segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Pensamentandp

Somos bem-vindos ao planeta Marte? Escrito por Frei Betto Quarta, 22 de Agosto de 2012 Os ibéricos, dos séculos XV ao XVII, conquistaram boa parte do mundo graças às inovações tecnológicas de suas caravelas e o talento de cientistas estrangeiros. Exemplos são o genovês Cristóvão Colombo, que se pôs a serviço da coroa espanhola, e Américo Vespúcio, que se instalou em Sevilha e deu nome ao nosso Continente. O capitalismo neoliberal, com sede nos EUA, domina o mundo atual, unipolar, malgrado as fortes resistências. Não satisfeita, a voracidade estadunidense mira o espaço cósmico. A história do imperialismo se baseou em incursões por terra (romanos e Alexandre Magno), mar (Espanha e Portugal) e, agora, ar. Após pisar na lua e fincar em seu solo a bandeira dos EUA (tivesse bom senso, a Casa Branca teria hasteado a da ONU), a Nasa aterrissa em Marte o robô Curiosity – após viajar 570 milhões de km em pouco mais de 8 meses, a um custo de US$ 2,5 bilhões (R$ 5 bilhões). Por fontes fidedignas, sei como os marcianos receberam o Curiosity. - Que diabos caiu em nosso território? – indagou Elysium à sua mulher Memnonia. - Pelo aspecto, parece lixo do planeta Água. - Aquele azul? - Sim, cujos habitantes o denominam equivocadamente de Terra, embora contenha 70% de água. - Não me parece lixo, Memnonia. Repare, é um equipamento articulado. - Talvez tenha vindo espionar a nossa civilização – suspeitou a mulher. - Isso não me preocupa. Lembra quando, na década de 1950, nossos discos voadores foram até lá? - Sim, Elysium, foi uma decepção. As imagens de TV captadas por nossas naves demonstraram que ali ainda não há vida inteligente. - De fato, em matéria de ciência e tecnologia os terráqueos estavam muito atrasados. Suas aeronaves ainda copiavam o formato dos pássaros, e, hoje, suas naves espaciais têm aspecto bélico e gastam muito combustível para romper a atmosfera. - O que me impressionou – observou Memnonia – foi o contraste entre a sofisticação de certos equipamentos e a miséria em que vivia tanta gente. Enquanto uns trafegavam em veículos de luxo, outros rastejavam pelas calçadas suplicando por comida. Como é possível uma civilização que não prioriza a vida de seus semelhantes? - Lembra que reparamos que, ao contrário do que acontece conosco, eles são visíveis uns aos outros? Não tinham, como nós, o dom da invisibilidade. Ainda vivem muito apegados às esferas dos sentidos e da razão. Não irromperam na esfera da espiritualidade. - Elysium, se este aparato veio nos espionar, não vai obter muito além das propriedades de nosso solo e de nosso clima. Não poderá captar o avanço de nossa civilização. - Mas admito que eu gostaria de repassar aos terráqueos um pouco de nossa história. Talvez isso os ajudasse a evoluir. - Ora, Mamnonia, sabemos que há entre eles pessoas – e não são poucas – que também pregam o que os nossos patriarcas disseram. Infelizmente a maioria não lhes dá ouvidos. - Eles seriam mais felizes – enfatizou a mulher – se trocassem a devastação ambiental pela preservação; a apropriação privada pela partilha; a guerra pela paz; as armas pelas ferramentas; a opressão pela justiça. - Como foi positivo para nós trilhar esse caminho de sabedoria! Hoje, o alto grau de amorização de nosso povo permite-nos tamanha transparência, que tanto o nosso povo quanto a nossa natureza são invisíveis aos olhos alheios. - Você acha que devemos atirar pelo espaço esse aparato esdrúxulo? - Melhor não, Elysium. Preservemos a nossa identidade e a paz com os vizinhos. Não esqueça o que os terráqueos fizeram quando descobriram um Novo Mundo repleto de povos indígenas... Nossa invisibilidade nos dará proteção. Melhor deixar essa maquininha rodando por aí. Vai ser divertido vê-la restrita aos aspectos geológicos e climáticos do nosso planeta. - Você está certa, Memnonia. O amor que nos une e nos faz feliz não poderá ser captado, pois os terráqueos ainda terão um longo percurso até conquistar a globoamorização que reina entre nós. Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros. Website: http://www.freibetto.org Twitter: @freibetto. Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal(0)terra.com.br) Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente, você pode contribuir clicando abaixo.

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