segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Meu DDD - Diário de um Deus Decadente

Meu DDD - Diário de um Deus em eterna Depressão (trechos - a pedidos)
nm“Ontem sonhei com ‘ela’. No sonho ‘ela’, peralta como sempre fingia-se triste, suas unhas, finas e delicadas, enfiadas num lenço branco amassado. Dentro do lenço algumas ilusões da véspera. Chegou-se ao ‘nosso’ bosque sombrio e atirou-se a escuridão, braços abertos como um nadador. Mas aquela era uma escuridão rasa e precária – como nós dois, correto – e ‘ela’ apenas afundou na lama, no poço, no lodo escuro de minha existência. E aquele imenso e exuberante bosque, alto como a cúpula de uma catedral, repleto de estranho movimento e agitação – como num frenesi – pois o bosque exibia uma luz baça e tímida, hesitante, plena de angústia e ansiedade, a minha angústia, não a sua alegria, pois era um bosque do meu mundo, não do seu universo. Alguém, displicente, espalha inadvertidamente sobre todo o bosque pétalas úmidas de um choro falso e precoce, pois eu ainda não havia chorado. Aliás, Deus não chora nem soluça (as vezes eu suspiro, mas aí sei disfarçar). ‘Ela’, agachada, cabeça encoberta, encolhida a um canto do bosque, aparentemente triste, finge soluçar. Eu me aproximo, altivo e soberbo, e toco-a com o indicador direito, como a conforta-la. (Na realidade, diga-se, gostaria de beija-la e acaricia-la, tê-la em meus braços naquele instante, mas algo me retém o gesto, alguma coisa segura os meus desejos e ânsias) Você é infeliz?, alguém lhe pergunta, em sussurro íntimo. Sou, porquê? Observo a distância o estranho diálogo (pois eu sei de suas mentiras e logros, ‘ela’, curiosamente, pode e quer ser feliz, ela consegue ser feliz; daí pergunto-me o motivo daquela farsa, daquele embuste), no entanto mantenho um discreto e talvez porisso mesmo, incompreensível ‘ciúme’ e ‘zanga’. (No bosque, em um certo momento inesperado, surge uma gigantesca teia de aranha, com uma pequenina e graciosa mosca aprisionada. A mosca, desesperada e impotente, debate-se, tentando em vão desvencilhar-se. Solidário com a sua impotência, chego receoso a esboçar a inevitável pergunta ‘Devo liberta-la? Devo deixar que a devorem?’. ‘Ela’, fêmea e receptiva, sempre aberta as incursões em seu ‘território’, disfarça uma ilusória dúvida e apenas sorri, travessa e desdenhosamente. Penso em recrimina-la – com uma dureza artificial – mas a menina já se afasta, a brincar com uma faca que de fato era-uma-faca. E eu, penso, inquieto, que nem sou um-Deus-que-sabe-ser-Deus?) Todos os meus navios são rosados, ‘ela’ me diz, referindo-se talvez a sua longa e comprida saia azul. E acrescenta em tom de inquirição ‘Os seus navios têm cor?’. Você fuma?, pergunto, reticente (eu queria a todo custo disfarçar a minha terrível dor no peito, a minha opressão e inação). Daí olho para a sua saia, de um verde inusitado, imaginando-a sem. É linda, penso ternamente. Suas pernas, seios, sua pequena cintura, tudo esfuma-se em uma só imagem de mulher desnuda. Doce e lindamente desnuda. Se eu morresse aqui onde você me enterraria?, ‘ela’ indaga, com uma tristeza que não lhe é peculiar. Você jamais morreria num bosque, digo-lhe. E acrescento, irônico, ‘Além do mais, você está com o seu Deus!’ ‘Ela’ sorri, bela e terna, e me beija a face (tinha os olhinhos fechados). E sussurra-me comunicando que quase todos os seus navios afundaram. Resta-lhe apenas a mim, apenas um Deus navegante, não naufragável (‘ela’, felizmente, ainda não me conhece). Num momento, no sonho, ‘Ele’ surge, inesperado, ameaçando toma-‘la’. Tira-‘la’ de mim!! Estremeço, amedrontado. ‘Ele’ aproxima-se, arrastando lentamente seus pés, pés gigantescos, como patas de elefante. Mas, engraçado, olha-me, terno e apaixonadamente, imaginando-me aventuras e loucuras, ‘todo um mundo de prazer e luxúrias’, parece querer insinuar. ‘Ele’ olha-me, insistente. É um olhar lúbrico e insinuoso. Tento imaginar algo rijo, um obstáculo qualquer, poderoso o suficiente para contrapor-se ao seu olhar, mas em vão. Ambos somos deuses, ambos onipotentes. Que fazer, como diria o revolucionário? No entanto não devo chorar. Eu também sou Deus! ‘Ela’ desaparece, como por encanto. Estávamos ali, agora, apenas nós dois: ‘Ele’ e eu, dois deuses, um conquistador, outro, tentando evitar a conquista (mas quem seria o objeto da conquista, ‘ela’ ou eu?). Mas esqueço o desenrolar... Mais adiante, no sonho, lembro, ‘ela’, deslumbrante e maravilhosa, ajuda-me a desvendar os meus ‘desfiladeiros’, meus ‘transes’ e ‘inseguranças’. Fala-me com uma meiguice/rude tão sua ‘O segredo, meu caro Deus, reside em ignorar os mistérios das coisas. Em (a)trair e evocar os nossos transes. Em resumo, meu Deus: bastaria preencher de tempo os nossos ocos. E nunca me deixe a margem de seu tempo, suplico-lhe’, finaliza, com um suspeito e repentino brilho nos olhos. Passa-se mais tempo de onirismo... ...pois é, durante todo o sonho eu fingia dores que não tinha, amores e sentimentos que jamais existiram e exagerava muitas ilusões do dia seguinte... Meu Deus, ela me diz, eu sempre tento ver a nossa vida apenas através dos teus olhos, mas infelizmente eu tento, tento e nunca consigo ver a sua imagem. Tento mil e uma vezes mas tudo se torna opaco e, curioso, dentro dos teus olhos, torno-me cega...Será, meu Deus, que o nosso amor seria inexeqüível? No entanto, quando fumo os meus cigarros, eu te vejo na fumaça subindo, ao beber um chope, é você que aparece na espuma, ao chorar, as vezes, você se esconde nas gotinhas de minha lágrima, Deus, isto é amor!! Odeio andar por aí misturando coisas, proclama, quase rindo de seus chinelos (pois estava a observar o chão, a observar os seus pés) e em seguida diz-me ‘Desejo tudo, todas as coisas, mas aos poucos, sem pressa...’, ‘Deus, eu te amo!!!’, grita, quase histérica.” “De onde eu venho, afinal? Qual a minha origem, o meu ponto de partida? Pois ao criar-me, criei-me certamente de algo, de alguma coisa primordial e básica. Em que tempo então eu existiria, ao criar-me? O meu tempo ou o dos que me antecederam? O meu espaço, a minha dimensão ou... Enfim, de que baú ou arca antiga retirei a substância para a minha criação?” “...todos dizem ‘ela’ me quer. Será?...” “Nietzsche só acreditaria num Deus que soubesse dançar. Mas eu também sei dançar! E eu não creio em mim! (como também não creio em Nietzsche)” “Ele retornou. Estivera ‘por aí’, diz, resmungando (está de mau humor). Sempre elegante, com sua bengalinha, o lenço no bolso. Não tocou em ‘nosso’ assunto, nada insinuou sobre ‘nós’, nosso ‘caso’ (nosso caso???). Perguntou-me, misterioso, sobre ‘ela’. (quais suas intenções?), onde ‘ela’ estará, o que faz, onde vive. Envelheceu, reparo. Apresenta rugas e cabelos brancos (pintura?). Está mais sério, mais sisudo, aparenta mais responsabilidade (ilusória?). Indagou-me, quase insinuando, tatibitate, se eu realmente gosto d’ela’. Disse-lhe a verdade. A minha verdade (pois eu, (in)felizmente a amo). Despachei-o, alegando ‘compromissos inadiáveis’. Que triângulo: dois deuses e uma mulher! Que loucura!!” “Foi no carnaval, ‘ela’ me disse ‘tire a máscara. Quero te ver, tocar em seu rosto, mexer em seus cabelos, quero me ver nos seus olhos, beber seu suor, chupar sua alegria’. - Assim termina o encanto e você não me emprestaria o rosto que gostaria que eu tivesse. Além do mais nunca seria um rosto de alegria. Daí ‘ela’ chorou no terceiro dia de carnaval (...logo depois veio o tempo que assanhou o seu cabelo e depois nos roubou uma paz que nós não tínhamos).” “Chamou-me a um canto, misteriosa: - Tenho uma filha - Dizem que eu também tenho um filho, brinquei - Sério Pensei. Olhei-a de viés. Vinte aninhos, se tanto. Corpo de menina. - Mora com a tia... Olhou-me como a pedir, a implorar ajuda. Disfarcei o meu sem jeito e fui cuidar de minhas ‘coisas’ (amanhã eu penso n’ela’ e em sua filha. Aliás, pode um Deus adotar garotas?)”. “...pois é, é uma interessante (e um pouco desagradável) sensação de ‘déjà vu’, algo como se eu em algum (longínquo?) passado, eu já houvesse me encontrado e conhecido, entabulado intermináveis papos comigo mesmo e, no final, brigado irremediavelmente comigo. Despeço-me então com um gostinho amargo na boca, mescla de fel e uma estranha (e deliciosa) lembrança de rapadura. Despeço-me tristemente, com um discurso severo e áspero, decidido a nunca mais ver-me. Pois é, é um fato, nunca gostei-me, nunca simpatizei comigo mesmo (sempre tive minhas ressalvas e discretas restrições. Embora, diga-se, conservo algumas poucas e agradáveis experiências e ‘aventuras’ no convívio e conluio com a natureza, o ‘mato’, o ‘selvagem’, o ‘belo’, o ‘inóspito’ e...comigo). discordava-me discretamente de minha existência, é um fato. Convenci-me um dia de que eu não poderia ser factível, eu não poderia – melhor: eu não deveria – existir ou sequer cogitar, imaginar (sonhar) essa possibilidade. Descarto-me, portanto. Na realidade falta-me algo, alguma coisa, talvez apenas um detalhe, uma pequena – ou grande? – minúcia para completar-me, tornar-me factível e palatável a mim mesmo. Não, eu não busco, como talvez aparente, a simples e frugal perfeição, o topo do mundo: eu sou humilde e ínfimo – eu, (in)felizmente, sei – eu quero ir apenas um pouco alem do infinito, talvez uns 2 metros e meio. Daí eu paro – devo parar, é a regra - e olho-me e decido. O quê? Não sei, realmente não sei.” “Quer ir embora, perguntei. Não sei. Você acha melhor eu ir? Talvez fosse bom. ‘ela’

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