segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Palestina III

Seis olhares sobre o reconhecimento da Palestina na ONU
A rede Al Jazeera ouviu seis pessoas, conhecedores da realidade política do Oriente Médio, para falar sobre o pedido de reconhecimento do Estado palestino na ONU. A conversa levanta algumas interrogações:O reconhecimento porá um fim na ocupação israelense? Ele alterará o papel diplomático dos EUA na região? Trará os palestinos e israelenses de volta à mesa de negociações? Ou inspirará uma mobilização social palestina?
Roxanne Horesh - Al Jazeera

Uma delegação de líderes palestinos voou para Nova York para a abertura da Assembleia Geral da ONU, que começou em 19 de setembro, para requerer a participação de um estado palestino como membro pleno da organização.

Altos oficiais da Organização para Libertação da Palestina (OLP) disseram que iriam ao Conselho de Segurança. À proposta palestina opõem-se Israel e Estados Unidos, com o último ameaçando vetar qualquer proposta de participação plena na ONU.

Esse movimento diplomático de alto risco chamou a atenção internacional e atraiu controvérsia. Especialistas e analistas dizem que o destino da proposta é incerto. Eles concordam que marca uma mudança de estratégia, frente às negociações bilaterais anteriores, que até agora fracassaram em trazer à tona um estado palestino.

Alguns são céticos quanto ao movimento e várias questões permanecem em aberto. O reconhecimento do estado palestino porá um fim na ocupação israelense? Ele alterará o papel diplomático dos EUA na região? Trará os palestinos e israelenses de volta à mesa de negociações? Ou inspirará uma mobilização social palestina?

A Al Jazeera falou com acadêmicos, analistas e ativistas, e lhes perguntou o que eles pensavam da proposta palestina. Qual é a estratégia da Organização para a Libertação da Palestina na ONU, e quais as repercussões possíveis para todos os envolvidos? Aqui estão as respostas:

Avi Shlaim, professor de relações internacionais na Universidade de Oxford e fellow do Saint Antony’s College. Nasceu em Bagdá em 1945 e cresceu em Israel. É um acadêmico globalmente renomado em assuntos relacionados ao conflito israelo-palestino.

O pano de fundo da proposta é a experiência palestina nos últimos vinte anos, desde o começo dos processos apresentados na Conferência de Madri, em 1991. Vamos olhar para o que os EUA e Israel vêm fazendo. Os americanos estão mais distantes agora do que nos dois primeiros anos seguintes ao processo dos Acordos de Oslo [1993]. Yitzhak Rabin, o primeiro ministro israelense, foi assassinado em 1995 e tudo só piorou desde então. O presidente dos EUA George W. Bush foi um completo pesadelo para os palestinos. Ele deu a Sharon uma total liberalidade sobre os palestinos.

A opção para os palestinos de sentar e não fazer nada não é lá muito boa. A proposta de reconhecimento do Estado não muda coisa alguma na região, mas muda na arena internacional. Ele mudará os termos do debate e penderá a balança do poder internacional contra Israel e a favor dos palestinos. É um ato principalmente simbólico. Ele mudará a dinâmica de uma maneira muito simbólica.

Até agora os EUA e Israel controlaram o processo. A base das negociações se davam nos termos de Israel. Os palestinos tinham de negociar com Israel nos termos deste. Isso alterará as bases do jogo e mudará as regras do poder local. Tornará cristalino que a ocupação é ilegal e que Israel está construindo em território de um estado soberano.

Por que Israel e EUA estão histéricos a respeito da proposta na ONU, se ela não fará diferença alguma?

Eles estão histéricos porque até agora, nos últimos 20 anos, eles tiveram tudo ao seu modo. Havia o processo de paz patrocinado pelos EUA, que estava lentamente sendo levado a lugar nenhum, e Israel levando a cabo a sua agenda expansionista, fingindo envolvimento num processo de paz. Agora isso acabou. Não há fingimento.

Hassan Jabareen, advogado, fundador e diretor geral do Adalah, uma organização jurídica pelos direitos da minoria árabe em Israel. Ele também é professor nas escolas de direito de Israel desde 1998, como professor adjunto para assuntos relativos ao estatuto jurídico dos cidadãos palestinos de Israel.

A proposta de reconhecimento será internacionalmente considerada um passo legal vergonhoso na história do movimento nacional palestino. Não se trata de ser a favor ou contra a proposta, mas em minha análise legal a OLP não pensou em todas as hipóteses legais na proposta da ONU e em quais são as consequências legais dela.

Uma resolução que pode ser aceita pela Assembleia Geral da ONU em setembro de 2011 deveria ser legalmente lida tendo em vista a resolução 181, que estabelece a partição da Palestina. Quer dizer, a Resolução 181 de 1947 não pode contradizer a nova resolução de setembro de 2011. A regra de interpretação no direito internacional estabelece que a regra mais recente prevalece sobre a anterior ou devem ambas ser tomadas juntas, harmoniosamente.

A resolução 181 de 1947 estabelece a criação de dois estados, um estado judeu e um árabe. A despeito do fato de que os árabes foram contra a resolução, ela constitui a base legal para Israel como Estado soberano. É por isso que a Declaração de Independência do Estado de Israel repousa fortemente nesta resolução. Baseado no plano de partição, o estado judeu deveria situar-se nas fronteiras estabelecidas em 1947, que eram algo como 50% da Palestina. Hoje, Israel é reconhecido como estado soberano, embora não haja reconhecimento das suas fronteiras. Deve-se registrar que a posição da Corte Internacional de Justiça no que concerne ao muro [de separação] estabelece que a Linha Verde é uma fronteira de cessar-fogo – mas isso não significa que seja uma fronteira legal internacionalmente reconhecida.

O passo seguinte pode ser o estabelecimento de revisões legais da resolução de 1947, levando em consideração aspectos geográficos. Assim, o estado judeu estará no interior da Linha Verde, de 75% da Palestina, em vez de 50%, como o designado pela resolução que fez a partilha, em 1948.

Como a proposta de reconhecimento afeta o status dos refugiados?

A resolução 194, de 1948 estabelece que os palestinos têm o direito de retorno e de compensação. Há uma interpretação segundo a qual a resolução 194 permanece válida. Outra interpretação é que a resolução de setembro de 2011 cria dois estados étnicos: Israel como estado judeu, e não como um estado judeu-árabe e a Palestina como um estado palestino e não palestino-árabe. Para manter a ordem étnica, o direito de retorno deveria ser exercido no novo estado da Palestina, mas sem se perder de vista o direito de compensação.

Como a resolução possivelmente afetará os cidadãos palestinos de Israel?

Pode-se argumentar que, se a resolução de setembro de 2011 for baseada no critério da etnicidade de dois estados para dois grupos, então os direitos dos grupos palestinos em Israel, tais como direitos culturais e linguísticos, deveriam ser exercidos no novo estado (da Palestina) como a ex-ministra do exterior de Israel, Livni Tzipi sugeriu há alguns dias.

A legislação internacional de direitos humanos é mais forte que as resoluções da ONU. Ela estipula que todo estado dever tratar seus cidadãos igualmente e que todo refugiado deve retornar a sua terra natal. Então, a resolução de setembro de 2011 pode criar uma nova luta entre a legislação internacional de direitos humanos, a qual ironicamente será invocada pelos palestinos, e as resoluções da ONU, que afetam as relações internacionais entre estados.

Daniel Levy é ex-assessor do gabinete de ministros de Israel e hoje é analista baseado nos EUA. Dirige atualmente a Força Tarefa Oriente Médio, na Fundação Nova América e é um editor do canal Foreign Policy’s Middle East [Política Externa do Oriente Médio]

Esta ação levada a cabo pela Organização para a Libertação da Palestina na ONU não tem um sentido estratégico e está tentando encontrar algum fundamento político. Eu penso que a proposta está ocupando um vácuo de estratégia e portanto minha análise do que pode ocorrer na ONU está baseada em ela ser uma consequência da frustração política e da ansiedade.

O movimento não é algo que nasceu de uma crítica incisiva e de uma reavaliação de um padrão de conduta voltado ao avanço de suas causas. Ir a ONU faria mais sentido como um passo numa estratégia multifacetária de trazer à tona uma conquista nacional.

A despeito da falta de intencionalidade clara, se os palestinos conseguirem o que querem, apenas vencendo na Assembleia Geral, então isso já lhes dará um pouco mais de recursos nas organizações internacionais. Nada disso é automático.

O único caminho viável para os palestinos se tornarem membros plenos na ONU é por meio do Conselho de Segurança, e esta rota está bloqueada pela certeza do veto dos EUA. Fracassar no Conselho de Segurança pode ser em si mesmo um processo de prolongamento. Qualquer movimento certamente viria a ser considerado por um comitê técnico da proposta como um todo e isso levaria tempo.

Se forem ao Conselho de Segurança, os palestinos podem perder a opção de levar a proposta à Assembleia Geral, quando terão os holofotes sobre si. Eles podem ter esse seu momento na ONU desviado por um cansativo e longo comitê de deliberação.

Noura Erakat é uma advogada defensora dos direitos humanos e escritora. Atualmente é professora adjunta de direitos humanos internacionais no Oriente Médio na Universidade Georgetown e é a representante nos EUA da Coordenação de Advocacia do Centro Badil para os direitos dos palestinos refugiados e residentes [http://www.badil.org/].

Uma das maiores preocupações e a razão por que esta proposta criou uma polarização na comunidade palestina tem sido o fato de que não está claro qual é o objetivo deste reconhecimento pela OLP.

Pode-se dizer que, teoricamente, é autoevidente que isto é algo por que os palestinos vem trabalhando explicitamente, a saber, por seu próprio estado, desde 1988 – desde a conferência da OLP em Alger. Mas não houve um encontro preparatório da OLP para a ONU; foi uma decisão unicamente executiva do presidente de ir em busca do reconhecimento do estado. Isso gera muito ceticismo em relação a por que um reconhecimento do estado. Por que agora? E qual é a estratégia?

O ato [de buscar o reconhecimento] consistira, basicamente, em dizer: “agora temos nossas relações diplomáticas sérias com os EUA e estamos tentando fazer algo diferente”.

Eu tenho escutado rumores de que há uma grande preferência em se ir à Assembleia Geral, em vez de ao Conselho de Segurança. Eu estou 110% convencida de que a atual liderança palestina não está preparada para fazer isso [ir ao Conselho de Segurança]. Não é que os palestinos prefiram ou não um estado ou o que isso significa, mas a liderança não está preparada para fazer isso. Eles têm tratado a questão do reconhecimento do estado com uma visão de túnel.

Nós deveríamos estar perguntando: qual a estratégia correta mais ampla nesta conjuntura da determinação nacional palestina? O resultado dos Palestine Papers, que podem confidencialmente ser chamados de o fracasso do processo de paz e da solução dos dois estados, e o contexto da Primavera Árabe deveriam informar quais são as outras táticas e estratégias, inclusive quanto ao reconhecimento do estado. Seja como for, o que quer que façamos na ONU não é produtivo. Estamos nos predispondo a um risco para o qual parece improvável que estejamos preparados.

Dan Gillerman foi o 13° embaixador de Israel na ONU. Serviu na ONU de janeiro de 2002 a 2008. Está no momento em Nova York, para participar da Assembleia Geral.

Eu penso que o principal objetivo dos palestinos é tentar e conseguir o apoio do maior número de países no mundo... para reconhecê-los. Mas também penso que isso é um tipo de sinal de protesto e manifestação, porque eles provavelmente sentem que se trata do que o povo espera deles. Muito francamente, eu penso que estão cometendo um grande erro. Eu sei com certeza que muitos palestinos, muitos líderes palestinos e até o primeiro ministro [Salman] Fayyad pensa que é uma grande ideia. Isso de modo algum resultará em os próprios palestinos terem o seu próprio estado, mas ao mesmo tempo, pode criar grandes expectativas no seu povo.

Haverá muito drama na ONU, que é para todos os efeitos um teatro, e, depois do drama, os palestinos comuns em Nablus ou Ramallah ou em Jenin acordarão, olharão ao redor, e entenderão que nada mudou e ficarão muitos frustrados. Essa frustração pode levar à violência e desencaminhar qualquer possibilidade de retorno à mesa de negociação e de continuidade do processo de paz.

Eu era embaixador na ONU por quase seis anos, e posso dizer pessoalmente que ficaria muito feliz em levantar meu braço e votar por um estado palestino. Eu penso que os palestinos merecem seu próprio estado e devem ter seu próprio estado. Os líderes israelenses tem repetidamente expressado seu desejo de um estado palestino, mas o modo de obter isso não é por meio de uma declaração unilateral de independência, com nada mais do que um grande ato na ONU, mas por meio de negociações e acordos. No fim do dia, eles podem ter o reconhecimento da ONU, mas eles não terão um estado.

Uma razão por que o processo de paz não avança é que a atual administração dos EUA criou expectativas muito altas nos palestinos. Eles [os EUA] ... primeiro pediram o congelamento dos assentamentos, e então pediram o retorno às fronteiras de 1967. Como Mahmoud Abbas disse a vários líderes do mundo, Obama o empoleirou numa árvore alta e fugiu com a escada. Como ele pode ser menos palestino do que o presidente dos EUA?

Infelizmente, o que estamos testemunhando hoje é uma falação que tem tomado o lugar da negociação. Eu penso que um dos problemas é que o processo de paz se tornou muito público e isso realmente o transformou numa coletiva de imprensa. Eu penso basicamente que há duas coisas na vida que as pessoas não deveriam fazer em público – fazer sexo e negociar a paz – e ambas as coisas devem ser feitas com os olhos levemente fechados e à meia luz. Aquilo de que precisamos é um muito secreto, discreto e tranquilo canal paralelo que reunirá ambas as partes na mesa de negociações e que obtenha um acordo sobre a criação do estado palestino.

Husam Zomlot é um alto oficial do Departamento de Relações Exteriores do Fatah. Ele cresceu no campo de refugiados de Rafah em Gaza, antes de estudar na Universidade Birzeit, em Ramallah e obteve o doutorado na London School of Economics. Ele está atualmente em Nova York, representando a OLP na Assembleia Geral da ONU.

Estou apoiando a proposta e tomando parte na sua negociação por várias razões. Nós nos engajamos com a comunidade internacional num processo que ao fim será um estado.

De acordo com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional e de acordo com os organismos da ONU, nós fizemos o trabalho que nos prepara para um estado. Podemos assumir a responsabilidade de um país de renda média. Agora chegou a hora da outra parte do contrato, a comunidade internacional, que tem contribuído financeiramente, para nos reconhecer. Se o estado não vem à tona bilateralmente, deve vir multilateralmente.

Há três principais benefícios que inspiraram ou dirigiram nosso movimento – o legal, o político e o estratégico. Legalmente, isso estabelecerá uma paridade legal, como um estado. A ideia principal é [ser um estado] para defesa e para prevenir ataques. Há muita conversa a respeito do Tribunal Penal Internacional e como, enquanto um estado, poderemos recorrer a ele. Nossa intenção é não apenas abrir processos, mas impedir que um crime aconteça. Legalmente, um estado palestino é uma arma de dissuasão. Nós não vamos nos engajar em ataques, como faz Israel. Nossa dissuasão é o direito internacional. Soldados nos checkpoints vão pensar duas vezes antes de machucarem uma mulher na fronteira.

Em termos políticos, já vencemos metade do jogo. Nós reforçamos na agenda internacional a necessidade de um estado palestino. Esta é uma causa importante e nada garantirá a sua prioridade. Agora, todo ativista e jornalista tem falado sobre a Palestina. Então, nossa causa política já foi alcançada.

Estrategicamente, nosso interesse é desafiar o status quo. Você pode perguntar “Como isso vai desafiar o status quo? Como Israel manteve o status quo por quase vinte anos?”. O processo bilateral não leva a lugar algum, e uma das ferramentas para sustentar o status quo eram as próprias negociações. Nós interrompemos isso, e o fizemos estrategicamente. Negociações com base em termos pré-estabelecidos só estavam procrastinando as coisas. Os termos de referência foram criados e aceitos por Israel antes mesmo de começarmos. Nós não estamos de volta aos períodos passados de nonsense.

Nossa meta é sermos membros plenos na ONU. Faremos na ONU o caminho mais rápido – o mais rápido que nos leve ao nosso destino final.

Tradução: Katarina Peixoto
(Carta Maior)

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