quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Meus 'Cabelos'

CABELOS


Deve-se lavar o cabelo toda semana, indaga repentina e
inusitadamente o professor.
E acrescento, continuou, já emocionado, PODE-SE lavar? Vou mais além: TODOS os cabelos? Mais: filosoficamente qual a prioridade desta ação? E seria uma opção ou compulsão?
               Os circunstantes, perplexos, quedam os tocos de
velas ainda apagadas e entreolham-se curiosos e
risonhos. Um robusto bebê míope, ainda com olheiras (
pois, coitado, era filho bastardo do burgo mestre; além disso
ele não “conseguia” assobiar alto sem demonstrar
angústia), ensaia um choro muito sentido (pois chovia
forte naquele momento; além disso, curioso, esquecera
os “seus” óculos; mais: esquecera-se!) . um senhor eslovaco, (com ascendência em Touros!) em grande
dificuldade com a sua única e preciosa gravata lilás (era um triste:
fora, coitado, injustamente condenado a sorrir
candidamente a sua jovem sobrinha – uma austro-húngara ! –
sempre que ela abrisse com suavidade e delicadeza a
sua sombrinha cor rosa. Revoltado, apela ao tribunal e
perde: deveria agora também sorrir de forma enigmática
 e nebulosa todo dia santo as 10:35 horas ao guarda de
trânsito mais próximo, um tal de sargento Silas, subordinado ao tenente ezequias), o
senhor anuncia, solene e um pouco circunspecto (era
meados de novembro, vê-se; mais:
‘incompreensivelmente’ ainda estava aprendendo a
tossir com discrição e a dissimular suas ilusões), que estava muito , muito
gripado e poderia ir ao médico mas só depois de
decidir se o universo está ou não em expansão (...e
como ‘aquele’ buraco negro seria uma realidade
inexorável, Deus, coitado, sofria solitário: já não
havia querubins para assessorá-lo, bajulá-lo...via-se
perdido, e, estranhamente, alegre...mas, registre-se,
deuses não gargalham, sorriem; e Deuses jamais engasgam! e ‘aquele’ Deus, um
infeliz, um iracundo e ‘erudito’, pois nem sombra tinha ( claro, é proibido aos deuses ter sombra...). E se,
lógico, a eternidade (....sempre ‘ela’...)também não
poderia existir  durante o fim de semana e aos
feriados e após as 19 horas, perguntavam-se, risonhos, ‘certos’
convidados ( e o odontólogo, presente, aquiesceu, a
contragosto, pois afinal, ‘aquela’ rosa não era a sua;
aliás, as ‘flores’ jamais seriam suas, pensou, com um
suspiro e um riso irônico: era o passado que
retornava, eram as ‘suas’ rosas do deserto, era o seu
verdadeiro amor...; aliás, adiante-se, jamais gostara
de anjos buliçosos ao seu redor, muito menos em dias
de névoa e sem a sua caipirinha). Há, decerto, uma certa opressão no ambiente
(explicável: ninguém ali sabia fitar a felicidade bem
nos olhos ou realizar súplicas em tailandês), uma agonia indefinida e etérea (um pouco
rósea, é verdade e com discreta flagrância de
almíscar e odor de ‘baleia morta’), um gosto pesado de chumbo na boca – via-se
isso claramente pela mucosa azulada da irmã Talma (a
‘discreta’, a que ‘apreciava’ verduras e que
‘aceitava’ a neve apenas as Quarta feiras, depois de
ler o jornal do dia, por volta das 7:41 horas), também conhecida por suas
palestras  de como receber o correio em dias de chuva
e de sua conhecida tese de mestrado “Como ensopar o
nariz pensando em Deus” – mas isso não impede que duas
adolescentes alegres e risonhas ( ‘fingiam-se’
felizes, claro) disputarem um único copo de leite
desnatado ( não era dia de feira ou revolução ...e o
cabo Anselmo – ele! – estava de folga...mas era
carnaval, lógico).
Retorna o professor...

    Insisto: deve-se lavar o cabelo TODA semana? (o
    professor insistia, teimoso – era um iracundo, insista-se, pior:
    nem escovava os dentes! – afinal, estava em jejum, sóbrio,
    aborrecido e, incrível, nem bebera sua limonada!; além
    do mais chegara atrasado ao infinito e não encontrara
    uma única vaga no estacionamento; mais: tornara-se
    ultimamente e inacreditavelmente incapaz de ver o por
    de sol e sentir angústia ao mesmo tempo – no entanto,
    registre-se, ainda sabia coçar o dedão do pé esquerdo
    após aplausos demorados)
    
    Depende, responde, para surpresa de todos, um jovem
    espectador, um ser inusitado, que tomara emprestado
    1/3 do pulmão esquerdo de seu melhor amigo para
    utilizá-lo em eventuais crises de asma. “Acaso tens fé
    em Deus”?, continua o rapaz, já um pouco empolgado e
    um pouco atrapalhado com seu cadarço solto, em meio a
    alusões desproporcionadas ao fundamentalismo (suas
    pestanas eram postiças, evidente. – e o xerife, afinal? - E suas botinas
    estavam molhadas de chuva e sujas de musgo, pois
    chegara muito perto do zênite, embora aquém do
    horizonte – todas as tardes, adiante-se, as 14:27
    horas, ‘ele’ tinha ‘suas’ unhas encravadas). Quantos
    anjos habitam o céu no turno da manhã? E o rango do meio dia? E qual a
    distância média – em jardas – entre os limites do céu
    e do inferno? Qual a VERDADEIRA distância entre o hoje
    e o amanhã? E a inutilidade de um sol brilhando
    durante o dia? E quando toca o telefone ao
    mergulharmos ‘naquele’ lago? (‘próximo’ a feirinha...)
                         
    

     

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