quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Soldados

Quando os soldados preferem morrer Por Mauro Santayana em 27/08/2012 Em julho passado, revelam fontes oficiais, 38 militares norte-americanos se mataram. Um aumento de mais de 100% sobre os casos de suicídio do mês anterior. Vinte e dois deles se encontravam em serviço. Os demais haviam voltado para casa, mas já não se sentiam em seus lares. Eram outros homens, desfeitos e refeitos pelo horror. Provavelmente não se sentissem combatentes por sua pátria ou suas idéias, e, sim, meros mercenários, enviados para assassinar em nome de interesses que nada têm a ver com os de seu povo. Salvo nas duas guerras mundiais, quando justa era a luta contra os alemães e o nazismo, os soldados ianques lutam por Wall Street. O genocídio inútil de Hiroxima e Nagasáki, ao manchar com a desonra o combate pelos valores humanos, confirmou os exércitos dos EUA como bandos de pistoleiros do imperialismo. Os Estados Unidos nunca tiveram que lutar em seu solo, a não ser na Guerra da Independência. Sempre invadiram o solo alheio, a partir da guerra contra o México, em 1846, quando anexaram mais de 40% do território do país vencido. A Guerra da Independência, bem antes, se travara contra homens iguais, da mesma etnia, da mesma fé, e poderíamos dizer, quase das mesmas idéias. O mesmo veio a ocorrer no conflito interno, o da Guerra da Secessão, apesar da crueldade dos combates e a bandeira ética do Norte contra a escravocracia do Sul. Esse enorme privilégio – o de não conhecer as botas dos ocupantes estrangeiros – transformou-se em maldição. Os militares ianques já não encontram na alma, desde a derrota no Vietnã, quaisquer razões para a luta. Assim, são corridos pela depressão, ou se transformam em animais, como os que se deixaram fotografar em Abu Ghraid, com seus cães. A depressão os leva a desertar das fileiras, de forma absoluta, ao estourar a cabeça ou o coração com suas próprias armas. O filósofo espanhol Ortega y Gasset tem uma tese interessante sobre os militares e as guerras. Ele considera o cerco de Granada, pelos Reis Católicos, em 1492 – o mesmo ano da descoberta da América por Colombo – como o fim do soldado que combatia com honra, e o início do soldado “técnico”, que atua como simples extensão de sua arma. No cerco de Granada, e na vitória que se seguiu, os castelhanos usaram o planejamento tático e estratégico, superando, e em muito, os gregos e os romanos no projeto de suas operações. Segundo Ortega, ali morreu a bravura, e nasceu o combatente moderno, mera máquina de matar, sem honra e sem sentimentos, a não ser os do ódio induzido. Os soldados americanos que se matam, torturados pelo remorso, talvez sigam o lema que os japoneses inscrevem nos sabres destinados ao harakiri: saiba morrer com honra quem com honra não soube viver. Artigo publicado no site Tribuna da Internet

Palestinos

Soldados israelenses implacáveis com crianças palestinas por Pierre Klochendler, da IPS soldado Soldados israelenses implacáveis com crianças palestinas Hamza, de 17 anos, preso por atirar pedras contra soldados israelenses, esconde seu rosto da câmera. Foto: Jillian Kestler-D'Amours/IPS Jerusalém, Israel, 29/8/2012 – Tropas israelenses perseguem um menino palestino em uma aldeia da Cisjordânia ocupada. “Está a dois metros de distância, e o chefe da companhia engatilha a arma e aponta para seu rosto… O menino se joga no chão chorando e implorando que não o matem”, afirma um testemunho militar. “É este o tipo de incidente cinza. Não tão terrível”, prossegue o depoimento de um sargento israelense. “Por que essas crianças realmente jogam pedras e isso é perigoso; não quer dizer que vamos feri-las de verdade. Suponho que para eles seja uma experiência muito amedrontadora, mas a situação é complicada”, acrescenta. O ano é 2007. O relato do sargento é um dos 47 depoimentos coletados entre mais de 30 militares de Israel que prestaram serviço nos territórios palestinos ocupados entre 2005 e 2011. Intitulado Children and Youth – Soldiers’ Testimonies 2005-2011 (Crianças e Jovens – Testemunhos de Soldados 2005-2011), a publicação de 71 páginas acaba de ser apresentada pela organização não governamental Breaking the Silence (Rompendo o Silêncio). Este grupo, fundado em 2004 por veteranos israelenses que combateram na Segunda Intifada (levante palestino), ocorrida entre 2000 e 2005, dedica-se a documentar a vida cotidiana das zonas ocupadas e submetidas à militarização por meio das experiências que os próprios soldados têm em suas rondas diárias. Com a intenção de sensibilizar os estudantes do curso secundário que no próximo ano se incorporarão ao exército, a organização pretende distribuir cópias do informe nas portas das escolas de Jerusalém e Tel Aviv. O ano escolar começou este mês. “A infância israelense goza da proteção da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, da qual este país é signatário, mas a infância palestina cresce sem essa proteção”, afirma o prefácio da publicação. “Essa criança, especificamente, que realmente fica no chão implorando por sua vida, tem nove anos”, afirma o mesmo sargento em seu depoimento. “Penso em nossas crianças com nove anos (…) Uma criança deve implorar por sua vida? Se tem uma arma carregada apontada contra si, deve suplicar piedade? Mas, se não tivéssemos entrado na aldeia, no dia seguinte teriam atirado pedras e alguém poderia ser ferido ou morto”, justifica o sargento. “E pararam de atirar pedras?”, pergunta o entrevistador da ONG. “Não”, é a lacônica resposta. Os fatos descritos neste livreto ocorreram em circunstâncias de tranquilidade, depois de ocorrida a Intifada. Mas, os testemunhos expõem que o racismo, o abuso, a violência, os assassinatos e os ferimentos de crianças e adolescentes palestinos, inclusive “não intencionais”, continuaram nas mesmas proporções. A ONG debateu as dúvidas quanto a expor ou não os estudantes israelenses à realidade descrita tão cruamente no informe, reconhece Avner Gvaryahu, ex-soldado transformado em ativista, cujo próprio testemunho consta da publicação de forma anônima, como todos os demais. “Se você tem idade suficiente para incorporar-se e carregar uma arma, tem a idade suficiente para saber o que realmente acontece nos territórios”, afirmou à IPS. E as crianças palestinas têm, ou parecem ter, idade suficiente para serem presas à ponta de pistola, assediadas e humilhadas, golpeadas “até deixá-las em frangalhos”, e serem usadas como escudos humanos contra outros palestinos, isto apesar de uma decisão contrária de 2002 do Supremo Tribunal de Justiça de Israel. “No começo, a gente não se sente bem quando aponta a arma para um menino de cinco anos, e pensa que isso não é certo”, afirma outro soldado. “Mas isso muda quando se entra em um povoado e começam a chover pedras”, acrescenta. Em outro incidente mencionado no informe, o comandante de uma companhia revista um menino de 12 anos, o obriga a ficar de joelhos, o ameaça aos gritos “feito louco”, para intimidar outros adolescentes que jogam pedras nas tropas. “Esse menino chorou e urinou nas calças (…) Parecia cena de um filme sobre o Vietnã”, descreve o soldado. “Eu sabia que era uma ameaça falsa; o homem é um oficial, afinal, e não creio que um oficial fizesse algo assim, mas…”. Finalmente, um ancião da aldeia convenceu o comandante a liberar o garoto. No dia seguinte, dois coquetéis Molotov foram lançados contra veículos que passavam pela cercania. “Portanto, não havíamos feito nosso trabalho. E alguém pergunta qual é esse trabalho”, conclui o soldado. A maior parte da juventude israelense é educada em um sistema, tanto familiar quanto escolar, que elogia os valores morais intrínsecos do exército e raramente questiona suas operações de rotina ou a deterioração ética que esta causa nos soldados. A segurança nacional quase sempre é prioritária. As escolas exaltam o patriotismo, a coragem o sacrifício. Os ativistas insistem que uma atitude de questionamento moral poderia preparar os futuros convocados para que combatam a indiferença e a crueldade da parte de seus camaradas de armas. O exército afirma que este informe é tendencioso, e argumenta que a ONG não consultou seu conteúdo com a instituição e, portanto, fica impossível uma investigação militar de potenciais abusos de direitos humanos ou mesmo de crimes. “A negativa da organização de entregar o conteúdo às autoridades indica seus verdadeiros motivos: gerar publicidade negativa contra o exército e seus efetivos”, disse um porta-voz militar. Os ativistas rechaçam a acusação e garantem que apoiam o exército, mas, ao mesmo tempo, compartilham a convicção de que os estudantes devem ser informados antes de entrar para o serviço militar. Desde sua fundação, a Breaking the Silence reuniu testemunhos de mais de 800 militares. “Somos uma sociedade que se nutre de valores familiares e educativos, mas o exército trata os meninos palestinos de outra forma”, disse sua diretora-executiva, Dana Golan. “Cada depoimento apresenta histórias de maus-tratos infantis; cada história é um soco no estômago”, ressalta. A diretora sabe que alguns adolescentes vão ignorar o livreto. Mas, desde que leiam apenas uma história, o objetivo da ONG estará concretizado, disse à IPS. O prefácio da publicação diz que “a intenção fundamental é criar um debate público sobre o custo moral que a sociedade israelense está pagando por uma realidade em que soldados jovens enfrentam dia a dia uma população civil e a dominam”. As discussões morais são muitas entre os israelenses. Há dez dias, no centro de Jerusalém, três adolescentes palestinos quase foram linchados por um grupo de jovens entre 13 e 19 anos. O incidente despertou inúmeras condenações e atos de contrição. Contudo, ninguém abriga a ilusão de que esta mea culpa coletiva porá fim aos abusos da ocupação. Afinal, a maioria dos israelenses ainda está convencida de que têm ao seu lado a razão moral diante de seus vizinhos palestinos, mesmo quando, parafraseando o dito popular, suas boas intenções acabem cimentando o caminho para o inferno, e não um futuro de paz. Envolverde/IPS (IPS)

Novilíngua

terça-feira, 28 de agosto de 2012 Novilíngua: “Em tempo de falsos cognatos” Tradução: do “segurancês”, para português, espanhol, guarani, bolivariano, grego, árabe, pashtun, farsi, aimará et aliae* 29/8/2012, Kevin Carson, Counterpunch - “In the Land of False Cognates - On Translating Securityspeak into English” Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu Kevin Carson Quem leia os pronunciamentos da comunidade de “segurança nacional” dos EUA é sempre assaltado, no mínimo, por uma dúvida: será que falam do mundo que todos nós habitamos? Ou falam de outro mundo, só deles? Tudo começa a fazer melhor sentido se se assume que o Estado de Vigilância e Controle, chamado estranhamente também de “Estado de Segurança”, tem idioma próprio: o “segurancês”. Como a Novilíngua, um inglês ideologicamente reformatado que substituiu o idioma corrente no mundo que Orwell descreve em1984, o “segurancês” foi reformatado para ocultar e apagar o mais possível qualquer informação verdadeira. Por exemplo, consideremos as declarações do embaixador Jaime Daremblum, Diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos do Instituto Hudson, em 2010, em depoimento à Comissão de Relações Externas do Senado dos EUA. Jaime Daremblum Daremblum, depois de elogiar os senadores Lugar e Dodd pelos esforços de muitos anos para promover “a segurança nacional e a democracia” na América Latina, alertou para os perigos do “populismo radical que se enraizou na Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua.” Mais alarmante ainda, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, fez aliança com o Irã “principal patrocinador do terrorismo em todo o mundo.” O governo da Nicarágua, que “voltou às velhas táticas”, ocupa uma ilha fluvial da Costa Rica, em claro desrespeito ao que ordena a Organização dos Estados Americanos (OEA). A aliança firmada entre Chávez e o Irã é “a maior ameaça à estabilidade hemisférica desde a Guerra Fria”. O governo de Chávez é “séria ameaça aos interesses da segurança dos EUA”. UAAU! Parece conversa no mundo-às-avessas... Mas, se a dividimos em pedaços deglutíveis e traduzimos com calma e atenção, talvez até se possa extrair algum significado aproveitável dessas “declarações”. Para começar: em “segurancês”, “democracia” não significa o mesmo que significa em português, grego, bolivariano, espanhol, árabe, pashtun, farsi, aimará, tupi et aliae. Você, muito provavelmente, entende que “democracia” significa “regime no qual pessoas comuns têm meios para controlar os processos pelos quais se tomam decisões que afetam a vida delas”. E já começam os problemas. Porque em “segurancês” há um falso cognato, que soa como “democracia”, mas não significa “democracia”. Esse falso cognato, que só existe em “segurancês”, designa uma sociedade na qual o sistema de poder aparece sempre travestido, mascarado, ocultado, em rituais chamados “eleições periódicas”. Nessas eleições periódicas as pessoas escolhem entre candidatos que parecem diferentes, mas são, todos, saídos do mesmo grupo governante, que nunca muda. Os candidatos falam muito, parecem discutir muito, mas só falam e discutem questões secundárias, 20%, os temas sobre os quais discutem entre eles os vários partidos eleitorais que são, todos, facções do mesmo grupo governante. 80% das questões, as questões-chave, básicas, primárias – e sobre as quais não há qualquer discordância entre os partidos da classe governante – jamais aparecem nos debates eleitorais. Quando a própria estrutura do poder aparece nas discussões – quando o povo começa a falar contra, por exemplo, a propriedade da terra, concentrada em poucas mãos de latifundiários proprietários; ou contra uma política de desenvolvimento orientada só para a exportação – surgem sinais de que a “democracia” está sob o risco de ser trocada pelo tal “populismo radical”. Aí já é caso de “democracia” cujos únicos especialistas, os únicos que entendem da coisa-lá, são ou a CIA ou os Marines. Importante é o seguinte: em “segurancês”, “democracia” significa proteger a estrutura de poder favorável aos EUA que exista em qualquer ponto do mundo... Mas dando às pessoas a ilusão de que, porque votam em eleições periódicas, estariam escolhendo entre projetos diferentes. Deve-se também ter em mente que, em “segurancês”, o rótulo “estado patrocinador do terrorismo” nunca, jamais, em caso algum, pode aparecer associado ao nome dos EUA. Por essa razão, ações da Única Superpotência Dominante para promover a “democracia” nunca, jamais, em caso algum serão “ações terroristas”. Mas ações que promovam “populismo radical”, essas sim, sempre são. Com o acontece também na Novilíngua, ações consideradas elogiáveis se praticadas por uns, passam a ser repreensíveis se praticadas pelo outro. Vejam por exemplo (i) a ação da Nicarágua, que ocupou território da Costa Rica e desrespeitou resolução da OEA (é repreensível); e (ii) a ação praticada pelos EUA e que também desrespeitava resolução da OEA, quando os EUA minaram, com explosivos, o porto de Manágua, como meio para combater “populistas radicais” há 30 anos (é elogiável). É o caso de apresentar a aliança entre Irã e Venezuela como “a maior ameaça à estabilidade hemisférica depois da Guerra Fria”. Quase parece que só se fala em Guerra Fria, para lembrar as ações de detonação da estabilidade hemisférica promovidas, patrocinadas ou executadas pelos EUA durante e imediatamente depois da Guerra Fria. Afinal, os EUA derrubaram o governo democrático (“mudança de regime”, como se diz hoje, em “segurancês”) da Guatemala em 1954 e instalaram ali um regime militar que aterrorizou o país durante décadas. Os EUA apoiaram esquadrões da morte na América Central, que mataram centenas de milhares de pessoas. E instalaram ditaduras militares no poder (“mudança de regime”, a começar pelo golpe que depôs o governo democrático do Brasil nos anos 1960s). E ainda sem falar da Operação Condor, de Kissinger, nos anos 1970s, nem das demais ditaduras militares que os EUA puseram no poder em toda a América Latina. Operação Condor Mas essas coisas não entram na conta. Quando os EUA derrubam governos democráticos, um depois do outro, que caem como dominós, para instalar ditadores pró EUA no poder, por todo o hemisfério... A ação significa “proteger a estabilidade”, não pô-la abaixo. E tudo, sempre, para derrotar o tal “populismo radical” que, no dicionário de “segurancês”, é a única expressão que se deve traduzir por “ameaça à estabilidade”. Também em “segurancês”, dizer que uma aliança entre Venezuela e Irã é “ameaça” não significa que alguém esteja pensando em atacar e invadir território dos EUA. Significa apenas aqueles países preparam para defender-se, no caso de os EUA os atacarem; e que, nessas condições, talvez os EUA não consigam derrubar aqueles governos democráticos. São “ameaça”, em outras palavras, porque começa a surgir alguma possibilidade de o governo da Venezuela expropriar latifúndios e redistribuir terras a quem de fato trabalha a terra. São “ameaça”, afinal, porque algumas economias começam a tentar atender antes as necessidades e carências do próprio povo, do que os interesses das grandes empresas norte-americanas. Isso então deve-se traduzir sempre como “ameaça” (ao interesse das corporações norte-americanas). A expressão “segurança nacional” também é interessante, porque não significa, em “segurancês”, “segurança para o povo da nação norte-americana”. Significa, isso sim, “segurança para o Estado norte-americano e para a coligação de forças que o controla”. Nesse sentido, qualquer populismo econômico local é grave “ameaça à segurança nacional” [dos EUA]. Elites econômicas nos EUA são o coração (e o coldre) de um dos lados que lutam hoje em todo o mundo: os proprietários do mundo versus aqueles sem cujo sangue e suor não haveria mundo. Quando um servidor do Estado dos EUA, como Daremblum, usa o idioma do “segurancês” para falar de “ameaça à segurança nacional”, sua fala tem de ser traduzida como “ameaça à estabilidade dos proprietários do hemisfério, dos que precisam de estabilidade para continuar a extrair sangue e suor dos não proprietários, quer dizer, de nós”. Ora... Afinal, nem é tradução assim tão difícil! (Rede Castor)

Prisões

Brutalidade do sistema prisional e bárbaras humilhações a parentes são denunciadas em Ato Público Imprimir E-mail Escrito por Gabriel Brito, da Redação Terça, 28 de Agosto de 2012 Atualmente a sexta economia mundial, o Brasil também se destaca no ranking internacional de aprisionamentos. São aproximadamente 520 mil pessoas nos cárceres do país, sendo que 40% ainda esperam pela acusação oficial, isto é, poderiam responder seus atuais processos em liberdade. Dentro deste universo, sabe-se largamente da precariedade das prisões brasileiras, autênticas jaulas superlotadas do que alguns chamam de “descarte social”. Além disso, os corredores de tais locais são permeados por tensas relações entre detentos e oficiais do Estado encarregados de vigiá-los. Somadas às condições subumanas das celas, ocorrem freqüentes denúncias de abusos e violações dos direitos humanos dos presos, em muitos casos tratados como animais pelo Estado supostamente responsável por sua “ressocialização”. Diante da falta de condições dignas nas celas e do crescimento do encarceramento no país (o número de detentos é 69% superior à capacidade dos recintos), nota-se um crescente desconforto social a respeito da situação, principalmente quando organismos internacionais começam a tomar ciência de que a violência oficial empregada contra a “delinqüência interna” é absolutamente desproporcional. “Precisamos entender mais Loi Wacquant (sociólogo francês especialista em criminalística) quando ele constata que a diminuição das políticas sociais sempre é seguida de aumento do número de prisões”, afirmou Deivison Mendes Faustino, professor de História e Cultura da África da UFSCAR, em ato de lançamento da revista PUC Viva no último dia 16, no prédio da universidade católica – a nova edição da revista tem como tema exclusivo o “Estado penal brasileiro”. A análise de Faustino se sustenta no atual momento de crise econômica internacional, quando governos de todo o planeta anunciam seguidos cortes orçamentários nas áreas de interesse social, preteridas por políticas de resgate ao sistema financeiro. Ao lado disso, os sinais de que tal crise realmente assola o Brasil começam a ficar mais claros, bastando conferir as pessimistas previsões de crescimento para 2012. “Precisamos entender quem ganha e quem perde, quem afinal lucra com isso. Ainda mais em épocas de eleição, com toda a sua espetacularização. Temos uma criminalização da pobreza ou do pobre? A pobreza é intrínseca à riqueza capitalista. De modo que, dentro desse sistema, o atual Estado penal poderia mesmo ser substituído pelo Estado de Direito?”, indaga Faustino, lançando um olhar político na abordagem do crescente número de prisões em nosso país. Uma urgente revisão geral Com uma vasta massa que ainda não cabe em nossa atual sociedade de mercado, decerto também por nossas deficiências no campo da educação, a queda do crescimento econômico e, consequentemente, da oferta de empregos sempre cobram uma fatura visível em sociedades menos desenvolvidas, nas quais os direitos essenciais da população ainda não foram assegurados. “É necessário encarar de outra forma a questão das drogas e o aprisionamento em massa que ela gera. A prisão, de forma alguma, ressocializa alguém, muito pelo contrário, nunca resolveu e sempre criou mais revolta”, pontuou a coordenadora da Pastoral Carcerária da Mulher, Heidi Ann Cerneka, na mesa de debate que mediou o ato. Heidi destaca a questão, pois já é de amplo conhecimento o fato de que, em países nos quais os governos declararam a chamada “guerra às drogas”, verificaram-se enorme aumento do encarceramento, especialmente de jovens traficantes, e (paradoxalmente ou não) um simétrico crescimento do consumo de variadas substâncias ilícitas por lei. Assim, gera-se uma percepção social nem sempre verdadeira que, em determinados momentos, assola cidades brasileiras: a de que a criminalidade estaria atingindo índices alarmantes e seria necessário redobrar esforços em seu combate, o que aqui significa o reforço do poder de fogo do braço militar estatal. Em momentos assim, fica ainda mais difícil discutir os direitos dos infratores. “É muito importante levantarmos bandeiras dos direitos humanos neste momento em que se constroem sensos comuns contra esses mesmos direitos humanos. Na minha vida de promotor penal, que incluía visitas a prisões, os presos nos mostravam bastões da polícia usados para agredi-los nos quais se podia ler ‘direitos humanos’”, alertou Haroldo Caetano da Silva, um dos idealizadores do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), também presente ao ato e, dentre outras histórias, refém da famosa rebelião comandada por Leonardo Pareja no Centro Penitenciário de Goiás, em abril de 1996. Além de denunciar o alto grau de letalidade do Estado brasileiro na relação com suas camadas mais pobres, o encontro serviu também para denunciar uma especificidade pouco difundida ao público, mas que martiriza semanalmente os familiares dos presos. “Os presos sofrem uma sobrepena, pois, além da pena que já cumprem, têm de conviver com a humilhação dos parentes. É uma situação comum, mas destaco especialmente a situação de São Paulo”, disse Andreia de Almeida Torres, membro do Conselho Regional de Serviços Social (CRESS). Torres se refere ao fato, mote principal do ato, de que, em muitas prisões brasileiras, aqueles que visitam seus parentes passam por verdadeira via-crúcis, por vezes extremamente cruel, para alcançarem um momento ao lado de quem os fizeram sair de casa. “Nós passamos por muitas humilhações, pois os parentes que visitam seus filhos, maridos, primos presos também são ‘condenados’ pelos carcereiros e funcionários do presídio. Sofremos muitos abusos, qualquer suspeita que eles alegam já gera uma enorme repressão”, contou Andrea MF, ex-presidiária e membro da Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos(as)). Ela ilustrou com um exemplo que, seguido da exibição de um curto vídeo que circula na internet, deixou atônitos e até sem reação uma boa parte dos presentes. Trata-se de procedimento qualificado pelos especialistas como “revista vexatória”. Geralmente, as mulheres são obrigadas a se despir completamente na sala de espera diante de uma carcereira, chegando finalmente a ficar de cócoras, de modo a deixar claro que não portam drogas em seu corpo. Em alguns casos, o(a) oficial não se contenta e leva a pessoa em questão para exames como raio-x em hospitais e prontos-socorros, fazendo o parente perder todo o dia em idas e vindas fajutas. “Assim, sou vítima de um sistema que não reabilita. Não estou defendendo o preso naquele artigo em que foi condenado, e sim em outros direitos que não devem ser violados por causa disso”, completou Andrea MF. “Por isso, precisamos estar atentos às atuais discussões do novo Código Penal e da Lei de Execução Penal, nesses tempos tão conservadores”, acrescentou Andréia Torres. Apesar de estarmos habituados às notícias a respeito da eterna “guerra” entre crime, em São Paulo simbolizado pelo PCC, e polícia, como se viu no sangrento bimestre junho/julho de 2012, nem sempre se reportam as mazelas das prisões, menos ainda em relação aos parentes visitantes. Alguns relatos soam inverossímeis, tamanho barbarismo empregado. “Vemos essa história de cada preso custar 1500 reais por mês ao Estado. Onde está esse dinheiro? Pois o que sabemos é que servem comida podre, até com caramujo, nas refeições dos presos. Já vi parente meu falar que tinha vidro na comida”, denunciou Andrea MF, em referência ao distrito penal da Baixada Santista, onde a relação crime-estado tem resultado em dezenas de mortes nos últimos anos, denunciadas até internacionalmente. “Ninguém sabe como é usado o orçamento dessa área, do sistema prisional”, emendou Torres. “Tenho cunhado, irmão e primo presos. E para ter comida boa, só se for da família mesmo, pois, como disse a colega, eles dão comida estragada, com qualquer coisa misturada. Eu e minha nora passamos pela mesma humilhação nas revistas, sendo que, em uma dessas revistas, ela perdeu um bebê de quatro meses”, contou Rose, outra parente de prisioneiro presente ao ato, presenciado por algumas caravanas de parentes de detentos da Zona Norte da capital, Baixada Santista, entre outros locais do estado. “Tenho 40 anos de Brasil e sempre me perguntei o que aconteceu neste país para que o respeito à dignidade humana ficasse abaixo da sola do sapato. E hoje vejo cada vez mais juventude presa. Precisamos multiplicar encontros como o de hoje e informar mais a sociedade sobre essas realidades”, espantou-se irmã Alberta, da Pastoral Carcerária. No final do encontro, que ressaltou a necessidade de mais mobilização social pela defesa dos direitos dos presos e divulgação de sua destruidora estadia no sistema prisional, vários parentes aproveitaram o momento para divulgar semelhantes casos de abusos de direitos humanos, tanto de presos como de seus visitantes. Não é simples se deparar diretamente com histórias tão repletas de sofrimento em carne viva, ainda por cima propiciadas pelo ente que deveria garantir dignidade e bem estar a todos. E é relativamente fácil nos apoiarmos em contextos paralelos de prosperidade para esvaziar a consciência de amarguras referentes a uma minoria de “degenerados”. “Tem gente que acha que a prisão ressocializa. Há quem chame o preso de ‘reeduncando’. É muita hipocrisia”, lamenta o promotor Haroldo Caetano. Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania. Última atualização em Quarta, 29 de Agosto de 2012 Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente, você pode contribuir clicando abaixo.

Jornalismo

Ignacio Ramonet debate explosão de vozes no jornalismo By admin – 27 de agosto de 2012 Em novo livro, ex-diretor do “Le Monde Diplomatique” celebra novos espaços abertos pela internet e ressalta: “atividade jornalística não desaparecerá, enquanto soubermos que males ela combate” Por Glauco Faria, na Revista Forum Entre aqueles que tentaram resistir à ideia da internet ser algo revolucionário na área da comunicação, tornou-se lugar comum dizer que “a televisão não matou o rádio”, fazendo referência ao fato de que uma nova plataforma não substitui necessariamente a anterior. No entanto, a internet não absorve ou remodela simplesmente conteúdos das antigas plataformas, mas possui características que a tornam um fenômeno ainda não totalmente compreendido nem mesmo nos meios acadêmicos. Além de ser um meio interativo por excelência, seu caráter aberto faz com que a produção de seus conteúdos não esteja sob domínio quase absoluto das grandes corporações, como ocorre com outros meios. E essas são duas das características da rede que fazem com que o jornalismo e o próprio fazer jornalístico cheguem a uma encruzilhada. Em seu novo livro A explosão do jornalismo – Das mídias de massa à massa de mídias, lançado em junho pela Publisher Brasil, Ignacio Ramonet aborda a questão com rara precisão. “A internet é totalizadora. Uma lógica nova instala-se – não desprovida de riscos –, diferente daquela da produção fordista da época industrial. Naquela época, mesmo que vários ‘operários especializados’ pudessem contribuir na fabricação de um produto, este, no final, era entregue completo, acabado, fechado, e correspondia ponto por ponto ao projeto inicial. Esse não é mais o caso”, aponta. Cita ainda Jeff Jarvis, blogueiro e professor de jornalismo da City University de Nova York, que afirma: “A internet não é uma mídia.” Segundo ele, trata-se de “uma sociedade, um espaço onde nós podemos nos conectar com os outros […]. As empresas midiáticas pensam que a internet deveria se comportar como uma mídia. Elas estão enganadas”. Aqueles que antes eram leitores ou espectadores passivos passaram a ser também produtores de informação. E, às vezes, com a ajuda dos próprios veículos, que estimulam internautas a mandar relatos, fotos e informações. Na era da velocidade, e em um modelo de jornalismo que sempre privilegiou o “furo”, ou seja, a notícia revelada ou dada antes da concorrência, é nas redes sociais que qualquer um pode “furar” um jornalista ao dar uma informação antes de todos. No Twitter, a morte de Osama Bin Laden foi divulgada antes do anúncio da Casa Branca, e um vizinho seu havia narrado, sem saber, o ataque estadunidense ao esconderijo do chefe da Al-Qaeda. Em outro extremo da informação, o mesmo aconteceu com a cantora Whitney Houston, cuja morte foi divulgada 27 minutos antes da primeira agência noticiosa confirmar a notícia. Antecipar informações não é o único ponto no qual as redes sociais interferem na produção jornalística. “Redes sociais como o Twitter conseguem dar visibilidade a assuntos que passam a ter destaque quando chegam, por exemplo, aos Trending Topics (TTs) [temas mais comentados do microblogue], já que, para alguns temas chegarem aos TTs, é preciso muita mobilização e se exige um grande esforço”, pondera Gabriela Zago, doutoranda em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora na área de cibercultura. Diante disso, qual o papel que o jornalismo (e os jornalistas) teria nos dias atuais? Conforme Carlos Magno, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), instituição responsável pela supervisão dos órgãos de comunicação social em Portugal, o papel dos jornalistas é “assegurar a qualidade da notícia”. “O que hoje se passa no espaço mediático é que, muitas vezes, não se cumprem as regras da notícia, não se confirma a informação”, disse, em uma conferência realizada pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra.“Os políticos têm medo dos jornalistas, os jornalistas têm medo do desemprego”, e, segundo ele, os proprietários dos veículos “têm medo da falência”, sendo que “uma sociedade cheia de medo tem maior dificuldade em fazer jornalismo de qualidade”. Talvez o panorama no Brasil e em outros países não seja tão distinto nesses aspectos. Pesa também contra a imprensa comercial a desconfiança. Ramonet remete a um levantamento feito pelo Centro de Estudo da Vida Política Francesa (Cevipof), que, em janeiro de 2010, mostrou que somente 27% das pessoas entrevistadas confiavam nas mídias, menos que nos bancos, que tinham 37%. No Brasil, de acordo com o Índice de Confiança Social (ICS), pesquisa feita anualmente pelo Ibope Inteligência desde 2009, a credibilidade dos meios de comunicação também está em queda, indo de 71%, em 2009, para 65%, em 2011. E é bom ressaltar que esse dado não diz respeito à imprensa especificamente, mas sim aos meios de comunicação em geral. A questão da sustentabilidade econômica Se a “hecatombe” representada pela internet afeta todos os media, é especialmente cruel com a mídia impressa. Hoje, as pessoas consomem mais informação na internet do que na imprensa escrita impressa, e essa mudança de hábito tem um grande impacto inclusive em publicações tradicionais. “O mundo do jornalismo impresso se encontra em uma total aflição. Entre 2003 e 2008, a circulação mundial de jornais diários pagos desabou 7,9% na Europa e 10,6%, na América do Norte. Durante 2009, a queda continuou: 3,4%, na América do Norte, e 5,6%, na Europa. Quanto às receitas publicitárias, principal fonte da maioria dos jornais dominantes, elas diminuíram, em 2009, 17%. Na Europa Ocidental, a queda foi de 13,7% e na América do Norte de 26%! A publicidade on-line, que deveria salvar o setor, por sua vez, viu suas receitas recuarem, em 2009, 5%”, aponta Ramonet. E, enquanto revistas e jornais perdem receitas publicitárias, a internet ganha. Nos Estados Unidos, em 2011, elas chegaram a US$ 31 bilhões no meio virtual, conforme relatório do Interactive Advertising Bureau e da PwC. Já os jornais impressos viram suas receitas de publicidade atingirem US$ 23,9 bilhões em 2011, o que representa uma queda de mais de 50% em um período de cinco anos. Em 2009, conforme dados da World Association of Newspapers, a televisão continuava recebendo o maior aporte publicitário, com 39% do mercado. Depois vinham os jornais, com 24%, e a internet, com 12%. Em vista disso, os veículos impressos tiveram que se adaptar. Em todo o mundo, aqueles que não fecharam suas portas reduziram drasticamente o pessoal, tornaram-se gratuitos e/ou reduziram sua circulação. No Brasil, alguns grandes adotaram a agressiva estratégia de fazer promoções nas quais garantem diversas edições gratuitas, a fim de manter sua tiragem e continuar cobrando alto pela publicidade em suas páginas. E, claro, também migraram para a internet. No caso do tradicional Jornal do Brasil, a solução foi mais radical. A edição impressa simplesmente foi extinta, passando a existir somente sua versão digital. Mesmo com as mudanças e adaptações, ainda há sérias dúvidas quanto às possibilidades de os veículos impressos tradicionais conseguirem sobreviver na rede exclusivamente de publicidade. Nos Estados Unidos, os anúncios são alocados principalmente nos sites de buscas (área em que o Google predomina, detendo aproximadamente 65% do mercado mundial) e responde por US$ 14,7 bilhões. Já a propaganda que inclui vídeos e banners equivale a US$ 11,1 bilhões. A saída para muitos tem sido ou cobrar pelo acesso – o que gera queda de audiência, mas, ao mesmo tempo, um controle maior sobre quem é o leitor e possibilidades de negociar publicidade para públicos segmentados – ou criar novos produtos exclusivamente para o meio virtual. “A migração publicitária tem muito a ver com o público, o mercado de propaganda é muito objetivo, ele aguenta investir em determinado tipo de mídia por coleguismo por um certo tempo, depois, se aquele veículo não tem público, vai migrar para onde tem”, explica Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além dos sites de busca, outro nicho de publicidade que dá mostras de crescimento e ainda tem um potencial não explorado são as redes sociais. “Vou dar um exemplo concreto. Hoje, quem produz cultura sabe que o papel é uma das piores mídias para anunciar, porque sobretudo o público jovem não está no papel, está nas redes sociais. As mídias sociais fazem com que todo perfil tenha público, e se o perfil se coloca em uma atividade constante de produção de conteúdo, cultivando o seu público, naturalmente vira uma mídia para ser anunciada, e quem anuncia tem cada vez mais poder de decidir onde vai anunciar, e antes não era assim”, aponta. “Já dizia Marx: o capital não tem moral, então, se é para ganhar grana, a publicidade vai para onde tem público. E já começa um processo, ainda pequeno, da saída da TV para a internet.” Em meio à turbulência que elevou a internet à condição de protagonista na área de comunicação e uma das principais captadoras de recursos publicitários, as grandes companhias ainda não deixaram de exercer influência na produção de notícias na internet, embora seu poder tenha sido abalado. Tom Rosenstiel, em artigo publicado no The Washington Post em abril de 2011, traz alguns dados sobre a questão. Em 2010, a internet ultrapassou pela primeira vez os jornais como a plataforma na qual os estadunidenses se informam regularmente. De acordo com pesquisa do Pew Research Center, 46% dos adultos dizem consultar a rede para acessar notícias pelo menos três vezes por semana, enquanto 40% leem jornais com a mesma frequência. Mas quem produz a notícia que é consumida por essas pessoas? Aí está o nó que ainda garante poder aos grandes grupos de comunicação. Dos 25 sites de notícias mais populares nos EUA, dois são de tradicionais grupos de mídia, o The New York Times e a CNN, enquanto outros grandes atores, que nasceram na web, conseguem chamar leitura com agregadores de notícias, como o Yahoo ou o Google Notícias. Rosenstiel aponta que, dos 200 sites de notícias com maior tráfego, 81 % são meios tradicionais ou agregadores que republicam suas informações. Novos caminhos do jornalismo Em abril deste ano, o jornalista Carlos Castilho publicou um artigo no Observatório da Imprensa, no qual refletia sobre como seria a cobertura do caso Watergate (que completa 40 anos em junho) hoje, com o advento das novas tecnologias. “A lista de comparações entre o Watergate analógico dos anos 1970 e os escândalos contemporâneos têm uma diferença fundamental. Há 40 anos, a imprensa tinha o controle sobre a divulgação das acusações, investigações e acusações porque era o principal canal de informações para o público. Hoje, ela continua dependente de ‘gargantas profundas’, como mostram os escândalos recentes em Brasília, mas tem que competir com blogs e qualquer jornalista com acesso à internet.” Essa é uma diferença fundamental. Os jornalistas e os donos da mídia não falam mais sozinhos, uma situação nova que obriga à reflexão da própria prática jornalística. Quando uma notícia equivocada é divulgada, pode ser contestada de pronto pelas redes sociais. Um dos exemplos mais bem-acabados de tal ação foi o já clássico episódio da bolinha de papel que atingiu o então candidato à presidência da República José Serra, em 2012. O fato, que em um primeiro momento foi relatado como tendo sido uma agressão grave, foi desconstruído na rede, obrigando a Rede Globo, que havia bancado a primeira versão, a “responder” aos internautas utilizando quase dez minutos de seu principal noticiário, o Jornal Nacional. Episódios como esse mostram que existe um grande espaço para se repensar o jornalismo. “É verdade que a imprensa escrita está à procura de meios de refundar-se, mas os jornalistas não vão desaparecer, porque talvez nunca tenha havido momento mais favorável para ser jornalista. O acesso à informação é maior do que em qualquer outro momento da história. E graças às novas ferramentas da web, a audiência é igualmente colossal, potencialmente infinita”, explica Ignacio Ramonet. “Mas vivemos uma revolução. O advento de cada nova invenção provoca uma reviravolta na economia geral do campo e desencadeia uma espécie de ‘darwinismo’, de seleção pela maior ou menor adaptação ao novo contexto. Os grandes grupos de imprensa desesperam-se, aterrorizados com a brutalidade de uma transformação que está ocorrendo agora entre nós. A aclimatação ao novo ecossistema será árdua, penosa e funesta. Numerosos jornais vão desaparecer, mas outros conseguirão ajustar-se e sobreviverão”, acredita. Dentro dessa “aclimatação” citada por Ramonet, profissionais de comunicação, que passam a conviver no seu cotidiano com uma multiplicidade de fontes, começam a buscar novas narrativas e possibilidades. E aparecem novos atores. “Quando surge essa ideia de jornalismo colaborativo, de o público fazer parte do processo, acho que se trata de um momento muito mais radical da mudança do que a gente chama de jornalismo colaborativo para o midiativismo. E o que é isso? É aquele sujeito – e a gente viu muito isso nas manifestações na Europa – que faz, em tempo real, de dentro da manifestação, a cobertura do acontecimento. Ele vai produzir um manancial de informações tão diversificado dentro desses movimentos que vai começar a roubar a cena, porque ele chega primeiro”, sustenta Fabio Malini. “É um sujeito que recupera uma visão de rua e vai repercutir, um tipo de linguagem jornalística que tinha sido abandonada e que volta. Já não é mais o cara que colabora com alguém, é a pessoa que faz – tenho usado esse termo –, um blogueiro que atua. Ele rompe com a figura do problogger, o blogueiro profissional, essa galera que vai na Campus Party, porque ele quer produzir conteúdo próprio. Essa atuação atrai um grande público, porque antes a noticia chegava mais tarde, e cheia de filtros, e agora cada vez mais vemos as coisas acontecerem de dentro. E é uma narrativa diferente, própria das redes sociais, uma narrativa colaborativa.” “As novas tecnologias ajudam muito a produção jornalística, mas não a modificam. O inicio e o fim são os mesmos, a busca pela informação, que é o que vai determinar se o trabalho jornalístico foi bem feito ou não”, reflete a jornalista Natalia Viana, parceira do WikiLeaks no Brasil e coordenadora de Estratégia da Agência Pública, a primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil, modelo que muitos acreditam representar um jornalismo sustentável economicamente no futuro. Em outros países, a fórmula tem dado certo, como se percebe pelo exemplo da ProPublica, que recebeu em 2012 seu segundo prêmio Pulitzer no espaço de dois anos. Para Natalia, o modelo pode se reproduzir. “Acho que já está se multiplicando, porque isso é uma coisa que as novas tecnologias permitem. No caso do Pinheirinho, por exemplo, antes de a mídia tradicional chegar, quem estava lá era os jornalistas independentes e os próprios moradores que denunciavam os abusos. Tanto é que optamos por nem levar ninguém para cobrir, porque achamos que havia material em quantidade suficiente e de boa qualidade vindo justamente dessas fontes. Qualquer um tem uma câmera, uma passagem de ônibus não é algo muito caro, quem quiser ir, hoje, pode ir. O jornalismo pode ser feito de diversas maneiras, inclusive por grupos, associações e movimentos sociais.” Diante de um cenário que tem perspectivas otimistas para a democratização da comunicação no Brasil e no resto do mundo, o jornalismo tem um campo fértil e ainda inexplorado pela frente. Enfrentar dogmas, corporativismos, conceitos ultrapassados e resgatar a essência da atividade serão dois dos principais desafios que se colocam. E fica a reflexão de Ignacio Ramonet, cujos trechos de seu novo livro você poderá ler nas páginas a seguir. “Face a todas as transformações tecnológicas com as quais nos defrontamos, devemos colocar-nos a seguinte pergunta: De que problemas atuais o jornalismo é a solução? Se conseguirmos responder, então o jornalismo jamais desaparecerá.” (Outras Palavras)

Maiakovski

O comunista Maiakovski Enviado por luisnassif, sab, 25/08/2012 - 23:45 Por IV Avatar do Rio Meia Ponte Lenin Lenin Canto épico a Lenin e à revolução, no Vermelho O poema épico Vladimir Ilitch Lenin, de Vladimir Maiakovski, é lançado na integra pela primeira vez no idioma português, em tradução feita diretamente do russo por Zoia Prestes, pela Editora Anita, com projeto gráfico da artista Mazé Leite. O poema foi escrito sob o impacto da morte do dirigente bolchevique, em 1924 e é um marco da poesia que junta o lirismo ao sentimento político. Vermelho publica aqui a introdução à esta edição. Por Adalberto Monteiro Este livro-poema foi escrito em 1924 por Vladimir Maiakovski (1893-1930) sob o impacto da morte de Lenin, falecido em 21 de janeiro daquele ano. Em vez de um réquiem, o poeta escreveu um canto forte e flamejante, uma ode à Revolução Socialista de Outubro, ao legado de Lenin e ao Partido Comunista russo. A escolha se deveu ao fato de que a biografia do homenageado não se coadunava com versos enlutados que pretendessem encaminhá-lo ao repouso eterno. O poema proclama que mesmo depois da morte, Lenin/ ainda/ está mais vivo do que os vivos. Sendo a oficina poética de Maiakovski uma usina soviética de produzir felicidade, essa usina trabalhou por meses seguidos para laborar este livro, em três turnos, por ordens expressas do coração e pelo dever do mandato. É daquelas obras com as quais o autor sofre como uma videira que padece de frio e sede para gestar a uva da qual jorrará o excelente tinto. O talento de Maiakovski foi forçado ao limite. Corpo e alma sugados. Afinal, a Rússia soviética era para ele “a musa das musas”. E Lenin representava a personificação dessa vitória inaugural dos trabalhadores. Um dado particular demonstra a autenticidade do impulso do poeta: Lenin, no geral, teve uma avaliação comedida sobre o trabalho literário de Maiakovski. Esse juízo, em parte, decorria do conteúdo iconoclasta do futurismo russo em relação aos clássicos e ao passado. Mais adiante, o poeta alterou essa concepção, inclusive enaltecendo Puchkin, ícone sagrado da literatura de sua terra. Apesar da tensão, Maiakovski escalou bem a montanha. O peso da responsabilidade chegou a atemorizá-lo. Na autobiografia ele reconhece: “(...) Eu tinha muito medo desse poema, era tão fácil descer a paráfrase política. A receptividade do auditório operário me alegrou e me reforçou a certeza da necessidade do poema”. Na verdade, Maiakovski talvez fosse o único escritor soviético de sua geração cuja trajetória e singularidades conferiam credenciais suficientes para escrever esta homenagem. Ele usou toda a densa poesia, a cultura política e filosófica, e a condição de quem participou diretamente das barricadas que levaram Outubro à vitória. O militante Maiakovski aderiu ao Partido socialdemocrata (bolchevique) em 1908, com 15 anos de idade. Aos dezesseis, pela segunda vez seria preso e roeria por 11 meses as grades das cadeias do tsar. Participou diretamente da insurreição. Depois da conquista do poder (1917), de pronto se engajou no Comitê dos artistas. Maiakovski, além de poeta, era pintor, ator de teatro e cinema, roteirista, publicitário e dramaturgo. Colocou toda essa capacidade e diversidade de talentos, literalmente como um operário, em prol da construção da nova sociedade. Vladimir Maiakovski Em 1918, “alista-se” na Rosta, uma agência pioneira de propaganda do Estado operário. Transcorriam os anos duríssimos da guerra civil, da fome e da intervenção estrangeira. Exércitos de grandes potências marcharam para esmagar a revolução “no berço”. Como pintor, cria mais de 400 cartazes. Neles e em outras peças escreve 1.600 legendas poéticas. Tratava-se de um tipo especial de propaganda cujo objetivo era alimentar o ânimo dos soldados do Exército Vermelho que padeciam agruras no front. Passaram-se os anos e Maiakovski se desvincula formalmente do Partido (Porque adquiri muitos hábitos que não são conciliáveis com o trabalho organizado, justificaria.). Diria, no poema “A Plenos Pulmões”, de 1930, que no lugar da carteira do Partido apresentava todos os cem tomos dos meus livros militantes. O poeta Gorki o conhecera por volta de 1914, quando o poeta estava ali pela casa dos 19, 20 anos. O autor de “A mãe” soube ver, de pronto, que estava diante de um diamante graúdo e bruto. Maiakovski, quando escreveu “Vladimir Ilitch Lenin”, tinha 31 anos de idade e já havia se tornado um poeta maduro e consagrado. A vida e o trabalho intenso o haviam lapidado. Se a Revolução dos oprimidos foi o sol de sua poesia, a lua dos seus poemas foi o amor pelas mulheres. Paixões explodiram em seu coração como estrondo de tiro de bazuca. Difícil saber que fogo arde mais em seus poemas: beijo ou lança cravada no peito. Neles, o épico e o lírico se entrelaçam e o sarcasmo é a adaga. Como escritor, Maiakovski se lançou nos debates acesos – e por vezes corrosivos – da busca da arte e da literatura soviética. Foi duramente combatido e boicotado pela mediocridade da qual, desgraçadamente, nenhum sistema político está imune. O mais humano dos humanos O poema “Vladimir Ilitch Lenin” enaltece com as notas elevadas de uma sinfonia o protagonista. Contudo, abre as baterias contra a canonização de Lenin. Temo/ que as marchas/ ao mausoléu/ com o estatuto de reverências / inundem/ com o doce fel/ a simplicidade/ de Lenin. (...) Estamos/ enterrando/ a pessoa mais terrestre/ de todas/ que passaram/pela Terra. E dá o testemunho: Ele/ nutria/ pelo companheiro/ um carinho humano. Ele/ se erguia/contra o inimigo/ mais firme que ferro./ Conhecia ele fraquezas que conhecemos,/ como nós/ superava doenças. Uma conquista para a língua portuguesa No Brasil, a publicação deste livro-poema é inédita. Alguns trechos dele foram traduzidos por E. Carrera Guerra e publicados no livro Maiakovski – antologia poética. Mas a presente tradução de Zoia Prestes, direta do russo, nos proporciona pela primeira vez o texto integral em língua portuguesa. Nosso idioma se enriquece com este trabalho e a sua comunidade de leitores tem agora a oportunidade de desfrutar, através de um poema emblemático, de uma das faces mais marcantes da obra de Maiakovski: a poesia como canto e arma de um povo, aquela que lhe deu título de Poeta da Revolução. Temos certeza de que esta leitura será um deleite aos amantes da poesia e alimento para os que partilham dos ideais desse grande escritor que no crivo de Haroldo de Campos é o maior poeta russo contemporâneo e um dos inventores da poesia moderna. A tradução desse poema era um sonho de muitos. Não é mero acaso que até hoje não tivesse sido realizada. Os obstáculos são conhecidos. O próprio Maiakovski já alertara: Traduzir poemas é tarefa difícil, especialmente os meus. Mas Zoia não se curvou ante as dificuldades, de resto, sabidamente pertencentes aos ossos de seu ofício. A tradução preservou rigorosamente o verso escalonado, marcado graficamente, forma que orienta a leitura em voz alta. Entre as pérolas do poema de Maiakovski, colhidas e vertidas por Zoia, destaco esta: Diante de milhões de olhos e dos meus dois, apenas caramelos congelados de lágrimas, grudados às bochechas. Mazé Leite, artista plástica e designer, concebeu e realizou o projeto gráfico, criou a capa e ilustrou o livro. E o resultado é esta bela edição condizente com os altos quilates do poema e com o valor que o poeta atribuía à forma tanto de seus versos quanto das publicações que os disseminavam. Uma poesia que dialoga com o futuro Em seus poemas, Maiakovski frequentemente se dirige ao futuro, conversa com as gerações de séculos vindouros. Por este e outros motivos, seus adversários diziam que ele padecia de gigantomania. Os desafetos da atualidade assacam-no: sua poesia teria sido enterrada no mesmo túmulo onde jaz a URSS. Mas, a autoprofecia vai se confirmando. Sua poesia, como uma seta, atravessa a carne macia do tempo. Primeiro porque sua poesia brilha com a luz de cem sóis. Segundo, porque seu lirismo só perderá atualidade se os humanos se tornarem assexuados e destituídos da capacidade de amar. Terceiro, o capitalismo, do qual Maiakovski foi crítico e inimigo, convenhamos, não goza de boa saúde nesta segunda década do XXI. E os ideais da revolução da qual foi poeta – embora derrotada no final do século passado – agora se revigoraram, vicejam e espalham novamente o verde da esperança neste reino cinzento do capital, de guerras, fome e destruição do planeta e da vida que o habita. A poesia de Maiakovski segue mantendo aceso o sonho de um mundo regido pela solidariedade e pela luta para realizá-lo. Conforme diz Lenin – que, para o desespero dos opressores, hoje continua lido e valorizado como pensador e revolucionário: É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho. De observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos, acredite neles. E o sonho na visão de Maiakovski é este: No verão da comuna os anos se aquecerão, e a felicidade com o doce de frutas enormes amadurecerá nas flores vermelhas de Outubro. Adalberto Monteiro é jornalista e poeta, presidente da Fundação Maurício Grabois e editor da revistaPrincípios http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=192028&id_secao=11 (Nassif online)

Armas

Quem é quem no comércio mundial de armas Posted on 27 de agosto de 2012 by Antonio Martins Estados Unidos já abocanham 78% das exportações mundiais — e são cada vez mais influenciados por seu próprio “complexo industrial-militar”. Por isso, mídia norte-americana prefere falar da China… Há pelo menos duas décadas, os Estados Unidos são o país com balança comercial mais deficitária do planeta. Ao longo de 2012, suas importações superarão as exportações em cerca de 600 bilhões de dólares — algo como o PIB da Suíça ou da Arábia Saudita. Porém, um setor de sua economia foge a esta regra. Trata-se da indústria armamentista. Além de ser a mais poderosa do mundo, ela ampliou de forma acelerada sua influência nos últimos cinco anos, revelou no domingo o New York Times. Tira proveito, diretamente, das tensões crescentes que a diplomacia de Washington tem provocado — em especial no Oriente Médio e nas disputas com o Irã. Os números são impressionantes. Num único ano, 2011, as vendas de armamentos por indústrias norte-americanas mais que triplicaram, saltando de de pouco mais de 21,4 bilhões de dólares para cerca de US$ 60 bilhões. Depois deste avanço, os EUA passaram a abocanhar 78% do comércio mundial de armas, deixando muito atrás concorrentes como Rússia (6%), Europa Ocidental (6%) e China (3%). O grosso das vendas de armamentos dirigiu-se para a região mais conflagrada do planeta. Só a Arábia Saudita — o prinicipal aliado estratégico dos EUA no Oriente Médio — adquiriu US$ 33,4 bilhões em armas pesadas, inclusive 84 caças F-15 (foto) e dezenas de helicópteros Apache e Black Hawk. Seguiram-se a ela duas outras monarquias ultra-conservadoras da Península Arábica, ambas fortemente alinhadas a Washington: Emirados Árabes e Omã. Segundo o New York Times, a causa essencial do aumento extraordinário de vendas foram “as preocupações com as ambições regionais de Teerã”. O Irã, contudo, não compartilha fronteiras com nenhum dos super-compradores de armas norte-americanas. A venda de artefatos bélicos foi fortemente influenciada pela própria diplomacia dos Estados Unidos, que se encarregou de demonizar o regime iraniano. Mas até quando a indústria armamentista poderá vender tanto, em tempos de paz? Em algum momento, ela não tentará criar condições para que os equipamentos que distribui sejam de fato utilizados em combate? As relações promíscuas entre indústria de armas, comandos militares e poder político nos Estados Unidos foram apontadas pela primeira vez pelo presidente Dwight Eisenhower — que cunhou a expressão “complexo industrial-militar”. No discurso de despedida que pronunciou, em 1961, ele alertou: “nossa organização militar atual parece muito pouco com tudo o que pôde ser conhecido por qualquer um de meus antecessores em épocas de paz, ou mesmo pelos que lutaram na II Guerra ou no conflito da Coreia. (…) A conjunção de um imenso establishment militar e uma grande indústria de armas é nova na experiência norte-americana. Sua influência — econômica, política e mesmo espiritual — é sentida em cada cidade, em cada câmara estadual, em cada escritório do governo federal. (…) Não devemos deixar de compreender suas graves implicações. (…) Precisamos nos proteger contra a conquista de influência, intencional ou não, pelo complexo industrial-militar”. Um sinal da “influência espiritural” da indústria de armamentos pôde ser sentida no sábado. Sem fazer referência alguma aos EUA, o Washington Post destacou, numa longa matéria com chamada de capa, “o grande crescimento das exportações chinesas de armas, na última década”… (Outras Palavras)
O reacionário “Agito das Bucetas” (“Pussy Riot”) Tristes bonecas de ventríloquo da Amerika & de suas guerras 22/8/2012, Paul Craig Roberts, Institute for Political Economy “Pussy Riot, The Unfortunate Dupes of Amerikan Hegemony” Traduzido pelo opessoal da Vila Vudu Paul Craig Roberts Meu coração está com as três mulheres da banda russa Agito das Bucetas [orig. Pussy Riot] – que foram brutalmente manipuladas e usadas por ONGs pagas por Washington infiltradas na Rússia. A banda Agito das Bucetas foi mandada cometer crime, enviada em missão absolutamente ilegal. O pique das moças é admirável. Mas é triste a facilidade com que se deixaram enganar e manipular. Washington andava à procura de alguma coisa “popular” que pudesse usar para demonizar o governo russo e, assim, puni-lo pelo “crime” de opor-se à decisão de Washington de destruir a Síria, exatamente como Washington destruiu o Iraque, o Afeganistão e a Líbia; e como Washington ainda planeja destruir o Líbano e o Irã. Mas ofender e atacar deliberadamente locais de culto e crentes religiosos seria denunciado como crime de ódio nos EUA e nos estados-fantoches dos EUA na Europa e no Canadá e na Grã-Bretanha. Então, a banda Agito das Bucetas violou a lei russa. E os EUA viram, ali, o “fato” de que precisavam. Antes de as mulheres serem julgadas, o presidente Putin dissera que, em sua opinião, as mulheres não deveriam receber pena severa. Acompanhando a opinião de Putin, o juiz condenou as mulheres – enganadas, manipuladas e usadas por ONGs que vivem do mesmo dinheiro que financia as guerras da Amerika – a dois, não aos sete anos de prisão que a lei russa prevê para o crime de atentado à liberdade de religião e culto. Banda Pussy Riot As mulheres da banda não foram torturadas, não passaram por “simulação de afogamento” como procedimento de “interrogatório estimulado”, não foram estupradas, não foram obrigadas a assinar falsas confissões, nem foram entregues a governos ditatoriais “amigos” dos EUA para serem torturadas, dentre outras práticas já consagradas no sistema de “justiça” dos EUA. Tudo levava a crer que, em alguns meses, Putin encontraria meio legal para libertar aquelas mulheres. Nada disso, é claro, poderia ser usado como propaganda a favor do ImpérioAmerikano. Então, a 5ª Coluna paga por Washington e ativa na Rússia entrou em ação para tornar impossível, para Putin, oferecer alguma espécie de indulto às mulheres do grupo Agito das Bucetas. Vladimir Putin A tática de Washington, então, foi organizar manifestações, tumultos, quebrar igrejas, destruir prédios públicos e imagens religiosas na Rússia, de modo que Putin fique impossibilitado, ante a opinião pública russa, de comutar a pena das integrantes do Agito das Bucetas. O que Washington mais deseja é minar o prestígio popular do governo de Putin e semear a divisão dentro da Rússia. É o mesmo processo pelo qual Washington continua a assassinar quantidades imensas de pessoas pelo mundo, ao mesmo tempo em que, simultaneamente, vai criando fatos como a ação e a prisão das integrantes da banda Agito das Bucetas, que são entregues como pasto onde se delicia a imprensa-empresa mercenária – presstitute, em inglês. Em todo o ocidente, a imprensa-empresa mercenária prostituída por-se-á a denunciar os crimes de Putin contra a banda Agito das Bucetas, não os crimes de Washington, Londres e dos estados-poodles na União Europeia os quais, esses sim, massacram muçulmanos pelos quatro cantos do planeta, ao som de discursos sobre “democracia”. A disparidade entre direitos humanos no ocidente e no oriente é espantosa. Por exemplo: quando um dissidente chinês dito “militante da liberdade” procurou asilo em Washington, os chineses “autoritários” não impediram que o homem deixasse a China e viajasse à Amerika: se queria ir... que fosse! Julian Assange Mas quando Julian Assange, o qual – absolutamente diferente da mídia-empresa mercenária ocidental – efetivamente trabalha para oferecer informação verdadeira e confiável aos cidadãos, recebe asilo político do Estado do Equador, a ex-Grã, hoje mini, Bretanha, curva-se ante o patrão norte-americano, e recusa o direito de passagem, para que Assange viaje ao Equador. O governo britânico não se incomoda com violar a lei internacional, porque foi pago para violar a lei internacional! Washington pagou... e o Reino Unido não se envergonhou de converter-se em estado pária! A que ponto chegaram! Karl Marx ensinou bem que o dinheiro converte tudo em mercadoria, em coisa que se compra e vende: governo, democracia, honra, moralidade, prestígio, a narrativa histórica, a lei. Nada escapa: tudo se compra e vende. Esse traço do capitalismo já alcançou amplíssimo desenvolvimento nos EUA e em todos os estados-poodlesque obedecem aos EUA, cujos governos vendem o interesse dos próprios cidadãos, sempre que Washington estala os dedos. Assim, vão enriquecendo, não os estados, nem os cidadãos, mas os governantes, como Tony Blair, comprado por $35 milhões – preço que, para muitos, foi gigantesco desperdício de dinheiro. Mandar soldados ingleses combater por interesses de Washington e do Império da Amerika em terras distantes, esse é o serviço que políticos europeus corruptos sempre têm a vender e que políticos norte-americanos corruptos sempre estão dispostos a comprar e compram. Apesar de todos os conceitos, discursos e ritos enunciados, repetidos e encenados em nome da Democracia Europeia, os povos da Europa e o povo britânico absolutamente nada podem fazer contra o modo como são usados como bucha nos canhões de Washington e morrem pelos interesses de Washington. Estamos conhecendo nova modalidade de escravidão: sempre que um governo distante alia-se ao governo daAmerika, os cidadãos daquele governo distante passam a ter de servir à Amerika e morrer pela Amerika; são os neoescravos de Washington. Toda a atenção que a mídia-empresa em todo o mundo trabalhou para atrair na direção da banda Agito das Bucetas – banda obscura, sem nenhum talento conhecido – só serve para comprovar que toda a imprensa-empresa mercenária é a mesma, em todo o planeta e, toda ela, está incorporada numa mesma operação de propaganda dos EUA. Atenção: a banda Agito das Bucetas NÃO É The Beatles dos anos 1960s. Os jovens que se manifestam a favor da banda nem suspeitam que todos, a banda e eles, estão sendo usados hoje como figurantes em imagens para a televisão. Amanhã ou depois, talvez estejam outra vez na televisão, mas já metidos em sacos de cadáveres, nos quais voltam para casa os soldados de países distantes que morrem nas guerras daAmerika. Bradley Manning Há tantas outras questões tão mais importantes, para as quais a imprensa deveria chamar a atenção! Há o caso da detenção ilegal de Bradley Manning, soldado que foi preso e torturado e que continua preso, sem acusação formalizada, pelo governo dos EUA. Manning já está na prisão, sem condenação e sem culpa formalizada – e em território dos EUA! – há mais tempo do que a sentença a que foram condenadas as mulheres da banda Agito das Bucetas! Qual o “crime” de Manning? Ninguém sabe. Washington o acusa por ter cumprido o dever, nos termos do Código Militar dos EUA e denunciado um crime de guerra – quando soube que militares norte-americanos haviam assassinado civis, entre os quais dois jornalistas, no Iraque – e por ter “vazado” documentos para WikiLeaks que expuseram ao mundo as mentiras do governo dos EUA. Quer dizer: Manning é hoje o grande herói dos direitos civis, da liberdade de manifestação e expressão e da democracia no mundo. Por isso, precisamente, aAmerikao deseja preso e torturado, no fundo de uma de suas masmorras. Julian Assange, de WikiLeaks, acusado de postar na Internet os documentos vazados, está confinado no prédio da Embaixada do Equador em Londres. O regime britânico defensor de direitos humanos, muito estranhamente, se recusa a cumprir a lei internacional e a dar direito de passagem a Assange, que recebeu asilo político e deve viajar ao Equador. Não há quem trabalhe com leis internacionais e não saiba que o direito de asilo tem precedência sobre outros procedimentos, sobretudo tem precedência sobre golpes, ilegalidades e declarações mentirosas. Washington armou e financiou terceiros para destruir a Síria e quer fazer o país rachar, dividido entre facções em guerra. Em vez de protestar contra esse ato odioso praticado por Washington, o mundo protesta contra o governo sírio por resistir contra a ameaça de a Síria ser destruída por Washington. Acho que nem George Orwell imaginou que os povos do mundo fossem tão supremamente estúpidos. Na Amerika da “liberdade e da democracia”, o presidente Obama recusa-se a obedecer ordem de uma corte federal, que lhe ordenou que cesse de violar direitos Constitucionais, claros, perfeitos, dos cidadãos norte-americanos. Em vez de obedecer, o presidente dos EUA desafia a decisão da Corte e mantêm presos cidadãos norte-americanos, sem julgamento e sem acusação formal. E não se veem movimentos e protestos contra essa ação de tirania. Não. Ao contrário, a Amerika é exibida ao mundo como exemplo de democracia. Por que não se veem manifestações e protestos em todas as ruas dos EUA? (Redecastor)

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Assange II

Nos bastidores suecos do caso Assange Rui Martins escreveu artigo esclarecedor neste espaço democrático do DR sobre o caso Julian Assange, que está sendo vítima da truculência vitoriana britânica. O Primeiro-Ministro David Cameron, novo cachorrinho dos Estados Unidos, como foi Tony Blair, ainda raciocina como se o mundo fosse uma colônia do Reino Unido. O país da Rainha Elizabeth II não tem voo próprio, é uma nação decadente e que se submete, sem pestanejar, aos interesses dos Estados Unidos. É por aí também que se entende melhor as ameaças do Reino Unido ao Equador. O episódio comporta outras leituras, por exemplo, a escolha de Assange em pedir asilo ao governo do Equador. Ele fez uma opção política por entender que o governo equatoriano de Rafael Correa, ao contrário do que afirma a mídia de mercado, respeita as liberdades de expressão e imprensa. Em seu primeiro pronunciamento público desde a sacada da Embaixada equatoriana em Londres, Assange exortou todos a defenderem a liberdade de expressão e pediu a libertação de presos políticos que foram sentenciados por colaborarem com o site WikiLeaks. Ele acusou a Scotland Yard de ter tentado entrar na embaixada para prendê-lo e só não o fez porque havia várias testemunhas. A polícia britânica negou a acusação. O caso Assange é um exemplo concreto da importância de se manter essas liberdades e se ele optou pelo Equador não deixa de ser também um recado segundo o qual confia nas autoridades do país sul-americano no sentido de garantir o trabalho que vem e continuará desenvolvendo com total liberdade. Um fato importante não pode ser deixado de lado para entender o ramo sueco das pressões no sentido da extradição de Assange. A Justiça do país nórdico o acusa de ter supostamente cometido assédio sexual sem o uso de camisinha contra duas mulheres. O acusado nega que tal fato tenha acontecido. E é realmente no mínimo estranho que em um país como a Suécia, conhecido como vanguardista em termos de liberalismo no campo sexual, aconteça o que as autoridades do país dizem ter acontecido. Praticamente nenhum veículo da mídia de mercado informou sobre quem é Annita Ardin, uma das acusadoras. Nesse sentido consta do site América Latina em Movimento/Alai, que ajuda a entender melhor os bastidores do caso. No artigo assinado pelo jornalista Félix Población, da Alai, é informado que Annita nasceu em Cuba e trabalhou durante alguns anos para o grupo Damas de Branco, que combate sem tréguas o regime socialista da ilha caribenha e é acusado de receber ajuda em dólares de entidades governamentais estadunidenses. Ela colaborou para a revista Miscelâneas Cubanas, cuja especialidade é combater o que considera ser “ditadura castrista”, tendo sido dirigida pelo opositor Carlos Alberto Montaner, que, segundo o professor Michael Seltzer, é uma figura vinculada à CIA, o serviço de inteligência estadunidense. As revelações sobre Annita tornaram-se públicas depois de rigorosa investigação realizada por Israel Shamir e Paul Bennett, divulgada no espaço eletrônico Counter Punch. E tem mais ainda. Annita é figura de estreitas ligações com o secretário geral das juventudes democratas cristãs da Suécia, o cidadão Jens Aron Modig, companheiro de viagem do dirigente do grupo Novas Gerações do espanhol Partido Popular, Angel Carromero, que está preso em Cuba devido ao acidente automobilístico em que morreu o dissidente político cubano Osvaldo Payá. Carromero é acusado pelas autoridades cubanas de dirigir o carro acidentado em alta velocidade. Annita Ardin é acusada também de ter ido a Cuba para cumprir a mesma tarefa do democrata cristão sueco Modig e do espanhol Carromero, ou seja, financiar focos da dissidência existentes na ilha caribenha. A revelação foi feita pelo próprio dissidente do regime cubano Manuel Cuesta Muroa, que disse ainda terem sido doados 4 mil euros a Osvaldo Payá. Annita Ardin é uma mulher jovem, bonita e atraente, sem dúvida, como demonstram as fotos. Há fortes indícios de que não é tão inocente como pretende parecer. Todos esses fatos geram dúvidas realmente se a acusação de Annita procede ou se ela foi mesmo designada pela CIA para cumprir uma missão contra Assange. Outra coisa é certa. Se a Justiça sueca estivesse mesmo interessada em esclarecer o fato mandaria representantes ouvir Assange na Embaixada do Equador em Londres. O ódio do governo dos EUA contra Assange é tão avassalador que, como comentou Rui Martins, levou o pau mandado governo britânico a fazer ameaças que subvertem totalmente o direito internacional na questão da concessão de asilo político. Cabe agora a governos e movimentos sociais em todo mundo exigir do Primeiro Ministro David Cameron o respeito à lei. Porque se isso não acontecer estará sendo aberto precedente que poderá representar o fortalecimento do retrocesso aos tempos vitorianos e das canhoneiras, como acontecia no século XIX, que se prolongou no século XX e persiste no XXI com bombardeios aéreos e financiamentos de grupos opositores a regimes, não porque sejam autoritários, como alegam hipocritamente países do Ocidente, mas por não seguirem o receituário dos EUA. O posicionamento da Unasul de apoio ao governo do Equador merece aplauso de todos os latino-americanos. (Direto da Redação)

Assange

“Por que defendemos o Wikileaks e Assange” By MIchael Moore – 22/08/2012Posted in: Capa, Comunicação, Internet Michael Moore e Oliver Stone desmontam argumentos da Suécia e alertam: extradição para os EUA representaria derrota global da liberdade de expressão Por Michael Moore e Oliver Stone | Tradução: Daniela Frabasile Passamos nossas carreiras de cineastas sustentando que a mídia norte-americana é frequentemente incapaz de informar os cidadãos sobre as piores ações de nosso governo. Portanto, ficamos profundamente gratos pelas realizações do WikiLeaks, e aplaudimos a decisão do Equador de garantir asilo diplomático a seu fundador, Julian Assange – que agora vive na embaixada equatoriana em Londres. O Equador agiu de acordo com importantes princípios dos direitos humanos internacionais. E nada poderia demonstrar quão apropriada foi sua ação quanto a ameaça do governo britânico, de violar um princípio sagrado das relações diplomáticas e invadir a embaixada para prender Assange. Desde sua fundação, o WikiLeaks revelou documentos como o filme “Assassinato Colateral”, que mostra a matança aparentemente indiscriminada de civis de Bagdá por um helicóptero Apache, dos Estados Unidos; além de detalhes minuciosos sobre a face verdadeira das guerras contra o Iraque e Afeganistão; a conspiração entre os Estados Unidos e a ditadura do Yemen, para esconder nossa responsabilidade sobre os bombardeios no país; a pressão do governo Obama para que outras nações não processem, por tortura, oficiais da era-Bush; e muito mais. Como era de prever, foi feroz a resposta daqueles que preferem que os norte-americanos não saibam dessas coisas. Líderes dos dois partidos chamaram Assange de “terrorista tecnológico”. E a senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia que lidera o Comite do Senado sobre Inteligência, exigiu que ele fosse processado pela Lei de Espionagem. A maioria dos norte-americanos, britânicos e suecos não sabe que a Suécia não acusou formalmente Assange por nenhum crime. Ao invés disso, emitiu um mandado de prisão para interrogá-lo sobre as acusações de agressão sexual em 2010. Todas essas acusações devem ser cuidadosamente investigadas antes que Assange vá para um país que o tire do alcance do sistema judiciário sueco. Mas são os governos britânico e sueco que atrapalham a investigação, não Assange. Autoridades suecas sempre viajaram para outros países para fazer interrogatórios quando necessário, e o fundador do WikiLeaks deixou clara sua disposição de ser interrogado em Londres. Além disso, o governo equatoriano fez uma oferta direta à Suécia, permitindo que Assange seja interrogado dentro de sua embaixada em Londres. Estocolmo recusou as duas propostas. Assange também comprometeu-se a viajar para a Suécia imediatamente, caso o governo sueco garanta que não irá extraditá-lo para os Estados Unidos. Autoridades suecas não mostraram interesse em explorar essa proposta, e o ministro de Relações Exteriores, Carl Bildt, declarou inequivocamente a um consultor jurídico de Assange e do WikiLeaks que a Suécia não vai oferecer essa garantia. O governo britânico também teria, de acordo com tratados internacionais, o direito de prevenir a reextradição de Assange da Suécia para os Estados Unidos, mas recusou-se igualmente a garantir que usaria esse poder. As tentativas do Equador para facilitar esse acordo entre os dois governos foram rejeitadas. Em conjunto, as ações dos governos britânico e sueco sugerem que sua agenda real é levar Assange à Suécia. Por conta de tratados e outras considerações, ele provavelmente poderia ser mais facilmente extraditado de lá para os Estados Unidos. Assange tem todas as razões para temer esses desdobramentos. O Departamento de Justiça recentemente confirmou que continua a investigar o WikiLeaks, e os documentos do governo australiano de fevereiro passado, recém-divulgados afirmam que “a investigação dos Estados Unidos sobre a possível conduta criminal de Assange está em curso há mais de um ano”. O próprio WikiLeaks publicou emails da Stratfor, uma corporação privada de inteligência, segundo os quais um júri já ouviu uma acusação sigilosa contra Assange. E a história indica que a Suécia iria ceder a qualquer pressão dos Estados Unidos para entregar Assange. Em 2001, o governo sueco entregou à CIA dois egípcios que pediam asilo. A agência norte-americana entregou-os ao regime de Mubarak, que os torturou. Se Assange for extraditado para os Estados Unidos, as consequência repercutirão por anos, em todo o mundo. Assange não é cidadão estadunidense, e nenhuma de suas ações aconteceu em solo norte-americano. Se Washington puder processar um jornalista nessas circunstâncias, os governos da Rússia ou da China poderão, pela mesma lógica, exigir que repórteres estrangeiros em qualquer lugar do mundo sejam extraditados por violar suas leis. Criar esse precedente deveria preocupar profundamente a todos, admiradores do WikiLeaks ou não. Conclamamos os povos britânico e sueco a exigir que seus governos respondam algumas questões básicas. Por que as autoridades suecas recusam-se a interrogar Assange em Londres? E por que nenhum dos dois governos pode prometer que Assange não será extraditado para os Estados Unidos? Os cidadãos britânicos e suecos têm uma rara oportunidade de tomar uma posição pela liberdade de expressão, em nome de todo o mundo. (Outras palavras)

Índios

“Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos” por Patricia Fachin, do IHU-Online indio Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos“As cidades brasileiras sempre foram ambientes vetados aos indígenas”, declara a antropóloga Lucia Helena Vitalli Rangel. “A cada ano, voltamos a falar dos mesmos problemas”, diz a antropóloga Lúcia Helena Vitalli Rangel, ao comentar os dados do Relatório de Violência Contra as Comunidades Indígenas 2011. Segundo ela, as situações de violência e descaso com os povos indígenas são recorrentes e se manifestam não só nos conflitos territoriais, mas também em casos de racismo e na tentativa de suprimir os direitos das comunidades assegurados na Constituição Federal. “Estamos vendo ações cada vez mais fortes contra o direito às terras dos povos indígenas. A PEC 215 e a Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU) são exemplos disso. A cada dia, aparece uma nova portaria ou um novo projeto de lei querendo modificar o Artigo 231 da Constituição, ou modificar a aplicação dos direitos”, assinala em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. De acordo com a antropóloga, como as mudanças propostas contra os direitos indígenas sempre “esbarram no princípio constitucional”, surge um “movimento no âmbito do Legislativo para modificar o princípio constitucional”. Para ela, as elites brasileiras não querem reconhecer os direitos indígenas e criam indisposições entre a população e as comunidades, gerando um discurso racista, especialmente diante dos indígenas que vivem nas cidades. “O Estado não demarca as terras e não quer assumir a população que vive nas cidades. Quem vai para a cidade não vai de modo forçado, obviamente, mas quando analisamos a situação das terras – no Sul, no Sudeste e no Nordeste –, observamos que a quantidade de terras demarcadas não suporta a população indígena dessas regiões”, aponta. E dispara: “Num país mestiço como o nosso, onde todo mundo é misturado, os índios não podem ser misturados. Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não tem direitos. Então, o índio nunca tem um lugar”. Lucia Helena Vitalli Rangel é doutora em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com a tese Os Jamamadi e as Armadilhas do Tempo Histórico. É professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Também é assessora do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Amazônia Ocidental e do Cimi Nacional. Confira a entrevista. IHU On-Line – Quais são os dados mais alarmantes do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil? Comparando com os relatórios anteriores, o que destaca? indios Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitosLucia Helena Vitalli Rangel – É difícil mencionar o que é mais alarmante, porque algumas situações se repetem a cada ano, com variações. Assim, em determinados momentos, o desmatamento chama mais atenção, em outros, a saúde, etc. No ano de 2011, registramos um quadro grave, que já tinha sido destacado em anos anteriores e que diz respeito à situação da saúde dos povos do Vale do Javari, no Estado do Amazonas. O Vale do Javari é uma área muito grande, demarcada, e que abriga diversos povos, sendo que muitos deles possuem comunidades isoladas no meio do mato, com os marubos, corubos, os matis, os canamari. Entretanto, as populações que vivem na beira dos rios estão sofrendo de verdadeiras epidemias de malária, de hepatite e das doenças aéreas: gripes, tuberculose, pneumonia. Nessas comunidades, a mortalidade infantil é muito alta. As lideranças indígenas relatam que, nos últimos dez anos, houve 300 mortes. Não temos como saber, de fato, qual é o tamanho dessas populações, mas vamos supor que seja algo em torno de três a quatro mil pessoas. Nesse caso, 300 mortes em dez anos é muito. Outro caso grave, identificado por meio do relatório, é a situação do povo guarani-kaiowá do Mato Grosso do Sul, onde há uma taxa de homicídios de cem mortos por cem mil pessoas. Esta taxa é maior do que a do Iraque, e quatro vezes maior do que a taxa nacional. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) já denunciou os casos de genocídio, e essas denúncias já chegaram à ONU, a organismos internacionais, e várias delegações já foram ao Mato Grosso do Sul para constatar tal situação. Entretanto, não se toma nenhuma providência. Outro problema muito complicado é o desmatamento. Este ano, destacamos violações ao patrimônio indígena, depredação, retirada ilegal de recursos naturais, incêndios criminosos, etc. Comparando os dados deste relatório com os de relatórios anteriores, não temos como dizer se a situação dos indígenas melhorou ou piorou. Às vezes piora, às vezes melhora, mas isto não significa nenhuma tendência nem de melhorar, nem de piorar. A cada ano, voltamos a falar dos mesmos problemas. IHU On-Line – Qual a situação dos xavantes no Mato Grosso? Os conflitos também estão atrelados à disputa pela terra? Lucia Helena Vitalli Rangel – No caso dos xavantes, a situação mais complicada é a da Terra Indígena (TI) Marãiwatsèdè. Esta TI foi invadida por fazendeiros e está em litígio há muitos anos. As comunidades não se conformaram com as ocupações indevidas e tentam reaver o seu território na integralidade. Além de terem acesso a pouca terra, eles são pressionados pelo desmatamento oriundo da pecuária, do agronegócio, da soja, das queimadas, do envenenamento de rios, etc. Além disso, a mortalidade infantil entre os xavantes foi alarmante nos anos de 2009 e 2010. Há uma relutância da Funai diante destes conflitos, porque o órgão cria projetos, faz levantamentos, identifica as terras que devem ser demarcadas, mas não conclui tais projetos, e mesmo quando há conclusão, quando os relatórios são publicados, não há continuidade nas ações. Tanto no Rio Grande do Sul como em Santa Catarina há estradas em que se veem placas indicando “Cuidado, indígenas na estrada”, como se eles fossem animais selvagens. IHU On-Line – Quais são as etnias que mais sofrem por causa da violência e dos conflitos de terra? Lucia Helena Vitalli Rangel – No extremo sul da Bahia, o povo pataxó tem sofrido há décadas pressões e violências brutais, tais como assassinatos, emboscadas em estradas, tiroteios, incêndios de escolas, de casas, de roçados por parte de fazendeiros, que não querem admitir que as terras dos pataxós e dos tupinambás, que vivem nessa região, sejam demarcadas. Eles afirmam que o governo do Estado da Bahia concedeu as terras para eles e, portanto, têm mais direitos do que os índios. Entretanto, ninguém leva em conta que o próprio governo da Bahia foi o primeiro a violar os direitos indígenas ao conceder as terras a um fazendeiro qualquer, considerando que muitos deles nem eram daquela região. Outras etnias vítimas da violência são os guarani e os kaingang, no Sul, os guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul, os guajajara e os awá-guajá, no Maranhão, os turucá, em Pernambuco e no Norte da Bahia. Outra situação interessante a apontar é o caso de Roraima, da terra indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem os povos uapixana, macuxi, e outros. Ali havia registros de violência brutal durante muitos anos. A luta foi longa, mas finalmente, em 2009, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) corroborou a homologação que já havia sido feita pelo então presidente da República, concedendo aos indígenas a terra, os relatos de violência, em 2011, praticamente sumiram dos relatórios. Isto prova que a situação dos indígenas melhora se as terras forem demarcadas. Por mais que haja posições contrárias de alguns senadores e deputados, que dizem que os índios de Roraima vivem nas cidades no meio do lixão, devemos lembrar que esta situação é muito anterior à demarcação. O que nós comparamos não é a situação dos indígenas que vivem na cidade de Boa Vista, mas a situação de violência dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. IHU On-Line – A disputa pela terra é a principal razão dos conflitos entre indígenas e não índios? Que outros problemas são gerados em decorrência da não demarcação das terras? Lucia Helena Vitalli Rangel – O pano de fundo é a questão da terra. Entretanto, não podemos reduzir tudo a essa questão. Mas inúmeros problemas vêm daí, porque, quando uma terra não está reconhecida, os índios não têm acesso a assistência de saúde, não recebem programas de educação escolar, não recebem insumos agrícolas, projetos de alimentação, etc. Então, trata-se de uma questão fundiária, de disputa pelas terras indígenas e de não reconhecimento dos direitos indígenas às suas terras. Os indígenas têm um modo de vida baseado na relação com a terra, com o território, com a natureza. E esta relação é a base da vida deles. No Mato Grosso do Sul, cerca de dez reservas indígenas de kaiowá-guarani foram demarcadas. A Funai levou todas essas comunidades para dentro dessas terras, e elas viraram um barril de pólvora por causa da superlotação. Há conflitos internos entre comunidades que não se entendem; há casos de alcoolismo, falta de perspectiva, etc. Além disso, eles não conseguem trabalhar a terra porque não tem espaço para isso. Então há consequências graves por causa da falta de demarcação das terras. IHU On-Line – Como vê o projeto desenvolvimentista brasileiro, que propõe a expansão do parque energético em áreas ocupadas por comunidades indígenas e tradicionais, como o caso do Xingu e do Tapajós? Como ficam os povos indígenas diante desses projetos? Lucia Helena Vitalli Rangel – Cada rio da bacia amazônica tem um tipo de potencial hidrelétrico, e são todos discutíveis, porque alguns rios têm um potencial maior, outros, menor. O quanto isso vai beneficiar a produção econômica, as cidades brasileiras, a população que vive nas cidades, também é uma coisa a ser discutida, porque os mais prejudicados com essas construções, com esses empreendimentos, são as populações ribeirinhas e as populações indígenas. No Rio Madeira, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio estão sendo feitas em uma região onde há comunidades indígenas isoladas, que ainda não fizeram um contato regular com os agentes do Estado brasileiro e a sociedade. O que vai acontecer com essa gente, nós não sabemos. Por onde eles vão escapar? Eles vão morrer ou não? Vão pegar epidemia ou não? Não há como saber. Hidrelétricas Em Altamira, onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, vive uma população indígena que já tem contato regular com a sociedade. Ocorre que esta população da região da Volta Grande já foi deslocada em momentos anteriores. Então, trata-se de uma população que tem essa memória, que sabe o quanto custa um empreendimento desses. Quando a Transamazônica foi construída, essa população não foi ouvida, os impactos não foram avaliados corretamente, e o próprio Ibama reconhece isso. Diante de empreendimentos como Belo Monte, os empreendedores e os representantes do Estado dizem para a população de Altamira o seguinte: “Os indígenas não querem que vocês tenham acesso a energia”. Então cria um conflito que é insuportável. No Tapajós, acontece a mesma coisa. O complexo hidrelétrico de Tapajós vai alagar terras indígenas. Prioritariamente, quase todas as hidrelétricas que foram construídas nesse plano de desenvolvimento afetaram os povos indígenas, a exemplo de Itaipu, Tucuruí, entre outras. Por causa da transposição do Rio São Francisco, por exemplo, o povo truká foi afetado pela transposição do rio, porque o canal dividiu a terra deles ao meio, e usou parte do território para instalar canteiros de obras. Os próprios indígenas denunciam e reclamam das consequências, como o aumento do alcoolismo, da prostituição, da falta de emprego e da diminuição das terras agriculturáveis. Nesse caso do Rio São Francisco, transpõe-se o rio para irrigar terras, mas quem está na beira do canal perde área cultivável. Quer dizer, trata-se de um contrassenso da obra ou de uma falta de respeito pelos indígenas que viviam ali. Por que o canal tem que cortar a terra ao meio? IHU On-Line – Os índios têm clareza dessa situação, das implicações das obras? No caso de Belo Monte, por exemplo, algumas etnias estão divididas. Eles acabam sendo cooptados pelo Estado? Lucia Helena Vitalli Rangel – É sempre assim. Tem aqueles que, em troca de algum dinheiro ou algum benefício, trabalham para que a obra se realize. A consequência disso, depois da obra pronta, é um conflito interno muito grande, porque aqueles que se beneficiaram não dividem o benefício com toda a comunidade. Um exemplo são os indígenas que vivem próximo ao Rio Tocantins. O povo xerente foi afetado pela hidrelétrica do Lajeado, que teve a barragem construída no “pé” da terra deles. À época, algumas lideranças se apressaram e quiseram convencer todo mundo de que eles deveriam aceitar o dinheiro da mitigação do impacto – e a mitigação do impacto nessas obras acaba sendo sempre o dinheiro. Então, quando eles aceitam, recebem um valor monetário determinado, para implementar projetos dentro da área. Mas, com esse valor, criam uma associação, constroem uma sede na cidade, compram veículos (tanto ambulâncias como camionetes e caminhões), computadores, telefones. Posteriormente, tudo isso gera uma fase de insatisfação e reclamações. Aumentam os conflitos entre as comunidades que vivem dentro da mesma área, porque umas ganharam mais dinheiro, outras ganharam menos benefícios. Claro, não cabe à empresa que vai construir a hidrelétrica resolver esse problema, mas a atuação dos agentes do Estado podia levar em conta essas coisas, porque elas são conhecidas. Agora, quando alguém oferece dinheiro para as comunidades, todo mundo fica enlouquecido pelo dinheiro. Então, este é um problema muito sério e muito complicado. Quem sou eu, por exemplo, uma professora e antropóloga, para dizer a um indígena que, se ele aceitar esse dinheiro, posteriormente enfrentará muitos problemas? Trata-se de outro processo de conscientização, de análise, que demandaria um esforço diferente no tratamento dessas questões com os indígenas. A pressa em propor essas formas de mitigação é que faz com que alguns indígenas também se sintam atraídos e aceitem, de “mão beijada”, coisas que trarão consequências graves para a sua comunidade. IHU On-Line – De acordo com os dados do Cimi, a homologação das Terras Indígenas diminuiu drasticamente de 145 registros no governo Fernando Henrique Cardoso para 79 no governo Lula e apenas três no governo Dilma. Quais as razões dessa redução? O que essa mudança na política governamental sinaliza? Lucia Helena Vitalli Rangel – Cada governo enfrenta um tipo de pressão. Da gestão Lula para cá, o governo tem cedido demais às pressões dos fazendeiros, das empreiteiras, daqueles interessados ou nos grandes projetos, nas grandes obras ou no agronegócio. O governo faz alianças políticas e depois tem que dar a contrapartida. Isto é evidente, no caso do Mato Grosso do Sul, porque há uma pressão muito forte do governo estadual, dos empresários do agronegócio. Até o judiciário, no Mato Grosso do Sul, é contra os indígenas, sendo que existem leis, que há uma Constituição Federal. Mas ninguém respeita. IHU On-Line – E ainda são publicadas a Portaria 303 da AGU, a PEC 215… Lucia Helena Vitalli Rangel – Exatamente. Estamos vendo ações cada vez mais fortes contra o direito às terras dos povos indígenas. A PEC 215 e a Portaria 303 da AGU são exemplos disso. A cada dia aparece uma nova portaria ou um novo projeto de lei querendo modificar o Artigo 231 da Constituição, ou modificar a aplicação dos direitos. Outro exemplo foram as discussões em torno da mudança do Código Florestal, que acabou sendo aprovado na Câmara Federal com os piores princípios. Por exemplo, em 2010, as discussões das mudanças do Código Florestal desencadearam um verdadeiro vandalismo. No Mato Grosso, as Terras Indígenas foram afetadas pelo desmatamento de uma forma violenta. Segundo a Polícia Federal, cem terras indígenas foram afetadas, além de 20 unidades de conservação. IHU On-Line – Como compreender tais portarias diante do Artigo 231 da Constituição Federal? Lucia Helena Vitalli Rangel – A Constituição Federal é uma “salvaguarda”, ela resguarda os direitos cidadãos. Então, o Artigo 231 da Constituição reconhece o direito dos indígenas às suas terras, à ocupação originária, etc. Portanto, o reconhecimento do direito é constitucional, e é o princípio mais importante. Agora, a aplicabilidade do direito não depende somente da Constituição Federal; há de ter uma regulamentação. No caso dos povos indígenas, a regulamentação acontece por meio do Estatuto do Índio. Depois de 1988, quando a Constituição foi promulgada, deu-se início à discussão de elaborar um novo Estatuto do Índio, porque o Estatuto que vigora até hoje é de 1970. IHU On-Line – Que aspectos do Estatuto do Índio deveriam ser atualizados? Lucia Helena Vitalli Rangel – Teria de fazer um novo estatuto, porque o vigente foi baseado em outros princípios, como o princípio da integração do índio à comunhão nacional, o princípio de que as terras indígenas devem ser protegidas ou administradas pela Funai e o princípio de que, em nome da segurança nacional, as terras indígenas podem ser violadas. Entretanto, o direito Constitucional de 1988 modifica esse princípio, como modifica também o princípio da tutela. Então, há de ter um novo estatuto, porque o atual foi elaborado durante a ditadura militar. Há mais de 20 anos uma nova proposta de Estatuto do Índio tramita no Congresso Nacional e na Câmara Federal. O novo texto nunca foi votado, porque primeiro os deputados querem votar a Lei da Mineração, a mudança do Código Florestal, para tirar os direitos indígenas, e depois fazer o Estatuto do Índio. Mas, como as mudanças sempre esbarram no princípio constitucional, há outro movimento no âmbito do Legislativo, para modificar o princípio constitucional. Não há meio das nossas elites reconhecerem os direitos indígenas e, assim, começam a inventar coisas. Por exemplo, no Mato Grosso do Sul, inventaram que os índios queriam 600 milhões de hectares, área maior do que o Estado do Mato Grosso do Sul. Mas eles não querem 600 milhões de hectares; querem o pedaço que lhes cabem. Esta distorção fomenta a discórdia, cria uma indisposição entre a população local e os indígenas. Ações como essa geram racismo, preconceito. Parece que não há nem um pouco de vergonha em manifestar isso contra os indígenas. Além disso, outros dizem que alguns índios não são mais índios, porque têm cabelo crespo, moram na cidade, são “misturados”, quer dizer, eles têm menos direitos do que os outros. Num país mestiço como o nosso, onde todo mundo é misturado, os índios não podem ser misturados. Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos e não tem direitos. Então, o índio nunca tem um lugar. IHU On-Line – De acordo com os dados do Censo, existem 305 etnias indígenas no país. Como estão os estudos atuais sobre essas culturas? Há conhecimento desta diversidade? Lucia Helena Vitalli Rangel – Para os antropólogos, essa diversidade é uma realidade, e como tal é considerada. Entretanto, nem os antropólogos possuem este número, porque só o IBGE consegue fazer um censo nacional e ter esse alcance. O que os pesquisadores conseguem nas universidades, nos seus laboratórios de pesquisa, é sistematizar os dados. Foi importante o IBGE publicar essa informação de 305 etnias. Não sei exatamente como é a definição de etnia do IBGE, mas são muito provavelmente relativas à autodenominação da comunidade ao falar o nome do povo. Supunha-se que fossem 280 etnias, mas o IBGE fala que é 305. É um dado mais preciso e importante. IHU On-Line – O que os dados do Censo revelam sobre os indígenas brasileiros? Algum dado lhe surpreendeu? Lucia Helena Vitalli Rangel – No Censo do ano 2000, havia um dado da população autodeclarada indígena. Desses, 52% viviam em cidades e 48% viviam nas Terras Indígenas, em aldeias. Então, no Censo de 2010, inverteu o número. A população indígena que vive na cidade está em volta de 47% e 48% e a população que vive em aldeia está em torno de 52% e 53%. O dado demonstra que a população indígena que vive em cidades é muito grande, e o Estado, por meio da Funai, reluta em reconhecer essas comunidades como sendo comunidades indígenas, porque não quer lhes atribuir direitos. Então, aqueles índios que vivem na cidade não são considerados indígenas. Portanto, estão excluídos do Artigo 231. O Estado não demarca as terras e não quer assumir a população que vive nas cidades. Quem vai para a cidade não vai de modo forçado, obviamente. Quando, porém, analisamos a situação das terras – no Sul, no Sudeste e no Nordeste –, observamos que a quantidade de terras demarcadas não suporta a população indígena dessas regiões. Então, a migração é um recurso para as comunidades. Além disso, as cidades brasileiras sempre foram ambientes vetados aos indígenas. Quando iam para as cidades, eles eram presos, escorraçados, expulsos. Quando iam ao médico, iam e voltavam para casa escoltados pela Funai. A Constituição, bem ou mal, é democrática, e nesse sentido abriu direitos que não estavam previstos, como a ampliação do direito de ir e vir, que é um direito civil do cidadão. Então, a conquista do ambiente humano também é uma conquista para os indígenas, que eles não têm mais que ficar escondidos nos fundos das fazendas, trabalhando quase como escravos, visto que não possuem terra e não têm lugar para onde ir. Então, há uma série de movimentos dessa população que vão configurando também novos perfis. Nesse sentido, os dados do IBGE são muito importantes para pensarmos essas questões e para aprofundarmos em nossas pesquisas. * Publicado originalmente no site IHU-Online. (IHU-Online)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

ENTREVISTA COM SIMONE DE BEAUVOIR por Pedro Luso de Carvalho A escritora francesa Simone de Beauvoir, romancista, memorialista e filósofa, tornou-se famosa tanto pela boa qualidade dos livros que publicou como pelo fato de ter sido a companheira de Jean-Paul Sartre. O seu livro filosófico O Segundo Sexo (Deuxième sexe), publicado em 1949, causou escândalo entre os leitores franceses dessa época pela crítica contra a cultura patriarcal do ocidente. Essa obra também foi importante para firmar a reputação de Simone de Beauvoir como importante intelectual. Essa reputação de intelectual é mantida até os dias atuais. A obra O Segundo Sexo bem como outros livros seus são freqüentemente reeditados em muitos países da Europa das Américas do Sul e do Norte. Simone de Beauvoir conheceu Sartre na Sorbonne, quando se preparava para bacharelar-se em filosofia. Também aí começaria a relação íntima entre os dois, que duraria até a morte do filósofo, em 1980, sem que jamais tivessem casado - Sartre e Simone não aceitava o casamento, a monogamia e filhos. A partir da publicação do primeiro romance, A Convidada (L'Invitée), em 1943, a escritora desligou-se do liceus de Marselha e de Paris, onde ensinava filosofia, para dedicar-se em tempo integral à literatura. Não tardou para publicar o seu segundo romance, O Sangue dos Outros (Le Sang des Autres), sobre a Segunda Guerra Mundial, mais propriamente sobre a ocupação da França pela Alemanha, e a luta da Resistência francesa contra os nazistas. O terceiro romance veio cinco anos depois. Além das obras de ficção, a escritora publicou uma peça para o teatro e inúmeros ensaios filosóficos, no qual se inclui O Segundo Sexo, em 1949. Três anos antes, fundou com Sartre a revista mensal Les Temps Modernes, que se tornaria importante veículo para divulgar o existencialismo francês. As obras de Simone de Beauvoir já traduzidas, e publicadas no Brasil pela Difusão Européia do Livro são: A Convidada, Todos os Homens são Mortais, Memórias de uma Moça bem Comportada, O Segundo Sexo: I. Os Fatos e os Mitos , II. A Experiência Vivida, Na Força da Idade, 2 vols., Os Mandarins, 2 vols., As Belas Imagens, O Sangue dos Outros e Mulher Desiludida. A Editora Nova Fronteira publicou três obras muito importantes da escritora: Uma Morte Muito Suave (narra a morte de sua mãe pelo câncer, depois de ter sido internada numa clínica de Paris para tratar de uma fratura do fêmur), Os Mandarins (um de seus mais importantes romances), A cerimônia do Adeus, 604, págs. (seguido de entrevistas com Sartre), A Velhice, 711 págs. (talvez o ensaio contemporâneo mais importante sobre a vida dos idosos). Passemos agora a anunciada entrevista (trechos) concedida por Simone de Beauvoir à Madeleine Gobeil, da The Paris Review (In Escritoras e a arte da escrita, edição de George Plimpton, Ed. Gryphus, Rio de Janeiro, 2001). Antes, porém, da entrevista, alguns dados (não a biografia, obviamente) para quem não conhece a escritora: Simone de Beauvoir nasceu em Paris, no dia 9 de janeiro de 1908. Nasceu no bairro Montparnasse, que sempre foi o endereço de importantes escritores e pintores franceses e estrangeiros,como ocorreucom Picasso, entre outros. (Sobre a famosa The Paris Review, contamos parte de sua históriaaqui no Blog Panorama, cujo link está inserido no final deste texto.) Como o nosso propósito não é escrever a biografia de Simone de Beauvoir, passemos à entrevista, feita em seu apartamento na 'rue' Schoëlcher, em Montparnasse, que ficava bem próximo ao apartamento de Sartre. A entrevistadora Madeleine Gobeil faz referência ao livro de memórias de Simone de Beauvoir, que na época desse encontro esteve preparando a sete anos, e pergunta se a sua vocação e a sua profissão, deveu-se à perda da fé religiosa; a escritora responde: “É muito difícil para uma pessoa relembrar o seu passado sem trapacear um pouco. Meu desejo de escrever começou muito antes disso. Eu já escrevia histórias aos oito anos, mas muitas crianças fazem a mesma coisa, o que não quer dizer que tenham vocação para escrever. No meu caso, pode ser que a vocação tenha se acentuado porque perdi a fé religiosa; também é verdade que li livros que me comoveram profundamente, como The Mill on the Floss (O moinho à beira do rio), de George Elliot. Quis muito ser como ela, alguém cujos livros seriam lidos e comoveriam os leitores”. De Beauvoir, como é tratada a escritora pela The Paris Review, é perguntada se foi influenciada pela literatura inglesa, e esta foi sua resposta: “Estudar inglês foi uma das minhas paixões desde a infância. Há um repertório de literatura infantil em inglês muito mais encantador do que em francês. Eu adorava ler Alice in Wonderland (Alice no País das Maravilhas), Peter Pan, George Eliot e até Rosamond Lehmann”. Ainda nessa linha de literatura infantil, a entrevistadora pergunta sobre Dusty Answer (Poeira); a escritora então fala da paixão que tinha pelo livro, embora fosse quase medíocre; diz também que o livro era muito apreciado pelas meninas de sua geração. Diz mais: “Quanto a mim, eu invejava a vida universitária na Inglaterra, porque vivia em casa e nem sequer tinha um quarto só meu. Na verdade, não possuía nada. E embora aquela vida não fosse livre, dava espaço para a privacidade, por isso me parecia magnífica. A autora (Dusty Answer) conhecia todos os mitos das meninas na adolescência – belos rapazes com ar misterioso, etc. Mais tarde, naturalmente, li as irmãs Brontë e de Virginia Woolf: Orlando, Mrs. Dalloway. Não gosto de The Waves (As Vagas), mas aprecio muito, muito mesmo, seu livro sobre Elizabeth Barrett Browning”. Madeleine Gobeil (The Paris Review) pergunta a Simone Beauvoir sobre o diário de Virginia Woolf; esta a sua resposta: “Interessa-me menos. É muito literário. É fascinante, mas distante de mim. Ela se preocupa demais imaginando se será publicada e com o que as pessoas dirão a seu respeito. Gostei bastante de A Room of One's Own, no qual ela fala sobre a situação das mulheres. É um ensaio curto, mas acerta em cheio. Explica muito bem porque as mulheres não conseguem escrever. Virginia Woolf é uma das escritoras que mais me interessam. Você já viu uma foto dela? Um rosto extremamente solitário... de certa forma, ela me interessa mais do que Colette. Afinal de contas, Colette se envolve muito com seus pequenos casos amorosos, com assuntos domésticos, com a roupa lavada, os animais de estimação. Viginia Woolf tem uma maior dimensão”. Nesta altura da entrevista passemos por cima de suas respostas sobre a importância da educação universitária para o escritor, para deter-nos sobre o que De Beauvoir responde a respeito de ter ficado escrevendo dez anos até ter seu livro publicado, aos 36 anos. A entrevistadora pergunta se por isso ela nunca se sentiu desencorajada, e esta foi sua resposta: “Não, porque no meu tempo era raro publicar quando se era jovem. Naturalmente, há uma ou duas exceções, como Radiguet, que foi um prodígio. O próprio Sartre só publicou com já estava com 35 anos, quando A Nausea e O Muro foram comprados. Quando meu primeiro livro foi rejeitado por uma editora, senti-me um pouco desencorajada, foi muito desagradável. Pensei então que deveria me dar um tempo. Conhecia muitos escritores que demoraram a dar a partida. As pessoas sempre mencionam o caso de Stendhal, que só começou a escrever depois dos 40 anos.” Respondendo a pergunta se foi influenciada por algum escritor norte-americano, ao escrever os seus primeiros romances, responde: “Quando escrevi A Convidada fui influenciada por Hemingway, pois foi ele quem nos ensinou como usar um certo despojamento no diálogo e a importância das pequenas coisas da vida.” Para encerar, mais um trecho da entrevista; vejamos o que Simone de Beauvoir responde a Madeleine Gobeil, da The Paris Review, quando esta pergunta-lhe se Beckett sentiu agudamente o logro da condição humana, e se Acha que ele é mais interessante do que os outros “novos romancistas? De Beauvoir responde: “Certamente. Toda a especulação com o tempo empregado com o “novo romance” pode ser encontrada em Faulkner. Foi ele que nos ensinou como fazê-lo, e na minha opinião ele é quem o faz melhor. Quanto a Beckett, seu modo de enfatizar o lado escuro da vida é muito belo. Contudo, ele está convencido de que a vida é escura, só isso. Eu também estou convencida de que a vida é escura, mas ao mesmo tempo, amo a vida. Essa convicção parece ter estragado tudo para ele. Quando isto é tudo o que você pode dizer, não há 50 maneiras de dizê-lo; e por isso muitas das suas obras são meras repetições do que ele já disse. Endgame repete Waiting for Godot, de um modo mais fraco.” Além dos escritores mencionados nessa entrevista, Simone de Beauvoir conta no seu livro Na força da Idade (La force de l'âge), publicada no Brasil em 1961 pela Difusão Européia, quais são outros escritores importantes para ela; e ela então os enumera: Whitman, Blake, Yeats, Synge, Sean O'Casey, todos os livro de Virginia Woolf, Henry James (toneladas, diz ela), George Moore, Swinburne, Swinnerton, Rebecca West, Sinclair Lewis, Dreiser, Sherwood Anderson, Doroty Richardson (que em dez volumes não contou absolutamente nada, diz Simone), Alexandre Dumas, as obras de Népomucène Lemercier, as de Baour-Lormian, os romances de Gobineau, todo Restif de La Bretonne, as cartas de Diderot e Sophie Volland e também Hoffmann, Sudermann, Kelermann, Pio Baroja, Panaït Istrati. Simone de Beauvoir foi contemplada com o famoso Prêmio Goncourt, em 1954. Foi uma importante escritora feminista. Com Sartre, visitou o Brasil no final de 1960. Na visita que Simone e Sartre fizeram a Cuba foram recepcionados por Fidel Castro e por Che Guevara. Simone de Beauvoir morreu em Paris, em 14 de abril de 1986, aos 78 anos. (Blog Panorama)