sábado, 29 de junho de 2013

'Loucuras" e Nise da Silveira

Loucura e Prudência

“Ocupar é se deixar invadir, se deixar tomar, é também tomar, invadir”. Relato poético de três semanas de ações intensas e convívio, durante a ocupação do Instituto Nise da Silveira”

Por Síndia Bugiarda, na Fiandeira

Estou indo longe demais. O alerta apareceu nos primeiros passos. Linhas 457 e 239. Da zona sul direto para Engenho de Dentro. Engenho de dentro para fora, uma valsa: Dentro fora, dentro fora, dentroforadentroforadentro a rodopiar. Seria um caminho sem volta?

_ C’est l’hôtel de folie! Entrem, comam tudo o que quiserem. Mas não pode levar nada para casa. Je suis Judith, le gérant de l’hôtel.

Judith-Reginaldo-Naná, homem-mulher de uma perna só, enfeitada de perucas coloridas, aleatoriamente combinadas com boás de penas sintéticas, igualmente coloridas. É assim que ela recebe os hospedes, entre a alegria e o safanão. Entro. Essa viagem só faz sentido se for possível me desfazer das camadas duras, sedimentadas, da rocha que instaura o Eu. Se puder me destituir dos passos pesados, arrastados, se puder largar o fardo. A mulher negra pára à porta de entrada do hotel. Faz uma prece e entra. Ela é um demônio que fala 150 línguas e se tranca no banheiro ou se amarra com os próprios braços às camas dos quartos do hotel. Ela mente e confunde: _ Vocês acham que estão fazendo diferente das pessoas do quinto andar? Vocês são como eles! Andam com o demônio! Vão me bater!? E ela espera o golpe, que não vem. Chamo-a pelo nome: Sonia Rosa. _ Não permito que você diga o meu nome. Sua boca é suja. Então, Rosa entra pela cozinha, e rouba tudo o que pode: um saco de goiabinha, bebidas, copos, talheres. _ Meu! Meu! Meu! Ela diz. Pergunto como posso chama-la.

_ Me chama de você. E então, ela retorna à ala de crise no quinto andar. É o labirinto. Me seguro repetindo incessantemente: Até aqui, tudo bem. Até aqui, tudo bem. Até aqui, tudo bem. Ter um único nome a nos acompanhar pelo resto da vida é uma maneira de impor uma forma fixa a um corpo, a uma subjetividade em constante movimento de diferenciação. Incontáveis estados do ser, como dizia Nise da Silveira. Numa passagem bíblica, ao fazer um exorcismo, Jesus pergunta: qual é o seu nome? E o demônio responde: Legião é o meu nome, porque somos muitos. O demoníaco é ao mesmo tempo eu e nós. Uma multidão que confunde o sujeito singular com o sujeito plural, destruindo a própria distinção numérica. É o que Negri chama de o lado sombrio da multidão. Essa capacidade que a multidão tem de confundir, de ser um e muitos ao mesmo tempo, numa indefinição que ameaça todos os princípios de ordem política. A multidão é coisa do demônio. Quantos eu´s podem habitar um corpo? Não importa. Deleuze já dizia: não se trata de chegar ao ponto em que não se diz mais eu, mas ao ponto em que já não tem qualquer importância dizer ou não dizer eu (Deleuze & Guattari, 2006, 11). Aqui, neste labirinto, o pronome pessoal não reclama pessoas, mas forças e quereres. Ah, esses homens do desejo, capazes de partir. Nomadismo que escapa das identidades, algo tão simples quanto nascer e morrer. Tão simples quanto falar em nome próprio, sem impedir permissão. Desejo a que nada falta, fluxo que atravessa barragens, códigos, nome que não mais designa eu algum (Deleuze & Guattari, 2010, 177). Talvez porque nesta jornada, importa menos a queda do que a aterrisagem.

A queda

“Cavalos são bichos selvagens. Não se doma um cavalo pela força, mas pelo espirito”, as palavras de Nise1 não cessavam de correr em meus ouvidos. Sê prudente, Ariadne, tens pequenas orelhas, tens minhas orelhas… Quem além de mim, sabe quem é Ariadne?… Sou teu labirinto (Deleuze, 2006, 114). Como montar o cavalo do desejo, cavalo selvagem que exige montador de corpo forte, capaz de se construir, de ser um e muitos, capaz de ser constantemente atravessado por forças vitais? Um corpo capaz de correr os riscos da experiência de ser possuído por demônios. Experiência que envolve vertigens, deslocamentos horizontais, os terrores e as alegrias do desconhecido. E não romantizemos, é possível falhar, é possível morrer nesse processo.

Milton Freire: _ Minha primeira crise aconteceu quando eu tinha 15 anos. Fui me fragmentando e descendo, descendo. Às vezes a gente desce tanto, que não tem mais como voltar. Isso é a doença. Outras vezes a fragmentação é para cima.

Ao longo de 10 anos, Milton se fragmentou e se constituiu diante de inúmeras internações em hospitais psiquiátricos do Rio de Janeiro. A literatura o ajudou a superar as sequelas deixadas pelos tratamentos que recebeu: “eletrochoques e comas insulínicos, intensificados pelo sadismo e pela perversão de uma cultura da mortificação”. Ele conseguiu retomar sua vida e se recuperar após um tratamento em serviço aberto com Nise da Silveira: “A vida, a convivência, a arte e o afeto, foram os melhores remédios”. Afeto incondicional, sem pedir nada em troca, fragmentação para cima, celebração.

Quando a fragmentação é para cima, Milton explica, vivemos a potencia da nossa própria força, livre daquilo que a ensejou. Deixamos de nos ensimesmar sozinhos. Então, esta fragmentação não é vivida na solidão. Ela é um desvio. É a segunda morte. Morte impessoal que se vira contra a própria morte e gera um segundo acontecimento: o surgimento do “plebeu”, do homem sem qualidades, do novo homem do eterno retorno, ou do super-homem (Gil, 2008, 93). Mas é preciso cautela na escolha dos meios do procedimento.

Samuel Enoque:  _ Eu sou a sua mãe. Ao invés apertar o meu pescoço, como costuma fazer com muitos visitantes do Nise, Samuel segura meu pescoço e me beija a boca e vai embora. É do desejo construir um corpo-sem-órgãos. Foi ai que percebi: sou um cavalo em disparada, que morreu numa praça pública, babando espuma, cansado de tanto desejar. Dissolução, estilhaçamento do eu. Como passar do corpo-sem-orgãos-destruidor, do corpo peneira, ao corpo-sem-órgãos-criador? (Gil, 2008, 181).

A aterrisagem

Vitor Pordeus: _ Você precisa cuidar da sua espiritualidade. Vitor era um menino no carro me dizendo em tom de bofetada. Espiritualidade? Espiritualidade é corpo, respondi raivosa. Ele concordou e ao mesmo tempo jogou uma mulher ferida em meu colo. A jovem mulher estava estirada na calçada, cansada demais para chegar na UPA. Vitor a colocou no carro, ela queria vomitar. A passamos para o banco de trás para evitar que o motorista se atrapalhasse. Ela era uma jovem mulher que dizia ter tanta raiva de si mesma que bateu a cabeça na parede, inúmeras vezes, até sangrar. Seus olhos estavam roxos de dor. Ela dizia querer enlouquecer e deitou a cabeça em meus ombros.

Aterrorizada pelo medo de não poder acolher a mulher que sentia dor, busquei o olhar do menino no carro. Vitor olhava pela janela, como se não tivesse nada haver com aquilo. Ele me deixava sozinha com a desconhecida mulher que tinha dor. Foi quando senti o cheiro dela. Era um perfume de corpo, estranho ao olfato, como uma rosa que fica por muito tempo num vaso com água, seu caule de desfaz e aquele esfacelar-se pastoso espalha-se pelos dedos, e o cheiro da rosa sobe. Toquei seu rosto: Tudo era pele, cabelos, olhos roxos, esparadrapo e lamento. E havia também o latente desejo de enlouquecer. É possível tocar a vida pulsando? Judith-Reginaldo-Naná me pergunta: o que você sabe sobre o amor? Estou viva, então sei do amor, lhe respondi ressabiada. Ele riu da resposta certeira em tom de pergunta.

Se estou viva, sei do amor? Era óbvio, Judith-Reginaldo-Naná era um deus que podia pisar na terra, deus pleno em corpo, deus cansado de subir os degraus, deus cujos músculos não suportavam mais o peso dos passos. Mas ele seguia impiedoso: O que você sabe do amor? Mais uma vez, busquei o menino no carro, Vitor ainda olhava pela janela. Ele fazia de propósito, corifeu de Nise, seguia me enlouquecendo com seus sussurros: “cavalos são bichos selvagens. Não se doma um cavalo pela força, mas pelo espirito”. Um homem que cura com planta se aproxima. Peço um cigarro. Fumo. Vomito. Mexericas. Fecho os olhos para enxergar e vejo o preciso momento em que uma mulher de longos cabelos loiros, se transforma em borboleta, o exato segundo em que ela sai do casulo e voa. “Espiritualidade é corpo, tem que cuidar”, Vitor agora olha para mim. Choro e toco meu corpo no rosto da jovem mulher ferida em meu colo. Sim, posso acolher a mulher ferida que sente dor e deseja enlouquecer. Afeto incondicional.

Ocupar é se deixar invadir, se deixar tomar, é também tomar, invadir. Segundo o dicionário, ocupar é encher um espaço de lugar e de tempo. Ocupar é uma afirmação, é afirmar-se, é afirmação da presença de um povo que nos habita. Foram três semanas de intensas atividades e convívio durante a Ocupação do Instituto Nise da Silveira. Artistas de rua, loucos, poetas, cientistas, cada um dos nove quartos do Hotel da Loucura foi tomado, invadido, ocupado. Gente de todo o Brasil. Uma multidão ardente, desejosa de sol, do quente das relações. Nas paredes do hotel, o registro: As únicas pessoas para mim são as loucas. Loucas para amar. Loucas para viver. Loucas para serem salvas. Que querem tudo ao mesmo tempo. E que bocejam diante do comum. E que ardem, ardem e ardem, como fabulosos fogos de artifício. E que explodem, em mil centelhas, entre as estrelas.
(Outras Palavras)

Stédile

Stédile: a hora das reformas
Para coordenador do MST, manifestações revelam importância de transformar metrópoles, multiplicar luta por direitos sociais e tributar mais ricos

Por Nilton Viana, o Brasil de Fato

“É hora do governo aliar-se ao povo ou paragá a fatura no futuro”. Essa é uma das avaliações de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST sobre as mobilizações em todo o país.

Segundo ele, há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras, provocada por essa etapa do capitalismo financeiro. “As pessoas estão vivendo um inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais”, afirma.

Para o dirigente do MST, as redução da tarifa interessava muito a todo o povo e esse foi o acerto do Movimento Passe Livre, que soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo.

Nesta entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Stedile fala sobre o caráter dessas mobilizações, e faz um chamamento: devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para as ruas disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência  da luta de classes. “A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil”, constata.

E faz um alerta: o mais grave foi que os partidos de esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esse métodos. Envelheceram e se burocratizaram. As forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas as suas energias para ir à rua, pois está ocorrendo, em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. “Precisamos explicar para o povo quem são seus proncipais inimigos”.

Como você analisa as recentes manifestações que vem sacudindo o Brasil nas últimas semanas? Qual é base econômica para elas terem acontecido?

Há muitas avaliações de porque estarem ocorrendo estas manifestações. Me somo à analise da professora Erminia Maricato, que é nossa maior especialista em temas urbanos e já atuou no Ministério das Cidades na gestão Olivio Dutra.

Ela defende a tese de que há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras provocadas por essa etapa do capitalismo financeiro. Houve uma enorme especulação imobiliária que elevou os preços dos alugueis e dos terrenos em 150% nos últimos três anos.

O capital financiou sem nenhum controle governamental a venda de automóveis, para enviar dinheiro pro exterior e transformou nosso trânsito um caos. E nos últimos dez anos não houve investimento em transporte público. O programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, empurrou os pobres para as periferias, sem condições de infraestrutura.

Tudo isso gerou uma crise estrutural em que as pessoas estão vivendo num inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais.

Somado a isso, a péssima qualidade dos serviços públicos em especial na saúde e mesmo na educação, desde a escola fundamental, ensino médio, em que os estudantes saem sem saber fazer uma redação. E o ensino superior virou lojas de vendas de diplomas a prestações, onde estão 70% dos estudantes universitários.

E do ponto de vista político, por que aconteceu?

Os quinze anos de neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo de composição de classes transformou a forma de fazer política refém apenas dos interesses do capital. Os partidos ficaram velhos em suas práticas e se transformaram em meras siglas que aglutinam, em sua maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou disputar recursos públicos para seus interesses.

Toda juventude nascida depois das diretas já, não teve oportunidade de participar da política. Hoje, para disputar qualquer cargo de vereador, por exemplo, o sujeito precisa ter mais de 1 milhão de reais. Deputado custa ao redor de 10 milhões de reais. Os capitalistas pagam, e depois os políticos obedecem. A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil.

Mas o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. E, portanto, gerou na juventude uma ojeriza a forma dos partidos atuarem. E eles tem razão. A juventude não é apolítica, ao contrário, tanto é que levou a política às ruas, mesmo sem ter consciência do seu significado.

Estão dizendo que não aguentam mais assistir na televisão essas práticas políticas, que seqüestraram o voto das pessoas, baseadas na mentira e na manipulação. E os partidos de esquerda precisam reapreender que seu papel é organizar a luta social e politizar a classe trabalhadora. Senão cairão na vala comum da história.

E porque as manifestações eclodiram somente agora?

Provavelmente tenha sido a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, mais do que alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é um acinte ao povo. Vejam  alguns episódios. A Rede Globo recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura, 20 milhões de reais de dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas horas, no sorteio dos jogos da Copa das Confederações.

O estádio de Brasília custou 1,4 bilhões de reais e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e as maracutais que a FIFA/CBF impuseram e os governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras: no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço!

E aí o aumento das tarifas de ônibus foi apenas a faísca para ascender o sentimento generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do governo Gerlado Alckmin, que protegido pela mídia que ele financia e acostumado a bater no povo impunemente, como fez no Pinheirinho, jogou sua polícia para a barbárie. Aí todo mundo reagiu.

Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento Passe Livre, que soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa.

Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?

É verdade, a classe trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na rua são os filhos da classe média, da classe média baixa, e também alguns jovens do que o André Singer chamaria de sub-proletariado, que estudam e trabalham no setor de serviços, que melhoraram as condições de consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos apareceram mais em outras capitais e nas periferias.

A redução da tarifa  interessava muito a todo povo e esse foi o acerto do MPL. Soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o povo apoiou as manifestações e isso está expresso nos índices de popularidade dos jovens, sobretudo quando foram reprimidos.

A classe trabalhadora demora a se mover, mas quando se move, afeta diretamente ao capital. Coisa que ainda não começou a acontecer. Acho que as organizações que fazem a mediação com a classe trabalhadora ainda não compreenderam o momento e estão um pouco tímidas. Mas acho que enquanto classe, ela também está disposta a lutar. Veja que o número de greves por melhorias salariais já recuperou os padrões da década de 80.

Acho que é apenas uma questão de tempo, e se as mediações acertarem nas bandeiras que possam motivar a classe a se mexer. Nos últimos dias, já se percebe que em algumas cidades menores, e nas periferias das grandes cidades, já começam a ter manifestações com bandeiras de reivindicações bem localizadas. E isso é muito importante.

E vocês do MST e camponeses também não se mexeram ainda.

É verdade. Nas capitais onde temos assentamentos e agricultores familiares mais próximos já estamos participando. E inclusive sou testemunho de que fomos muito bem recebidos com nossa bandeira vermelha, com nossa reivindicação de Reforma Agrária e alimentos saudáveis e baratos para todo povo.

Acho que nas próximas semanas poderá haver uma adesão maior, inclusive realizando manifestações dos camponeses nas rodovias e municípios do interior. Na nossa militância  está todo mundo doido para entrar na briga e se mobilizar. Espero que também se mexam logo.

Na sua opinião, qual é a origem da violência que tem acontecido em algumas manifestações?

Primeiro vamos relativizar. A burguesia através de suas televisões tem usado a tática de assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros e quebra-quebra.  São minoritários e insignificantes diante das milhares de pessoas que se mobilizaram.

Para a direita interessa colocar no imaginário da população que isso é apenas bagunça, e no final se tiver caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das forças armadas. Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a guarda nacional e as forças armadas para reprimir as manifestações. É tudo o que a direita sonha!

Quem está provocando as cenas de violência é a forma de intervenção da Policia Militar. A PM foi preparada desde a ditadura militar para tratar o povo sempre como inimigo. E nos estados governados pelos tucanos(SP, RJ e MG), ainda tem a promessa de impunidade.

Há grupos direitistas organizados com orientação de fazer provocações e saques. Em São Paulo atuaram grupos fascistas e leões de chácaras contratados. No Rio de Janeiro atuaram as milícias organizadas que protegem seus políticos conservadores. E claro, há também um substrato de lumpesinato que aparece em qualquer mobilização popular, seja nos estádios, carnaval, até em festa de igreja tentando tirar seus proveitos.

Há então uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?

É claro que há uma luta de classes na rua. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica.

Vejam, eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? Por isso tem sido tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas idéias da direita e pela esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora.

Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus serviços de inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das mascaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De repente uma mensagem estranha alcança milhares de mensagens. E ai se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria.

Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e o departamento de estado Estadunidense na primavera árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

E quais são os objetivos da direita e suas propostas?

A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, tem um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar qualquer propostas de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia total no comando do estado brasileiro, que agora está em disputa.

Para alcançar esses objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. As vezes provocam a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. As vezes colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado em São Paulo, embora pequena, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais.

Certamente a maioria dos jovens nem sabem do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez  a UDN (União Democrática Nacional) em tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar às ruas.

Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita que suas bandeiras, além da PEC 37, são a saída do Renan do Senado, CPI e transparência dos gastos da Copa, declarar a corrupção crime hediondo, e fim do Foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam Fora Dilma e abaixo-assinados pelo impechment.

Felizmente essas bandeiras não tem nada ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou dos gastos exagerados da Copa? A Rede Globo e as empreiteiras!

Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?

Os desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações, e irmos todos para a rua, disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político.

Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são seus principais inimigos. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio, e os especuladores.

Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, Reforma Agrária.

Mas para isso o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles 200 bilhões de reais que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma dívida interna que nunca fizemos, deslocar para investimentos produtivos e sociais. E é isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo?

Aprovar em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego, que no mínimo institua o financiamento público exclusivo da campanha. Direito a revogação de mandatos e plebiscitos populares auto-convocados.

Precisamos de uma reforma tributária que volte a cobrar ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) das exportações primárias, penalize a riqueza dos ricos e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam.

Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas públicas. De nada adianta aplicar todo royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petroleira, e os outros 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões!

Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte público, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais. Controlar a especulação imobiliária.

E finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da Conferência Nacional de Comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação. Para acabar com o monopólio da Globo e para que o povo e suas organizações populares tenham ampla acesso a se comunicar, criar seus próprios meios de comunicação, com  recursos públicos. Ouvi de diversos movimentos da juventude que estão articulando as marchas, que talvez essa seja a única bandeira que unifica a todos: Abaixo ao monopólio da Globo!

Mas para que essas bandeiras tenham ressonância na sociedade e pressionem o governo e os políticos, somente acontecerá se a classe trabalhadora se mover.

O que o governo deveria  fazer agora?

Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo.

E para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para investimento pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a Reforma Agrária e um plano de produção de alimentos sadios para o mercado interno.

Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade, até a universalização do acesso dos jovens à universidade pública.

Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, que levarão a novas manifestações visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo, ou pagará a fatura no futuro.

E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos próximos meses?

Tudo ainda é uma incógnita. Porque os jovens e as massas estão em disputa. Por isso que as forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas suas energias para ir à rua. Manifestar-se, colocar as bandeiras de luta de reformas que interessam ao povo, porque a direita vai fazer a mesma coisa e colocar as suas bandeiras conservadoras, atrasadas, de criminalização e estigmatização das idéias de mudanças sociais.

Estamos em plena batalha ideológica que ninguém sabe ainda qual será o resultado. Em cada cidade, cada manifestação, precisamos disputar corações e mentes. E quem não entrar, ficará de fora da história.
(Outras Palavras)

Snowden

Snowden, o que fez e por que foge


Ironia da História: está em Moscou, de passagem, ex-agente perseguido pelos EUA depois de denunciar mega-rede de vigilância sobre cidadãos

Por Caue Seginemartin Ameni

Enquanto nas principais metrópoles do mundo movimentos sociais se organizam pela internet, governos viralizam vigilância da rede. E desta vez não é paranoia.

Numa fuga típica de filme hoolywoodiano, o ex-especialista da CIA Edward Snowden encontra-se num hotel localizado na zona de trânsito do aeroporto de Sheremetievo-Moscou, a caminho do Equador. Snowden, que no início do mês vazou ao jornal britânico The Guardian documentos sobre o programa de espionagem PRISM, da Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA), obteve ontem (24 de junho), do governo de Rafael Correa, o status de refugiado político.

As revelações de Snowden incluem espionagem com grampos telefônicos e vigilância de atividades online, sem autorização judicial, com a colaboração dos gigantes da informática. Podem levá-lo a ser condenado a até dez anos de prisão por comunicação de informações de defesa nacional, revelação de informação confidencial e roubo de propriedade do governo. O jovem vem sendo duramente acusado de traidor por comentaristas da Fox News e pelo ex-vice-presidente Dick Cheney, a quem respondeu astutamente em entrevista a internautas do The Guardian: “Ser chamado de traidor por Dick Cheney é a maior honra que se pode dar a um americano”.

Recentemente o ex-agente somou a essa outra denúncia: a de que o Reino Unido seria responsável pelo que ele chama de “o maior programa de vigilância da história”, igualmente sem autorização judicial, e com monitoramento capaz de armazenar extenso volume de dados privados da internet e de ligações telefônicas em nível global. A denúncia foi destaque na edição de sábado (22/06) no The Guardian.

Conforme os documentos que apresentou, o programa de espionagem do setor de comunicações da agência de inteligência do Reino Unido, Government Communications Headquarters (GCHQ), seria “ainda pior” do que a americana NSA, tendo em vista que monitora através dos cabos de fibra ótica – que viabilizam o tráfico global da internet e ligações telefônicas, e passam em grande quantidade pelo território britânico, a caminho de outros países e continentes. O ex-agente disse ainda à reportagem que os dados são armazenados e analisados em parceria secreta pelas duas agências de inteligência. A operação do governo inglês, nomeada por Tempora, está rodando há 18 meses, e tem condições de armazenar informações por 30 dias.

A agência britânica não comenta as informações, mas insiste que seu trabalho é legal e alega monitorar suspeitos de terrorismo, incluindo suas ligações telefônicas, conteúdo de emails, páginas no portal de relacionamento Facebook e histórico de acessos nos programas de navegação. Segundo levantamento do The Guardian, o documento revela que no último ano o GCHQ monitorou 600 milhões telefonemas por dia e mais de 200 cabos de fibra ótica. Cada cabo carrega 10 gigabites por segundo, o equivalente ao envio de todas as informações sobre todos os livros da Biblioteca Britânica, 192 vezes, a cada 24 horas.

Antes das primeiras denúncias serem veiculadas pelo jornal britânico, Snowden fugiu para China. As autoridades americanas o acusaram de espionagem e solicitaram a Hong Kong sua extradição, mas o governo da ilha chinesa alegou que o pedido dos Estados Unidos não atendia os critérios da lei local e solicitou mais informações. Snowden transferiu-se então para a Rússia, e o governo chinês informou os Estados Unidos que o jovem norte-americano “deixou Hong Kong para um terceiro país através de canais legais e normais”.

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Depois disso, tende a piorar o “conflito diplomático” que vem desde o ano passado, quando Washington e Pequim se acusaram mutuamente, por diversas vezes, de espionagem cibernética.  De acordo com a edição online de sábado (22 de junho) do South China Morning Post, Snowden também passou informações sobre espionagem digital na China. Ele teria dito ao jornal chinês que os Estados Unidos hackearam computadores em empresas chinesas de telefonia móvel, assim como sedes da Pacnet de Hong Kong – empresa proprietária da “maior rede de fibra ótica submarina da região”. Teria revelado também que a base de dados da Universidade de Tsinghua, uma das principais instituições de ensino superior da China, fora espionada. A China pediu explicações após a revelação dos programas do NSA.

Daniel Ellsberg, ex-analista militar responsável pelo vazamento dos Papeis do Pentágono em 1971, observou que, embora isso não signifique um Estado policial, a infraestrutura eletrônica e legislativa para instalá-la já está em funcionamento. Bastaria apenas um pretexto ou ameaça para autorizar os próximos passos. O caso foi destaque nas manchetes dos principais jornais. Segundo a Amazon, as vendas do romance 1984 de George Orwell – que fala de um estado totalitário em que ninguém escapa à vigilância do Grande Irmão – aumentaram 7.000% após as revelações do inconfidente ex-especialista da CIA.

Três cenários parecem despontar no horizonte de Snowden. Um é parecido com o destino do fundador do Wikileaks, Julian Assange, há um ano exilado na embaixada equatoriana em Londres. Outro se assemelha ao do jovem Bradley Manning, processado perante uma corte militar por “colaborar com o inimigo” ao ter vazado ao Wikileaks informações secretas sobre irregularidades das Forças Armadas na guerra no Iraque. Ou um terceiro, mais otimista, parecido com o trajeto do ex-analista Daniel Ellsberg, que revelou detalhes sobre a situação na Guerra do Vietnã (1955-1975) e hoje é reconhecido como um herói.
(Outras palavras)

Médicos Cubanos x Médicos brasileiros

Recife (PE) - Na coluna “Um golpe comunista no Brasil”, nós já havíamos obervado que a Associação Médica Brasileira havia ameaçado acionar a Justiça e levar a classe, dos MÉDICOS, para as ruas, caso a ex-terrorista Dilma Rousseff importasse médicos cubanos. O presidente da associação Floriano Cardoso chegara mesmo a afirmar que o governo seria o responsável direto por erros, complicações e mortes que poderiam ocorrer caso médicos incompetentes passassem a atender o povo brasileiro.

    Naquela ocasião, nada dissemos do risco de erros e de morte que todos já sofremos sem necessidade de importação dos médicos de Cuba. Os formados em medicina nas faculdades caça-níqueis, os profissionais submetidos ao regime do lucro e do desprezo pela vida da população já dão conta, com muita competência, do serviço. Para isso, para quê trazer o jaleco alienígena? Mas agora, o que antes era ameaça se concretiza: a AMB (Associação Médica Brasileira) anunciou ontem que haverá uma paralisação nacional dos médicos no dia 3 de julho. O protesto, segundo a entidade, será feito por conta da decisão do governo federal de trazer médicos do exterior para que trabalhem no  Sistema Único de Saúde.

    Avisa a AMB que serão mantidos apenas os serviços de urgência e emergência. Cirurgias e atendimentos eletivos, por exemplo, não serão feitos em 3 de julho. Não vem ao caso aqui, longe do colunista sequer a insinuação, que na greve serão mantidos todos os gêneros de cuidados médicos nos hospitais privados e nas clínicas particulares. Como o Dr. Jekyll, muitos dos nossos profissionais de medicina têm uma face pública e uma privada, queremos dizer, uma face particular, das suas contas bancárias. Sobre isso nem é bom falar. É natural, elementar, Mr. Hyde,  que todo o mundo precisa sobreviver.

    A novidade maior, a esperteza escorregadia, vem do novo discurso dos dirigentes da categoria médica. Eles falam agora que não se opõem à vinda de médicos pura e simplesmente. Não, longe disso. O problema é que os médicos de Cuba têm que passar antes pelo Revalida, a Revalidação do Diploma Médico, porque, afinal, o povo tem que ser bem cuidado, não é qualquer um chegar aqui com diploma de quinta categoria pra cuidar dos brasileiros.  E sabe o leitor onde reside a esperteza?

    O Revalida é uma prova que até mesmo os que a elaboram são incapazes de passar. Ou segundo as palavras de Heleno Rodrigues Correa Filho, conselheiro do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde e professor associado da pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas:

    “No Revalida, exigem conhecimento sobre coisas que não são da rotina médica diária. E perguntam sobre o que nem eles sabem responder. São exames para reprovar 90% dos candidatos. E reprovam mesmo. O exame de revalidação de diplomas estrangeiros é elaborado por professores de universidades renomadas que estão politicamente decididos a não deixar entrar ninguém. O objetivo não é filtrar profissionais para o mercado, e sim impedir que entrem pessoas. Não há avaliação externa ao Revalida.

    Quando são reprovados 90% dos candidatos, ninguém vem a público reclamar de tamanho absurdo, dizer que no Reino Unido ou na América do Norte uma prova assim seria reestruturada. Por que brasileiros passam em exames nos Estados Unidos e americanos não passam no Revalida brasileiro? É porque tem alguma coisa errada... Essa direita que não quer modificações no Revalida é a mesma que não quer as cotas nas universidades e os médicos oriundos dessa escola cubana”.

    A opinião acima é um petardo demolidor sobre as boas intenções da AMB. E vem de um especialista médico, que bem conhece a prova e os seus pares. Mas o diabo do Revalida é que ainda assim se aprovam 10%. Então o que exigem mais agora, para que o povo brasileiro não fique sem médicos? Os nacionais querem, por cima, uma prova de português para os médicos alienígenas. É justo. Do meu canto, deixo a sugestão de uma prova matadora desses 10% de invasores.

    Na prova de português, os médicos cubanos devem ser submetidos a uma prova dividida em 3 partes. Na primeira, uma análise sintática de todo o canto IV de Os Lusíadas, com identificação de orações, objetos, acessórios, inversões, elisões, alusões, metros raros, mais exegese com identificação dos personagens em Camões e suas biografias. Na segunda, uma interpretação de frases com gírias cariocas, pernambucanas, amazonenses e gaúchas. Na terceira, uma redação toda em termos da fala do caboclo do Acre. Pronto, creio não haver melhor Revalida para nos livrar de mais uma  invasão comunista.
urariano Mota
(Direto da Redação)

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Assange

Julian Assange pergunta: “quem traiu os EUA”?
Por
Julian Assange

Edward Snowden e Bradley Mannig, que revelaram mega-espionagem sobre cidadãos? Ou Obama, que prometeu fazer governo mais transparente da História

Por Julian Assange, Wikileaks | Tradução Vila Vudu

Faz agora um ano que entrei nessa embaixada, buscando refúgio porque estava sendo perseguido. Resultado dessa decisão, tenho conseguido trabalhar em relativa segurança, protegido contra os agentes dos EUA que investigam uma acusação de espionagem. Mas hoje, está começando o suplício de Edward Snowden.

Dois perigosos processos foram postos em movimento na última década, com consequências fatais para a democracia. O sigilo dos governos expandiu-se numa escala aterrorizante. E, simultaneamente, a privacidade dos seres humanos foi erradicada, em segredo. Há poucas semanas, Edward Snowden revelou ao mundo a existência de um programa secreto – que envolve o governo Obama, a comunidade de inteligência e gigantescas empresas que vendem serviços de internet – para espionar todos, em todo o mundo. Resposta automática, como mecanismo de um relógio: Edward Snowden foi acusado de crime de espionagem pelo governo Obama.

O governo dos EUA espiona todos e cada um de nós… Mas é Edward Snowden quem é acusado de espionagem, porque nos alertou. Estamos chegando ao ponto em a honra internacional por serviços prestados à humanidade não recai sobre quem tem um prêmio Nobel da Paz. Recai, isso sim, sobre quem seja acusado de espionagem pelo Departamento de Justiça dos EUA.

Edward Snowden é o oitavo vazador de informação secreta a ser acusado de espionagem no governo do presidente Obama. Na segunda-feira, o julgamento-show de Bradley Manning entrará na quarta semana. Depois de uma lista enorme de crimes e perversidades cometidas contra ele, o governo dos EUA tenta condená-lo por “ajudar o inimigo”.

A palavra “traidor” foi muito usada nos últimos dias. Mas quem é realmente o traidor, aqui? Quem prometeu “esperança” e “mudança” a uma geração, para imediatamente trair as próprias promessas, dando à população só miséria crescente e estagnação? Quem jurou defender a Constituição dos EUA, para imediatamente se pôr a alimentar a besta-fera de uma lei secreta, que vai devorando viva a Constituição dos EUA, de dentro para fora?

Que fim levou a promessa de fazer o governo mais transparente da história, mas que não faz outra coisa que perseguir um vazador depois do outro, nessa sequência macabra, esmagando-os sob o peso de acusações de espionagem? Quem assumiu, com mão de ferro, no Executivo, os poderes de acusador, juiz e carrasco, tentando fazer-se de dono do planeta, sobre o qual vai impondo todos esses poderes ilegítimos? Quem se arroga o poder de espionar o planeta inteiro – cada um de nós – e, quando é apanhado com as mãos sujas de sangue, explica que “teremos de escolher”? Quem é esse homem? Não pode haver dúvida alguma sobre quem declaramos “traidor”.

Edward Snowden está conosco. É um de nós. Bradley Manning é um de nós. São jovens interessados em tecnologia, inteligentes: são a própria geração que Barack Obama atraiçoou, traiu. São da geração que cresceu na Internet, modelada pela Internet.

O governo dos EUA sempre carecerá de analistas de inteligência, de administradores de sistemas, e terá de buscá-los nessa geração e nas gerações posteriores. Um dia, essa geração comandará a Agência de Segurança Nacional, a CIA e o FBI. Não é fenômeno passageiro. É absolutamente inevitável. Ao tentar esmagar esses jovens vazadores, acusando-os de espionagem, o governo dos EUA ataca mortalmente uma geração inteira. E essa batalha, os EUA perderão.

Acusar, prender, matar, não é o modo certo de consertar coisa alguma. O único modo de consertar o que deva ser consertado é: mudem suas políticas! Parem de espionar o mundo. Ponham fim às leis secretas. Ponham fim à prisão por tempo indefinido, sem processo e sem acusação. Parem de matar gente. Parem de assassinar. Parem de invadir países e de mandar milhares de jovens norte-americanos para matar e ser mortos. Parem de ocupar terras de outros. Ponham fim às guerras clandestinas. Parem de destruir os jovens: Edward Snowden, Barrett Brown, Jeremy Hammond, Aaron Swartz, Gottfrid Svartholm, Jacob Appelbaum e Bradley Manning.

A acusação formalizada contra Edward Snowden visa a intimidar qualquer país que esteja pensando em ajudá-lo a defender seus direitos. Não se pode admitir que essa monstruosidade se consume.

Todos temos de intensificar os esforços para encontrar país que dê asilo a Edward Snowden. Que país valoroso o defenderá, reconhecendo o inestimável serviço que prestou à humanidade? Diga ao seu governo, onde você estiver, que se apresente. Apresente-se você mesmo. Defenda Snowden!
(Outras Palavras)

Juventude

 Safatle: juventude perdeu o medo do capitalismo


Filósofo contesta mitos sobre “geração despolitizada”, propõe intensificar choque de valores e sugere que é preciso hackear instituições conservadoras

Entrevista a Beatriz Macruz, Guilherme Zocchio e Rute Pina*

Por Antonio Martins

Que caracteriza o comportamento da geração que, ao chegar à faixa dos vinte anos, começa a sondar seus papéis políticos? Por que ela não adere a hábitos valorizados no passado, como o engajamento num partido ou a leitura de um jornal diário? Como expressa seus desejos de transformação, que parecem desdobrar-se em múltiplas causas e campanhas, às vezes fragmentadas? Que atitudes assumirá, no futuro próximo?

O filósofo Vladimir Safatle é um dos que têm dedicado parte de seu tempo a refletir sobre estas questões. Conhecido de muitos pelas colunas que publica em “Carta Capital” e “Folha de S.Paulo”, ele é, muito mais que isso, um estudioso profundo da herança (e presença…) da ditadura brasileira; e um pensador que, à maneira de Slavoj Zizek, procura articular marxismo renovado com teoria psicanalítica.

Suas reflexões têm produzido interpretações instigantes sobre a nova geração. Ele rechaça, é claro, os pontos de vista superficiais, segundo os quais o fato de não haver “povo saindo às ruas” indicaria uma fase de despolitização. É preciso ir mais fundo, examinar os valores que mobilizam e os que já não encantam; a partir deles é que será possível fazer previsões de longo prazo.

Safatle anima-se, quando se dedica a esta sondagem. Ele destaca que aspirações como ascender socialmente, ser “bem-sucedido” segundo as regras e critérios do sistema, “fazer curso de publicidade ou entrar no departamento de marketing” já não cativam. Há sinais de desconforto social. Busca-se outros encantos e prazeres: talvez, participar em redes de colaboração, contribuir para uma distribuição menos desigual das riquezas produzidas por todos, construir novas relações entre o ser humano e a natureza.

Mais: segundo o filósofo, já é possível vislumbrar o momento em que desaparecerá a cultura do medo disseminada pelo capitalismo após a queda do (mal-)chamado “socialismo real”. Está em xeque, diz ele, a ideia de que “se quisermos grandes mudanças, provocaremos catástrofes” e “só estaremos seguros no presente – por mais que o detestemos e o julguemos insuportável”…

É natural, diz Safatle, que a nova geração busque organizar-se de forma não-tradicional. “Os grandes partidos já não têm força alguma para mobilizar as pessoas. E os pequenos, cobram caro pela mobilização: um tipo de adesão que boa parte dos jovens não está disposta a dar, pelas melhores razões. Eles não querem virar instrumentos para uma lógica partidária”.

À falta de instrumentos eficazes para expressar vontades coletivas, seria o caso de optar exclusivamente pela micropolítica, ou pela ação à margem das instituições? Safatle pensa que não. Ele rejeita fórmulas como a de John Holloway, que propõe uma esquerda totalmente afastada do Estado. Alfineta: “se tal postura prevalecer, os donos do poder irão atrapalhar todas as nossas tentativas de mudar o mundo: não conseguiremos fazer nada”.

Mas propõe-se a sondar saídas. “Há algo no meio do caminho [entre as lutas e as instituições], que você opera pressionando de fora (…) O Estado, os partidos e o parlamento não vão desaparecer. No entanto, você pode operar as estruturas políticas em outras chaves. Forçar a democracia plebiscitária, esvaziar atribuições do parlamento, ativar processos de democracia direta”. Operar o que outros pensadores chamam de “hackeamento das instituições”.

Safatle falou sobre todos estes temas numa longa e preciosa entrevista, feita por três estudantes de jornalismo da PUC – São Paulo. O site “Outras Palavras” a publicou e o QTMD? reproduz.

Você consegue imaginar por que é a geração da juventude de hoje, e não a que viveu ou ainda pegou o resto da ditadura, que está promovendo os esculachos contra agentes do regime militar?

Safatle: Porque esta é uma das gerações mais politizadas que tivemos nos últimos trinta anos. Contrariamente ao que algumas pessoas querem nos fazer acreditar, não vivemos num processo irreversível de despolitização juvenil. Acredito exatamente no contrário. Acho que a geração que hoje tem vinte, vinte e poucos anos, é muito mais politizada do que a minha, de pessoas que hoje têm quase quarenta. A minha era de pessoas que tinham como maiores preocupações ascender socialmente no mercado, fazer curso de publicidade, entrar no departamento de marketing… As preocupações políticas eram nulas. Existia todo um discurso de que as ideologias haviam terminado, havíamos chegado ao fim da história e não havia outra forma de vida possível, a não ser a institucionalizada pelas sociedades capitalistas avançadas.

A atual, é uma geração que vive a experiência da crise social, de uma crise econômica mundial (mesmo que o Brasil seja um caso à parte). Há um esgotamento da confiança na democracia parlamentar, a ascensão da extrema direita, o retorno do racismo e da xenofobia: são questões de profunda natureza política. É muito normal que uma parcela de jovens, no Brasil, volte-se para o que resta da ditadura, seu legado, a impossibilidade de saber que há um acerto de contas com os crimes do passado; e que faça mobilizações como as que começamos a enxergar.

Isso também demonstra algo interessante: as sociedades nunca esquecem. Até hoje, fala-se no genocídio armênio, há mais de cem anos. As experiências das ditaduras podem ser simbolizadas, quando você encontra uma inscrição simbólica adequada para este tipo de experiência. Como isso não existiu no Brasil, dá-se um fenômeno descrito por Lacan: o que é expulso do simbólico, retorna no real, e de forma violenta. Como nunca tivemos uma inscrição simbólica da violência da ditadura, ela volta agora sob a forma do desprezo, que várias parcelas da juventude têm a figuras que cometeram crimes contra a humanidade. Estamos falando do uso do aparato do Estado, da tortura, assassinato, estupros, ocultações de cadáver e coisas desta natureza.

Mas esta manifestação civil não chega em uma instância oficial do Estado. Você acha que ela também pode contribuir para que surja um debate sobre o tema?

Safatle: Acho que demonstra claramente a existência de um desconforto social – e é o primeiro passo. O argumento de quem quer esquecer a qualquer custo é que a sociedade já se pacificou e reconciliou, não haveria nenhuma razão de o Estado intervir em um processo resolvido. Essas manifestações demonstram que tudo isso é falso, uma mentira, a reconciliação foi extorquida. A própria Lei da Anistia é um exemplo claríssimo: foi votada só por membros do partido do governo. A oposição não se reconhecia de no projeto. Que tipo de acerto é esse? Conseguiram extorquir a reconciliação, e querem fazer passar a ideia que ela resultou de ampla negociação por debate. Sem contar que as instâncias de justiça de transição, no mundo inteiro, são completamente contrárias à de uma anistia autoconcedida. Os militares concederam anistia para si mesmos. Isso é, em qualquer situação, uma aberração jurídica.

Você acha que o fato de isso aparecer no momento que o estado brasileiro está se organizando para instaurar uma Comissão da Verdade revela um desconforto?

Safatle: É uma maneira de pressionar o debate, tentar impedir que a Comissão da Verdade seja uma farsa, como tudo indica que pode ocorrer. É uma comissão esvaziada, tem apenas sete membros. Vai operar sem poder de mandar material para a Justiça, pois, a princípio, sua função é descobrir o que realmente aconteceu. Essa é uma questão importantíssima: não sabemos o que aconteceu. “Existem quatrocentos e poucos mortos”. Quem disse que foram quatrocentos e poucos? Isso foi o que a gente conseguiu descobrir.

Num processo de Comissão da Verdade, os crimes vão aparecendo. Quem nos garante que não aconteceu no Brasil algo como na Argentina: sequestro de crianças, essa brutalidade que é, para mim, o pior dos crimes. Entrega-se os filhos dos torturados para os torturadores. Corta-se a possibilidade de memória da dor. Esse lado maquiavélico da ditadura argentina coincide com a pior experiência do nazismo. Primo Levi dizia que a pior frase que ouvira, quando estava no campo de concentração, era a de um oficial nazista: “tudo o que a gente fez é tão inacreditável, que ninguém vai ouvir ou acreditar no que você disser. E a gente vai apagar todos os rastros”.

Você percebe uma mudança na forma, na estética dos esculachos para os movimentos na época da ditadura?

Safatle: Com certeza. Você tem a identificação clara de um indivíduo e uma pressão, um movimento claro de desprezo. É um recado: “você pode conseguir segurar algumas coisas na imprensa e escapar de tudo, menos do o desprezo social”. É completamente distinto das manifestações que ocorreram no período militar, de luta contra um aparato repressivo. Temos agora consciência de como o reconhecimento social é central na vida política. Retira-se o reconhecimento social ao dizer: “Você não pode ser um cidadão de plenos direitos. Você é um criminoso”.

Você enxerga uma relação entre a mudança de ativismo no Brasil e o movimento Occupy, que propõe uma nova forma de se manifestar?

Safatle: Há algo em comum: todos estes movimentos são feitos à margem de partidos. As estruturas partidárias – pelo menos as grandes – não têm mais força alguma parra mobilizar as pessoas. E os pequenos partidos cobram caro pela mobilização: um tipo de adesão que acredito que boa parte dos jovens não está disposta a dar, pelas melhores razões. Eles não querem virar instrumentos para uma lógica partidária. Essas mobilizações se fazem em torno de temas: você se organiza para certos objetivos, cria estruturas ou fóruns ligados a eles; depois, eles se dissolvem. É bem provável que isso seja cada vez mais utilizado.

O Occupy forneceu um modelo para este tipo de processo. Mas… o que eles conseguiram? Francamente, não é esta a questão. O ponto de vista por trás de tal pergunta é muito rasteiro. “ – Deu um resultado logo em seguida? – Não. – Então, não deu resultado algum”.

Não faz sentido: às vezes os resultados precisam de anos. Um primeiro movimento produz um desdobramento aqui, outro ali… Lá na frente, anos depois, você vai enxergar resultados mais concretos. Essa visão de ato e reflexo, bate aqui e vê se acontece alguma coisa ali, é a antipolítica por excelência. Acho que os movimentos foram muito bem-sucedidos. Eles tensionaram um acordo que parecia intocável, forneceram o modelo de um processo de mobilização e isso não terminou.

No Chile há, até hoje, grandes manifestações sobre a educação, 400 mil pessoas nas ruas contra o governo, por uma escola pública de qualidade. O processo é mesmo lento, ninguém ache que vai conseguir modificar o tabuleiro do xadrez do debate político de um dia para a noite, mas toda grande caminhada começa com um passo – e ele foi dado.

Penso numa frase de Deleuze, segundo a qual os jovens necessitam muito ser motivados. Nossa geração pede isso. Você não acha que falta uma noção maior do que tudo isso representa?

Safatle: Isso é muito normal, porque tivemos um esgotamento das grandes explicações. Não porque estivessem completamente erradas, mas estavam parcialmente erradas. Não deram conta de uma série de processos ocorridos nos últimos vinte, trinta anos. É normal que você precise reconstruí-las agora, em novas bases. Aquilo que um dia Jean-François Lyotard chamou das grandes metanarrativas. Tem um lado certo e um errado, da crítica que fazia. Ele disse que as grandes metanarrativas, a ascensão proletária, o movimento revolucionário, a teleologia histórica, isso tudo era um grande equívoco.

Eu diria que não foi um pequeno equívoco. Você não pode abandonar perspectivas de largo desenvolvimento histórico. Do contrário, os acontecimentos ficam completamente opacos, você torna-se incapaz de enxergá-los. Os fatos parecem vir no ritmo do acaso, da completa contingência.

No entanto, existe o espaço da contingência. Ou seja, há acontecimentos completamente imprevisíveis, que exigem uma reformulação ampla dessa perspectiva de análise histórica. Isso não aconteceu. Eu diria que uma tarefa atual é compreender o lugar da contingência no interior de uma dinâmica onde a necessidade vai se construindo. Ninguém enxerga muito bem o que está acontecendo, isso só é possível depois. Em certos momentos da história, algumas pessoas conseguem mobilizar mais e dizer: “vejam, existe uma abertura, um desfiladeiro. A gente consegue passar por aqui”.

Falta acreditar que os processos abertos não necessariamente terminam em catástrofe. A gente absorveu muito essa ideia: se quisermos grandes mudanças, provocaremos catástrofes. Segundo tal lógica, só estaríamos seguros no presente – por mais que o detestemos e o julguemos insuportável. Espero que esse raciocínio desapareça o mais rápido possível. Ele expressa a cultura do medo: você não projeta nada para frente. Você se rende ao presente.

Nos momentos de crise, há tanto busca de novos referenciais, quanto retorno do autoritarismo. Num país como o Brasil, em que as correntes conservadoras são muito fortes, não há risco de que esta segunda posição prevaleça?

Safatle: Essa é uma luta que existe no Brasil hoje. Nosso debate político é hoje cultural. Os projetos econômicos são mais ou menos iguais. Existem distinções, mas não são enormes, reais. Ninguém prega grandes reformas. Nenhum partido importante sugere: “vamos fazer uma democracia plebiscitária”. Há um grande consenso.

Onde está o debate político? Está no campo da cultura, dos costumes, dos hábitos. O aborto virou um dos temas mais importantes do Brasil. Casamento homossexual, todos os outros problemas ligados à modernização dos costumes.

Isso tem um lado bom. A gente está brigando por formas de vida distintas. Mas isso também demonstra que o debate centrado na cultura sempre tocou muito mais os jovens e sempre é um debate da esquerda. Hoje, há uma direita cultural, um pensamento cultural de direita forte, conservador, que consegue mobilizar camadas da juventude. Julgo isso algo muito grave, mas lembro que é característica de todos os processos históricos ricos: a juventude dividindo-se ao meio. Há uma ala conservadora, outra progressista. Na época da ditadura militar, esse processo era muito claro.

A França viveu uma eleição agora. Um partido de extrema-direita ficou em terceiro lugar – e em primeiro, nos votos dos jovens entre 18 e 25 anos. Por que? Eles trazem questões culturais: imigração; nossos valores; nossa forma de vida; nossa religião contra a religião “atrasada” dos “outros. São debates que estão, de uma maneira ou de outra, chegando no Brasil. A gente precisa se preparar para isso, também. Para uma divisão que vai ocorrer, de maneira cada vez mais forte. Não há como escapar dela.

Você conseguiria apontar quais são alguns agentes dessa direita cultural?

Safatle: Existe uma proliferação de blogues de extrema-direita no Brasil, que a juventude lê. São colunistas de jornal, que se assumem claramente como conservadores. Isso não deve ser negligenciado: é um fenômeno que veio para ficar.

Significa o quê? Que o debate cultural deve ser feito com toda a força. A discussão sobre a memória é um aspecto decisivo. Que tipo de sociedade queremos? Uma sociedade que acredita que, esquecendo crimes do passado, você tem um presente melhor? Uma sociedade que tem medo de fazer memória? Onde você publica um artigo sobre a ditadura na internet, e surgem 150 pessoas comentando como era fantástica a vida naquele tempo, como pelo menos não tinha corrupção?

Há um preceito liberal que se chama “Direito de Resistência”. Não está em Lênin, mas em Locke, que era a favor do tiranicídio. Dizia: “se um tirano usurpa os seus direitos, as liberdades individuais e as liberdades sociais, ele merece a morte”. Isso está também no Rousseau – ou seja, na tradição liberal do pensamento político. Se algumas pessoas têm a coragem de usar a famosa teoria dos dois demônios,segundo a qual havia terroristas de esquerda e de direita, elas colocam-se aquém da perspectiva liberal de política.

Que tipo de sociedade essas pessoas procuram realizar no presente? Penso que não é mais possível admitir mais esse tipo de situação. Eles querem dizer que, mesmo numa ditadura, a violência contra o Estado não é aceitável. Para mim, é uma das proposições mais antidemocráticas que se possa imaginar. Na década de 1920, greve era um crime. Mas foi graças a esse crime que os direitos trabalhistas foram universalizados.

Uma esquerda mais clássica, organizada em partidos, fala numa disputa entre hegemonia e contra-hegemonia – e sugere disputar instituições como a mídia, o governo, o parlamento. Este tipo de opinião pode enfraquecer os movimentos da juventude que procuram uma saída não-institucional e novas formas de política?

Safatle: Acho que não – e é um ótimo tema. Há momentos em que você precisa saber como se organizar institucionalmente. A Primavera Árabe demonstra isso claramente. Começou, sempre, com movimentos jovens: na Tunísia, diplomados desempregados; no Egito, o movimento 6 de Abril, composto por jovens de várias tendências políticas. Conseguiram resultados imediatos mas, na hora de gerir o processo, não existia uma estrutura institucional, uma organização. Quem colheu todos os frutos do processo foram  os partidos islâmicos, mais organizados e com capilaridade popular.

Qual o modelo de organização para grupos que não admitem o partido como a figura clássica de organização? Uma nova estrutura política? Frentes mais flexíveis? É algo que precisaremos, em algum momento, responder. Do contrário, todas as estruturas institucionais serão dominadas por aqueles que já sabem operá-las. E elas não vão desparecer. O Estado, as eleições, os sindicatos não vão desaparecer.

Novas instituições poderiam superar as que existem agora? Poderíamos imaginar a fundação de um novo Estado e uma nova forma sociedade? Ou é muita pretensão?

Safatle: Sempre fui firmemente contrário ao slogan “mudar o mundo sem tomar o poder”, de John Holloway. Os donos do poder agradecem: se tal postura prevalecer, irão atrapalhar todas as nossas tentativas de mudar o mundo: não conseguiremos fazer nada.

Não existe política completamente à margem da estrutura institucional, da mesma maneira como não se pode fazê-la só dentro das instituições. Há uma região limítrofe, que é necessário saber operar. Precisamos ir além do pensamento binário, do “ou  totalmente fora, ou totalmente dentro”. Há algo no meio do caminho, que você opera pressionando de fora. Isso, ainda não conseguiu constituir. Só há um grupo que conseguiu fazer isso: os lobistas. Os lobbies estão semi-institucionalizados. Operam de fora, forçando a estrutura institucional. É necessário uma espécie de lobby popular, que seja contraponto ao lobby econômico.

Pensei no texto “O que é ser contemporâneo?”, do Giorgio Agamben. Ele sugere reconhecer a época em que vivemos, assumir que ela tem instituições, e ao mesmo tempo negá-la, querer deixá-la. É isso que inspira a juventude?

Safatle: Sim, com certeza existe essa região limítrofe que é necessário saber operar. Volto a insistir: o Estado, os partidos e o parlamento não vão desparecer. No entanto, você pode operar as estruturas políticas em outras chaves. Forçar a democracia plebiscitária, esvaziar atribuições do parlamento, transferir decisões para a população, ativando processos de democracia direta.

Qual é a estratégia de desmobilização? É dizer: “ou você está dentro do Estado de Direito, ou você está fora; ou aceita a estrutura institucional tal como ela é hoje, ou está completamente fora e portanto faz apologia da ditadura”. Não existe isso.

Você pode perfeitamente admitir que algumas estruturas vão continuar e, ao mesmo tempo, construir processos de transferência direta de poder. Esse me parece o grande desafio ao pensamento político atual. Como a gente constrói, como dá figura para as demandas de democracia real? Há muitos exemplos. Um deles: a Islândia foi um dos primeiros países a mergulhar na crise econômica europeia. Bancos islandeses tomaram dinheiro emprestado nos Países Baixos e Inglaterra. Quando quebraram, a Inglaterra e os Países Baixos apresentaram a conta ao governo islandês: os bancos eram privados, mas a conta foi para o Estado. O parlamento se dobrou, aceitando a conta bilionária. A população – pequena, em torno de 250 mil habitantes – teria de pagar durante cinquenta anos a dívida dos bancos.

Bem, havia um presidente, um pouco mais sensato, que lembrou uma regra da Constituição islandesa, segundo a qual os presidentes têm o direito de consultar a sociedade, antes de promulgar leis. Convocou-se um plebiscito: o povo foi chamado a votar se queria ou não pagar a dívida. Pode-se imaginar o terrorismo: em caso de não-pagamento, dizia-se, o país iria converter-se em pária internacional.

Mas o povo disse não. Hoje, a Islândia está melhor do que todos os outros países que entraram na crise à mesma época: Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda. Isso ensina que é possível politizar a economia, tirar poderes indevidos. Alegar que um parlamento sozinho não pode decidir uma questão tão central como essa. Um parlamento é composto de pessoas que têm as eleições pagas por bancos… O parlamentar deve para o banco: há uma nova eleição daqui a quatro anos e ele sabe que, se votar contra, não tem mais financiamento, não vai ser reeleito. Como uma pessoa dessas pode tomar esse tipo de decisão?

Mas no caso da Espanha, por exemplo, os indignados não conseguiram construir alternativas como essa. O movimento caminha nessa direção?

Safatle: Na Islândia, já havia o mecanismo institucional. Tiveram a sorte de contar com um presidente um pouco mais sensato, que deu realidade ao processo. Mas é um dado extremamente interessante, porque pode ser transformado em bandeira: “quero que na Espanha a lei islandesa seja aplicada”. É possível fazer o mesmo em várias outras situações. Você tensiona o debate. Os conservadores reagirão: “a população não pode decidir sobre essas coisas, são muito complexas, só tecnocratas têm que decidir”.

“Mas, então, fala, fala na nossa frente: só tecnocrata de banco vai decidir o que vão fazer com o nosso dinheiro?” Vamos ver o que vai acontecer. Este é um recurso muito importante: você obriga o poder a falar os seus absurdos, que ele normalmente não tematiza. Todo mundo sabe que quem decide é tecnocrata, mas ninguém fala. Quando certas coisas são ditas, algo acontece, mesmo que exista um acordo tácito entre as pessoas. Por isso, uma questão política central é obrigar o poder a falar, colocá-lo contra a parede.



*Beatriz Macruz, Guilherme Zocchio e Rute Pina são estudantes de jornalismo da PUC-SP e colaboradores do site “Outras Palavras”.

Boemia

Me dá a penúltima” (Aldir Blanc e João Bosco)



Eu gosto quando alvorece

Porque parece que está anoitecendo

E gosto quando anoitece, que só vendo

Porque penso que alvorece

E então parece que pude

Mais uma vez, outra noite,

Reviver a juventude.





Todo boêmio é feliz

Porque quanto mais triste, mais se ilude.

Esse é o segredo de quem, como eu, vive na boemia:





Colocar no mesmo barco, realidade e poesia

Rindo da própria agonia,

Vivendo em paz ou sem paz

Pra mim tanto faz,

se é noite ou se é dia.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Manifestações


Primavera Brasileira ou golpe de direita?
Por
Antonio Martins


Perguntas e respostas sobre um movimento que está mudando a cena do país – e cujo futuro, aberto, será decidido também por você

Por Antonio Martins

“O Brasil não é para principiantes”, disse certa vez o compositor Tom Jobim. A sabedoria destas palavras está ecoando de novo a cada dia, nas duas últimas semanas. Entre 6 e 19 de junho, uma onda avassaladora de protestos de rua resgatou a ideia de que as lutas sociais valem a pena e marcou a emergência de uma cultura política de autonomia, redes sociais e horizontalidade. Um dia depois, as manifestações que deveriam celebrar este resgate foram em parte capturadas. Resvalaram para episódios de autoritarismo e intolerância, depois que a crítica às injustiças e à ausência de direitos foi direcionada contra os governos de esquerda e seus limites (vale ler este texto do repórter Tadeu Breda). Muitos dos que haviam se manifestado desde o início chocaram-se e recuaram. Foi inteligente, mas é hora de um novo passo. As ruas não se calarão, se quem luta por justiça estiver afastado delas. É preciso – e é possível – disputá-las. Este texto tentará explicar por quê e como, na forma urgente e imperfeita das perguntas e respostas.

1. É possível falar em Primavera Brasileira?

Ainda não, mas há sinais muito animadores de uma grande onda de mobilizações por direitos sociais, capaz de expandir em muito as conquistas – importantes, porém limitadas – dos dez anos de governos de esquerda. Em torno de um tema catalizador (os transportes urbanos e sua tarifa), claramente associado às desigualdades e a um modelo de metrópoles cada vez mais rejeitado, milhões de pessoas foram às ruas, em centenas de cidades. Outras reivindicações do mesma natureza, como o direito à moradia, emergiram.

Uma das grandes novidades das manifestações é que tiveram perfil completamente distinto do que marcava as lutas sociais brasileiras. Não foram convocadas nem pelos partidos de esquerda, nem pelos movimentos sociais tradicionais. A partir do chamado de um pequeno grupo, o Movimento Passe Livre (MPL), as multidões autoconvocaram-se, usando as redes sociais. Esta cultura política de autonomia não é inteiramente nova. Foi ela que suscitou, no início do século, grandes eventos, como os Fóruns Sociais Mundiais. Porém, é a primeira vez que se torna realmente popular, praticada por multidões. Este fato pode ter enorme importância. Sacode um cenário político que tende à estagnação, já que esquerda no governo tem grandes compromissos com o poder econômico e avança muito devagar; mas a alternativa institucional viável a ela é muito pior: os partidos conservadores e neoliberais.

A partir de 15 de junho, este movimento sofreu uma interferência que pode paralisá-lo ou inverter seu sentido. A mídia e os partidos à direita do PT, que até então o demonizavam e reprimiam, fizeram um grande giro tático. Passaram a turbiná-lo, ao mesmo tempo em que tentam capturá-lo. Procuram esvaziar a reivindicação de direitos e igualdade (ou seja, seu caráter “perigoso” de crítica social) e suscitar, em seu lugar, a luta genérica “contra a corrupção”. Ao fazê-lo tentam, ao mesmo tempo, voltar o movimento contra os governos de esquerda. Tirá-los do poder, seja de que modo for, é algo que, nos últimos dez anos, nunca saiu da agenda da direita.

Esta tentativa de captura é poderosa, porque a mídia de massas, embora desgastada e em declínio, ainda tem enorme influência no Brasil. Por isso, o futuro do movimento está em aberto. Vai depender de nossa capacidade de compreender o cenário e agir com sagacidade.



2. Há no ar uma tentativa de golpe antidemocrático?

Diversos sinais indicam que sim. Desde terça-feira (18/6), o jornalista Jânio de Freitas chamou atenção para a presença intensa de provocadores, em episódios como a tentativa de invadir a prefeitura de São Paulo. A ação que eles desenvolvem – radicalizar artificialmente os movimentos, para justificar a “restauração [autoritária] da ordem” – é típica em golpes de Estado na América Latina, como o do Brasil (1964) e Chile (1973). Além disso, as manifestações de quinta-feira (20/6) tiveram a presença ostensiva de skinheads e de grupos que agrediram militantes de esquerda. Neste dia, a TV Globo quebrou um tabu e deixou de transmitir todas as suas novelas, para “cobrir” as manifestações de maneira distorcida, em seu esforço para capturá-las. Já na sexta-feira (21/6) à noite, pequenos grupos cortaram, simultaneamente o tráfego de quase todas as rodovias que ligam São Paulo ao resto do país. Houve saques na Via Dutra e na Barra da Tijuca. São táticas totalmente estranhas aos movimentos sociais, adotadas para gerar medo e pedidos de intervenção.

A tentativa de golpe vai se intensificar nos próximos meses, porque uma série de fatores colocará em xeque as políticas que os governos de esquerda adotam há dez anos (Outras Palavras tratará do tema em breve). Será preciso fazer uma opção entre ampliá-las (redistribuindo riqueza a questionando privilégios) ou deixá-las para trás. Exatamente por isso, as ruas não podem ser abandonadas por quem luta por uma sociedade justa e liberta.



3. Como foi possível converter manifestações autônomas por direitos em territórios de preconceitos e violência?

A guinada tática que a mídia e as forças conservadoras fizeram, no final de semana passado, está extremamente nítida na “autocrítica” de Arnaldo Jabor na TV Globo, e nas capas de Veja desta semana e da anterior. O caráter desta ação – que consiste em turbinar as manifestações e ao mesmo tempo esvaziar ou mesmo inverter seu sentido – está debatido na questão 1 deste texto. A forma mais eficaz de executá-la é difundir a bandeira “contra o corrupção”, que deriva para “contra a PEC-37”. Poucos a conhecem, mas ela aciona automaticamente a ideia de que punir – os corruptos, os menores infratores ou os que adotam atitude sexual “desviante” – é a solução para os problemas nacionais. Uma frase que circulava ontem (22/6) no Twitter, associada à tag “#calabocadilma”, ilustra de forma caricatural este tipo de associação . Perguntava: “Os médicos cubanos já chegarão sabendo fazer a ‘cura gay’, ou terão de aprender aqui?”…

Para enfrentar esta tentativa de captura é importante compreender de onde ela tira sua força. Os manifestantes, em sua esmagadora maioria, têm menos de 25 anos. Além disso, estão apenas iniciando sua participação formação política. Conhecem ainda pouco do contexto e história dos governos de esquerda e da história institucional do Brasil antes deles. Veem, com toda razão, que o país é muito injusto e há enorme promiscuidade entre política e poder econômico. Mas não enxergam que a bandeira “contra a corrupção”, genérica e difusa, poupa, ao invés de colocar em xeque, aqueles que se beneficiam de nossas desigualdades. Também não se dão conta que o “fora Dilma”, claramente insinuado pela mídia, significaria, nas condições da política institucional de hoje, abrir espaço um governo diretamente ligado às elites.

A manobra dos conservadores é, contudo, extremamente arriscada. Ao engrossarem as manifestações, eles permitem, aos que queremos mudanças reais, dialogar com um público muito mais amplo. Também por este motivo, a saída não está em “deixar as ruas”, mas em abrir, nelas e nas redes sociais, uma disputa profunda de projetos.



4. Por que a tentativa de capturar os protestos é frágil e pode ser vencida?

Os conservadores não desejavam, nem convocaram os protestos. Apropriaram-se momentaneamente deles, usando seu peso e poder. Mas têm muito a temer. Se a agenda dos direitos continuar a se difundir, e se o espaço horizontal das ruas continuar a ser experimentado pelas multidões, logo entrarão em pauta temas que exigirão as mudanças sociais “perigosas” – muito mais profundas que as realizadas nos últimos anos.

Para isso, é necessário um esforço: romper a barreira da crítica genérica à “corrupção” e ao “poder”. Passar deste discurso ingênuo e inofensivo para a concretude das mudanças sociais; das cidades (e sociedades) para todos; da redistribuição de riquezas. É um passo árduo: exige enfrentar a avalanche da mídia em favor de conceitos massificantes e mistificadores, como “o gigante acordou”. Implica propor questões incomuns, porém de extrema potência: “quem é o gigante”? “quem se apropria da riqueza que ele produz”? “como torná-las de todos”?

É preciso notar que a dinâmica do debate nacional mudou. Nos últimos dez anos, nos acostumamos a uma disputa de visões de país permanente, porém de baixa intensidade. De repente, isto ficou para trás. A agressividade que os conservadores demonstraram, sua disposição de convocar tanto a violência policial extrema (como em São Paulo, em 14/6) quanto os skinheads não deve deixar dúvidas sobre o que está em jogo. Ao menos nesse momento, o antídoto eficaz contra o golpismo não é a moderação – é tornar mais concreta, e mais profunda, a agenda de direitos para todos.



5. Que temas permitem retomar uma pauta de direitos e mudanças sociais?

Um dos motes mais traiçoeiros que circulam nas manifestações é “o gigante acordou”. Seu apelo ao nacionalismo embrutecedor (“nação” é um conceito que pode servir tanto para unir contra a opressão externa quanto para mascarar nossas próprias desigualdades) é claro. Pior: repetido quase sempre por ingenuidade, ele contrabandeia para dentro do movimento uma ideia despolitizadora. Sugere que as lutas para mudar o Brasil estão começando hoje. Procura ocultar o esforço de décadas, feito pelos movimentos sociais e sociedade civil, para formular pautas ligadas à garantia de direitos para todos. Todas estas reivindicações são importantes, para romper a barreira mistificadora da mídia e das elites.

Porém talvez valha a pena, neste momento de disputa aguda de sentidos, concentrar energia naquelas que, por dialogarem com o sentimento das ruas, provocam e fazem refletir. Defini-las é algo que precisaremos fazer em conjunto. Eis a seguir algumas sugestões.

O primeiro alvo, quase óbvio, é a Rede Globo e os barões da mídia. Slogans contra a emissora da família Marinho espalharam-se e tiveram ressonância em todas as manifestações. Eles tocam numa grande encruzilhada do período em que estamos. O oligopólio das comunicações mantém enorme influência e age de modo ostensivo para disputar o sentido do movimento. Mas tem telhado de vidro fino: nunca foi tão amplo o setor da sociedade que compreende sua ação manipuladora.

A Globo precisa ser alvo de campanhas na internet, manifestações de rua, boicotes. Denunciar seu poder, símbolo do oligopólio, abre caminho para a bandeira da democratização das Comunicações, já expressa numa campanha. Denominada Para expressar a liberdade, construída em conjunto por ativistas e organizações, ela formulou e oferece, em sua página na internet, propostas concretas, argumentos e até um projeto de lei sobre o tema.

Também os que foram capturados pelas bandeiras “contra a corrupção” e “contra a PEC-37” voltam-se, no fundo, contra os privilégios e desigualdades. É preciso dar materialidade a estes sentimentos, mostrando que a direita não oferece alternativa alguma para eles . “Contra a corrupção” precisa desdobrar-se, por exemplo, em “Fora o Poder Econômico da Política”. É uma forma popular de abordar a Reforma Política – outra bandeira estratégica para mudar o país e indispensável neste momento decisivo. Diversos movimentos têm trabalhado em torno deste tema. Alguns deles já construíram, inclusive, uma Plataforma comum. Ela desenhou propostas (entre outras, ampliação do poder de plebiscitos e referendos; fim do 14º e 15º salário dos parlamentares; proibição do financiamento das empresas aos partidos). Reúne farta documentação: artigos, vídeos, programas de rádio, biblioteca. A riqueza deste material, construído coletivamente, evidencia como é primária e vazia a bandeira “contra a corrupção”.

O alcance que a luta contra o aumento das tarifas assumiu mostra como a agenda do Direito à Cidade toca a população brasileira. Dezenas de milhões de pessoas, que vivem nas periferias das metrópoles, deixaram de se sentir inferiores nos últimos dez anos. Percebem-se injustiçadas: sem elas, não se produziria uma imensa riqueza, da qual são excluídas. Querem igualdade e direitos (examine, por exemplo, esta convocatória, do Periferia Ativa). Além disso, a classe média é muito mais que os “coxinhas” da “luta contra a corrupção”. Ela inclui um setor criativo, libertário, defensor de um país para todos e disposto a participar de sua construção.

O Direito à Cidade – que talvez deva ser traduzido em conceitos como Reforma Urbana ou Cidades Livres – pode ser desdobrado em propostas que dialoguem com estes dois grupos sociais. Direito à moradia (inclusive no centro das metrópoles). Penalização da especulação imobiliária. Mobilidade urbana, com transportes públicos rápidos, confortáveis e baratos (The Economist, talvez a revista de maior repercussão no mundo, acaba de publicar uma matéria muito simpática à tarifa zero). Limitação do uso dos automóveis. Despoluição dos rios. Exigência de descarte apropriado do lixo. Ciclovias.

Não será possível abrir o leque da pauta dos direitos sociais sem falar em Reforma Tributária. Como frisa o economista Ladislau Dowbor, num texto recente, é preciso desfazer a crença segundo a qual o Brasil tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo. A verdade é outra: as maiorias pagam muitos tributos, porque uma pequena minoria, que tem altíssimo poder de contribuir, é pouco exigida e tem muitas brechas para sonegar.

A Reforma Tributária merece textos à parte. Mas precisamos nos preparar para propor mais e não menos impostos. Tributos inteligentes e progressivos, com claro sinal redistributivo. Tributos que corrijam a injustiça típica dos mercados, que transformem serviços dignos num direito (não numa mercadoria acessível a quem pode pagar) e que garantam cidades e um país para todos.
6. Que são as Assembleias Populares e como elas podem preparar uma nova fase da mobilização?

Elas surgiram neste domingo (23/6): três em São Paulo, por iniciativa do Movimento Passe Livre; em Fortaleza, Brasília e Belo Horizonte (esta, com mais de 2 mil pessoas: texto, vídeo). As Assembleias Populares permitem que a população se encontre e converse horizontalmente, livre da massificação da TV. Estabelecem um ambiente propício a debater a situação do país e, em especial, a desenvolver a consciência dos direitos e a mobilização por eles. Se continuarem a se espalhar, é provável que desencadeiem, muito em breve, uma nova onda de manifestações, agora mais potente.

Não há receita para as Assembleias: podem reunir moradores de uma região ou pessoas interessadas em discutir coletivamente um tema específico; ocorrer numa praça, num salão, numa casa ou mesmo nos pontos de ônibus (veja o que o Periferia Ativa prepara para 25/6, em São Paulo).

Também não é preciso esperar por ninguém, para organizar uma Assembleia. Qualquer organização, ou grupo de pessoas, pode e deve fazê-lo. O importante é não desperdiçar um momento raro, em que as multidões deixaram a passividade e sentem-se empoderadas para debater seu futuro coletivo.

Outras Palavras participa, com outros coletivos e movimentos, da organização de uma assembleia nesta terça-feira (25/6, às 19h), na Praça Roosevelt, em São Paulo. Debaterá a Ditadura da Mídia e as formas de enfrentá-la. Já está difundida no Facebook (com mais de 500 pessoas confirmadas, ao meio-dia de 24/6). Estamos prontos para divulgar outras iniciativas. Para comunicá-las, basta escrever para mobilizacao@outraspalavras.net

7. Qual o sentido do discurso de Dilma e como os movimentos podem tirar proveito dele?

Mais uma singularidade brasileira: diante dos protestos das últimas semanas, a postura da presidente da República foi distinta das adotadas, desde 2011, por todos os governantes que enfrentaram revoltas similares. Os ditadores árabes reagiram a bala. Em toda a Europa, os dirigentes mantêm as políticas de ataque aos direitos sociais, mesmo diante de manifestações gigantescas e do descontentamento da opinião pública. Obama ignorou o Occupy. Sob intensa pressão das ruas, Dilma, ao contrário, saudou as manifestações (“Elas mostram a força de nossa democracia”). Em seu pronunciamento de 21/6 (vídeo | texto), sugeriu que “o impulso desta nova energia política” pode ajudar a “fazer, melhor e mais rápido, muita coisa que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas”.

Em 24/6, deu dois novos passos. Passou a receber os movimentos que iniciaram os protestos (ontem, o Passe Livre; hoje – 25/6 – o PeriferiaAtiva e os sem-teto ligados ao MTST). E lançou, em reunião com governadores de Estado e prefeitos das capitais, um movimento inesperado. Sugeriu pactos pela Educação, Saúde, Mobilidade Urbana e Responsabilidade Fiscal. Mais importante: defendeu a ideia de um plebiscito, para que a população decida sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte, encarregada de reformar o sistema político.

A última proposta despertou reação imediata. Políticos conservadores e ministros do Supremo Tribunal Federal opinaram que ela é inconstitucional (o que parece esdrúxulo, pois sugere que as instituições são irreformáveis). Tudo indica que, se levada adiante, a iniciativa enfrentará enorme resistência – tanto entre as elites quanto no próprio Congresso Nacional. O poder econômico não quer rever um sistema que lhe dá enorme influência sobre as decisões políticas. Os detentores de mandato preferem não mexer nas regras que os elegeram.

Mas como os movimentos sociais, e os que foram as ruas, podem enxergar a iniciatva de Dilma?

Concentrar atenção apenas na proposta de Constituinte pode levar à paralisia. É um tema árido, pouco debatido entre a sociedade. E embora haja ampla consciência sobre a necessidade da reforma política, há muitas controvérsias sobre algumas das mudanças que ela implica. O risco é que, ao se dedicarem a resolvê-las, os movimentos dividam-se e dispersem a energia necessária para manter e ampliar a grande maré de reivindicações.

Porém, talvez valha considerar uma resposta dupla. Por um lado, manter o foco na luta por direitos. Continuar estimulando as assembleias populares, a formulação de demandas, a presssão em favor delas. Lembrar que elas não virão sem lutas (embora tenha recibido o Passe Livre ontem, Dilma não sinalizou vontade de agir em favor de suas reivindicações).

Ao mesmo tempo, não seria inteligente desprezar a proposta estratégica da Constituinte e da Reforma Política. Também o Brasil tem instituições que “não nos representam”. Arcaicas, extremamente corrompíveis, fechadas à participação direta dos cidadãos, pouquíssimo transparentes, elas são um dos alicerces que sustentam a injustiça social, a desigualdade e o modelo de “desenvolvimento” hostil à natureza.

Para mudar o país, será preciso sacudi-las. Por isso, a luta pela Constituinte pode ser uma bandeira paralela às reivindicações por direitos. Quanto mais multiplicarem-se as lutas reivindicatórias, mais ficará claro que o sistema político é um obstáculo a elas; e que é preciso reinventar também a democracia. E quanto mais os atuais poderes estiverem sob ameaça de uma vasta reforma, mais seus ocupantes tenderão a ceder às pressões populares…

8. Por que o Brasil estará diante de uma encruzilhada, nos próximos meses? Que papel jogará a mobilização social ?

Alcançar a redução simultânea da tarifa de ônibus nas duas maiores metrópoles do país, além de diversas outras capitais e grandes municípios, é provavelmente um feito inédito. Para tanto, centenas de milhares de brasileiros venceram as bombas da polícia e as botas de chumbo da passividade. Ao pagar a passagem com desconto, dezenas de milhões estão refletindo que “é possível”… Mas os vinte centavos conquistados são ínfimos, diante da importância que a vitória poderá assumir nos próximos meses. Ela introduz, no período de turbulências que o Brasil tende a atravessar, a potência rebelde das mobilizações sociais.

Nos últimos dez anos, os conflitos pela riqueza social no país foram relativamente amenos. As maiorias – em especial os economicamente mais pobres – tiveram algum alívio. É algo que vai bem além do Bolsa-família. O valor dos benefícios sociais cresceu, em termos reais. O salário-mínimo subiu bem acima da inflação. O desemprego caiu para um dos patamares mais baixos do mundo (5,5%, segundo o IBGE). O percentual de assalariados com carteira assinada – e, portanto, direitos trabalhistas reconhecidos – cresceu de 46% para 54%. Com as quotas, as Universidades deixaram de ser território exclusivo das elites.

Mas do ponto de vista econômico, os muito ricos também não tiveram motivos de queixa. O consumo ampliado dos que eram antes muito pobres movimentou os negócios e lucros. Como o Estado retomou as grandes obras de infraestrutura e abriu programas como o Minha Casa, Minha Vida, setores como o das empreiteiras voltaram a sorrir. Mineração e agronegócio surfaram na onda de uma alta internacional do preço das matérias-primas. Os ganhos dos grandes aplicadores com os juros pagos pelo Tesouro (e, portanto, por nós) caíram bastante, mas ainda estão entre os mais altos do mundo.

Este cenário – que criou uma zona de conforto e inibia questionamentos e transformações mais profundas – está se desfazendo rapidamente, a partir de duas mudanças importantes no panorama internacional. As cotações de bens primários – hoje, cerca de 54% das exportações do país – voltaram a cair. Uma provável alta das taxas de juros nos Estados Unidos está atraindo parte maior da riqueza monetária que circula no planeta e tornando mais difícil, para outros países, captá-la. Como a economia brasileira internalizou-se e se desindustrializou, estes fenômenos têm impacto. Estão na raiz, por exemplo, da alta do dólar e da inflação – duas tendências que já passaram a dominar o noticiário da velha mídia (as manifestações os afastaram momentaneamente) e serão explorados com intensidade crescente, nos próximos meses.

Como de costume, os conservadores buscam, diante das dificuldades, convocar o moralismo e os impulsos (auto-)punitivos de uma sociedade majoritariamente cristã. A causa estaria na “incompetência” dos últimos governos. A saída “natural” seria “apertar os cintos”: partir para políticas de corte de serviços públicos e direitos sociais, como fazem os países europeus. O Brasil deveria mostrar “bom comportamento”, para reconquistar a “confiança” dos mercados internacionais…

Também na política, o moralismo procura impedir que se enxergue o que é atraente e proibido. O impasse das reformas sociais limitadas dos últimos dez anos não precisa revertê-las Pode, ao contrário, estimular mudanças muito mais profundas. Já não se tratará, neste caso, apenas de uma redistribuição superficial da riqueza, comandada pelo Estado.
O sinais de Primavera vividos nas últimas semanas sugerem que, numa época marcada por crise civilizatória e busca de novas perspectivas, o Brasil pode estar pronto a se rever e reinventar a partir de baixo. O melhor deflagrador é a luta por direitos. A transporte rápido, bom e barato. A viver no centro das cidades. A uma revisão completa de prioridades do investimento público nas metrópoles, que assegure serviços públicos de qualidade nas periferias. À redução da jornada de trabalho para 44 horas semanais, que o Congresso Nacional engaveta há anos. Para compreender a diversidade de pautas ligadas à garantia de vida digna – e seu potencial de mobilização – vale espiar a série de fotos que registra a passeata realizada por movimentos da periferia de São Paulo, em 25/6, ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado.

Mas também é hora de suscitar os direitos ligados à sociedade da informação. Internet gratuita e universal. Quebra do oligopólio da mídia e efetiva liberdade de expressão. Livre circulação do conhecimento e cultura, com revisão das leis retrógradas de propriedade intelectual. Retomada de projetos paralisados, como os Pontos de Cultura.

A pauta dos direitos aciona, imediatamente, a do combate à desigualdade e aos privilégios. São Paulo tem a maior frota de helicópteros civis do planeta (mais de 500, à frente de Nova York e Tóquio…), enquanto 6 milhões de pessoas chacoalham, às vezes três ou mais horas por dia, em ônibus lotados, sujos e desconfortáveis. O Brasil, que ocupa o 85ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, e cujas ferrovias permanecem sucateadas, é o segundo do mundo, em número de jatos executivos.

Mas a consciência da desigualdade não precisa conduzir a um distributivismo primário. Não se trata de “democratizar” o padrão atual de consumo, mas de recriar as lógicas de produção e distribuição de riquezas. Também neste aspecto, as jornadas das últimas semanas são inspiradoras. Lutou-se pelo transporte coletivo, um bem comum. Abriu-se caminho para debater, por exemplo, cidades livres da ditadura do automóvel ou da poluição dos rios. Educação e Saúde públicas de excelência e inovadoras. Um uso de eletricidade menos voraz e alienado, para permitir uma matriz de fontes energéticas mais limpa. Um modelo de desenvolvimento do campo que valorize e estimule não a produção de commodities em latifúndios “modernos”, com uso maciço de agrotóxicos – mas o pequeno produtor e a diversidade de nossas culturas alimentares.

Um reexame do país, há muito adiado, foi aberto. Como se viu, nada está assegurado. Os próximos dias e meses serão cheio de surpresas, novas possibilidades e riscos. Mas estamos em muito melhores condições de viver estas nova fase agora, quando as ruas mostraram seu rosto – e sua voz rouca…
(Outras Palavras)

Rede Globo

Rede Globo, o povo não é bobo   
Escrito por Plínio de Arruda Sampaio Jr. 





Assustada com as mobilizações populares que romperam duas décadas de marasmo político e letargia social, após um momento de perplexidade e desorientação, a ordem estabelecida deu uma primeira resposta à revolta social que toma conta do Brasil. Seu ponto de vista aparece na estética e no discurso da grande mídia falada e escrita. Não por acaso, as grandes redes de televisão tornaram-se um dos alvos preferenciais da fúria popular, ao lado de outros símbolos do poder burguês e da modernidade fútil - os prédios públicos, os bancos, as concessionárias de automóveis.



Por representar o que há de mais comprometido com o capitalismo selvagem, a perspectiva da Rede Globo é emblemática de como a plutocracia enxerga as mobilizações populares que ameaçam seus privilégios seculares. As imagens da Rede Globo são quase que invariavelmente feitas a partir de duas perspectivas: do alto das coberturas dos prédios e dos helicópteros ou atrás da tropa de choque. É uma metáfora de como a burguesia lida com o conflito social: distante dos problemas da população e em oposição frontal a quem luta por direitos coletivos.



Preocupados com a possibilidade de que a revolta popular se transforme numa revolução política, a grande mídia martela dia e noite palavras de ordens que têm como objetivo neutralizar o potencial subversivo das ruas. No “fim da história”, as rebeliões não podem ter causa. Daí a insistência em instrumentalizar a ira contra os partidos da ordem – PT, PSDB, PMDB, PSB, etc. – para estigmatizar todo e qualquer partido e para banir toda e qualquer bandeira política que possa dar um horizonte revolucionário à energia humana que brota de baixo para cima.



Consignas e bandeiras da contra-revolução



Bonner à frente, as consignas reacionárias são repetidas ad nauseam nos jornais, rádios e televisão. “As manifestações não podem ter partido”. Na verdade, disputam desesperadamente a direção das manifestações. Na falência dos partidos convencionais, tomam para si, com o beneplácito da burguesia, o papel de verdadeiro partido da ordem. “As manifestações não podem ter bandeiras”. Na verdade, enaltecem, exaltam e estetizam as bandeiras da paz (social) e da ordem e progresso (do nacionalismo chauvinista). Na falência das políticas convencionais, apelam para o moralismo e buscam desesperadamente resolver a quadratura do círculo, encontrando uma saída dentro da ordem. A manobra mal esconde o pânico com o despertar do povo para a política. Tentam desesperadamente conter a energia vulcânica que clama por mudanças radicais, transformando as manifestações em uma grande catarse nacional.



O levante popular coloca em xeque um dos nós fundamentais do padrão histórico de dominação da burguesia brasileira: a intolerância em relação à utilização do conflito social como forma legítima de conquista de direitos coletivos. Daí o esforço para estigmatizar os manifestantes que enfrentam violenta repressão. Sem distinção, todos que enfrentam a tropa de choque – manifestantes, provocadores infiltrados e simples marginais - são tachados de “vândalos” – uma minoria violenta que perturba a ordem e que se contrapõe à maioria que se manifesta pacificamente. Mal disfarçam a intenção de instigar a polícia e atiçar a classe média remediada contra a vanguarda das manifestações. Os jornais atuam de maneira orquestrada para saturar a opinião pública com imagens de destruição patrimonial – repetidas cansativamente para provocar a rejeição da população. O objetivo é criar um clima de histeria coletiva que venha, mais adiante, a justificar o massacre da revolta. Suspeitamente, não se escuta um pio sobre a ação escancarada de provocadores infiltrados, liderados por agentes dos órgãos de repressão do Estado e por grupos de extrema direita. Os pescadores de águas turvas apostam na única solução que a classe dominante brasileira conhece para tratar o conflito social: o pelourinho. Precisam ser contidos.



O partido da revolução democrática



A avassaladora mobilização da juventude contra as péssimas condições de vida da população polarizou a luta de classes entre mudança e conservação – revolução e contra-revolução. Se a esquerda não conseguir dar uma resposta ao contra-ataque das forças da reação, as mobilizações sociais podem simplesmente se exaurir sem condensar a energia política necessária para abrir novos horizontes. O desafio exige que as organizações de esquerda se unifiquem, lutem ao lado da juventude nas trincheiras avançadas do levante popular e portem a bandeira da revolução democrática – a essência do que está sendo exigido pelos manifestantes - como única alternativa à barbárie.




Plínio de Arruda Sampaio Jr. é professor do Instituto de Economia da UNICAMP e membro do Conselho Editorial do Correio da Cidadania – www.correiocidadania.com.br
Última atualização em Terça, 25 de Junho de 2013

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Constituinte

Por uma Constituinte que tire a tinta do rosto dos caciques

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Em meio à miudeza de pensamento que ronda nosso Congresso, será que nossos parlamentares reconhecerão que estão derrotados pelas ruas? Será que, depois de terem deixado inúmeros projetos de reforma política parados por mais de 25 anos, eles finalmente  admitirão que nossa democracia é incompleta e que precisa se aprimorar? Depois de tanta gente ter decidido pintar a cara para manifestar as mais diversas insatisfações, será que cairá a tinta do rosto dos caciques?

Por Ana Helena Tavares(*)

Ninguém vive sem política, afinal, bem dizia Aristóteles que “o homem é um animal político”. Dito isso, o problema está em como você a conduz. O saudoso Ulysses Guimarães, timoneiro da democracia, trazia escrito em seu leme: “Política não se faz com ódio, pois não é função hepática.”

Mas quantos acreditam nisso? Os que foram para as ruas rasgar bandeiras? Os que estavam ali achando que tinham acordado e repudiando quem nunca dormiu? A que podemos atribuir o rumo violento que tomaram as manifestações gigantescas desse junho de 2013? Talvez a 30 anos de um processo despolitizante pós-ditadura. Voltamos à democracia através de um pacto mal costurado, feito de cima pra baixo e que, além de manter impunes os algozes de outrora, manteve todo o aparato midiático herdado dos anos de chumbo. Aparato este que tudo faz para despolitizar o povo.

Quantos se lembram que a política está nas menores coisas do dia-dia e, mais do que isso, quantos acham importante envolver-se com ela? Quantos param para pensar que quando alunos escolhem representantes para sua turma estão fazendo política? E tantos outros exemplos poderiam ser dados. Você algum dia já foi à reunião de condomínio do seu prédio? Pronto, é política pura! E aquele voto que você deu para escolher o capitão do time em que você joga futebol aos domingos? Pois é, mas política não é só voto, ela passa pela influência do homem sobre o homem e não dá para fugir disso.

Então, como pode ir para frente um país em que a população não acredita na força da política? “Ah, são todos corruptos!”, ouve-se pelas esquinas. E grita-se contra a corrupção como se ela não estivesse entranhada na própria sociedade. Só sérias mudanças nos nossos sistemas partidário, eleitoral e de representação podem trazer de volta a crença do povo na política.

Por exemplo, a legislação que define como devem funcionar os partidos ainda é a mesma do período militar.  Outra coisa quase nunca questionada é a “invenção” chamada Senado. Basta fazer uma rápida pesquisa para se constatar que a esmagadora maioria dos países democráticos do mundo não tem Senado. Mas hoje em dia o congresso brasileiro é que nem coração de mãe, sempre cabe mais um.

Daí a importância da ousadia de Dilma ao propor, nesta segunda-feira, 24-06-2013, um plebiscito para a composição de uma constituinte exclusiva para a reforma política. Ela enfrentará inúmeras resistências da oposição, muito fogo amigo, e até mesmo empecilhos jurídicos. Mas só o fato  de colocar uma discussão importante como essa em pauta já é muito louvável.

Voltando no tempo, relembrando nossa última Constituinte, que reuniu numa mesma causa nomes como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e Luís Inácio Lula da Silva, creio que ela significou um grande passo à frente no que toca aos direitos, mas deixou lacunas em alguns pontos bem críticos, tais como o que se pode chamar de “profissionalização da representação”. Ou seja, acredito que seria importantíssimo haver leis que forçassem os políticos a uma rotatividade de cargos.

Assim, os candidatos a vereador, deputado estadual ou federal, e, claro, os candidatos ao famigerado Senado (já que ele existe e certamente os seus 81 senadores estão dispostos a “defendê-lo” com todas as forças) não poderiam se reeleger indefinidamente dentro do mesmo cargo, como ocorre hoje. E, dessa forma, representação não seria equiparável a um emprego, o que creio que é um câncer para o parlamento. Isso porque leva muitos políticos a mirar de tal forma no mandato e nos outros tantos que poderão se suceder, que contribui e muito para instalar-se na mente deles uma das idéias mais venais que um político pode ter: a de que é ele o dono do mandato e não o povo. Nesse caminhar, onde fica a cidadania? Como cobrar do povo integração com aqueles que não se integram a ele?

Claro que certos políticos fazem diferença, afinal todas as regras têm suas exceções. Mas no país do “jeitinho”, do “adapta aí para não termos que implodir tudo”, de vez em quando também é bom rever as regras. E, por que não, implodir tudo para, em vez de viver de remendos, ver se surge algo aprimorado para as próximas gerações.

Inúmeras questões apontam para a importância de uma reforma política profunda. Fala-se muito na controversa questão do financiamento de campanha, que tem, claro, sua importância, mas acredito que o debate maior deveria ser em torno de como é possível se respeitar mais a igualdade dos direitos democráticos conferidos pela Constituição de 1988.

O peso do poder econômico sobre o poder político e anomalias como as causadas pelas oligarquias partidárias têm que entrar na pauta dos pretensos reformistas de 2013.

Um cidadão deveria equivaler a um voto. Uma matemática simples que não necessariamente é respeitada. A manipulação que permite a compra de votos é uma aberração, uma facada para a democracia. É preciso criar dispositivos para controlá-la e, obviamente, puni-la. E a urna eletrônica? Já está provado que é sujeita a falhas. Por que não implantar a impressão do voto?

Por que nossa última Constituinte, apesar de ter deixado lacunas, pode ser considerada progressista? Porque é preciso reconhecer-se derrotado para que seja possível começar de novo. Naquele ano de 88, os constituintes reconheciam os estragos de 21 anos de ditadura.

Mas e agora? Em meio à miudeza de pensamento que ronda nosso Congresso, será que nossos parlamentares reconhecerão que estão derrotados pelas ruas? Será que, depois de terem deixado inúmeros projetos de reforma política parados por mais de 25 anos, eles finalmente  admitirão que nossa democracia é incompleta e que precisa se aprimorar? Depois de tanta gente ter decidido pintar a cara para manifestar as mais diversas insatisfações, será que cairá a tinta do rosto dos caciques?

Um Congresso só quando de fato pressionado pelo clamor social é que toma decisões realmente elevadas. Assim foi em 88. Neste ano de 2013, a presidente Dilma já ouviu o grito das ruas e a sociedade já percebeu que tem o poder nas mãos, mas, com a visão medíocre e provinciana de olhos voltados para o bolso, que nos apresenta todos os dias a maioria de nossos parlamentares, fica difícil sonhar com uma reforma justa.

Então, por que eles têm que deliberar sozinhos a forma como vão nos representar? Não tem muita lógica isso. Só uma sociedade decidida a promover mudanças é capaz de lavar o rosto daqueles que escolheu para representá-la. Em outras palavras: para legitimar-se uma nova Constituinte, só me parece viável que não seja nos mesmos moldes da última, mas, dessa vez, originária, formada por cidadãos do povo eleitos de forma exclusiva para isso. Não é remendo, é remédio.

E para você que, mesmo depois de todo esse turbilhão, ainda está dormindo, nunca é demais lembrar que “quem não se interessa por política, não se interessa pela vida”, concluiria o saudoso timoneiro.

Em tempo: esse artigo é uma versão atualizada, aprimorada e ampliada de um texto que escrevi em 2009. Ou seja, já venho há alguns anos pedindo uma Constituinte que tire a tinta do rosto dos caciques.

*Ana Helena Tavares, jornalista, editora do “Quem tem medo da democracia?“