sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Palestina

A Paz de Obama é a Guerra!
Por Ali El-Khatib

Barak Obama em seu discurso recente na 66ª Assembléia Geral da ONU ultrapassou o limite da arrogância e por que não dizer fora do rumo da história.
A paz da guerra necessária defendida por Obama, não interessa aos palestinos que desde 1948 sofrem todo tipo de humilhação, discriminação e agressão militar por parte de Israel com total apoio dos Estados Unidos.
Interessante é que os estadunidenses se apregoam como os defensores da liberdade e da democracia para todos os povos do mundo, mas negam no caso palestino. Por que esta parcialidade sempre em defesa de Israel? Será que o povo palestino mão merece a democracia tão apregoada por Obama?
Sim, os palestinos querem a democracia, mas não a democracia que os EUA levaram ao Iraque e à Líbia. Os palestinos querem ter seu estado, livre, soberano, democrático, com capital em Jerusalém e que seu povo tenha direito ao justo retorno.
Fica claro que Obama comete um retrocesso em sua política para o Oriente Médio esquecendo-se da Primavera Árabe, os anseios de transformação de toda a sociedade, de melhor forma de vida, trabalho, educação, bem estar e justiça social. Os EUA estão perdendo seus principais parceiros árabes como o Egito e possivelmente a Arábia Saudita. Até parece que Obama quer desencadear uma nova intervenção bélica na região.
A responsabilidade da comunidade internacional em acabar com as práticas expansionistas de Israel, apoiadas incondicionalmente pelos Estados Unidos que pode vetar no Conselho de Segurança da ONU de admissão da Palestina, com base nas fronteiras de 4 de junho de 1967, com Jerusalém Oiental como sua capital, como membro pleno das Nações Unidas. As discussões do Conselho de Segurança vão até o fim de outubro, e podem se estender até novembro.
A Limpeza Étnica
Os palestinos já romperam as barreiras do medo e do silêncio. Em suas Intifadas deixaram claro que a disposição em conquistar seus direitos é ilimitada.
A Intifada gerou um cenário único. Saíram às ruas com pedras contra um dos exércitos mais poderosos do mundo. Mostraram sua indignação ao sofrimento, humilhação coletiva de um sistema repressivo de um estado agressivo, expansionista que está sufocando todo um povo milenar através da limpeza étnica como bem define o historiador israelense Ilan Pappe.
Israel procura de todas as formas inverter a verdadeira história. Pappe em seu livro A Limpeza étnica na Palestina deixa muito claro como foi a partilha da Palestina promovida pela ONU que a dividiu em três regiões: a palestina com 818 mil palestinos e 10 mil judeus em 42% de suas terras; a judaica com 499 mil judeus e 438 mil árabes em 56% da terra e Jerusalém internacionalizada, com 200 mil de cada comunidade em 2% da terra. Os palestinos maior parte da população com 1.456.000, ficaram com 42% de suas terras e hoje somente com 22% e totalmente ocupados pelas forças israelenses.
O muro da vergonha
O muro de Israel que continua sendo construindo na Palestina tem mais de 700km e tem aproximadamente 9m de altura. O de Berlim, levantado em 1961, tinha em torno de 155 km e 3m de altura. É a brutalidade da história se multiplicando.
A Assembléia Geral da ONU decidiu, em dezembro de 2003, dirigir à Corte Internacional de Justiça a seguinte consulta: “Quais são as conseqüências legais da construção do muro que vem sendo construído por Israel, o poder ocupante, no Território Palestino Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental e perímetro urbano, como descrito no relatório do Secretário Geral, considerando-se as regras e princípios da lei internacional, incluindo a Quarta Convenção de Genebra, de 1949, e as resoluções relevantes do Conselho Geral e da Assembléia?”
Ao ver o mapa da Palestina fica claro que o muro não cerca a Cisjordânia, mas é construído dentro do território ocupado. Os palestinos ficam confinados em verdadeiros bantustões com restrições de ir e vir violando totalmente sua liberdade como nação. O Muro, além dos checkpoints, separa os camponeses de suas terras férteis, as famílias são separadas, os estudantes impedidos de irem às escolas, os doentes, as mulheres grávidas chegam a morrer antes de chegar aos hospitais.
Natanyahu ainda se julga no direito de culpar os palestinos por não quererem negociar. Negociar o quê, se já lhes foi tirado tudo? Agora vem com esta conversa que os palestinos têm que aceitar o Estado Judeu e que Israel continuará implantando novos assentamentos na Cisjordânia.
Os governantes israelenses dizem que os palestinos não querem a paz, mas são eles que ocuparam 78% das terras palestinas, violaram todas as leis internacionais, construindo assentamentos, anexando as Colinas de Golã a Região de Shibhaa do Líbano e o pior Jerusalém Oriental. Hoje, a Palestina virou um grande Campo de Concentração a céu aberto sob constante repressão do exército de Israel onde os direitos humanos são violados diariamente. Israel confisca a água palestina, degrada o meio ambiente, pratica a demolição de casas, escolas e hospitais. Devemos lembrar que O Estado de Israel teve um início conturbado, uma vez que os colonos sionistas passaram a colonizar a Palestina a partir dos anos 30.
ABBAS na ONU
Em seu discurso na 66ª Assembléia Geral da ONU , o presidente palestino Mahmoud Abbas reforçou a disposição palestina em negociar em todos os momentos aceitando as Resoluções da ONU, mas que são desconstruídas sistematicamente por Israel intensificando-se após os Acordos de Oslo.
Os relatórios das missões das Nações Unidas, bem como de várias instituições israelenses e das sociedades civis, transmitem uma imagem terrível sobre o tamanho da campanha de colonização, da qual o governo israelense não hesita em se gabar e que continua a executar por meio do confisco sistemático de terras palestinas e da construção de milhares de unidades de novas colônias em diversas áreas da Cisjordânia, especialmente em Jerusalém oriental, e da construção acelerada do Muro de anexação, que consome grandes extensões da nossa terra, dividindo-a em ilhas separadas e isoladas e cantões, destruindo a vida familiar, as comunidades e os meios de subsistência de dezenas de milhares de famílias.
A potência ocupante também continua suas incursões em áreas da Autoridade Nacional Palestina por meio de ataques, prisões e assassinatos nos checkpoints. Nos últimos anos, as ações criminosas das milícias de colonos armados, que gozam da proteção especial do exército de ocupação, intensificou-se com a perpetração de ataques freqüentes contra nosso povo, tendo como alvo casas, escolas, universidades, mesquitas, campos, plantações e árvores. Apesar de nossas repetidas advertências, a potência ocupante não agiu para conter esses ataques, e nós a consideramos totalmente responsável pelos crimes dos colonos.
O pronunciamento da presidente Dilma, primeira mulher a fazer a abertura solene da Assembléia Geral da ONU, sem dúvida fortaleceu o apoio internacional.
É bom lembrar sempre os ensinamentos de Edward Said, em um de seus brilhantes artigos “nenhuma cultura ou civilização existe isolada das outras, nenhuma entende estes conceitos de individualidade e de iluminismo como sendo completamente exclusivos. Nenhuma, existe sem os atributos humanos fundamentais que são a comunidade, o amor, a valorização da vida e de todo o resto”.
A Paz para a Palestina significa também a paz para Israel, razão pela qual Israel e os EUA deveriam ser os primeiros a apoiar a criação do Estado da Palestina.
Israel não está entendendo o que acontece,
Israel não quer a Paz.
Obama não quer a Paz.
Querem a guerra e seus vultuosos lucros.
Querem continuar a limpeza étnica do Povo Palestino.
Israel em um momento histórico responde com insanidade e desprezo ao mundo desrespeitando a comunidade internacional e avisa que construirá mais 1.100 casas em Jerusalém Oriental, ocupada militarmente.
Ali El-Khatib é sociólogo, superintendente do Ponto de Cultura Árabe - Instituto Jerusalém do Brasil e coordena o NEAF – Núcleo de Estudos e Pesquisa Árabes da FACAMP.

C. Amigos)

Elites

A elite miserável do Brasil
Recife (PE) - No dia em que Lula recebeu o título de doutor honoris causa na França, o diretor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, Ruchard Descoings, chamou a imprensa para uma coletiva. É claro que jornalistas do Brasil não poderiam faltar, porque se tratava de um ilustre brasileiro a receber a honra, pois não? Pois sim, deem uma olhada no que escreveu Martín Granovsky, um argentino que honra a profissão, no jornal Página 12. Para dizer o mínimo, a participação de “nossos” patrícios foi de encher de vergonha. Seleciono alguns momentos do brilhante artigo de Martín, Escravistas contra Lula:
“Para escutar Descoings foram chamados vários colegas brasileiros... Um deles perguntou se era o caso de premiar quem se orgulhava de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado. Talvez Descoings soubesse que essa declaração de Lula não consta em atas, embora seja certo que Lula não tenha um título universitário. Também é certo que quando assumiu a presidência, em primeiro de janeiro de 2003, levantou o diploma que é dado aos presidentes do Brasil e disse: ‘Uma pena que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginou que o primeiro seria de presidente da República’. E chorou.
‘Por que premiam um presidente que tolerou a corrupção?’, foi a pergunta seguinte. Outro colega brasileiro perguntou se era bom premiar alguém que uma vez chamou de ‘irmão’ a Muamar Khadafi. Outro, ainda, perguntou com ironia se o Honoris Causa de Lula era parte da política de ação afirmativa do Sciences Po.
Descoings o observou com atenção antes de responder. ‘As elites não são apenas escolares ou sociais’, disse. ‘Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas’ ”.
Houve todas essas intervenções estúpidas e deprimentes. Agora, penso que cabem duas ou três coisas para reflexão. A primeira delas é a educação de Lula. Esse homem, chamado mais de uma vez pela imprensa brasileira de apedeuta, quando o queriam chamar, de modo mais simples, de analfabeto, burro, jumento nordestino, possui uma educação que raros ou nenhum doutor possui. Se os nossos chefes de redação lessem alguma coisa além das orelhas dos livros da moda, saberiam de um pedagogo de nome Paulo Freire, que iluminou o mundo ao observar que o homem do povo é culto, até mesmo quando não sabe ler. Um escândalo, já veem. Mas esse ainda não é o ponto. Nem vem ao caso citar Máximo Górki em Minhas Universidades, quando narrou o conhecimento que recebeu da vida mais rude.
Fiquemos na educação de Lula, este é o ponto. Será que a miserável elite do Brasil não percebe que o ex-presidente se formou nas lutas e relações sindicais? Será que não notam a fecundação que ele recebeu de intelectuais de esquerda em seu espírito de homem combativo? Não, não sabem e nem veem que a presidência de imenso sindicato de metalúrgicos é uma universidade política, digna dos mais estudiosos doutores. Preferem insistir que a maior liderança da democracia das Américas nunca passou num vestibular, nem, o que é pior, defendeu tese recheada de citações dos teóricos em vigor. Preferem testar essa criação brasileira como se falassem a um estudante em provas. Como nesta passagem, lembrada por Lula em discurso:
"Me lembro, como se fosse hoje, quando eu estava almoçando na Folha de São Paulo. O diretor da Folha de São Paulo perguntou pra mim: ‘O senhor fala inglês? Como é que o senhor vai governar o Brasil se o senhor não fala inglês?’... E eu falei pra ele: alguém já perguntou se Bill Clinton fala português? Eles achavam que o Bill Clinton não tinha obrigação de falar português!... Era eu, o subalterno, o colonizado, que tinha que falar inglês, e não Bill Clinton o português!’
O jornalista argentino Martín Granovsky observa ao fim que um trabalhador não poderia ser presidente. Que no Brasil a Casa Grande sempre esteve reservada para os proprietários de terra e de escravos. Que dirá a ocupação do Palácio do Planalto. Lembro que diziam, na primeira campanha de Lula para a presidência, que dona Marisa estava apreensiva, porque não sabia como varrer um palácio tão grande....Imaginem agora o ex-servo, depois de sentar a bunda por duas vezes no Planalto, virar Doutor na França. O mundo vai acabar.
O povo espera que não demore vir abaixo.
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9 Comentários recebidosEm 29/09/2011, beth pena escreveu:Parabéns pelo artigo, Uraniano. Como sempre muito sensível. O jornalista argentino observa e realiza o que tantos brasileiros insistem em não querer acreditar e admitir.Em 29/09/2011, Fernanda Alcântara da Rocha escreveu:inda bem que temos homens dignos como nosso ex-presidente, que mesmo não sendo letrados exercem a cultura na sua mais bela forma vivencia.. ...O resto é apenas

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O povo da Grécia luta pela construção do futuro
Escrito por Miguel Urbano Rodrigues
Quarta, 28 de Setembro de 2011




O agravamento da crise nos países do sul da zona euro intensificou o debate ideológico na Europa. Os governantes, os banqueiros, os dirigentes das transnacionais e a mídia dita de referência repetem monocordiamente que não há alternativa ao capitalismo. Mas é indisfarçável o seu mal-estar perante o avolumar da contestação ao sistema.



Os responsáveis pela recessão e pelo desemprego de dezenas de milhões de trabalhadores constatam que as guerras de agressão imperiais e o saque dos recursos naturais dos povos do Terceiro Mundo não trazem solução à crise estrutural do capitalismo.



Enquanto prosseguem políticas impostas pelo capital que descarregam o custo da crise sobre as suas vítimas, desenvolvem um grande esforço para evitar que os protestos contra o sistema de opressão atinjam um nível que ameace a sua continuidade. Nesse contexto, as campanhas para promover a alienação das massas são especialmente perversas. O objetivo é impedir que os trabalhadores tomem consciência do funcionamento da engrenagem da falsa democracia representativa (que na realidade é uma ditadura de classe) e se mobilizem para um combate permanente e frontal contra o sistema.



A tese bolorenta segundo a qual, através de lentas reformas aprovadas pelos Parlamentos, o capitalismo pode evoluir, humanizando-se, é retomada em toda a Europa pelas classes dominantes. Os governantes repetem que a via eleitoral, a única democrática, aponta o rumo certo para que as reivindicações dos oprimidos se concretizem numa atmosfera de paz social. Tudo se resolveria afinal num diálogo sereno entre o capital e o trabalho, entre os chamados parceiros sociais e o patronato.



Um discurso complementar desse é o dos intelectuais que, afirmando ser antiimperialistas e anti-neoliberais, proclamam que a saída da crise depende da ação dos movimentos sociais. Mas excluem todas as formas de violência na luta que deveria visar reformas graduais.



A criminalização do socialismo e dos partidos operários marxistas-leninistas é uma constante na teorização desses senhores. Nessas campanhas desempenham um papel fundamental os social-democratas.



Não é de estranhar que as forças da direita e os partidos social-democratas tenham recebido com mal disfarçada simpatia a formação do chamado Partido da Esquerda Européia, ao qual aderiram muitos partidos comunistas do velho Continente (o grego e o português foram exceções). Tão benévola atitude é compreensível porque essas organizações se opõem à radicalização da luta de massas, defendendo elas também estratégias reformistas que na prática anestesiam a combatividade dos trabalhadores, neutralizando-os como força de choque.



Lições da História



A comunicação apresentada no Rio pelo representante do Partido Comunista da Grécia, no Seminário promovido pelo Partido Comunista Brasileiro para comemorar o 140º aniversário da Comuna de Paris (ver odiario.info, 18/09/11), é um documento importante que contribui para a clarificação do debate ideológico inseparável de grandes lutas contemporâneas.



É oportuno lembrar que a burguesia francesa não hesitou em se aliar em 1871 ao exército prussiano após a derrota da França, para massacrar na Paris revolucionária os comunards comunistas.



Essa aliança contra natura, rica em ensinamentos para quantos lutam hoje contra o capitalismo, confirmou então uma realidade enunciada por Marx: o capital não tem pátria.



O comunista grego alertou para uma evidência: o Estado burguês não pode ser utilizado contra os interesses da classe dominante. Por outras palavras, as instituições criadas pela burguesia para lhes servir não podem funcionar como trampolim para o socialismo.



Na América Latina, em regimes presidencialistas tem sido possível eleger presidentes com programas anti-neoliberais com pendores socializantes. Mas o resultado desses processos não permite otimismo. No Chile, "a via pacífica para o socialismo" terminou num golpe sanguinário. No Brasil, na Argentina e no Uruguai, Lula, os Kirchner e Tabaré Vasquez arquivaram compromissos assumidos com o povo e levaram adiante políticas que favoreceram o grande capital, aprovadas pelo imperialismo. E na Venezuela, na Bolívia e no Equador, o desfecho das corajosas opções de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa suscita interrogações sem resposta.



Na União Européia, é ilusória a idéia de que possa instalar-se no poder qualquer governo empenhado em aplicar um programa de esquerda ambicioso. A "democracia parlamentar" é, na prática, uma ditadura da burguesia de fachada democrática.



Um luar de esperança



O Partido Comunista da Grécia presta um serviço aos trabalhadores de todo o mundo ao sublinhar que o Estado burguês tem de ser totalmente destruído. Reformas cosméticas não alteram a sua essência de instrumento de opressão dos explorados.



As lutas dos trabalhadores por reivindicações em múltiplas frentes são não apenas necessárias como indispensáveis. Vitórias setoriais abalam o poder da burguesia e fortalecem a combatividade das massas, mas essas vitórias são ineficazes se não se inserirem numa estratégia de ruptura com o sistema. No âmbito de uma ruptura com a política de um governo, mas dentro do sistema, são neutralizadas.



O mesmo se pode dizer da ação dos Movimentos Sociais. O papel desempenhado por muitos deles foi útil, contribuiu para o desmascaramento e desprestígio do neoliberalismo. Mas o imperialismo logo se apercebeu de que o caráter espontaneísta da contestação ao sistema não configurava uma ameaça real. Algumas ONGs são instrumentos da CIA; uma porcentagem ponderável é dirigida por social-democratas anticomunistas. A evolução do próprio Fórum Social Mundial – aliás, rapidamente infiltrado por políticos a serviço do capital (até Mário Soares!) – demonstrou precisamente isso. Em breve, controlado por social-democratas, passou a defender a impossível humanização do capitalismo.



A mensagem transmitida ao mundo pelo Partido Comunista da Grécia no Rio de Janeiro vale por um convite à reflexão sobre o papel decisivo e insubstituível do partido revolucionário marxista-leninista nas grandes lutas sociais do nosso tempo.



O seu representante nos lembrou que na Grécia houve mais de 20 greves gerais desde 2010, e muitas setoriais. A mobilização maciça dos trabalhadores foi possível devido ao elevado nível da consciência de classe e de consciência política de uma parcela importantíssima do povo grego. Uma frente muito ampla de organizações e forças progressistas – o PAME – uniu partidos, sindicatos, federações e comitês de orientação classista em torno de objetivos consensuais.



A luta permanente das massas, travada em condições dificílimas, sob uma repressão violenta, não visou uma ruptura imediata orientada para a tomada do poder a curto prazo.

O Partido Comunista – o KKE – sabe que tal meta é inatingível na atual conjuntura. A reafirmação da exigência da destruição do Estado burguês não significa que esse objetivo tenha data no calendário.



Numa atmosfera de tensão diária, de denúncia da política de vassalagem perante as imposições da União Européia e do imperialismo estadunidense, o KKE, sem medo das palavras, defende há anos um programa revolucionário. Sustenta com firmeza que a socialização dos meios de produção básicos é, na Grécia, uma exigência da História, assim como a da banca e a das telecomunicações e transportes. Exige a gratuidade total da saúde, da educação e da previdência. E, agora, defende a saída da União Européia, da OTAN e do euro.



Reivindicações essas inaceitáveis para o Estado burguês. Mas justas, traduzindo aspirações profundas de um povo que não esquece a repressão selvagem do exército britânico, em 1945, quando, no final da guerra, expulsos os nazistas alemães, os trabalhadores estavam prestes a conquistar o poder para construir uma sociedade progressista e livre.



Foi essa tenacidade e lucidez na luta do KKE que viabilizou o surgimento do PAME, como organização frentista de perfil revolucionário.



Enquanto de Washington a Berlim os governos do capital, alarmados com a crise pantanosa em que estão atolados, apresentam da Grécia a imagem de uma sucursal do inferno, mundo afora milhões de oprimidos acompanham com admiração e respeito o combate dos trabalhadores revolucionários do país que foi berço de uma civilização que marcou indelevelmente o rumo da humanidade.



A arrogância e o poder do imperialismo desencorajam hoje, é um fato, milhões de pessoas. Mas a maioria das grandes revoluções antigas e contemporâneas irrompeu contra a lógica aparente da História. Os povos, quando destruíram uma ordem social que para eles se havia tornado não somente ilegítima como insuportável, nem sempre pensaram no futuro imediato.



Acumulada, a opressão, ao ultrapassar determinado limite, gera nas vítimas uma quase indiferença perante a morte. E chega um momento em que o desespero, ao generalizar-se, em efeito epidêmico, disponibiliza as massas para lutas que conduzem a rupturas revolucionárias. Isso aconteceu com a Revolução Francesa de 1789, com as Revoluções Russas de Fevereiro e Outubro de 1917, e na segunda metade do século passado no Vietnã, em Cuba, na Argélia.



Em Portugal, era imprevisível que o golpe militar de 25 de Abril fosse o prólogo de uma revolução que iria abalar o mundo, a mais profunda na Europa Ocidental pelas suas conquistas desde a Comuna de Paris.



Manter a esperança firme não é uma atitude romântica, é um dever comunista. O representante do KKE admitiu no Brasil que "o século XXI será marcado por uma nova onda de revoluções socialistas".



Faço minha a sua convicção.



Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e escritor, ex-parlamentar pelo Partido Comunista de Portugal.



O original encontra-se em http://www.odiario.info/?p=2214

Última atualização em Quarta, 28 de Setembro de 2011

(Correio da Cidadania)

Ecologia

A paz é verde

por Roberto Villar Belmonte, especial da Itália*

A Prêmio Nobel da Paz de 2004, Wangari Maathai, 65 anos, criou no Quênia um movimento de mulheres para plantar árvores e colher a paz nas regiões onde os conflitos humanos são agravados pela destruição ambiental. A árvore é um símbolo de paz na África. Em diversas comunidades, ainda sobrevive uma antiga tradição. Quando há um conflito, a pessoa mais velha planta uma árvore entre os dois lados em disputa. Este cerimonial sinaliza o início da reconciliação entre as partes. Foi esta herança cultural – ecológica e pacifista – a inspiração para a professora iniciar no Quênia, em 1977, o Movimento Cinturão Verde.


Wangari Maathai.
Educada nos Estados Unidos e na Alemanha, a professora de anatomia vegetal da Universidade de Nairóbi, Wangari Maathai, não tirava da cabeça o que vinha testemunhando desde criança. Árvores substituídas por lavouras comerciais, como ocorre agora na Amazônia. O desmatamento do Quênia destruiu boa parte da biodiversidade e reduziu a capacidade das florestas de conservar água, um recurso bastante escasso na região.

Para mudar aquela situação, Maathai começou uma campanha de esclarecimento com grupos de mulheres mostrando que árvores deviam ser plantadas. Aos poucos, elas foram percebendo que o plantio gerava emprego, combustível, comida, abrigo, melhorava o solo e ajudava a manter as reservas de água. Nas últimas três décadas, as mulheres do Quênia plantaram mais de 30 milhões de árvores.

O trabalho de conscientização foi difícil. “O nosso povo foi historicamente persuadido a acreditar que, por ser pobre, também não tinha conhecimento e capacidade para enfrentar os seus próprios problemas. E esperavam soluções de fora. As mulheres não conseguiam perceber que para atender às suas necessidades básicas era preciso um meio ambiente saudável e bem manejado”, recorda.

A sua militância pacífica pela recuperação ambiental das florestas africanas foi reconhecida mundialmente em dezembro de 2004, quando ela recebeu em Oslo, na Noruega, o Prêmio Nobel da Paz. “Eu acredito que a solução para a maioria dos nossos problemas vem de nós mesmos”, ensina a professora e ativista, que hoje luta para cancelar a dívida externa dos países pobres.

Ambiente é fundamental

A família humana, na avaliação da professora Wangari Maathai, tem que enfrentar um fato muito grave: o meio ambiente é fundamental para alcançar a paz. Quando ele está degradado, as pessoas sofrem, pois não têm os recursos necessários para sobreviver. “É preciso compartilhar os recursos naturais de forma equitativa para reverter a distribuição injusta de recursos que atualmente existe no mundo.”

Na África, segundo ela, existem muitos conflitos por recursos naturais escassos e degradados. As pessoas lutam pelo que restou de terra, água, pastos e florestas. Para resolver estes graves conflitos, que estão gerando milhões de refugiados ecológicos em todo o planeta, a professora do Quênia defende uma consciência cada vez maior sobre três questões: sensibilidade ambiental, um bom governo democrático e paz.

“Nós plantamos árvores para proteger o solo, prevenir a erosão, fazer as pessoas entenderem que a terra é um recurso natural importante. Quando o vento e a água produzem erosão, a terra está perdida para sempre. Mostramos para as pessoas que o solo onde elas plantam é fundamental para ter boas colheitas. As árvores também são uma fonte de energia para a maioria das populações rurais”, ressalta Wangari.

A presidente do Movimento Cinturão Verde faz uma conta. Como cada pessoa emite gás carbônico, ela necessitaria plantar pelo menos dez árvores para zerar o seu impacto ecológico no planeta. “Por isso eu sempre insisto neste ponto: plantem pelo menos dez árvores!”, enfatiza a queniana também engajada na campanha dos quatro erres: reduzir, reutilizar, reciclar e reparar.

Wangari Maathai e as mulheres do Movimento Cinturão Verde tentam banir do Quênia as sacolas de plástico finas, pois elas não podem ser reutilizadas. No Japão, ela está engajada em uma campanha chamada MutaiNai para conscientizar as pessoas sobre a necessidade de respeitar e agradecer pelos recursos naturais. Por onde anda, a professora do Quênia dedica a sua vida à construção de uma paz ecológica.

Consciência moral, ética e recursos naturais

A professora Wangari Muta Maathai nasceu em 1940 na cidade de Nveri, no Quênia, e foi a primeira mulher a obter um título de doutora no Leste e no Centro da África. Em 1964, ela graduou-se em Ciências Biológicas no Mount St. Scholastica College em Atchison, no Kansas (Estados Unidos). Dois anos depois, concluiu o mestrado na Universidade de Pittsburgh. Depois de realizar o doutorado na Alemanha, Wangari obteve PhD na Universidade de Nairóbi, onde lecionou anatomia animal. De 1976 a 1987, Wangari participou ativamente do Conselho Nacional da Mulher do Quênia, onde começou a mobilizar grupos de mulheres em torno da campanha para o plantio de árvores. Mais de 30 milhões de árvores já foram plantadas por intermédio do Movimento Cinturão Verde (www.greenbeltmovement.org). Em 1998, ela passou a defender o cancelamento da dívida externa dos países pobres da África. Atualmente, a Prêmio Nobel da Paz 2004 trabalha no Ministério do Meio Ambiente do Quênia.

Wangari Maathai concedeu uma entrevista coletiva no dia 14 de outubro para jornalistas ambientais de 32 países reunidos na Itália, em Monte Porzio Catone, a 40 quilômetros de Roma. A seguir, trechos da conversa com os repórteres presentes no III Fórum Internacional de Mídia “Meio Ambiente, Caminho de Paz”, promovido pela Associação Cultural Greenaccord.

O consumo excessivo dos recursos naturais é um estilo de vida imposto pela nossa cultura ocidental e reforçado pelos meios de comunicação. É possível mudar esta tendência de hiperconsumo?

Wangari Maathai: Eu creio que precisamos elevar o nível da nossa consciência moral, voltar a ter uma perspectiva ética em relação aos recursos naturais e às outras criaturas. O problema é que ainda achamos que os nossos recursos durarão para sempre. Sem elevar o nosso nível de consciência ética, não poderemos entender que esse nível de vida tão elevado para poucos em detrimento de muitos não pode seguir adiante. No meu país, o Quênia, pelo menos 10% das pessoas vivem desperdiçando recursos porque querem imitar o nível de vida do mundo rico. Os recursos não são suficientes. Os países ricos exploram os recursos naturais dos pobres, e os poucos ricos dos países pobres fazem o mesmo. A nossa forma de lutar contra a pobreza é lutar contra esta forma de hiperconsumo, não apenas no mundo industrializado, mas também nos países em desenvolvimento, onde lamentavelmente estamos copiando o mundo rico em detrimento do nosso povo. Se seguirmos por este caminho, corremos um risco enorme.

Como garantir dignidade aos refugiados ecológicos que cada vez mais migram dos países devastados do Terceiro Mundo para a Europa e Estados Unidos?

Maathai: É muito difícil para um ser humano sentar e ficar sofrendo até a morte. Quando ele percebe que pode procurar uma vida melhor em outro país, ele migra. É preciso solidariedade e compaixão com estas pessoas que buscam um lugar melhor para viver. Mas é preciso também garantir condições para que estas pessoas possam viver nos seus próprios países com dignidade. É por isso que eu defendo o cancelamento da dívida externa para permitir investimentos locais que possam melhorar a economia dos países pobres, dando mais condições de trabalho às populações.

Como evitar a atual destruição florestal na África?

Maathai: Recentemente, eu fui chamada a ajudar na luta contra a destruição da Floresta do Congo, a segunda maior do planeta depois da Amazônica. A questão é que não temos recursos suficientes para impedir a devastação. Tem muita pobreza no meu continente, mas a África não é pobre, possui muitas riquezas no solo e nas selvas. Os países desenvolvidos exploram os nossos recursos sem qualquer escrúpulo. A exploração madeireira no Congo está destruindo a biodiversidade. A culpa é também dos nossos líderes africanos. Eles permitem que isto aconteça porque querem copiar o mundo desenvolvido. A imprensa não deveria falar só dos aspectos negativos do continente africano, mas nos ajudar a mobilizar a população e os nossos líderes.

Diante de tantos problemas ambientais, a senhora mantém o otimismo?

Maathai: Eu sempre sou otimista. Eu acordo pela manhã e sinto que tenho muitas razões para viver. Vivemos em um planeta que é único. O maior problema que temos é a ignorância. Tem muita gente que não sabe nada das mudanças climáticas. Este fenômeno é geralmente apresentado com dados complicados. Muitos chefes de Estado não se convencem que devem intervir. Nós não podemos deixar de insistir para que os nossos dirigentes tomem decisões. Temos que estar convencidos de que podemos fazer algo. Depois que as costas forem invadidas pelo mar e os campos inundados pelos rios, não haverá mais o que fazer. É fundamental que todos juntos insistam com os nossos líderes para que tomem consciência do risco e da gravidade da situação, e pensem não apenas nas vantagens de curto prazo, mas em políticas de longo prazo.

O colibri na floresta em chamas

Wangari Maathai – Prêmio Nobel da Paz de 2004

Nós recebemos informações sobre os furacões, a pobreza, a fome, as pessoas que morrem. Ficamos com uma ideia de que não podemos enfrentar estes grandes problemas. Dizemos para nós mesmos que o que podemos fazer é muito pouco e assim acabamos não fazendo nada. Uma vez um índio me contou esta história sobre um pequeno colibri.

Havia um grande incêndio na floresta. Preocupados, os animais fugiam da selva em chamas. Quando todos se encontraram em um lugar seguro, bem distante do fogo, ficaram apenas olhando. Eles sentiam que nada podiam fazer, pois o incêndio era enorme. No entanto, um pequeno colibri decidiu que tentaria apagar o fogo.

O pássaro foi até um rio próximo, pegou uma gota de água, sobrevoou a floresta em chamas e lançou a gota que carregava no bico. Enquanto ele ia e vinha, os outros animais lhe perguntavam: “O que você está fazendo? Nada podes fazer, tu és muito pequeno e este incêndio é muito grande”. Alguns animais tinham bicos bem grandes, e não ajudavam.

Mas o colibri estava convencido de que podia apagar o incêndio e continuou jogando pequenas gotas nas chamas que consumiam as árvores. Nós temos que ser como este colibri. Não podemos sucumbir diante das dificuldades. Temos que ser obstinados. E seguir levando água para apagar o incêndio, apesar dos outros animais.

Ao final, diante da floresta queimada, o colibri disse aos demais animais que havia feito o melhor que podia. Todos temos que fazer todo o possível. Estou convencida de que cada um de vocês se pergunta o que fazer. Eu lhes digo, façam o máximo que puderem. Eu tenho plantado árvores durante as últimas três décadas.

Universidade de pacificadores

Construir a paz em um mundo com cada vez mais conflitos – comerciais, ambientais, bélicos e diplomáticos – não é uma tarefa fácil. Para capacitar os pacificadores que atuam em todo o planeta, nas mais diversas profissões, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Universidade da Paz. A instituição acadêmica funciona na Costa Rica, país com larga tradição pacifista que extinguiu o seu exército em 1948.

“É preciso incluir o tema Paz e Segurança no currículo escolar, mostrando também as relações que existem entre os problemas ambientais e os conflitos humanos. Temos que romper a barreira das disciplinas tradicionais e ensinar a tratar a Terra como se quiséssemos continuar vivendo nela”, defende a nova reitora da Universidade da Paz da ONU, Julia Marton-Lefèvre.

Para a reitora, as relações que existem entre meio ambiente e paz devem ser debatidas em sala de aula para que os alunos possam discutir as causas dos conflitos. “Temos que ensinar as crianças sobre os nossos problemas reais. Quando as pessoas estão com fome e sede, elas roubam e até matam para comer e beber. É preciso discutir estas questões de uma maneira multidisciplinar”, ressalta.

Julia Marton-Lefèvre estará em Brasília nos dias 8 e 9 de dezembro reunida com representantes do governo federal para criar um curso da Universidade da Paz no Brasil, para capacitar profissionais para lidar com o tema segurança urbana nas grandes cidades. “Paz e segurança não são apenas palavras entre nações”, avalia. Informações sobre os cursos na Costa Rica e material didático estão na internet, no site www.upeace.org.

Nobel 2005 e a polêmica

O anúncio do Prêmio Nobel da Paz de 2005, feito no dia 7 de outubro, causou polêmica entre os ambientalistas. O Comitê da Noruega dividiu a premiação entre a Agência Internacional de Energia Atômica e o seu diretor, Mohamed El Baradei, pelo “esforço realizado para prevenir o uso militar da energia atômica e por garantir que a energia nuclear para fins pacíficos seja usada da maneira mais segura possível”. No mesmo dia, o diretor executivo da Greenpeace Internacional, Gerd Leipold, divulgou uma nota em Amsterdã questionando a escolha. Na opinião do ecologista, a Agência tem na verdade trabalhado nos últimos 15 anos para proliferar tecnologias (reprocessamento de plutônio e enriquecimento de urânio) que possibilitam a construção da bomba atômica em países como o Iraque, Coréia do Norte e Irã.

* Roberto Villar Belmonte participou do III Fórum Internacional de Mídia, “Meio Ambiente, Caminho de Paz”, a convite da Associação Cultural Greenaccord.

** Publicado originalmente no site da revista Extra Classe.

(Revista Extra Classe)
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(Envolverde)

Pensamentando

A arte de desaprender
ter, 2011-09-27 13:58 — Patricia
Análise
Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender

27/09/2011




Frei Betto



Apresentou-se à porta do convento um médico interessado em tornar-se frade. O prior encarregou o mestre de noviços de atendê-lo.

― Caro doutor – disse o mestre – o prior envia-lhe esta lista de perguntas. Pede que tenha a bondade de respondê-las de acordo com os seus doutos conhecimentos.

O jovem médico, acomodado no parlatório, tratou de preencher o questionário. Em menos de uma hora devolveu-o ao mestre. Este levou o papel ao prior e retornou quinze minutos depois:

― O prior reconhece que o senhor demonstra grande conhecimento e erudição. Suas respostas são brilhantes. Por isso pede que retorne ao convento dentro de um ano.

O médico estampou uma expressão de desapontamento:

― Ora, se respondi corretamente todas as questões – objetou – por que retornar dentro de um ano? E se eu tivesse dado respostas equivocadas, o que teria sucedido?

― O senhor teria sido aceito imediatamente e, na próxima semana, já estaria entre os noviços.

― Então, por que devo retornar em um ano?

― É o prazo que o prior considera adequado para que o senhor possa desaprender conhecimentos inúteis.

― Desaprender? – surpreendeu-se o médico.

― Sim, desaprender. Entrar na vida espiritual é como empreender uma viagem: quanto mais pesada a bagagem, mais lentamente se cobre o percurso. Na sua há demasiadas coisas substantivamente inúteis.

E o doutor partiu sob promessa de retornar dentro de um ano, o que de fato sucedeu.

Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender. Quantas importantes inutilidades valorizamos na vida! Quantos detalhes sugam nossas preciosas energias e consomem vorazmente o nosso tempo! Quantas horas e dias perdemos com ocupações que em nada acrescentam às nossas vidas; pelo contrário, causam-nos enfado e nos sobrecarregam de preocupações.

Precisamos desaprender a considerar os bens da natureza produtos de uso próprio, ainda que o nosso uso perdulário se traduza em falta para muitos. Desaprender a valorizar um modelo de progresso que necessariamente não traz felicidade coletiva e uma economia cuja especulação supera a produção. Desaprender a olhar o mundo a partir do próprio umbigo, como se o diferente merecesse ser encarado com suspeita e preconceito.

O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida. Nessa viagem, quanto menos bagagem e mais leveza, sobretudo de espírito, melhor e mais rápido se alcança o destino. Vida afora, carregamos demasiadas cobranças, mágoas, invejas e até ódios, como se toda essa tralha fizesse algum mal a outras pessoas que não a nós mesmos.

O que nos encanta nas crianças com menos de cinco anos é a interrogação incessante, o interesse pela novidade, o espírito despojado. Era isso que sinalizou Jesus quando alertou a Nicodemos ser preciso nascer de novo, sem retornar ao ventre materno, e tornar-se criança para ingressar no Reino de Deus.

O médico candidato a noviço comprovou ser bem informado, mas ignorava a distinção entre cultura e sabedoria. Soube elencar as mais célebres telas da pintura universal, sem no entanto ter noção do que significam e por que o artista fez isto e não aquilo. Conhecia todas as doenças de sua especialidade, sem a devida clareza de como se relacionar com o doente.

A humanidade não terá futuro promissor se não desaprender a promover guerras e a considerar a pobreza mero resultado da incapacidade individual. Urge desaprender a valorizar o supérfluo como necessário e a ostentação como sinal de êxito. Desaprender a perder tempo com o que não tem a menor importância e se dedicar mais nos cuidados do corpo que do espírito.

A vida espiritual é um contínuo desaprender de apegos e ambições, vaidades e presunções. A felicidade só conhece uma morada: o coração humano. Eis aí milhões de viciados em drogas a gritar a plenos pulmões terem plena consciência de que a felicidade resulta de uma experiência interior, de um novo estado de consciência. Como não aprenderam a abraçar a via do absoluto, enveredaram pela do absurdo.

E convém aprender: no amor mais se desaprende do que se aprende.



Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.

(Brasil de Fato)

Lula

Os escravistas contra Lula
Em meio ao debate sobre a crise econômica internacional, Lula chegou a França. Seria bom que soubesse que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deveria pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria guardar recato. No Brasil, a casa grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terras e escravos. Assim, Lula, agora, silêncio, por favor. Os da casa grande estão bravos. O artigo é de Martín Granovsky, do Página/12.
Martín Granovsky – Página/12

Podem pronunciar “sians po”. É, mais ou menos, a fonética de “sciences politiques”. E dizer Sciences Po basta para referir o encaixe perfeito de duas estruturas: a Fundação nacional de Ciências Políticas da França e o Instituto de Estudos Políticos de Paris. Não é difícil pronunciar “sians po”. O difícil é entender, a esta altura do século XXI, como as ideias escravocratas seguem permeando os integrantes das elites sul-americanas. Na tarde desta terça, Richar Descoings, diretor da Sciences Po, entregará pela primeira vez o doutorado Honoris Causa a um latino-americano: o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Descoings falará e, é claro, Lula também.

Para explicar bem sua iniciativa, o diretor convocou uma reunião em seu escritório na rua Saint Guillaume, muito perto da igreja de Saint Germain des Pres. Meter-se na cozinha sempre é interessante. Se alguém passa por Paris para participar como expositor de duas atividades acadêmicas, uma sobre a situação política argentina e outra sobre as relações entre Argentina e Brasil, não está mal que se meta na cozinha de Sciences Po.

Pareceu o mesmo à historiadora Diana Quattrocchi Woisson, que dirige em Paris o Observatório sobre a Argentina Contemporânea, é diretora do Instituto das Américas e foi quem teve a ideia de organizar as duas atividades acadêmicas sobre a Argentina e o Brasil, das quais também participou o economista e historiador Mario Rapoport, um dos fundadores do Plano Fênix há dez anos.

Naturalmente, para escutar Descoings foram citados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático. Sciences Po tem uma cátedra de Mercosul, os estudantes brasileiros vão cada vez mais para a França, Lula não saiu da elite tradicional do Brasil, mas chegou ao máximo nível de responsabilidade e aplicou planos de alta eficiência social.

Um dos colegas perguntou se era correto premiar alguém que se jacta de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e o olhou assombrado. Talvez saiba que essa jactância de Lula não consta em atas, ainda que seja certo que não tem título universitário. Certo também é que, quando assumiu a presidência, em 1° de janeiro de 2003, levantou o diploma que os presidentes recebem no Brasil e disse: “É uma pena que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginou que o primeiro seria o de presidente da República”. E chorou.

“Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção?” – foi a pergunta seguinte.

O professor sorriu e disse: “Veja, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o balanço histórico esse assunto e outros muitos importantes, como a instalação de eletricidade em favelas em todo o Brasil e as políticas sociais”. E acrescentou, pegando o Le Monde: “Que país pode medir moralmente hoje outro país? Se não queremos falar destes dias, recordemos como um alto funcionário de outro país teve que renunciar por ter plagiado uma tese de doutorado de um estudante”. Falava de Karl-Theodor zu Guttenberg, ministro de Defesa da Alemanha até que se soube do plágio.

Mais ainda: “Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente não damos lições de moral a outros países”.

Outro colega perguntou se estava bem premiar alguém que, certa vez, chamou Muamar Kadafi de “irmão”.

Com as devidas desculpas, que foram expressadas ao professor e aos colegas, a impaciência argentina levou a perguntar onde Kadafi havia comprado suas armas e que país refinava seu petróleo, além de comprá-lo. O professor deve ter agradecido que a pergunta não tenha mencionado com nome e sobrenome França e Itália.

Descoings aproveitou para destacar Lula como “o homem de ação que modificou o curso das coisas”, e disse que a concepção de Sciences Po não é o ser humano como “uns ou outros”, mas sim como “uns e outros”. Marcou muito o “e”, “y” em francês.

Diana Quattrocchi, como latino-americana que estudou e se doutorou em Paris após sair de uma prisão da ditadura argentina graças à pressão da Anistia Internacional, disse que estava orgulhosa que Sciences Pos desse o Honoris Causa a um presidente da região e perguntou pelos motivos geopolíticos.

“Todo o mundo se pergunta”, disse Descoings. “E temos que escutar a todos. O mundo não sabe sequer se a Europa existirá no ano que vem”.

Na Sciences Po, Descoings introduziu estímulos para o ingresso de estudantes que, supostamente, estão em desvantagem para serem aprovados no exame. O que se chama discriminação positiva ou ação afirmativa e se parece, por exemplo, com a obrigação argentina de que um terço das candidaturas legislativas devam ser ocupadas por mulheres.

Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa a Lula fazia parte da política de ação afirmativa da Sciences Po. Descoings observou-o com atenção antes de responder. “As elites não são só escolares ou sociais”, disse. “Os que avaliam quem são os melhores são os outros, não os que são iguais a alguém. Se não, estaríamos frente a um caso de elitismo social. Lula é um torneiro mecânico que chegou à presidência, mas segundo entendi não ganhou uma vaga, mas foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas”.

Como Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff na Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula vem insistindo que a reforma do FMI e do Banco Mundial está atrasada. Diz que esses organismos, tal como funcionam hoje, “não servem para nada”. O grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ofereceu ajuda para a Europa. A China sozinha tem o nível de reservas mais alto do mundo. Em um artigo publicado no El País, de Madri, os ex-primeiros ministros Felipe González e Gordon Brown pediram maior autonomia para o FMI. Querem que seja o auditor independente dos países do G-20, integrado pelos mais ricos e também, pela América do Sul, pela Argentina e pelo Brasil. Ou seja, querem o contrário do que pensam os BRICS.

Em meio a essa discussão, Lula chega a França. Seria bom que soubesse que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria guardar recato. No Brasil, a casa grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terras e escravos. Assim, Lula, agora, silêncio, por favor. Os da casa grande estão bravos.

Tradução: Katarina Peixoto



Fotos: Ricardo Stuckert/Instituto Lula - divulgação

(Carta Maior)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

W; Allen

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ENSAIOS

Segunda-feira, 1/8/2011
Allen Stewart Konigsberg
André Forastieri

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É um adolescente como tantos outros. Estuda, lê gibis, vai ao cinema, pratica esportes. É louco por música. Duro, como tantos outros.

O pai é garçom. A mãe trabalha na lanchonete dos seus pais. O casal não convive muito bem. Criam o cara e sua irmãzinha com dificuldades, num apartamento apertado em um bairro afastado do centro. Aos 16 anos já faz uns bicos.

Não é um aluno muito dedicado. Não é alto nem bonito. Mas até que não vai mal com as meninas. Aprendeu que fazer uma mulher rir é meio caminho para conquistar seu coração.

Aos 18 anos, consegue entrar na universidade. Está trabalhando firme agora e fazendo um dinheirinho decente ― seu senso de humor impressionou um comediante da TV e ele agora faz frilas, bolando piadas. Acaba levando pau na escola e termina expulso.

Nosso herói tem outras preocupações agora. Porque aos dezenove anos se casa com a namoradinha, de dezesseis.

Como tantos casamentos entre adolescentes, não tem futuro. Cinco anos depois, os dois estarão divorciados.

Resta continuar batalhando. Ele escreve agora pra vários programas de televisão, bola cartuns e pequenos contos para revistas. Cria coragem e encara o palco: aos 26 anos, começa a se apresentar em pequenas casas noturnas, contando piadas. Afina estilo e ritmo.

Aos 31 anos escreve seu primeiro roteiro para um filme e estreia sua primeira peça. Ambos são comédias e sucessos. Allen Stewart Konigsberg se tornou Woody Allen. O ano é 1966.

43 anos depois, Woody Allen tem uma filmografia como diretor composta de 44 filmes. Isso é o que ele tem a dizer sobre sua carreira: “Não há razão para eu não ter feito grandes filmes. Ninguém vinha e me dizia que precisava fazer este ou aquele assunto, ou que queriam ver o meu roteiro, ou que não podia contratar determinado ator... Quero voltar para casa a tempo de jantar, tocar a minha clarineta, ver o jogo, ver os meus filhos. Então, nessas circunstâncias, faço o melhor filme que posso. Às vezes tenho sorte e o filme sai bom.”

Para quem trabalha com criação e comunicação, o livro Conversas com Woody Allen é obrigatório. Fazer rir é difícil. Criar algo que faça rir e pensar e tocar o coração, tudo ao mesmo tempo, é genial. Allen consegue com frequência.

O autor, Eric Lax, vem entrevistando Allen desde 1971, em todo tipo de situação, quando Allen era um superstar e quando era fracasso de crítica e público. Organizou o suprassumo destes papos por temas: a ideia, escrever, atores, direção etc.

São 468 páginas preciosas e hipnotizantes. Valem uma faculdade de cinema. Valem para quem escreve profissionalmente. Para quem vive de criar. Para qualquer um, no final da história. E é um livro bem engraçado.

São lições demais. Destaco duas, sobre trabalho e sobre o público.

Allen diz que seu trabalho precisa ser divertido enquanto você faz, porque é o único prazer que você recebe daquilo.

Se ele for realmente prazeroso, você vai dar um jeito de fazer seu trabalho. Mesmo que as condições não sejam as ideais.

Por exemplo: Woody Allen não tem dinheiro para fazer seus filmes. Vai atrás de financiamento onde encontra. Odeia deixar sua amada Manhattan, a mulher e as duas filhas pequenas. Mas filmou seus quatro últimos filmes na Europa, porque lá está a grana.

E mesmo assim filma incessantemente. Alarga seus horizontes a cada nova produção. Foi criticadíssimo por tentar fugir da comédia e fazer dramas. Finalmente, foi com um drama que conseguiu a maior bilheteria de sua carreira, Match Point, que rendeu US$ 80 milhões mundialmente.

Em toda sua carreira, Woody Allen sempre apostou na inteligência. É a base de toda sua criação. Do livro:

“Sou dos que sempre acreditaram que o público é letrado, e pelo menos tão inteligente, ou mais inteligente, do que eu era.”

Por isso é que a obra de Woody Allen viverá para sempre. Se bem que como diz o próprio, “em vez de sobreviver nos corações e mentes dos seus semelhantes, prefiro sobreviver no meu apartamento.”

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blog de André Forastieri (atualmente no portal R7), em abril de 2009. (Leia também "Conversas com Woody Allen".)

(Digestivo Cultural)

Minha Bellzinha...

As postagens de hoje foram todas elaboradas c o pensamento voltado a minha Bell!
Precisamos de muita Coragem
História
Leonardo Boff
Qui, 22 de Setembro de 2011 13:11

Leonardo BoffEm 14 de setembro último, celebrou 90 anos de idade uma das figuras religiosas brasileiras mais importantes do século XX: o Cardeal Paulo Evaristo Arns. Voltando da Sorbonne, foi meu professor quando ainda andava de calça curta em Agudos-SP e depois, em Petrópolis-RJ, já frade, como professor de Liturgia e da teologia dos Padres da Igreja antiga. Obrigava-nos a lê-los nas linguas originais em grego e latim, o que me infundiu um amor entranhado pelos clássicos do pensamento cristão. Depois foi eleito bispo auxiliar de São Paulo. Para protegê-lo porque defendia os direitos humanos e denunciava, sob risco de vida, as torturas a prisioneiros políticos nas masmorras dos órgãos de repressão, o Papa Paulo VI o fez Cardeal.

Embora profético mas manso como um São Francisco, sempre manteve a dimensão de esperança mesmo no meio da noite de chumbo da ditadura militar. Todos os que o encontravam podiam, infalivelmente, ouvir como eu ouvi, esta palavra forte e firme: "coragem, em frente, de esperança em esperança".

Coragem, eis uma virtude urgente para os dias de hoje. Gosto de buscar na sabedoria dos povos originários o sentido mais profundo dos valores humanos. Assim que na reunião da Carta da Terra em Haia em 29 de junho de 2010, onde atuava ativamente sempre junto com Mercedes Sosa enquanto esta ainda vivia, perguntei à Pauline Tangiora, anciã da tribo Maori da Nova Zelândia qual era para ela a virtude mais importante. Para minha surpresa ela disse:"é a coragem". Eu lhe perguntei: "por que, exatamente, a coragem?" Respondeu:

"Nós precisamos de coragem para nos levantar em favor do direito, onde reina a injustiça. Sem a coragem você não pode galgar nenhuma montanha; sem coragem nunca poderá chegar ao fundo de sua alma. Para enfrentar o sofrimento você precisa de coragem; só com coragem você pode estender a mão ao caído e levantá-lo. Precisamos de coragem para gerar filhos e filhas para este mundo. Para encontrar a coragem necessária precisamos nos ligar ao Criador. É Ele que suscita em nós coragem em favor da justiça".

Pois é essa coragem que o Cardeal Arns sempre infundiu em todos os que, bravamente, se opunham aos que nos seqüestraram a democracia, prendiam, torturavam e assassinavam em nome do Estado de Segurança Nacional (na verdade, da segurança do Capital).

Eu acrescentaria: hoje precisamos de coragem para denunciar as ilusões do sistema neoliberal, cujas teses foram rigorosamente refutadas pelos fatos; coragem para reconhecer que não vamos ao encontro do aquecimento global mas que já estamos dentro dele; coragem para mostrar os nexos causais entre os inegáveis eventos extremos, conseqüências deste aquecimento; coragem para revelar que Gaia está buscando o equilíbrio perdido que pode implicar a eliminação de milhares de espécies e, se não cuidarmos, de nossa própria; coragem para acusar a irresponsabilidade dos tomadores de decisões que continuam ainda com o sonho vão e perigoso de continuar a crescer e a crescer, extraindo da Terra, bens e serviços que ela já não pode mais repor e por isso se debilita dia a dia; coragem para reconhecer que a recusa de mudar de paradigma de relação para com a Terra e de modo de produção pode nos levar, irrefreavelmente, a um caminho sem retorno e destarte comprometer perigosamente nossa civilização; coragem para fazer a opção pelos pobres contra sua pobreza e em favor da vida e da justiça, como o fazem a Igreja da libertação e Dom Paulo Evaristo Arns.

Precisamos de coragem para sustentar que a civilização ocidental está em declínio fatal, sem capacidade de oferecer uma alternativa para o processo de mundialização; coragem para reconhecer a ilusão das estratégias do Vaticano para resgatar a visibilidade perdida da Igreja e as falácias das igrejas mediáticas que rebaixam a mensagem de Jesus a um sedativo barato para alienar as consciências da realidade dos pobres, num processo vergonhoso de infantilização dos fiéis; coragem para anunciar que uma humanidade que chegou a perceber Deus no universo, portadora de consciência e de responsabilidade, pode ainda resgatar a vitalidade da Mãe Terra e salvar o nosso ensaio civilizatório; coragem para afirmar que, tirando e somando tudo, a vida tem mais futuro que a morte e que um pequeno raio de luz é mais potente que todos as trevas de uma noite escura.

Para anunciar e denunciar tudo isso, como fazia o Cardeal Arns e a indígena maori Pauline Tangiori, precisamos de coragem e de muita coragem.

Leonardo Boff é teólogo
(Fund. Lauro Campos)

Palestina III

Seis olhares sobre o reconhecimento da Palestina na ONU
A rede Al Jazeera ouviu seis pessoas, conhecedores da realidade política do Oriente Médio, para falar sobre o pedido de reconhecimento do Estado palestino na ONU. A conversa levanta algumas interrogações:O reconhecimento porá um fim na ocupação israelense? Ele alterará o papel diplomático dos EUA na região? Trará os palestinos e israelenses de volta à mesa de negociações? Ou inspirará uma mobilização social palestina?
Roxanne Horesh - Al Jazeera

Uma delegação de líderes palestinos voou para Nova York para a abertura da Assembleia Geral da ONU, que começou em 19 de setembro, para requerer a participação de um estado palestino como membro pleno da organização.

Altos oficiais da Organização para Libertação da Palestina (OLP) disseram que iriam ao Conselho de Segurança. À proposta palestina opõem-se Israel e Estados Unidos, com o último ameaçando vetar qualquer proposta de participação plena na ONU.

Esse movimento diplomático de alto risco chamou a atenção internacional e atraiu controvérsia. Especialistas e analistas dizem que o destino da proposta é incerto. Eles concordam que marca uma mudança de estratégia, frente às negociações bilaterais anteriores, que até agora fracassaram em trazer à tona um estado palestino.

Alguns são céticos quanto ao movimento e várias questões permanecem em aberto. O reconhecimento do estado palestino porá um fim na ocupação israelense? Ele alterará o papel diplomático dos EUA na região? Trará os palestinos e israelenses de volta à mesa de negociações? Ou inspirará uma mobilização social palestina?

A Al Jazeera falou com acadêmicos, analistas e ativistas, e lhes perguntou o que eles pensavam da proposta palestina. Qual é a estratégia da Organização para a Libertação da Palestina na ONU, e quais as repercussões possíveis para todos os envolvidos? Aqui estão as respostas:

Avi Shlaim, professor de relações internacionais na Universidade de Oxford e fellow do Saint Antony’s College. Nasceu em Bagdá em 1945 e cresceu em Israel. É um acadêmico globalmente renomado em assuntos relacionados ao conflito israelo-palestino.

O pano de fundo da proposta é a experiência palestina nos últimos vinte anos, desde o começo dos processos apresentados na Conferência de Madri, em 1991. Vamos olhar para o que os EUA e Israel vêm fazendo. Os americanos estão mais distantes agora do que nos dois primeiros anos seguintes ao processo dos Acordos de Oslo [1993]. Yitzhak Rabin, o primeiro ministro israelense, foi assassinado em 1995 e tudo só piorou desde então. O presidente dos EUA George W. Bush foi um completo pesadelo para os palestinos. Ele deu a Sharon uma total liberalidade sobre os palestinos.

A opção para os palestinos de sentar e não fazer nada não é lá muito boa. A proposta de reconhecimento do Estado não muda coisa alguma na região, mas muda na arena internacional. Ele mudará os termos do debate e penderá a balança do poder internacional contra Israel e a favor dos palestinos. É um ato principalmente simbólico. Ele mudará a dinâmica de uma maneira muito simbólica.

Até agora os EUA e Israel controlaram o processo. A base das negociações se davam nos termos de Israel. Os palestinos tinham de negociar com Israel nos termos deste. Isso alterará as bases do jogo e mudará as regras do poder local. Tornará cristalino que a ocupação é ilegal e que Israel está construindo em território de um estado soberano.

Por que Israel e EUA estão histéricos a respeito da proposta na ONU, se ela não fará diferença alguma?

Eles estão histéricos porque até agora, nos últimos 20 anos, eles tiveram tudo ao seu modo. Havia o processo de paz patrocinado pelos EUA, que estava lentamente sendo levado a lugar nenhum, e Israel levando a cabo a sua agenda expansionista, fingindo envolvimento num processo de paz. Agora isso acabou. Não há fingimento.

Hassan Jabareen, advogado, fundador e diretor geral do Adalah, uma organização jurídica pelos direitos da minoria árabe em Israel. Ele também é professor nas escolas de direito de Israel desde 1998, como professor adjunto para assuntos relativos ao estatuto jurídico dos cidadãos palestinos de Israel.

A proposta de reconhecimento será internacionalmente considerada um passo legal vergonhoso na história do movimento nacional palestino. Não se trata de ser a favor ou contra a proposta, mas em minha análise legal a OLP não pensou em todas as hipóteses legais na proposta da ONU e em quais são as consequências legais dela.

Uma resolução que pode ser aceita pela Assembleia Geral da ONU em setembro de 2011 deveria ser legalmente lida tendo em vista a resolução 181, que estabelece a partição da Palestina. Quer dizer, a Resolução 181 de 1947 não pode contradizer a nova resolução de setembro de 2011. A regra de interpretação no direito internacional estabelece que a regra mais recente prevalece sobre a anterior ou devem ambas ser tomadas juntas, harmoniosamente.

A resolução 181 de 1947 estabelece a criação de dois estados, um estado judeu e um árabe. A despeito do fato de que os árabes foram contra a resolução, ela constitui a base legal para Israel como Estado soberano. É por isso que a Declaração de Independência do Estado de Israel repousa fortemente nesta resolução. Baseado no plano de partição, o estado judeu deveria situar-se nas fronteiras estabelecidas em 1947, que eram algo como 50% da Palestina. Hoje, Israel é reconhecido como estado soberano, embora não haja reconhecimento das suas fronteiras. Deve-se registrar que a posição da Corte Internacional de Justiça no que concerne ao muro [de separação] estabelece que a Linha Verde é uma fronteira de cessar-fogo – mas isso não significa que seja uma fronteira legal internacionalmente reconhecida.

O passo seguinte pode ser o estabelecimento de revisões legais da resolução de 1947, levando em consideração aspectos geográficos. Assim, o estado judeu estará no interior da Linha Verde, de 75% da Palestina, em vez de 50%, como o designado pela resolução que fez a partilha, em 1948.

Como a proposta de reconhecimento afeta o status dos refugiados?

A resolução 194, de 1948 estabelece que os palestinos têm o direito de retorno e de compensação. Há uma interpretação segundo a qual a resolução 194 permanece válida. Outra interpretação é que a resolução de setembro de 2011 cria dois estados étnicos: Israel como estado judeu, e não como um estado judeu-árabe e a Palestina como um estado palestino e não palestino-árabe. Para manter a ordem étnica, o direito de retorno deveria ser exercido no novo estado da Palestina, mas sem se perder de vista o direito de compensação.

Como a resolução possivelmente afetará os cidadãos palestinos de Israel?

Pode-se argumentar que, se a resolução de setembro de 2011 for baseada no critério da etnicidade de dois estados para dois grupos, então os direitos dos grupos palestinos em Israel, tais como direitos culturais e linguísticos, deveriam ser exercidos no novo estado (da Palestina) como a ex-ministra do exterior de Israel, Livni Tzipi sugeriu há alguns dias.

A legislação internacional de direitos humanos é mais forte que as resoluções da ONU. Ela estipula que todo estado dever tratar seus cidadãos igualmente e que todo refugiado deve retornar a sua terra natal. Então, a resolução de setembro de 2011 pode criar uma nova luta entre a legislação internacional de direitos humanos, a qual ironicamente será invocada pelos palestinos, e as resoluções da ONU, que afetam as relações internacionais entre estados.

Daniel Levy é ex-assessor do gabinete de ministros de Israel e hoje é analista baseado nos EUA. Dirige atualmente a Força Tarefa Oriente Médio, na Fundação Nova América e é um editor do canal Foreign Policy’s Middle East [Política Externa do Oriente Médio]

Esta ação levada a cabo pela Organização para a Libertação da Palestina na ONU não tem um sentido estratégico e está tentando encontrar algum fundamento político. Eu penso que a proposta está ocupando um vácuo de estratégia e portanto minha análise do que pode ocorrer na ONU está baseada em ela ser uma consequência da frustração política e da ansiedade.

O movimento não é algo que nasceu de uma crítica incisiva e de uma reavaliação de um padrão de conduta voltado ao avanço de suas causas. Ir a ONU faria mais sentido como um passo numa estratégia multifacetária de trazer à tona uma conquista nacional.

A despeito da falta de intencionalidade clara, se os palestinos conseguirem o que querem, apenas vencendo na Assembleia Geral, então isso já lhes dará um pouco mais de recursos nas organizações internacionais. Nada disso é automático.

O único caminho viável para os palestinos se tornarem membros plenos na ONU é por meio do Conselho de Segurança, e esta rota está bloqueada pela certeza do veto dos EUA. Fracassar no Conselho de Segurança pode ser em si mesmo um processo de prolongamento. Qualquer movimento certamente viria a ser considerado por um comitê técnico da proposta como um todo e isso levaria tempo.

Se forem ao Conselho de Segurança, os palestinos podem perder a opção de levar a proposta à Assembleia Geral, quando terão os holofotes sobre si. Eles podem ter esse seu momento na ONU desviado por um cansativo e longo comitê de deliberação.

Noura Erakat é uma advogada defensora dos direitos humanos e escritora. Atualmente é professora adjunta de direitos humanos internacionais no Oriente Médio na Universidade Georgetown e é a representante nos EUA da Coordenação de Advocacia do Centro Badil para os direitos dos palestinos refugiados e residentes [http://www.badil.org/].

Uma das maiores preocupações e a razão por que esta proposta criou uma polarização na comunidade palestina tem sido o fato de que não está claro qual é o objetivo deste reconhecimento pela OLP.

Pode-se dizer que, teoricamente, é autoevidente que isto é algo por que os palestinos vem trabalhando explicitamente, a saber, por seu próprio estado, desde 1988 – desde a conferência da OLP em Alger. Mas não houve um encontro preparatório da OLP para a ONU; foi uma decisão unicamente executiva do presidente de ir em busca do reconhecimento do estado. Isso gera muito ceticismo em relação a por que um reconhecimento do estado. Por que agora? E qual é a estratégia?

O ato [de buscar o reconhecimento] consistira, basicamente, em dizer: “agora temos nossas relações diplomáticas sérias com os EUA e estamos tentando fazer algo diferente”.

Eu tenho escutado rumores de que há uma grande preferência em se ir à Assembleia Geral, em vez de ao Conselho de Segurança. Eu estou 110% convencida de que a atual liderança palestina não está preparada para fazer isso [ir ao Conselho de Segurança]. Não é que os palestinos prefiram ou não um estado ou o que isso significa, mas a liderança não está preparada para fazer isso. Eles têm tratado a questão do reconhecimento do estado com uma visão de túnel.

Nós deveríamos estar perguntando: qual a estratégia correta mais ampla nesta conjuntura da determinação nacional palestina? O resultado dos Palestine Papers, que podem confidencialmente ser chamados de o fracasso do processo de paz e da solução dos dois estados, e o contexto da Primavera Árabe deveriam informar quais são as outras táticas e estratégias, inclusive quanto ao reconhecimento do estado. Seja como for, o que quer que façamos na ONU não é produtivo. Estamos nos predispondo a um risco para o qual parece improvável que estejamos preparados.

Dan Gillerman foi o 13° embaixador de Israel na ONU. Serviu na ONU de janeiro de 2002 a 2008. Está no momento em Nova York, para participar da Assembleia Geral.

Eu penso que o principal objetivo dos palestinos é tentar e conseguir o apoio do maior número de países no mundo... para reconhecê-los. Mas também penso que isso é um tipo de sinal de protesto e manifestação, porque eles provavelmente sentem que se trata do que o povo espera deles. Muito francamente, eu penso que estão cometendo um grande erro. Eu sei com certeza que muitos palestinos, muitos líderes palestinos e até o primeiro ministro [Salman] Fayyad pensa que é uma grande ideia. Isso de modo algum resultará em os próprios palestinos terem o seu próprio estado, mas ao mesmo tempo, pode criar grandes expectativas no seu povo.

Haverá muito drama na ONU, que é para todos os efeitos um teatro, e, depois do drama, os palestinos comuns em Nablus ou Ramallah ou em Jenin acordarão, olharão ao redor, e entenderão que nada mudou e ficarão muitos frustrados. Essa frustração pode levar à violência e desencaminhar qualquer possibilidade de retorno à mesa de negociação e de continuidade do processo de paz.

Eu era embaixador na ONU por quase seis anos, e posso dizer pessoalmente que ficaria muito feliz em levantar meu braço e votar por um estado palestino. Eu penso que os palestinos merecem seu próprio estado e devem ter seu próprio estado. Os líderes israelenses tem repetidamente expressado seu desejo de um estado palestino, mas o modo de obter isso não é por meio de uma declaração unilateral de independência, com nada mais do que um grande ato na ONU, mas por meio de negociações e acordos. No fim do dia, eles podem ter o reconhecimento da ONU, mas eles não terão um estado.

Uma razão por que o processo de paz não avança é que a atual administração dos EUA criou expectativas muito altas nos palestinos. Eles [os EUA] ... primeiro pediram o congelamento dos assentamentos, e então pediram o retorno às fronteiras de 1967. Como Mahmoud Abbas disse a vários líderes do mundo, Obama o empoleirou numa árvore alta e fugiu com a escada. Como ele pode ser menos palestino do que o presidente dos EUA?

Infelizmente, o que estamos testemunhando hoje é uma falação que tem tomado o lugar da negociação. Eu penso que um dos problemas é que o processo de paz se tornou muito público e isso realmente o transformou numa coletiva de imprensa. Eu penso basicamente que há duas coisas na vida que as pessoas não deveriam fazer em público – fazer sexo e negociar a paz – e ambas as coisas devem ser feitas com os olhos levemente fechados e à meia luz. Aquilo de que precisamos é um muito secreto, discreto e tranquilo canal paralelo que reunirá ambas as partes na mesa de negociações e que obtenha um acordo sobre a criação do estado palestino.

Husam Zomlot é um alto oficial do Departamento de Relações Exteriores do Fatah. Ele cresceu no campo de refugiados de Rafah em Gaza, antes de estudar na Universidade Birzeit, em Ramallah e obteve o doutorado na London School of Economics. Ele está atualmente em Nova York, representando a OLP na Assembleia Geral da ONU.

Estou apoiando a proposta e tomando parte na sua negociação por várias razões. Nós nos engajamos com a comunidade internacional num processo que ao fim será um estado.

De acordo com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional e de acordo com os organismos da ONU, nós fizemos o trabalho que nos prepara para um estado. Podemos assumir a responsabilidade de um país de renda média. Agora chegou a hora da outra parte do contrato, a comunidade internacional, que tem contribuído financeiramente, para nos reconhecer. Se o estado não vem à tona bilateralmente, deve vir multilateralmente.

Há três principais benefícios que inspiraram ou dirigiram nosso movimento – o legal, o político e o estratégico. Legalmente, isso estabelecerá uma paridade legal, como um estado. A ideia principal é [ser um estado] para defesa e para prevenir ataques. Há muita conversa a respeito do Tribunal Penal Internacional e como, enquanto um estado, poderemos recorrer a ele. Nossa intenção é não apenas abrir processos, mas impedir que um crime aconteça. Legalmente, um estado palestino é uma arma de dissuasão. Nós não vamos nos engajar em ataques, como faz Israel. Nossa dissuasão é o direito internacional. Soldados nos checkpoints vão pensar duas vezes antes de machucarem uma mulher na fronteira.

Em termos políticos, já vencemos metade do jogo. Nós reforçamos na agenda internacional a necessidade de um estado palestino. Esta é uma causa importante e nada garantirá a sua prioridade. Agora, todo ativista e jornalista tem falado sobre a Palestina. Então, nossa causa política já foi alcançada.

Estrategicamente, nosso interesse é desafiar o status quo. Você pode perguntar “Como isso vai desafiar o status quo? Como Israel manteve o status quo por quase vinte anos?”. O processo bilateral não leva a lugar algum, e uma das ferramentas para sustentar o status quo eram as próprias negociações. Nós interrompemos isso, e o fizemos estrategicamente. Negociações com base em termos pré-estabelecidos só estavam procrastinando as coisas. Os termos de referência foram criados e aceitos por Israel antes mesmo de começarmos. Nós não estamos de volta aos períodos passados de nonsense.

Nossa meta é sermos membros plenos na ONU. Faremos na ONU o caminho mais rápido – o mais rápido que nos leve ao nosso destino final.

Tradução: Katarina Peixoto
(Carta Maior)

Palestina II

Internacional| 22/09/2011 | Copyleft
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"A Autoridade Palestina colocou Israel em apuros"
Em entrevista à Carta Maior, o historiador israelense Meir Margalit analisa a iniciativa palestina em busca do reconhecimento de seu Estado na ONU e as consequências sobre a política israelense. Pacifista e militante do Meretz, pequeno partido da esquerda israelense, Margalit destaca que o presidente da Autoridade Palestina pôs Israel em apuros e fala sobre as contradições da sociedade israelense e a crise da esquerda em seu país.
Eduardo Febbro - Direto de Jerusalem

Restam muito poucos. É preciso buscá-los com insistência, mas eles estão ali, presentes, solidários, fiéis a si mesmos, dignos, ativos, militantes, apoiados no humanismo que sustenta sua tradição política e comprometidos com a ação: são os homens e mulheres que representam a esquerda israelense, aqueles que, em um momento em que a esquerda de Israel era tragada no redemoinho eleitoral, ganharam um mandato nas urnas. Meir Margalit é um deles. Legislador da Municipalidade de Jerusalém, secretário geral do movimento israelense contra a demolição de casas (palestinas), ICAHD, Margalit é um pacifista em um país armado, cuja calma e determinação força muros inacessíveis.

Historiador e homem político, nesta entrevista à Carta Maior, Margalit assegura que o presidente da Autoridade Palestina pôs Israel em apuros e destaca as contradições nas quais está mergulhada a sociedade israelense, reconhecendo a crise pela qual passa a esquerda de seu país.

Como você analisa o pedido de reconhecimento do Estado palestino que Mahmud Abbas formaliza ante a ONU. É um erro estratégico, um gesto desesperado ou apenas um mero gesto simbólico que não acrescenta nada?

Não, não, de modo algum é um fracasso de Abbas. Muito antes de o pedido de Mahmud Abbas chegar às Nações Unidas, os palestinos já tinham vencido. E ganharam porque é a primeira vez, desde muito tempo, que eles dão o rumo geopolítico da agenda e da região. É também a primeira vez que conseguem pôr Israel em apuros. Faz muito tempo que Israel não conhece uma situação semelhante. Os palestinos encurralaram Israel, obrigaram-no a explicar ao mundo por que se negam a reconhecer um país.

Os palestinos colocaram Israel em uma situação grotesca. Eu creio que, desde essa perspectiva, os palestinos ganharam. Israel está se desgastando progressivamente. Apesar do veto dos Estados Unidos ao reconhecimento do Estado palestino, quando há mais de 130 países que votam a favor da Palestina isso equivale a uma mensagem muito clara dirigida a Israel.

Está se dizendo ao país: senhores, se vocês seguirem esse caminho, deixarão de fazer parte da grande família de países civilizados. Trata-se, então, de um grande êxito dos palestinos. É preciso mirar o impossível para obter algo possível. O que hoje parece impossível será possível cedo ou tarde. Mahmud Abbas teve muita coragem. Dizer não aos EUA como fez Abbas é um ato de saúde mental. Não conheço muitos líderes no mundo que sejam capazes de dizer aos Estados Unidos: “lamento amigo, mas não estou de acordo com o que vocês fazem”. Estou convencido de uma coisa: se Israel seguir neste caminho vai colapsar. Não sei se em 20 ou 30 anos, mas esse caminho nos leva a um precipício. Se alguém não nos detiver, e digo alguém porque nós não temos nem a motivação nem o incentivo para parar, terminaremos nos destroçando em um precipício.

Quem parece ter cometido um erro estratégico é o primeiro ministro Benjamin Netanyahu. Ao invés de aceitar a possibilidade de um Estado Palestino e acompanhar a decisão impondo condições básicas para Israel, o Executivo se fechou na ameaça e na cegueira.

Por ser um estúpido, Netanyahu caiu na armadilha. Mas essa é a estupidez típica de todos os nacionalistas. Quando, em algum momento, o nacionalismo assume o controle, perde-se um pouco a sensatez. Netanyahu e o governo israelense a perderam. Sob a influência de grupos extremamente direitistas, Netanyahu errou o cálculo: em vez de fazer um cálculo nacional, fez um cálculo eleitoral.

A sociedade israelense parece ter um olhar duplo que, por curioso que pareça, revela uma mudança: por um lado tem medo de que Israel perca iniciativa e legitimidade, e, por outro, observa os fenômenos que se produzem com uma posição menos intransigente que antes.

É certo que existem mudanças substanciais na sociedade israelense. A mais fundamental é que hoje, no discurso nacional, estão se dizendo coisas que, há dez anos, não se podiam dizer. Por exemplo, há uma década a postura israelense consistia em dizer: não se devolvem territórios. Hoje, em troca, a questão mudou para converter-se em uma pergunta: que porcentagem de territórios é preciso devolver? Esta pergunta é muito transcendente e se a observamos sob um olhar de longo prazo vemos em seguida que se produziu uma mudança substancial. Se antes as pessoas se negavam a contemplar a possibilidade de devolver territórios, hoje compreende que é preciso devolver esses territórios e a discussão se concentra em saber em que porcentagem. Aqui, porém, ocorrem coisas contraditórias.

Por um lado, a sociedade israelense está disposta a considerar a possibilidade de terminar com a ocupação. As pessoas estão muito agoniadas com isso. Por outro lado, e isso é o paradoxal, segue votando nos partidos de direita enquanto que a extrema direita é cada vez mais forte e cada vez mais fundamentalista. Devo admitir que, aqui em Israel, os processos não são pretos ou brancos, há situações paradoxais, contraditórias. Estamos, então, diante de processos que apontam para direções distintas. É importante destacar uma coisa: nunca a esquerda israelense esteve tão mal no Parlamento e, no entanto, nota-se que o discurso nacional aceita ou repete o que a esquerda vem dizendo há muitos anos. E o que diz a esquerda israelense? Diz que é preciso acabar com a ocupação. Hoje, a maioria das pessoas, incluindo o primeiro ministro Benjamin Netanyahu, diz que essa ocupação terá que acabar em algum momento. Encontramos então outro paradoxo: a esquerda nunca esteve pior e também nunca esteve melhor.

Por acaso o surgimento dessa frente interna que nasceu com os jovens israelenses, os indignados, pode modificar o peso da balança política ou esse foi somente um fenômeno passageiro?

Creio que isso será absolutamente insignificante, não transcendental e em nada mudará o panorama político porque as eleições são dentro de dois anos e a memória do israelense médio é demasiado curta. Essas pessoas foram demasiadamente pacíficas para que o governo as levasse a sério. Aqui não houve piqueteros e não se queimou sequer um pneu ao longo de dois meses. Diante de manifestações dessa índole, fica muito fácil para o governo manipulá-las e deixá-las passar. Rapidamente ocorre algum arranjo cosmético, mas em regra geral não vejo que os indignados deixem uma marca na sociedade israelense.

Como se pode explicar o abismo no qual caiu a esquerda israelense? Ela praticamente despareceu como ator político, carece de credibilidade e de capacidade de mobilização, é uma voz ausente no jogo político nacional. Desapareceu como discurso, como peso político, como mensagem e como sentido.

Se falamos do trabalhismo isso é certo. Mais do que uma mudança, o trabalhismo sofreu uma degeneração, Hoje sabemos que o trabalhismo nunca foi de esquerda, usavam slogans esquerdistas, mas levavam na prática uma política capitalista e nacionalista. Não se pode ser socialista e também tão sionista como é o trabalhismo. Que resta então da esquerda aqui? Em última instância, sobramos nós, o Meretz. Meu pequeno partido tem hoje três membros no Parlamento, que conta com 120 acentos.

Estamos no limite de desaparecer porque fomos leais a nossas consignas. Era muito mais fácil tomar um caminho mais direitista e nacionalista e, dessa forma, ganhar alguns votos mais. Nós fomos consequentes e pagamos o preço. A partir do ano 2000 este país foi para a direita. Ficou mais de direita, mais fundamentalista, mais religioso. A presença de um personagem tétrico como o ministro de Relações Exteriores, Lieberman, me diz que nos convertemos em um país fascista. Essa é a melhor prova de que Israel se degradou muito. Por quê? Alguns dirão que é uma reação lógica aos atentados palestinos doa anos 2000, outros dirão que isso tem a ver com complexos que vem da época do Holocausto, outros dirão que persistem questões que estão nas próprias raízes do movimento sionista. Seja como for, está claro que a esquerda israelense está em crise.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer



Fotos: Eduardo Febbro

(Carta Maior)

Palestina

Com orgulho e alegria, palestinos celebram dia da dignidade
O orgulho e a emoção brotavam dos milhares de palestinos reunidos em Ramallah. “Este é o dia mais feliz da minha vida”, dizia um membro da Autoridade Palestina. Há muitos anos que não se via palestinos tão felizes e cheios de orgulho, fazendo corpo com seu presidente. Não temos ilusões. “Sabemos que isso é só um começo, um passo curto em uma história muito longa, mas não é um passo vazio, não é um passo violento, é um passo que nos legitima, que nos faz visíveis aos olhos do mundo".
Eduardo Febbro - Direto de Jerusalém e Ramallah, na Cisjordânia

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Às vezes a história atravessa as entranhas, é música, cor, bandeiras, cantos e o poema de Mahmud Darwich que o locutor da praça Al-Manara vai recitando enquanto a multidão palestina que veio escutar Mahmud Abbas apresentar, perante a ONU, o pedido de reconhecimento do Estado Palestino, celebra essas palavras feitas de amor e alento: “eu nasci aqui e meu sonho é morrer aqui”. Os cantos e a alegria se fizeram mais potentes quando os homens do palanque foram dizendo, um após outro, os nomes dos países que apoiam o Estado Palestino.

Antes, os organizadores da concentração organizada na praça central de Ramallah tinham destacado as frases mais significativas pronunciadas pelos líderes mundiais nas Nações Unidas. A da presidenta argentina dizia: “com a Palestina como Estado 194 da ONU o mundo será mais seguro e mais justo”. A Autoridade Palestina quis evitar os distúrbios, mas os jovens foram mesmo assim para as imediações do check-point de Kalandia jogar pedras nos soldados , que respondiam do lado de dentro do muro. Cenas repetidas, desproporcionais, na história destes dois povos: jovens com bodoques e pedras, soldados treinados e com armas modernas.

A sexta-feira começou com proibições. Pela rua central de Jerusalém, Jaffa Street, um grupo de israelenses manifestava-se livremente de bicicletas contra a circulação de automóveis. 600 metros abaixo, os árabes tinham restringida a passagem ao núcleo mais denso da Cidade Velha, a Esplanada das Mesquitas. Israel deslocou cerca de 22 mil homens para garantir a segurança. Entre a porta de Herodes e a de Damasco, do mesmo modo que nos outros acessos à Cidade Velha, os palestinos homens menores de 50 anos tinham a entrada proibida. “Eles controlam meu destino e minha liberdade quando tem vontade”, dizia com raiva Hamad, um habitante de Jerusalém Oriental. “Mas não importa”, acrescentou, “ninguém nos tirará o orgulho de viver esse dia”.

O orgulho e a emoção brotavam dos milhares de palestinos reunidos em Ramallah. “Este é o dia mais feliz da minha vida”, dizia um membro da Autoridade Palestina. Há muitos anos que não se via palestinos tão felizes e cheios de orgulho, fazendo corpo com seu presidente. Não temos ilusões. “Sabemos que isso é só um começo, um passo curto em uma história muito longa, mas não é um passo vazio, não é um passo violento, é um passo que nos legitima, que nos faz visíveis aos olhos do mundo, um passo que veio desde cima para dar dignidade a nós, os de baixo”, dizia Nabil, outro palestino da Praça Al Manara. Olhos cheios de lágrimas, negros, profundos, olhos que esqueceram em um instante as humilhações sofridas. Tinha vindo com as chaves da casa na qual viviam seus avós, expulsos de suas terras pela ocupação israelense. Só lhe tinha sobrado isso, mas saltava como uma criança com as chaves na mão.

O governo de Benjamin Netanyahu fez previsões dramáticas. Antecipou mortos, brigas populares, piquetes, levantes e distúrbios que, em grande medida, não ocorreram. “Este é o dia da verdade e não o dia da violência”, repetiam os dirigentes da Autoridade Palestina. O Executivo israelense insistiu nesse discurso: os palestinos sempre foram, são e serão uma ameaça para a segurança de Israel. Não ocorreu o esperado. A Autoridade Palestina também se meteu no jogo e agiu para aplacar os excessos. Era um dia de dignidade e não para a morte. Mas houve uma: Issam Kamal Odeh, um palestino de 35 anos que protestava com um grupo de 400 pessoas na localidade de Qusra, ao norte dos territórios, em Naplusa. Os colonos da zona provocaram o enfrentamento. Montaram uma contra-manifestação para defender a propriedade desse território. Palestinos e colonos se enfrentaram a pedradas. O exército israelense abriu fogo e Issam Kamal Odeh caiu nessa refrega.

O oficialismo evidente dos festejos de Al Manata, praça rebatizada Praça Arafat, não mascarou a autenticidade das expressões de alegria. O chamado “dia da verdade” foi paradoxal. As pessoas terminaram gritando o nome de seu presidente, Mahmud Abbas, mas este dirigente seco, sem encantos nem muito carisma, também arrasta um déficit de legitimidade democrática substancial. Ontem subiu ao céu do reconhecimento. Os palestinos gritaram seu nome, junto ao nome de Arafat. Façanha de um instante que ainda não garante o caminho da paz, nem tampouco o duro trabalho da reconciliação palestina entre as lideranças da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, controlada pelos fundamentalistas do Hamas. O Hamas se opõe a tudo, começando pelo pedido de reconhecimento do Estado Palestino na ONU e terminando pela própria existência de Israel.

O Hamas quase não existe na Cisjordânia. A polícia secreta palestina segue-os de perto, não os deixa falar nem existir. Mahmud Abbas e o primeiro ministro de Gaza, Ismail Haniyé, estão separados por um abismo, que não é só político, mas também territorial: Gaza fica do lado oposto ao da Cisjordânia. Há duas palestinas que precisam ser unidas.

Mas a ilusão de uma terra reconhecida, o espaço que o tema palestino ocupou rapidamente na comunidade internacional, a maioria esmagadora de países que apoia o Estado Palestino, tudo isso deixou uma sensação de novo amanhecer, de perspectiva tangível. Orgulho e alegria sem enganos, alegria lúcida, como as palavras de Mahmud Anhel, um comerciante palestino de 50 anos que saltava e cantava com sua mulher e seus filhos na Praça Arafat: “o que mais podemos fazer, tínhamos o futuro bloqueado e agora surgiu isso, quase nossa única solução. É emocionante e importante. Admito e admitimos que talvez o fracasso nos aguarde, mas isso é novo como a água fresca, novo e diferente”.

Qais Abu, outro palestino da praça, mais jovem e combativo, dizia, com uma bandeira palestina na mão e um retrato de Mahmud Abbas na outra: “sabe que o mundo se deu conta de coisa com essa história da ONU. Todos falam e falam de Nova York da liberdade, liberdade daqui, liberdade de lá, mas o único povo que não a tem é o nosso porque vivemos sob ocupação. Se isso ficar claro teremos ganho um século de reconhecimento sem disparar um só tiro”.

Já é tarde, Agora, Jerusalém oriental também festeja, atravessando a meia noite. Carros com frondosas bandeiras palestinas circulam pela cidade, na artéria que circunda a Cidade Velha. O mesmo grito se repete a cada automóvel, como um eco ressoando no coração da noite de Jerusalém Oriental: “Palestina Livre”. Um sonho. Uma esperança. Uma condição para, enfim, viver em paz.

Tradução: Katarina Peixoto



Fotos: Eduardo Febbro
(carta maior)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

EUA

A crise dos Estados Unidos contra si mesmo
Javier Lewkowicz
Jornalista Página 12
Adital
Tradução: ADITAL

Theotônio dos Santos, a situação mundial e os novos governos da América Latina


Theotonio Dos Santos, uma referência do
pensamento latino-americano e da Teoria da
Dependência dos '60, em Buenos Aires.

Referência do pensamento latino-americano dos anos 60, o intelectual brasileiro assinala nessa entrevista os graves erros dos governos dos Estados Unidos na condução do sistema e como gerou o atual predomínio do capital financeiro.

Theotônio dos Santos é uma referência do pensamento latino-americano. Brasileiro, fez parte de um grupo de intelectuais que, nos anos 60, propuseram pela primeira vez que o atraso e o subdesenvolvimento constituíam a outra face do desenvolvimento econômico nos países centrais. Que o subdesenvolvimento não poderia ser entendido sem avaliar o modo pelo qual os países centrais avançaram. Desse modo, a "teoria da dependência” rompeu com a ideia ingênua, proveniente das usinas do pensamento tradicional, de que o desenvolvimento é um processo linear e ahistórico vinculado à maturação das estruturas econômicas. De visita à Argentina para participar do seminário de economia organizado pela Universidad de las Madres de la Plaza de Mayo e apresentar seu último livro ‘Marxismo e Ciências Sociais. Uma revisão crítica', Theotônio dialogou com Página/12 e analisou com profundidade os fatores que explicam a crise mundial e as mudanças políticas na América Latina após a devastação neoliberal. "esses governos são fruto dos processos de democratização e da crítica ao neoliberalismo”, assinalou.

Que avaliação você faz da atual fase da crise mundial?

- Essa crise acontece em um contexto de mudanças estruturais que vêm operando desde a década de 90, que reforçam uma tendência do capitalismo em âmbito mundial que necessita do Estado para funcionar, apesar de que a retórica neoliberal oculte isso. O déficit comercial dos Estados unidos aumentou desde os anos 80, com Ronald Reagan, de 50 ou 60 bilhões para 300 bilhões de dólares. O déficit público também aumentou em uma quantia similar, porque os dois déficits se combinam: os excedentes retidos pelos exportadores que vendem aos Estados Unidos se convertem em títulos da dívida pública e, dessa forma, o déficit fiscal é coberto. Nos anos 90, houve uma tentativa de diminuir o gasto, sobretudo no setor militar, e recuperar o plano fiscal; porém, a entrada de George W. Bush, também um neoliberal, significou, de imediato, a mesma política de déficit fiscal colossal. E os EUA funcionaram com um déficit crescente que chegou aos 500 ou 600 bilhões de dólares. Esse tipo de política reforça o capital financeiro porque esses títulos de dívida são operados pelo setor financeiro, que os transforma em derivados e consegue multiplicar por cinco o valor. De repente, há um setor financeiro gigantesco operando, que aumentou ainda mais com a especulação imobiliária que supervalorizou as propriedades.

Costuma-se dizer que o desequilíbrio nas contas estadunidenses é consequência da falta de regulação. Aqui, o Estado estaria cumprindo um papel central para o funcionamento do sistema.

- Não se trata de um Estado ausente. É uma presença necessária para o funcionamento, porque esse funcionamento não é lógico economicamente. Tem uma lógica de intervenção, tipicamente intervencionista. Inclusive, quando a crise vem e ameaça a sobrevivência dos bancos, se utiliza o Estado. É o Estado, não o governo, porque Obama, com algumas diferenças, continua com a política de Bush, de sustentar o setor bancário, mesmo quando está claro que este está quebrado. Não defendem as pessoas que estão perdendo seu dinheiro devido a queda do valor dos imóveis que compraram. O dinheiro vai para os bancos, para que sejam reforçados, sejam reestruturados e continuem, mesmo sem que se saiba para que. É um sistema inútil.

O senhor é crítico com relação ao tipo de intervenção que os governos europeus implementam ante a crise?

- Não diria como crítica. É uma análise. Não creio que eles tenham uma solução melhor, pelo menos para sua classe social, para que sobreviva essa gente que não faz nada, exceto criar as condições para manter-se no poder a custas da grande maioria da população. Porém, não se consegue localizar exatamente onde está o problema.

Por que predomina o capital financeiro?

- É um predomínio construído pelo Estado, porque o capitalismo como sistema produtivo já não oferece aos representantes da grande propriedade concentrada muita oportunidade de lucro. A taxa de lucro tende a cair. Há períodos de recuperação; porém, é tênue em relação ao nível de consumo e de poder que essa gente desenvolveu. Além disso, o avanço da revolução científico-teconológica exige investimentos colossais em ciência, tecnologia e desenvolvimento de inovações. Esse tipo de investimento torna-se possível porque o sistema gera um excedente econômico enorme. Por exemplo, a produtividade nos anos 90 aumentou nos EUA cerca de 4% ao ano e os salários caíram. Isso é um excedente gigante que fica apropriado através de diversos mecanismos, com o apoio do Estado para condicionar as pessoas e limitar sua capacidade de reivindicação.

A crise reflete um esgotamento? Pode inaugurar uma nova fase do sistema capitalista?

- Creio que ainda estamos em uma fase de expansão do paradigma tecnológico baseado na robotização, que está se estendendo por quase todo o sistema produtivo e gera um aumento muito grande na produtividade. O capitalismo mostra uma grande capacidade de absorção do excedente; porém, fundamentalmente, o faz desde a via estatal. A dívida pública é uma grande base de toda essa especulação financeira, juntamente com as medidas que permitem ao setor privado operar com certa independência, e que obrigam a economias inteiras a manejar-se de acordo com isso. Refiro-me aos bancos centrais, que não são neutros. Desregulam por política. Colocam por detrás um arrazoado econômico absurdo e ensinam isso nas universidades, na televisão e no rádio. É uma forma de sobrevivência do capitalismo, que exige uma pressão extremamente forte do Estado. Isso sobrevive graças ao capitalismo de Estado.

Por que nos últimos anos surgiram na América Latina governos que partilham profundas diferenças em relação aos seus antecessores dos anos 90?

- Esses governos são fruto dos processos de democratização da região e da crítica ao neoliberalismo. Após um trabalho de opinião pública colossal, ajudado por acontecimentos políticos, como a queda da União Soviética, as pessoas acreditam que não há outra opção que uma economia capitalista e mais precisamente um capitalismo de livre mercado que, na realidade, nuca existiu e nem vai existir, porque estamos ante grandes monopólios e capitalismos de Estado crescente. Um exemplo interessante se dá no Chile, onde houve 20 anos de terror e agora, de repente, as pessoas começam a ver o que acontece. Há uma crítica muito forte e isso se deriva da situação democrática que se combina com uma situação econômica dramática no mundo, o que cria as condições para que as pessoas busquem alternativas. Em meu livro ‘Del terror a la esperanza' enfatizo que o neoliberalismo foi uma operação intelectual pela qual se criou um clima para instalar a ideia de que se tratava do pensamento do futuro, quando na realidade a base dessa construção teórica é copiada do século XVIII. E, de repente, as pessoas que pensavam no póscapitalismo eram os velhos. Uma coisa incrível como operação intelectual. Por trás disso havia um sistema financiando, oferecendo posições de poder. Porém, sobretudo, estava o terror de Estado. O neoliberalismo está fundado no terror. O Grupo de Chicago, por exemplo, teve o primeiro governo a sua disposição com Pinochet. A associação entre o neoliberalismo e terror é histórica, apesar da ideia de que há uma relação entre liberalismo político, econômico e democracia. Democracia é poder do povo, voto universal. A ideia de liberdade não é uma ideia democrática, necessariamente.

METÉRIAS PRIMAS E TECNOLOGIA

Uma arma de negociação

Ante a ascensão da China e da melhora nos termos do intercâmbio, a América Latina deveria mudar sua estratégia de industrialização, como assinala a partir da ortodoxia?

- Temos que desenvolver uma política regional, impulsionar a integração e a conformação de um mercado regional, porque as escalas atuais de produção são muito grandes. A escala regional alcança para certo nível, apesar de que em alguns produtos de ponta, a escala é planetária. No entanto, há certos produtos minerais, naturais, onde nós temos condições de competir planetariamente, porque somos os únicos produtores. E, dessa forma, podemos entrar no novo paradigma tecnológico, baseado na biotecnologia.

Como evitar que isso derive em um esquema de especialização típico em recursos naturais?

- Isso depende de que se negocie realmente o uso dos recursos naturais com um alto grau de industrialização. Nós temos quase toda a produção de lítio na Bolívia e no Chile. Os bolivianos estão tentando montar um sistema de gestão para vender o lítio processado. Quem desejar comprá-lo, tem que aceitar essas condições. Com o apoio de toda América Latina, pode-se converter em um grande centro de desenvolvimento do lítio. Se toda a região se junta, pode se desenvolver nessa direção: uma indústria de matérias- primas bastante avançada, com alto grau de valor agregado. Não temos que tomar a chamada reprimarização como um problema e, caso não aceitemos simplesmente vender o produto primário, podemos ter a possibilidade de contar com um instrumento de negociação mundial muito forte e de desenvolvimento.

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