quarta-feira, 21 de setembro de 2011

EUA

A crise dos Estados Unidos contra si mesmo
Javier Lewkowicz
Jornalista Página 12
Adital
Tradução: ADITAL

Theotônio dos Santos, a situação mundial e os novos governos da América Latina


Theotonio Dos Santos, uma referência do
pensamento latino-americano e da Teoria da
Dependência dos '60, em Buenos Aires.

Referência do pensamento latino-americano dos anos 60, o intelectual brasileiro assinala nessa entrevista os graves erros dos governos dos Estados Unidos na condução do sistema e como gerou o atual predomínio do capital financeiro.

Theotônio dos Santos é uma referência do pensamento latino-americano. Brasileiro, fez parte de um grupo de intelectuais que, nos anos 60, propuseram pela primeira vez que o atraso e o subdesenvolvimento constituíam a outra face do desenvolvimento econômico nos países centrais. Que o subdesenvolvimento não poderia ser entendido sem avaliar o modo pelo qual os países centrais avançaram. Desse modo, a "teoria da dependência” rompeu com a ideia ingênua, proveniente das usinas do pensamento tradicional, de que o desenvolvimento é um processo linear e ahistórico vinculado à maturação das estruturas econômicas. De visita à Argentina para participar do seminário de economia organizado pela Universidad de las Madres de la Plaza de Mayo e apresentar seu último livro ‘Marxismo e Ciências Sociais. Uma revisão crítica', Theotônio dialogou com Página/12 e analisou com profundidade os fatores que explicam a crise mundial e as mudanças políticas na América Latina após a devastação neoliberal. "esses governos são fruto dos processos de democratização e da crítica ao neoliberalismo”, assinalou.

Que avaliação você faz da atual fase da crise mundial?

- Essa crise acontece em um contexto de mudanças estruturais que vêm operando desde a década de 90, que reforçam uma tendência do capitalismo em âmbito mundial que necessita do Estado para funcionar, apesar de que a retórica neoliberal oculte isso. O déficit comercial dos Estados unidos aumentou desde os anos 80, com Ronald Reagan, de 50 ou 60 bilhões para 300 bilhões de dólares. O déficit público também aumentou em uma quantia similar, porque os dois déficits se combinam: os excedentes retidos pelos exportadores que vendem aos Estados Unidos se convertem em títulos da dívida pública e, dessa forma, o déficit fiscal é coberto. Nos anos 90, houve uma tentativa de diminuir o gasto, sobretudo no setor militar, e recuperar o plano fiscal; porém, a entrada de George W. Bush, também um neoliberal, significou, de imediato, a mesma política de déficit fiscal colossal. E os EUA funcionaram com um déficit crescente que chegou aos 500 ou 600 bilhões de dólares. Esse tipo de política reforça o capital financeiro porque esses títulos de dívida são operados pelo setor financeiro, que os transforma em derivados e consegue multiplicar por cinco o valor. De repente, há um setor financeiro gigantesco operando, que aumentou ainda mais com a especulação imobiliária que supervalorizou as propriedades.

Costuma-se dizer que o desequilíbrio nas contas estadunidenses é consequência da falta de regulação. Aqui, o Estado estaria cumprindo um papel central para o funcionamento do sistema.

- Não se trata de um Estado ausente. É uma presença necessária para o funcionamento, porque esse funcionamento não é lógico economicamente. Tem uma lógica de intervenção, tipicamente intervencionista. Inclusive, quando a crise vem e ameaça a sobrevivência dos bancos, se utiliza o Estado. É o Estado, não o governo, porque Obama, com algumas diferenças, continua com a política de Bush, de sustentar o setor bancário, mesmo quando está claro que este está quebrado. Não defendem as pessoas que estão perdendo seu dinheiro devido a queda do valor dos imóveis que compraram. O dinheiro vai para os bancos, para que sejam reforçados, sejam reestruturados e continuem, mesmo sem que se saiba para que. É um sistema inútil.

O senhor é crítico com relação ao tipo de intervenção que os governos europeus implementam ante a crise?

- Não diria como crítica. É uma análise. Não creio que eles tenham uma solução melhor, pelo menos para sua classe social, para que sobreviva essa gente que não faz nada, exceto criar as condições para manter-se no poder a custas da grande maioria da população. Porém, não se consegue localizar exatamente onde está o problema.

Por que predomina o capital financeiro?

- É um predomínio construído pelo Estado, porque o capitalismo como sistema produtivo já não oferece aos representantes da grande propriedade concentrada muita oportunidade de lucro. A taxa de lucro tende a cair. Há períodos de recuperação; porém, é tênue em relação ao nível de consumo e de poder que essa gente desenvolveu. Além disso, o avanço da revolução científico-teconológica exige investimentos colossais em ciência, tecnologia e desenvolvimento de inovações. Esse tipo de investimento torna-se possível porque o sistema gera um excedente econômico enorme. Por exemplo, a produtividade nos anos 90 aumentou nos EUA cerca de 4% ao ano e os salários caíram. Isso é um excedente gigante que fica apropriado através de diversos mecanismos, com o apoio do Estado para condicionar as pessoas e limitar sua capacidade de reivindicação.

A crise reflete um esgotamento? Pode inaugurar uma nova fase do sistema capitalista?

- Creio que ainda estamos em uma fase de expansão do paradigma tecnológico baseado na robotização, que está se estendendo por quase todo o sistema produtivo e gera um aumento muito grande na produtividade. O capitalismo mostra uma grande capacidade de absorção do excedente; porém, fundamentalmente, o faz desde a via estatal. A dívida pública é uma grande base de toda essa especulação financeira, juntamente com as medidas que permitem ao setor privado operar com certa independência, e que obrigam a economias inteiras a manejar-se de acordo com isso. Refiro-me aos bancos centrais, que não são neutros. Desregulam por política. Colocam por detrás um arrazoado econômico absurdo e ensinam isso nas universidades, na televisão e no rádio. É uma forma de sobrevivência do capitalismo, que exige uma pressão extremamente forte do Estado. Isso sobrevive graças ao capitalismo de Estado.

Por que nos últimos anos surgiram na América Latina governos que partilham profundas diferenças em relação aos seus antecessores dos anos 90?

- Esses governos são fruto dos processos de democratização da região e da crítica ao neoliberalismo. Após um trabalho de opinião pública colossal, ajudado por acontecimentos políticos, como a queda da União Soviética, as pessoas acreditam que não há outra opção que uma economia capitalista e mais precisamente um capitalismo de livre mercado que, na realidade, nuca existiu e nem vai existir, porque estamos ante grandes monopólios e capitalismos de Estado crescente. Um exemplo interessante se dá no Chile, onde houve 20 anos de terror e agora, de repente, as pessoas começam a ver o que acontece. Há uma crítica muito forte e isso se deriva da situação democrática que se combina com uma situação econômica dramática no mundo, o que cria as condições para que as pessoas busquem alternativas. Em meu livro ‘Del terror a la esperanza' enfatizo que o neoliberalismo foi uma operação intelectual pela qual se criou um clima para instalar a ideia de que se tratava do pensamento do futuro, quando na realidade a base dessa construção teórica é copiada do século XVIII. E, de repente, as pessoas que pensavam no póscapitalismo eram os velhos. Uma coisa incrível como operação intelectual. Por trás disso havia um sistema financiando, oferecendo posições de poder. Porém, sobretudo, estava o terror de Estado. O neoliberalismo está fundado no terror. O Grupo de Chicago, por exemplo, teve o primeiro governo a sua disposição com Pinochet. A associação entre o neoliberalismo e terror é histórica, apesar da ideia de que há uma relação entre liberalismo político, econômico e democracia. Democracia é poder do povo, voto universal. A ideia de liberdade não é uma ideia democrática, necessariamente.

METÉRIAS PRIMAS E TECNOLOGIA

Uma arma de negociação

Ante a ascensão da China e da melhora nos termos do intercâmbio, a América Latina deveria mudar sua estratégia de industrialização, como assinala a partir da ortodoxia?

- Temos que desenvolver uma política regional, impulsionar a integração e a conformação de um mercado regional, porque as escalas atuais de produção são muito grandes. A escala regional alcança para certo nível, apesar de que em alguns produtos de ponta, a escala é planetária. No entanto, há certos produtos minerais, naturais, onde nós temos condições de competir planetariamente, porque somos os únicos produtores. E, dessa forma, podemos entrar no novo paradigma tecnológico, baseado na biotecnologia.

Como evitar que isso derive em um esquema de especialização típico em recursos naturais?

- Isso depende de que se negocie realmente o uso dos recursos naturais com um alto grau de industrialização. Nós temos quase toda a produção de lítio na Bolívia e no Chile. Os bolivianos estão tentando montar um sistema de gestão para vender o lítio processado. Quem desejar comprá-lo, tem que aceitar essas condições. Com o apoio de toda América Latina, pode-se converter em um grande centro de desenvolvimento do lítio. Se toda a região se junta, pode se desenvolver nessa direção: uma indústria de matérias- primas bastante avançada, com alto grau de valor agregado. Não temos que tomar a chamada reprimarização como um problema e, caso não aceitemos simplesmente vender o produto primário, podemos ter a possibilidade de contar com um instrumento de negociação mundial muito forte e de desenvolvimento.

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