sexta-feira, 21 de junho de 2013

"Espionagem"

Julius e Ethel‏

Há exatos sessenta anos, os EUA executaram Julius e Ethel Rosenberg, acusados de passar segredos atômicos para a União Soviética. Foi um dos processos judiciais mais contaminados pela mentira e pela paranoia política de que se tem notícia. Política e mídia andam juntos há muito tempo.

Jacques Gruman



Na América, é doentio lembrar erros, é neurótico pensar neles, é psicótico estudá-los (Lilian Hellman, dramaturga norte-americana perseguida pelo macartismo na década de 1950)


Sou fascinado pelas ciências. Em seus domínios reina a dúvida, a interrogação. As verdades são sempre temporárias. Da folclórica maçã que deu origem a uma das leis de Newton à mecânica quântica, das especulações sobre a estrutura atômica à fissão nuclear, nada permaneceu intocado. Pulga na cueca. Lá, onde é necessária comprovação experimental para chancelar uma ideia, os mentirosos e charlatães não têm vida longa.

Na vida política, a pulga e a cueca têm outro DNA. Determinada pelo choque permanente de interesses contraditórios, coleciona mitos e ilusões. Consta que Gustavo Capanema teria dito que “mais importante que o fato é sua versão”. Antípoda das ciências. Mentiras com aparência verossímil viram ferramentas letais na luta pelo poder. Os nazistas acusaram os comunistas pelo incêndio no Reichstag, em 1933. A calúnia foi transformada em verdade oficial e ajudou a consolidar um regime totalitário. No Brasil, a imagem de uma inexistente “república sindicalista” serviu para costurar o golpe civil-militar de 1964. O terrorismo dos golpistas, cevado por generosos dólares, fez a cabeça da classe média, que marchou com Deus e a família pela liberdade ...

Os meios de comunicação são, hoje, um braço siamês da política. Não é possível pensar nuns separados da outra. A tecnologia se sofisticou e os filmetes do IPES e do IBAD dos idos de 60 não passam de precursores toscos da manipulação e do engodo televisivos. Campanhas eleitorais substituíram as antigas manifestações de rua por caríssimas produções marqueteiras, hipnotizando pelas imagens e velando informações. Editar material gravado é a técnica usual dos ilusionistas. Lula, prejudicado pela vergonhosa edição que a rede Globo fez do seu debate com Collor em 1989, agora vê o PT beneficiado pelo mesmo artifício indecente. Na abertura da Copa das Confederações, dias atrás em Brasília, a TV Globo não incluiu a prolongada vaia da plateia à presidente Dilma Rousseff no compacto de imagens que cedeu a outros veículos de imprensa. Um fato relevante foi deletado e o público ludibriado. Como em qualquer filme policial, sobra a pergunta: quem ganhou com isso ? Não há diferença entre essa empulhação e o que Stalin fez com as imagens de Trotsky em fotografias. E la nave va.

Por falar em tapeação, no dia 19 de junho de 1953, há exatos sessenta anos, os Estados Unidos executaram Julius e Ethel Rosenberg, acusados de passar segredos atômicos para a União Soviética. Foi um dos processos judiciais mais contaminados pela mentira e pela paranoia política de que se tem notícia. Não é pouco para um país que tem no prontuário criminoso o assassinato legal dos Mártires de Chicago e dos militantes Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti. Vivia-se o terror da era McCarthy, que transformava todos os cidadãos, especialmente os “suspeitos de comunismo”, em inimigos potenciais, sujeitos a listas negras, demissões sumárias e prisões. Proliferavam “testemunhas amigáveis” (delatores voluntários), que se exibiam na Comissão de Atividades Antiamericanas, coração dos inquisidores macartistas. Destacaram-se os futuros presidentes Richard Nixon e Ronald Reagan, que tiveram comportamento sórdido. Investigado pelo FBI, Einstein foi suspeito de, segundo o relato do jornalista Argemiro Ferreira, “dirigir uma rede de espionagem, ser o cérebro por trás da conspiração comunista para tomar conta de Hollywood, inventar um raio milagroso, descobrir um robô capaz de ler as mentes humanas e exercer controle sobre o pensamento e até mesmo estar por trás do sequestro do bebê Lindbergh”. A loucura coletiva chegou a tal ponto que uma menina de oito anos foi proibida de trabalhar num filme porque seu pai era “suspeito”. É impossível quantificar a dor e a destruição, psíquica e física, de pessoas que, por pensarem diferente, perderam empregos, adoeceram, morreram e/ou foram aviltadas pelos tribunais comandados por um senador medíocre, que surfou nas ondas da Guerra Fria. A imprensa, é bom ressaltar, foi, em grande parte, cúmplice daqueles acontecimentos.

Volto aos Rosenberg. O irmão de Ethel, David Greenglass, foi testemunha chave de acusação. As “provas” que apresentou para demonstrar que Julius conspirara a favor dos soviéticos são, de acordo com todos os juristas consultados na época, absolutamente frágeis. O casal foi constantemente chantageado por cerca de três anos para que confessasse um crime que não tinha cometido. Caso o fizesse, estaria livre da cadeira elétrica. Como efeito colateral, ajudaria a “provar” a ameaça comunista ao “mundo livre”. Em nenhum momento os Rosenberg cogitaram “confessar” o que não haviam feito. Foram sentenciados à morte e, apesar de uma grande mobilização internacional pela sua libertação, os pedidos de clemência foram negados. É, talvez, o caso mais emblemático de uma época suja. “Tempo de canalhas”, como bem definiu Lilian Hellman.

Nas manifestações, especialmente nos Estados Unidos, costumava-se cantar a música Joe Hill (sindicalista de origem sueca, também condenado injustamente à morte, em 1915). É uma celebração à sobrevivência das ideias à morte física. A bravura com que Julius e Ethel Rosenberg resistiram aos que queriam, muito além de executá-los, destruir suas ideias, é uma inspiração, um alento. Especialmente quando se anuncia que o Estado norte-americano montou uma rede interna de espionagem, que dá acesso indiscriminado a mensagens eletrônicas e telefonemas. Aroma totalitário, que seria prontamente denunciado pelos Rosenberg se fossem vivos, mas que têm em Bradley Manning, Julian Assange e Edward Snowden dignos herdeiros.

(*) Engenheiro químico, é militante internacionalista da esquerda judaica no Rio de Janeiro.

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