quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Colômbia

Comandante Nicolás Rodríguez Bautista, “Gabino” EJÉRCITO DE LIBERACIÓN NACIONAL, ELN-COLOMBIA 18/9/2012, Entrevista concedida a Carlos Lozano (Marcha, Argentina) Parte 1 – Gravada em 14/9/2012 Traduzida pelo pessoal da Vila Vudu Carlos Marín Guarín Desde que o presidente Santos anunciou o acordo para iniciar negociações de paz com as FARC, praticamente nada mais se ouviu do Ejército de Liberación Nacional, ELN. Até agora, o único a falar fora o dirigente Carlos Marín Guarín, “Pablito”, integrante da Frente Oriental do ELN, onde se localizam os níveis mais intensos de atividade da guerrilha. Em entrevista coletiva da a um grupo de correspondentes nacionais e internacionais, distribuída na Argentina pela rede Cartago TV, Guarín disse apenas que “Como chefe do ELN, cabe a nosso comandante Nicolás Rodríguez Bautista decidir com quem mantém negociações”. Nicolás Rodríguez Bautista Rodríguez Bautista, conhecido como “Comandante Gabino”, integra a guerrilha desde a formação, em 1964. De família católica, chegou ao comando em 1998, depois da morte do sacerdote e dirigente guerrilheiro Manuel Pérez Martínez. O correspondente do jornal argentino Marcha, que acompanham na Colômbia as negociações de paz, fez contato com o Comandante Gambino, que concordou em conceder essa entrevista, na qual o comandante histórico do ELN fala sobre o que sua organização pensa dessa nova etapa da luta política na Colômbia. Marcha: Por que só as FARC, não o ELN, participam das negociações de paz recentemente anunciadas? Comandante Gabino: Antes de tudo, recebam saudações respeitosas do ELN da Colômbia, com nosso desejo de que mantenhamos aberta essa linha de comunicação. Esperamos que a irmandade de nossos povos nos una sob as bandeiras de nossos grandes, como San Martín, Bolívar, Artigas, o Che, Camilo Torres e tantos outros lutadores pela liberdade e pela democracia. Respondendo sua pergunta: a única vez que a guerrilha sentou à mesma mesa de negociações foi na década dos 1990 do século passado, nos diálogos com o presidente Gaviria. Todas as outras experiências foram diálogos em separado, com cada força guerrilheira. Mais uma vez, será feito assim. O ELN entende que o mais acertado, para construir um processo de paz, é uma única mesa de negociações para toda a guerrilha. Temos de nos esforçar para chegar lá. É preciso alcançar níveis de unidade e estamos caminhando para conseguir isso. Respeitamos o processo que o governo iniciou com os companheiros das FARC e desejamos a eles o máximo êxito. Confiamos que, adiante, o processo que agora se inicia, de negociações em separado, possa convergir para uma mesma mesa. Exceto algumas diferenças, somos forças com objetivos semelhantes, o que é o mais importante. Marcha:Quais são hoje, na Colômbia, os requisitos para essa paz que voltou a estar na boca de todos, inclusive do presidente Santos? Comandante Gabino: A maioria dos colombianos estão cansados de uma guerra interna que já dura mais de 50 anos; os vários setores sociais foram-se organizando e falou-se de uma saída política que leve ao término dos confrontos, como é o caso do Congresso dos Povos, que está organizando um Congresso de Paz para o próximo ano. Também muitas organizações populares e sociais já se manifestaram sobre a urgência de construir a paz. Quando se fala de paz, todos os colombianos e colombianas queremos que o momento chegue. O problema é que entendemos a paz de diferentes modos e a queremos em condições diferentes, conforme a situação e os interesses de cada grupo. As grandes maiorias na Colômbia, inclusive a guerrilha, entendemos que paz é justiça e igualdade social, democracia e soberania. Mas para a classe dominante, paz é o que se consegue quando se derrota o inimigo interno no campo de batalha – palavras do próprio presidente Santos, dias antes de se iniciarem os diálogos com as FARC. Processo de paz, nas condições colombianas, para que leve a paz estável e duradoura, requer a participação não só da guerrilha e do governo, mas dos vários setores populares que são os que carregam às costas o peso da guerra. A paz é processo longo e dispendioso, contra o qual se alinham inimigos poderosos, os mesmos que lucram muito com a guerra. Marcha: Como é a situação social, nas comunidades onde o ELN está presente? Comandante Gabino: Nas comunidades onde o ELN está presente, vive-se em estado de guerra. São os territórios conhecidos como “zonas vermelhas”, submetidos a operações militares e policiais permanentes. Tudo ali é controlado, movimentos, provisões, especialmente alimentos e remédios. Toda a vida da população é vigiada, sob o pretexto de que as pessoas colaboram com a guerrilha. As forças repressivas do governo, aliadas a forças mercenárias paramilitares, atuam com a população como força de ocupação. A população é exposta a todos os tipos de vexames e ações repressivas. As áreas onde os camponeses subsistem do cultivo de plantas de uso ilícito, como a folha de coca, são castigadas, os proprietários, por serem proprietários das terras, e as plantações por serem consideradas ilegais, todos submetidos à aspersão permanente de um fungicida, Glifosato, que destrói as plantas da folha de coca e também outras plantas, e causa danos irreparáveis a animais e seres humanos, às crianças e aos idosos, sobretudo, e a mulheres grávidas. Essa repressão já gerou massa considerável de exilados internos, que não podem circular nos centros urbanos, porque são considerados ilegais, e perambulam pelo país, como alvos vivos dos ataques das forças armadas, que os consideram alvo militar. Está gerada uma situação muito grave para numerosas famílias, cuja única proteção é a guerrilha. Passou a ser dever da guerrilha proteger essas pessoas, contra o ataque das forças governamentais. Nada disso é novidade. Essa é uma das explicações pelas quais muitos jovens camponeses, homens e mulheres, não têm alternativa de sobrevivência, além de alistar-se na guerrilha. Marcha:Em função das experiências anteriores, como o senhor acredita que terminará essa recente nova tentativa de diálogo? Comandante Gabino: Apesar de diálogos tentados antes não terem tido êxito, vemos com expectativa a possibilidade de um processo sério e realista, que abra caminho para a paz, como desejam as maiorias colombianas, esgotadas em mais de meio século de conflito social e armado, que já ultrapassou todos os limites. A classe dominante não conseguiu derrotar a guerrilha, nem o movimento popular, apesar da violência da guerra suja e do terrorismo de Estado. As forças governamentais, assessoradas pelos EUA e por Israel, tentaram aplicar aqui a experiência de outras guerras; mas, apesar da violência e da crueldade, nem o movimento popular nem a guerrilha foram derrotados, e se mantêm. Entendemos que nessa realidade, o caminho certo a seguir é o que chamamos “uma saída política” – que significa que, mediante um diálogo aberto, que envolva não só a guerrilha e o governo, mas as mais variadas expressões populares e sociais, consiga chegar-se a um acordo responsável para superar as causas que produziram o levante armado e ponha fim à confrontação, com solução bilateral e todos possamos cuidar de reconstruir o país, superando a crise profunda que destroçou o tecido social e a convivência normal na Colômbia. O ELN propôs, há mais de 20 anos, a saída política. Cinco governos anteriores assumiram nossa proposta como sinal de fraqueza e trataram, só, de aproveitar como vantagem militar o nosso interesse em dialogar. Dessa vez, afinal, parece que a classe do poder está assumindo com mais realismo a responsabilidade de construir a paz, como as maiorias reclamam, em nosso país. Marcha: Como o ELN vê o futuro da guerrilha na Colômbia, para os próximos anos. Consideram a possibilidade de renunciar à luta armada e dirigir toda sua força para a luta política? Comandante Gabino: Nos levantamos em armas há quase 50 anos, porque a luta popular ampla e legal não recebeu garantias políticas e jurídicas. Quando se alterar essa lógica perversa, e haja garantias e respeito para que a luta popular prossiga, o povo já não precisará de armas para defender seus direitos. Mas essa decisão, hoje, está em mãos da classe que ainda domina a Colômbia; são os únicos que, como se diz, têm a palavra. Se, depois de 50 anos de guerra fratricida, dispõem-se afinal a reconhecer à maioria da população seu direito a justiça e igualdade social, à democracia e à soberania, então, afinal, se poderá avançar para a paz. Claro que não se faz paz por decreto. Mas é urgente que se comece a andar nessa direção. Não concebemos que a solução esteja na desmobilização e no desarmamento da guerrilha. Essa forma já foi tentada e fracassou, porque a essência do conflito é social; e foi o conflito social que levou ao levante armado. É preciso portanto ir às causas originárias do conflito, para encontrar soluções. Só assim será possível superar o conflito e mudar a situação em campo. (Rede Castor) Continua na Parte 2 de 17/9/2012 (em tradução)

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