quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Cinema

Casimiro . Por Luiz Rosemberg Filho e Sindoval Aguiar A casa de Casimiro de Abreu “A poesia é uma arte da linguagem: certas combinações de palavras podem produzir uma emoção que outras não produzem, e que denominamos poética.” Paul Valéry Para André Scucato Rio de Janeiro – Estamos à mercê dos sonhos, pois eles pertencem ao mundo dos vivos. Razão pela qual dá-se continuidade a uma multiplicidade de vontades objetivas e subjetivas, onde entender o Outro em você, é de certo modo um esforço de grandeza comportamental. Ou seja, é preciso ter afeição pelo que se escolhe como tema, o que diferencia o cinema da TV. Escolheram um poeta como o caminho da despedida, pois também Mario Carneiro não está mais entre nós. Mas no processo de construção de Casimiro, surge o prazer de novos encontros. E ainda o tempo, a natureza, o espaço... passando-nos a idéia de que poeta somos todos estes que, de diferentes maneiras, combatemos o baixo uso do mal-estar. Ao processo de criação interessa a vida e as dúvidas. Para falar deste curta sobre Casimiro de Abreu, temos que partir do desejo para festejar múltiplos encontros afetivos. A procura do poeta é de certa forma o que já foi um dia o nosso cinema: criativo, ousado e exemplar. Exatamente o contrário do que se faz hoje. Se ontem Glauber era a força motriz de um sentido histórico-dialético para sons e imagens, hoje impera a baixa linguagem televisiva, a prostituição sempre justificada como trabalho e o dinheiro que tudo compra e corrompe. Mas, inversamente a essa potencialização do horror, Mario Carneiro, Paulo Cesar Sarraceni, Antonio Luis, Joel Barcellos, Ricardo Miranda, Litza Godoy e Beth Formaggine voltam-se para a criação como esperança poética. Uma volta ao cinema como potência do desejo e da sensibilidade. Os m... que fiquem com suas trampas financeiras e beatitudes religiosas. Fazem parte do que se entende como comunicação e poder. A exteriorização de uma imagem-pensada se aproxima muito da interiorização da palavra sagrada para o poeta. Ou seja, vive-se a gestação no estranhamento como essência entre o abstrato e o concreto. Ora, e o que pode entender um burocrata da cultura, do processo criativo? Ele é só um tapetão fajuto dos mais baixos interesses do poder. Apropria-se do que não sente e não sabe, elevando o seu ódio à desmotivação do processo criativo. É onde ele vai gozar, realizando-se como canalha oficial do pensamento conservador. A sua única vantagem é poder, um dia, chegar no poder para nada mudar e ser útil ao conformismo reinante. Mudar implicaria em pensar, e isso ninguém quer. Desumanizar o processo de criação dá mais “prazer”. Não é à toa que representam e defendem qualquer tipo de governo, pois fazem parte do poder. Lamentavelmente a delicadeza de se pensar a poesia no nosso cinema é inferior à força destrutiva e vulgar dos muitos traidores aboletados no poder da burocracia. Se o bom senso é trair, o que ficou sendo a poesia e o cinema? Como pensar, exibir e lucrar com um curta-experimental como Casimiro? Claro, é mais fácil dar significação a insignificação do poder. O presidente Lula, que já foi um documentário fraco, não vai virar ficção-barata? E feito logo por quem! Quem sabe não o transformam logo em um deus grego? Gostar dele é uma coisa. Cultuá-lo e mistificá-lo é outra. O cinema, que já foi épico e criativo, virou profissão de safado. Quem sabe para o futuro não muito distante um filminho sobre a ministra Dilma, Collor ou FHC? Todos espessas essências de sofrimentos rejuvenescidos pelos “podres poderes” da República do Bananão. Casimiro não é só um delicado filme de despedida de Mario Carneiro, mas também o da desgraça de vidas difíceis. Para nossa sorte, Mario Carneiro, Paulo Cesar Sarraceni e os demais membros da equipe não passaram ou estão na vida como rebanho televisivo, pois ousaram sempre com suas próprias vidas. Ternos, épicos e utopistas deram significação ao que faziam e ainda fazem. E o mais belo é que Casimiro não é um documentário atado à ideologia do espetáculo. Vai muito além. É um curta poético de resistência tanto à dor como à perversão-Brasil. Perversão responsável pelo exercício do poder. Ainda ontem o regime militar. Hoje o poder de truculentos, desinformados, burocratas e ressentidos. Alguma diferença do que foi sempre o país? Acrescente-se a isso os baixos interesses das multinacionais transnacionais da comunicação. Mario e Paulo transformaram Casimiro numa doce serenidade entre a generosidade de ambos e uma rara honestidade com um cinema de poesia e idéias. Velhos parceiros de muito caminhos vividos. Entre Arraial do Cabo e Casimiro há uma rigorosa fidelidade à paisagem e às passagens. E, entre uma coisa e outra, a esperança de um país melhor que não ocorreu. Ainda assim, somos todos o desprendimento do poeta diante da vida e da morte. Vivendo-se intensamente a experiência íntima não como aparência, mas como percurso da libertação. Bênção aos artistas, bêbados, drogados e poetas. Neles o Brasil febril e criativo atua brigando por um país mais humano e justo para todos. Mario Carneiro e Paulo Cesar não suavizaram nada. A paisagem está viva lá fora, mas o pássaro bate contra o vidro da janela da igreja, querendo sair. Como apropriadamente dizia o filósofo Schopenhauer: “Quão longa é a noite do tempo sem limites comparada com o curto sonho da vida!” Mario se foi mas continua vivo em Casimiro. Um curta-poema sobre a delicadeza do instante de cada um. Uma confissão de fé na qualificação humana. Não à toa, Joel Barcellos, que vive o personagem de Casimiro, canta um samba diante da sepultura do poeta, imprimindo-se enquadramentos desconexos na voluptuosidade dos afetos vividos. Ou seja, não é um filme enganador como muitos, onde a inteligência e a sensibilidade estão ausentes. O gozo é justamente o encontro de amigos dando grandeza a um complexo cinema de poesia. Nossa imaginação compraz-se em ser purificada e existir como oposição ao jogo espetacularizado da TV e do poder. O caminho de Casimiro é o da linguagem atormentada da vida e da morte. Mario Carneiro e Paulo Cesar dignificam o esforço de muitas gerações por um cinema mais denso, amoroso e humano. 16/5/2009 Fonte: ViaPolítica/Os autores

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