quinta-feira, 27 de junho de 2013

Constituinte

Por uma Constituinte que tire a tinta do rosto dos caciques

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Em meio à miudeza de pensamento que ronda nosso Congresso, será que nossos parlamentares reconhecerão que estão derrotados pelas ruas? Será que, depois de terem deixado inúmeros projetos de reforma política parados por mais de 25 anos, eles finalmente  admitirão que nossa democracia é incompleta e que precisa se aprimorar? Depois de tanta gente ter decidido pintar a cara para manifestar as mais diversas insatisfações, será que cairá a tinta do rosto dos caciques?

Por Ana Helena Tavares(*)

Ninguém vive sem política, afinal, bem dizia Aristóteles que “o homem é um animal político”. Dito isso, o problema está em como você a conduz. O saudoso Ulysses Guimarães, timoneiro da democracia, trazia escrito em seu leme: “Política não se faz com ódio, pois não é função hepática.”

Mas quantos acreditam nisso? Os que foram para as ruas rasgar bandeiras? Os que estavam ali achando que tinham acordado e repudiando quem nunca dormiu? A que podemos atribuir o rumo violento que tomaram as manifestações gigantescas desse junho de 2013? Talvez a 30 anos de um processo despolitizante pós-ditadura. Voltamos à democracia através de um pacto mal costurado, feito de cima pra baixo e que, além de manter impunes os algozes de outrora, manteve todo o aparato midiático herdado dos anos de chumbo. Aparato este que tudo faz para despolitizar o povo.

Quantos se lembram que a política está nas menores coisas do dia-dia e, mais do que isso, quantos acham importante envolver-se com ela? Quantos param para pensar que quando alunos escolhem representantes para sua turma estão fazendo política? E tantos outros exemplos poderiam ser dados. Você algum dia já foi à reunião de condomínio do seu prédio? Pronto, é política pura! E aquele voto que você deu para escolher o capitão do time em que você joga futebol aos domingos? Pois é, mas política não é só voto, ela passa pela influência do homem sobre o homem e não dá para fugir disso.

Então, como pode ir para frente um país em que a população não acredita na força da política? “Ah, são todos corruptos!”, ouve-se pelas esquinas. E grita-se contra a corrupção como se ela não estivesse entranhada na própria sociedade. Só sérias mudanças nos nossos sistemas partidário, eleitoral e de representação podem trazer de volta a crença do povo na política.

Por exemplo, a legislação que define como devem funcionar os partidos ainda é a mesma do período militar.  Outra coisa quase nunca questionada é a “invenção” chamada Senado. Basta fazer uma rápida pesquisa para se constatar que a esmagadora maioria dos países democráticos do mundo não tem Senado. Mas hoje em dia o congresso brasileiro é que nem coração de mãe, sempre cabe mais um.

Daí a importância da ousadia de Dilma ao propor, nesta segunda-feira, 24-06-2013, um plebiscito para a composição de uma constituinte exclusiva para a reforma política. Ela enfrentará inúmeras resistências da oposição, muito fogo amigo, e até mesmo empecilhos jurídicos. Mas só o fato  de colocar uma discussão importante como essa em pauta já é muito louvável.

Voltando no tempo, relembrando nossa última Constituinte, que reuniu numa mesma causa nomes como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e Luís Inácio Lula da Silva, creio que ela significou um grande passo à frente no que toca aos direitos, mas deixou lacunas em alguns pontos bem críticos, tais como o que se pode chamar de “profissionalização da representação”. Ou seja, acredito que seria importantíssimo haver leis que forçassem os políticos a uma rotatividade de cargos.

Assim, os candidatos a vereador, deputado estadual ou federal, e, claro, os candidatos ao famigerado Senado (já que ele existe e certamente os seus 81 senadores estão dispostos a “defendê-lo” com todas as forças) não poderiam se reeleger indefinidamente dentro do mesmo cargo, como ocorre hoje. E, dessa forma, representação não seria equiparável a um emprego, o que creio que é um câncer para o parlamento. Isso porque leva muitos políticos a mirar de tal forma no mandato e nos outros tantos que poderão se suceder, que contribui e muito para instalar-se na mente deles uma das idéias mais venais que um político pode ter: a de que é ele o dono do mandato e não o povo. Nesse caminhar, onde fica a cidadania? Como cobrar do povo integração com aqueles que não se integram a ele?

Claro que certos políticos fazem diferença, afinal todas as regras têm suas exceções. Mas no país do “jeitinho”, do “adapta aí para não termos que implodir tudo”, de vez em quando também é bom rever as regras. E, por que não, implodir tudo para, em vez de viver de remendos, ver se surge algo aprimorado para as próximas gerações.

Inúmeras questões apontam para a importância de uma reforma política profunda. Fala-se muito na controversa questão do financiamento de campanha, que tem, claro, sua importância, mas acredito que o debate maior deveria ser em torno de como é possível se respeitar mais a igualdade dos direitos democráticos conferidos pela Constituição de 1988.

O peso do poder econômico sobre o poder político e anomalias como as causadas pelas oligarquias partidárias têm que entrar na pauta dos pretensos reformistas de 2013.

Um cidadão deveria equivaler a um voto. Uma matemática simples que não necessariamente é respeitada. A manipulação que permite a compra de votos é uma aberração, uma facada para a democracia. É preciso criar dispositivos para controlá-la e, obviamente, puni-la. E a urna eletrônica? Já está provado que é sujeita a falhas. Por que não implantar a impressão do voto?

Por que nossa última Constituinte, apesar de ter deixado lacunas, pode ser considerada progressista? Porque é preciso reconhecer-se derrotado para que seja possível começar de novo. Naquele ano de 88, os constituintes reconheciam os estragos de 21 anos de ditadura.

Mas e agora? Em meio à miudeza de pensamento que ronda nosso Congresso, será que nossos parlamentares reconhecerão que estão derrotados pelas ruas? Será que, depois de terem deixado inúmeros projetos de reforma política parados por mais de 25 anos, eles finalmente  admitirão que nossa democracia é incompleta e que precisa se aprimorar? Depois de tanta gente ter decidido pintar a cara para manifestar as mais diversas insatisfações, será que cairá a tinta do rosto dos caciques?

Um Congresso só quando de fato pressionado pelo clamor social é que toma decisões realmente elevadas. Assim foi em 88. Neste ano de 2013, a presidente Dilma já ouviu o grito das ruas e a sociedade já percebeu que tem o poder nas mãos, mas, com a visão medíocre e provinciana de olhos voltados para o bolso, que nos apresenta todos os dias a maioria de nossos parlamentares, fica difícil sonhar com uma reforma justa.

Então, por que eles têm que deliberar sozinhos a forma como vão nos representar? Não tem muita lógica isso. Só uma sociedade decidida a promover mudanças é capaz de lavar o rosto daqueles que escolheu para representá-la. Em outras palavras: para legitimar-se uma nova Constituinte, só me parece viável que não seja nos mesmos moldes da última, mas, dessa vez, originária, formada por cidadãos do povo eleitos de forma exclusiva para isso. Não é remendo, é remédio.

E para você que, mesmo depois de todo esse turbilhão, ainda está dormindo, nunca é demais lembrar que “quem não se interessa por política, não se interessa pela vida”, concluiria o saudoso timoneiro.

Em tempo: esse artigo é uma versão atualizada, aprimorada e ampliada de um texto que escrevi em 2009. Ou seja, já venho há alguns anos pedindo uma Constituinte que tire a tinta do rosto dos caciques.

*Ana Helena Tavares, jornalista, editora do “Quem tem medo da democracia?“

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