelhante. Bloom é apenas um dos muitos nomes internacionais que ignoraram a existência deste ensaísta, embora Carpeaux seja o único a reunir, segundo registro pessoal, pelo menos 8 mil “autores”, dos quais parece ter lido, em parte expressiva dos casos, o conjunto da obra. Pelos resultados alcançados, podemos afirmar que é um dos intelectuais mais significativos do século 20, do porte e eminência de um Erich Auerbach ou de um Arnold Hauser — se bem o século 20 não seja consciente disso e tal importância não tenha, de fato, se confirmado — sequer na Áustria, onde nasceu. Faltou-lhe um auditório externo, atravancado, parece, pela marginalidade da língua portuguesa. É muito triste. Sobremaneira quando se admite que as qualidades científicas da Otto Maria Carpeaux são evidentes, e não menos acapachantes as do escritor como tal, autor de uma prosa admirável e estilista de recursos. Olavo de Carvalho o testifica admiravelmente em “Introdução a um Exame de Consciência”, sobre os ensaios do mestre. De tal sorte que há uma grande injustiça na história dessa mesma literatura ocidental. Uma injustiça e uma lacuna. Exageros costumam depor contra a credibilidade de um julgamento, traindo parcialidade. Portanto, é verdade que, daqueles oito mil autores pesquisados pelo historiador brasileiro, a maioria é apenas citada ou reduzida a frases pouco elucidativas, como: “Há poucas exceções, entre as quais não se encontram os irmão Rosny desviados do naturalismo para uma atividade poligráfica, fecunda mas de resultados efêmeros. Zolaísta autêntico é Descaves...”. Re­sumos como esse levam a considerar a possibilidade daquele homem ter tido também, apesar de tanta devoção, uma vida ordinária como a nossa, recheada de intervalos mundanos entre um livro e outro. Ainda assim, só a disciplina permite a um intelectual construir um tão vasto edifício. Pelo menos os nomes mais representativos da literatura ocidental foram analisados a contento, em proporções de artigo e, em alguns casos, até de ensaio. Carpeaux é um autêntico gênio pletórico, o maior que conhecemos entre os críticos e historiadores da literatura de qualquer meridiano, e desafia o pragmatismo daquele discípulo de Pater, para o qual “os setenta anos bíblicos já não bastam para ler mais que uma seleção dos grandes escritores do que se pode chamar de tradição ocidental, quanto mais de todas as tradições do mundo. Quem lê tem de escolher, pois não há, literalmente, tempo suficiente para ler tudo, mesmo que não se faça mais nada além disso”. O fôlego de Carpeaux exauriu aos 78 anos de idade, numa clínica do Rio de Janeiro, em 1979. Metafóricos ou não, os setenta anos bíblicos coincidentemente lhe bastaram para co­nhecer e nos transmitir ao me­nos uma daquelas tradições, praticamente completa, embora em forma de síntese — e toda síntese padece os limites de suas ambições. Por outras palavras — e aí realmente a possível fraqueza desta obra singular — Otto Maria Carpeaux é, em larga medida, uma coletânea de fragmentos, por vezes tão pe­quenos que se reduzem à mo­nótona relação de centenas de nomes desconhecidos. Podemos tratá-los como arestas, imperfeições aparentes num monumento. Há quem não veja propósito nenhum em tantas “concessões” tendentes à diluição e ao pedantismo. Ou talvez haja também uma justificativa razoável, relacionada à perspectiva privilegiada pelo autor: à crítica não interessam senão os valores indiscutidos, ao passo que a história — disciplina totalizante como certa vez ambicionou a escola francesa dos Annales — comporta tudo. Até toda literatura e os autores que só têm valor histórico. Com a última sentença abrem-se os amplos horizontes de Car­peaux. Sua originalidade não se reduz às proporções materiais de seu livro capital — diz respeito, também, ao conteúdo, à diversidade de literaturas abrangidas. Inclui não apenas o óbvio, que é a literatura feita na Europa — entenda-se: o pequeno miolo compreendido en­tre Espanha e Alemanha, de um lado, e Itália e Inglaterra, de outro —, e nos Es­tados Unidos. Há — ou pelo me­nos havia — outras províncias literárias desconhecidas do O­ci­dente, entre elas a América Latina (salvo nomes de exceção do quilate de Borges, Octavio Paz e Alejo Car­pentier) e países eslavos e nórdicos (de onde só tínhamos conhecimento de certas obviedades, como o tcheco Franz Kafka e o norueguês Henrik Ibsen), que foram incorporados pela voracidade do espírito, que ignora o fator geográfico e nossas melancólicas diferenças políticas. O conceito carpeauxiano de “ocidente” é in­clusivo, e urge esclarecê-lo. Não se compreende Carpeaux se não se reconhece nele o que é e o que defende: é uma humanista e vindica, em primeira linha, o humanismo, base essencial de sua weltanschauung. O espírito de qualquer obra de caráter científico, como a sua, encontra-se resumido, invariavelmente, na parte introdutória. A “Introdução”, porém, não é o único trecho, no caso da Otto Maria Carpeaux, que responde a esse espírito fundamental, que justifica e orienta qualquer trabalho de natureza gnosiológica equivalente. Na obra definitiva, o Capítulo III da Parte I — A Herança — chama-se “O Cristianismo e o Mundo”, escrutínio dos padres da Igreja e sua notável contribuição literária. O texto original era outro, “História do Humanismo e das Renascenças”, incluído na primeira edição (“O Cruzeiro”, 1959). A mudança, segundo Carpeaux, se deve ao fato de que lá a “sistemática” da obra foi preservada, enquanto aqui trata-se de “comentários gerais”. Tem razão. Ainda assim, esses comentários são preciosos por constituir um libelo dialético contra a negação futurista do humanismo, abrindo-se com o solilóquio de Hamlet sobre o desaparecimento de um símbolo: “Que lhe interessa Hécuba?” (Cena II, Ato II), para intuir que “a pergunta de Hamlet indica, com maior precisão, a atitude do homem moderno em face da antiguidade”. O interesse pela antiguidade não é próprio dos historiadores, apenas. É, também, típica dos humanistas, desde os primeiros — que ostentavam o orgulho intelectual e a crítica severa à corrupção católica, ansiando pela Terceira Igreja de joaquimistas e franciscanos —, até os últimos, que ainda vagam por aí. Oxalá seja uma raça invencível, com tendência infelizmente a se constituir em seita exótica, em torno de uma missão cada vez mais difícil: a preservação da memória em forma de livros. Foram os humanistas, de qualquer modo, que reestabeleceram os laços do presente com o passado, cultuando a literatura greco-romana e oxigenando, dessa forma, todas as literaturas modernas, até o presente. Ao retomar este princípio, Car­peaux adverte a nós outros “a continuidade da história, a igualdade essencial dos homens de todos os tempos”, vínculo que não pode ser rompido sem uma traumática perda de sensibilidade poética, qualidade estética e sabedoria. A pergunta essencial do humanista é: “Quando começa?” O historiador, no papel de revisionista, não pretende dar uma resposta convencional como tantas outras e postula uma origem no século 6, tributária direta da cultura grego-romana. Aí localiza-se o momento decisivo, quando o Ocidente emerge como um acontecimento distinto na história humana: não por acaso é o século dos primeiros guardiões dedicados a velar pelas obras literárias do passado. São eles — homens da Igreja como Gelásio I e Agostinho, Ambrósio e Próspero Aquitanense — os responsáveis pela fusão da filosofia antiga com a teologia cristã, aos quais se soma Justiniano e o Corpus Juris, concluindo o fundamento institucional da nova era. Em resumo, “essas codificações marcam uma data e, ao mesmo tempo, uma delimitação. Religião judaico-cristã, ciência grega, direito romano: eis a herança da An­tiguidade, lançando os fundamentos da civilização ocidental”. Quem poderá negar, dois mil anos depois, essas raízes e sua influência avassaladora sobre tudo o que somos e construímos, até hoje? Esse passado nos conformou e é impossível olhar para frente sem reconhecer que somos a sua cara, muito mais do que um claudicante projeto de futuro. A negação desses padrões é uma negação do próprio homem. Na medida em que se descobre um vínculo umbilical, uma unidade milenar, já não é tão grande a distância que separa o mundo contemporâneo da primeira Idade Média, que se estende, segundo o historiador, Hilário Franco Junior, de “princípios do século 4 a meados do século 8” (cf: “Idade Média, o nascimento do Ocidente”). Já para delimitar espacialmente o conceito de Ocidente, Carpeaux exclui as influências exóticas que não frutificaram, embora comunicadas à Europa pelas grandes civilizações orientais: a indiana, a chinesa e mesmo a muçulmana. Sob este aspecto, a “História do Hu­ma­nismo e das Renascenças” é um capítulo muito interessante em função do debate historiográfico que propõe, realçando as notáveis qualidades de Carpeaux enquanto intérprete da história. Dois conceitos sobressaem em sua análise: os de Idade Média e o de Renascença, o primeiro em função de seus significados, o segundo por causa de seus marcos cronológicos, francamente diluídos. O período de mil anos compreendido mais ou menos entre a queda do império romano e as grandes navegações não é simples nem homogêneo a ponto de traduzir-se pelo estigma das trevas (a “Dark Age”, de William Ro­bertson). Em verdade, o cadinho de fermentação que propicia o nascimento da ideia de “Oci­dente”, fundindo num mesmo elemento as culturas pagã e cristã, entra em atividade no mesmo século em que Odoacro alcança os portões de Roma e decreta, simbolicamente, o fim da primeira era. De forma que é um didatismo grosseiro creditar ao século 15 a descoberta e revalorização do mundo clássico. Se é verdade que a Renascença coincide com os estertores da Idade Média, também é verdade que há inúmeros momentos como esse, dentro e fora dela. Define-os, senão o mesmo esplendor, ao menos a simbiose e reação com o elemento precedente. “Em última análise, o traço característico da civilização ocidental não é a herança antiga, mas a modificação dela, que se chama renascença.” E há uma sequência ininterrupta delas, podendo-se partir da corte de Augusto, no começo do século 1, até o transe dionisíaco de Ni­etzsche, em pleno século 19. A partir deste plano, intercalado aos refluxos sociais e aparentemente providencial, é possível, até, que Carpeaux esperasse por um novo renascimento, quando o seu século emergisse da destruição e das cinzas da Segunda Guerra Mundial para uma nova época de esplendor cultural. Seu sistema interpretativo permite intuir que sim, mas não sabemos. Parte 2 Como foi lembrado na primeira parte deste ensaio, o capítulo “História do Humanismo e das Renascenças”, excluído da segunda edição da “História da Literatura Ocidental”, foi substituído por outro, “O Cristianismo e o mundo”, já este menos especulativo e submisso ao critério dos demais; no dizer do autor, dentro da “sistemática” do conjunto. Apresenta os escritores marcantes do século 5, d.C., quando se criou “uma das maiores obras, das mais permanentes da literatura universal de todos os tempos: a liturgia romana”. São grandes teólogos de poesia revelada, como Tertuliano, Ambrósio e Jerônimo. Carpeaux não escreve monografias, incompatíveis com o escopo de uma síntese, mesmo que, no caso, elas permitissem um exame mais circunstanciado da produção em evidência. Mas a forma de exposição não é decisiva e sim a descoberta: é ela que torna este capítulo a contribuição crítica mais fecunda e original do livro de Carpeaux. A opinião se sustenta numa passagem de Franklin de Oliveira: “Em face do hinário e da liturgia romana, a posição de Otto Maria Carpeaux é idêntica, metodologicamente falando, à que assumira em face do direito romano. Se a importância do direito romano já foi focalizada por diversos ‘romanistas’, no caso da liturgia romana a glória da descoberta lhe pertence por inteiro”. Um achado tal já não interessa apenas a nós outros; aliás, diz menos respeito à nossa do que à cultura europeia. Por aí se nota que o alcance universal da “História da Literatura Ocidental” não é falso proselitismo. Se se pretende deduzir a originalidade do autor, ela há de ser encontrada aqui, tanto quando, em meu entender, na particularíssima extensão conferida ao conceito de Ocidente — que não se conclui com o que foi exposto, até o momento: digamos, um conceito dinâmico, “histórico”. Completa-o o conceito estrutural ou “geográfico”, que resumiremos a seguir. Não menos digno de nota é o fato de que análise estilística, combinada à análise ideológica, em crítica literária, foi adotada por diversos especialistas antes de Carpeaux, como Karl Vossler, Leo Spitzer e Dámaso Alonso. Porém, “só a historiografia ainda não entrou nessa combinação feliz”, avisa o ensaísta em flagrante auto-elogio, quando já introduzia sua obra, inteiramente arquitetada sob aquele instrumental teórico-metodológico. É um divisor de águas mais ambicioso que Valbuena Prat, que escreveu uma história da literatura espanhola ensaiando a adoção de semelhante método. Prefiro tratar este homem — que foi também crítico, jornalista e polígrafo — como historiador, por razões que me parecem óbvias. Me aprofundarei nos seus aspectos historiográficos em outro ensaio que estou escrevendo. Por hora, basta reafirmar o que o autor registrou, com discernimento: a “História da Literatura Ocidental” é a “apresentação da história literária como interpretação histórica”. Ele não se interessa pela origem individual das obras (objeto da crítica literária). Interessa-lhe traçar, por meio da combinação daquelas análises, a relação histórica entre elas, em função de um “espírito objetivo” de natureza supra-individual (objeto possível da história). Como tal, a “História da Literatura Ocidental” é uma obra de síntese coletiva, de corte transversal e de revisão, “substituindo, em todos os pontos particulares, as ‘fables convenues’ da rotina pelos resultados da análise estilística e da análise sociológica”. Para tanto substitui o naturalismo de Saint-Beuve (crítica biográfica) pela psicologia compreensiva de Wilhelm Dilthey, de forma que a documentação histórica e não os indivíduos constrói tipos ideais que representam a “estrutura psicológica total de determinada época”: “Desta maneira construíram-se panoramas históricos de perspectiva e profundidade inéditas, ‘verdadeiros cortes transversais’ através das épocas”. Levadas ao extremo, as consequências dessa perspectiva foram realmente inéditas. A transversalidade ampliou, e muito, o conceito de Ocidente, significando a sincronia do mesmo conteúdo mental nas mais variadas culturas do hemisfério. E aí é preciso completar o que foi escrito até aqui, dizendo o que o Ocidente comporta, em termos literários. Um dos traços inconfundíveis da “História da Literatura Ocidental” é, me parece, a ampliação das fronteiras literárias do mundo e seu reconhecimento crítico definitivo. Em “O Cânone Ocidental” Harold Bloom falou em balcanização, termo que designa o estado do ensino das letras há quase 20 anos, de “fragmentação” do gosto a ponto de assimilar a pseudo-literatura, apenas para satisfazer gêneros e minorias, independentemente das qualidades estéticas. É preciso evitar confusões. Aqui, está claro, não se trata de balcanização. O reconhecimento da alta literatura de um Juan Carlos Onetti não é nunca um favor, uma concessão fora dos critérios usuais da crítica mais exigente. E é disso que se trata: de reconhecer na tradição ocidental outras tantas literaturas, ao lado das mais divulgadas e comentadas, que são a inglesa, a francesa, a russa, a espanhola, a norte-americana e a italiana. Mais de meio século depois de seu lançamento editorial, seria impensável excluir da “História da Literatura Ocidental” a literatura africana, chancelada por nomes de alta qualidade como Nadine Gordimer, J.M. Coetzee, Wole Soyinka, Naguib Mahfouz, Mia Couto, Pepetela e tantos outros. E, mesmo assim, é considerável o que Carpeaux conseguiu abarcar, a partir do método apropriado, que lhe garantiu a coerência interna da síntese pretendida. As características deste método pessoal são três: primeiro, a abolição das fronteiras nacionais (para dar conta da multiplicidade do assunto e ao mesmo tempo das literaturas “europeia” e “americana”). Segundo, a substituição de “nações e autores” por “estilos e obras”, dentro dos períodos consagrados pela tradição; terceiro, a discussão sobre o intercâmbio entre literatura e sociedade (a interdependência dos fatores espirituais com os materiais, onde antevê o calcanhar de Aquiles da “História da Literatura Ocidental” e antecipa-se às censuras futuras por causa de um ecletismo “incapaz de decidir-se”, mas que deve aos limites do relativismo historicista). O aspecto que por hora me interessa é o primeiro, uma vez que que a literatura universal “não pode limitar-se às chamadas ‘grandes’ literaturas: grega, romana, italiana, espanhola, francesa, inglesa, alemã, russa. Entende-se, sem discussão, a inclusão das literaturas escandinavas (...); depois, de mais três literaturas, tão tradicionais como aquelas: a portuguesa, a holandesa e a polonesa; depois, das literaturas provençal e catalã (...); depois, dos ramos americanos de algumas literaturas europeias: a norte-americana e a brasileira. Quem não ignora o assunto não discutirá a necessidade de estudar também as literaturas tcheca e húngara”. Por um erro de avaliação, estamos acostumados a perceber a Europa e os Estados Unidos como unidades autônomas de criação espiritual, de onde importamos sistemas filosóficos e conceitos científicos acabados, de aplicação sempre duvidosa porque artificial. Tornamo-nos, em comparação, reflexos pálidos e sem interesse, incapazes de gerar valores substanciais, julgamento que se estende aos nossos padrões estéticos. Em filosofia tornamo-nos comentaristas. Falta-nos descobrir nossa essência e com ela moldar uma compreensão do mundo que seja a tradução de nosso ethos, como foi o Pragmatismo de William James para o espírito norte-americano. George Steiner, em “Tolstói ou Dos­toiévski”, soube compreender o que torna as literaturas russa e estadunidense tão autênticas e até mais fortes, segundo ele, do que a europeia, num nível que provavelmente ainda não alcançamos, e seus argumentos são plenamente aceitáveis. Fundamentalmente, o que caracteriza Balzac e Flaubert, Dickens e Zola é o realismo como retrato secularista e desumano dos indivíduos, em um mundo deslumbrado com a técnica. O oposto é o gnosticismo de Tolstói e Dostoiévski, Melville e Hawthorne, cheio de vitalidade e ávido pelo sagrado. Fora disso, não cabe mais censurar as fontes estrangeiras como fermento legítimo, à disposição de qualquer espírito criativo em qualquer lugar, sobretudo em sociedades multiculturais como as de hoje. A “História da Literatura Ocidental” não oferece nada de novo a respeito do assunto “influência”, mas permite compreender, com clareza absoluta e abundância de exemplos, como ela é intensa entre os chamados “povos civilizados”, desde sempre. Exemplo disso foi a assídua imitação que os românticos espanhóis fizeram do teatro de Alexandre Dumas (pai) e Victor Hugo, “tomando-lhe emprestados os conflitos espetaculares, a eloquência torrencial, os efeitos melodramáticos e, embora nem sempre, a tendência liberal”. O teatro de Zorrilla teria mesmo “nacionalizado” tais influências. Na Alemanha, os irmãos Schlegel cumpriram o papel de verdadeiros “importadores culturais”, dispondo para o seu país, em traduções, obras de Camões, Shakespeare, Petrarca, Lope de Vega e tantos outros poetas de outras terras. August Schlegel, inversamente, influencia grandes franceses como Hugo e Stendhal, em reação ao classicismo, tanto quanto Manzoni, na Itália. As traduções que os irmãos levaram a cabo culminam na criação de uma Weltliteratur (literatura universal em língua alemã): “A leitura das grandes obras de poesia medieval, renascentista e barroca tinha o valor de um narcótico produzindo sonhos pitorescos”, numa referência ao evasionismo motivado pelas guerras napoleônicas para “outros mundos, remotos e longínquos”. Influência é o tipo de coisa diante da qual não é possível se isolar, venha de onde vier: todas as literaturas ocidentais, rigorosamente falando, resultaram de permutas espirituais com o universo exterior, transformando a herança em manifestações de cor local. A criação do Ocidente é um comércio perpétuo entre sociedades tão diferentes como a portuguesa e a alemã, a alemã e a italiana, a italiana e a inglesa, a inglesa e a francesa — e custaria apenas o impulso das grandes navegações, a partir do século 14, para que, também, se tornasse uma troca fecunda entre europeus e americanos. A chave do problema encontra-se na seguinte constatação: “O fato de, durante treze séculos, o critério da nossa civilização não ser imanente, mas encontrar-se fora, numa outra civilização, alheia e já passada, é a marca mais característica da civilização ocidental”. A marca das américas é também a marca da velha e orgulhosa Europa, que um dia pretendeu guiar o mundo. Relativiza-se, deste modo, a importância das polêmicas, sempre existentes, sobre o que é transplantado e o que é autêntico. Polêmicas assim são muito comuns quando se discute a natureza do Modernismo de 22, no Brasil, explicando reações impossíveis como o movimento Ar­morial, de Ariano Suassuna, pretensamente mais puro e mais brasileiro. O segredo a intuir é que se a civilização europeia não é imanente “no tempo”, a das américas não é fundamentalmente imanente “no espaço”, diferença crucial entre uma e outra. Mas o critério da civilização americana é muito parecido com o do velho mundo, uma vez que consiste em buscar “de fora” — seja na África ou no Velho Mundo — os elementos fundamentais de sua constituição espiritual. Na transição entre a Antiguidade e a Idade Moderna europeia, esse “de fora” é o mesmo que “passado”, ao passo que na transição entre Europa e as Américas significa exatamente o “distante”. Aqui o externo é uma relação “sincrônica” entre dois mundos, lá uma relação “diacrônica” entre dois momentos. As bases antigas do pensamento europeu disseminaram-se de regiões muito específicas como Grécia, Palestina e Roma para países inteiros, primeiro latinos e depois germânicos, e daí conformaram todo o continente, que tampouco foi uma ilha isolada, em qualquer momento de sua história. É inegável que a unidade geográfica estimula uma percepção estática e unitária (porém enganosa) dos povos europeus. A partir do século 15 eles encarregam-se de exportar suas estruturas conceituais, inclusive estéticas, para os lugares mais remotos que encontraram, fora do seu território. O hemisfério se alargara nesse movimento, até incluir as américas, e não faria mais sentido permanecer ignorando metade dele. Mas foi preciso a inteligência de Car­peaux para se admitir o óbvio: a continuidade essencial entre esses dois mundos, estabelecendo entre eles uma “encheiresis”, isto é, a ligação espiritual que os une. Com ele o Ocidente adquire feições inéditas, numa mudança contínua da própria imagem. “História da Literatura Ocidental” ainda aguarda uma edição de alto nível, e quem sabe, superadas as disputas institucionais com Afrânio Coutinho nos anos 1950 e 60, o reconhecimento da universidade pública brasileira. Carece de uma revisão que a torne acessível para estudantes e para o leitor médio. Tem minúsculos mas persistentes erros de revisão, e sua ortografia é ultrapassada. Sem contar que é necessário rever não apenas seus galicismos, mas principalmente tornar bilíngue todos os poemas e citações que o autor, preocupado com a fidelidade do texto, preservou no idioma original: em francês, inglês, italiano, espanhol e alemão. Não sei se justifica, pois nem todos poderão usufruí-los assim, para tirar suas próprias conclusões semiológicas. É do poeta e amigo Ivan Junqueira o testemunho de que dominava pelo menos 15 idiomas (“Mestre Carpeaux”, em “Ensaios Reunidos”, volume II), mas ele não poderia exigir do leitor a mesma capacidade. Tais detalhes restringem drasticamente seu público, obrigando que a eventual reedição da “História da Literatura Ocidental” passe pelo acréscimo salutar das transposições linguísticas. Carpeaux é nosso Marcus Fabius Quin­tilianus (sec. I da Era Cristã), seu mais antigo precursor. Coube àquele antigo professor romano a tarefa pessoal de organizar, para o ensino do aluno de retórica, a primeira “relação de livros-modelos” que se tem notícia na história das letras, instituindo um “código de valores”, expressão associada à tradição e hoje tão nostálgica, maculada por nosso desdém futurista. A motivação pioneira do professor romano foi muito particular e é digna de nota: a decadência estilística e moral dos contemporâneos, na transição entre Nero e Vespasiano. As indicações quintilianas, com o objetivo pragmático de “salvar da destruição pelos bárbaros os tesouros literários do passado”, consolidaram um padrão cultural seguido por monges, humanistas e modernos, sempre que a sociedade entrou em épocas de crise. Para sempre, desde a Idade Antiga, o termo “barbaridade” está no subconsciente da humanidade associado à violência, e neste século a violência está, segundo Carpeaux, associada ao proletariado intelectual constituído pela classe média de técnicos pequeno-burgueses, “expressão triunfal do fascismo” e inimiga mortal da inteligência (ler o ensaio “A ideia da universidade e as ideias das classes médias”). A “História da Literatura Oci­den­tal” é, nesse sentido, uma resposta da inteligência aos bárbaros. Afinal, uma daquelas épocas, a mais estúpida e sanguinária de todas, foi a primeira metade do século 20, com a ascensão de Leviatã e dos regimes totalitários de esquerda e de direita, que quiseram sombriamente abarcar o mundo. Mas o espírito se opôs, e o mesmo espírito que nutriu Quintilianus permanece vivo na odisseia de Carpeaux. A “História da Literatura Ocidental” cumpre, para nós outros, a função vital e permanente daquela velha “Institutio Oratoria” do sábio romano. Ignorá-lo implica em diminuir nossas reservas de luz, emitidas por um dos grandes humanistas do século 20. (Revista Bula)