sábado, 21 de setembro de 2013

Sexo


Temos que valorizar os pedaços de carnes flácidas, os punhados de peles enrugadas, os seios fartos e caídos, o saco espichado, mas associar tudo isso com prazer
— E as lésbicas, temos que pensar nelas também. Odeio puta que não gosta de sair com mulher! Sempre me ofendeu essa história. Mas é porque o mercado era mais restrito, agora é nós minha amiga! Vamos pensar num nome para nossa empresa. Somos trabalhadoras do prazer. Somos agenciadoras do prazer a todos sem discriminação, e também temos que formar uma equipe bacana, de gente que queira mesmo esse negócio, tem que ensinar a galera a chupar. Faremos um grupo de educadores sexuais!!!! Mas sem escola, por favor!!!! Descentralização!! Temos também que ter uma publicidade massa, porque essas propagandas pornográficas me dão nojo, só bunda e seio e homem cheio de músculo. Queria que nossa publicidade fosse feita para pessoas normais, pessoas comuns, sem extravagância de super corpos, somos responsáveis por desvencilhar o erotismo da super máquina. Temos que valorizar os pedaços de carnes flácidas, os punhados de peles enrugadas, os seios fartos e caídos, o saco espichado, mas associar tudo isso com prazer.

— Sim, você sabe, Élida, eu sempre fui da turma do prazer. Mesmo no tempo da minha militância na O. Muitas vezes disseram que eu era da ala da putaria no movimento feminista e eu dizia que há uma dimensão de puta em todas as mulheres – em todas as pessoas. E a gente enfia pra dentro do armário, querendo fazer com que liberação não seja putaria. O serviço de dar prazer, é parte da nossa constituição – não pode ter nada de errado em vender esse serviço, é um serviço e um serviço político, de re-erotizar o que ficou inanimado, abandonado, desprezado pela matriz sexual... Élida, este é o projeto da minha vida – eu preciso te abraçar!

— Mas me conta como você consegue dar conta de falar que um bordel de homens seria um serviço político, inda mais pensando nessa nossa tradição de esquerda, feminista e tudo isso? Talvez esse seja exatamente o embate ético e político que me paralisou tanto tempo, me impedindo de colocar pra frente esse projeto.

— Eu sei, acho que existe uma tradição de puritanismo na esquerda – e no feminismo. É a coisa de saber o que é uma mulher liberada – e achar que é muito diferente uma mulher liberada de uma puta. Eu sentia esse embate também, querida, toda a minha vida me diziam que política não chega na rua das putas. Eu dizia, por que? Eu sempre achei que o patriarcado se impunha com a pornografia e com a prostituição das mulheres e nunca dos homens: dinheiro por xoxota, o negócio do patriarca, como dizíamos trinta anos atrás. Se serviço de puta não é político, então o feminismo para mim é perfumaria! Pô, nós dizíamos que o que é pessoal é político e quanto mais nós socamos nossas vergoinhas pra dentro da gaveta secreta mais políticas elas ficam!
No nosso bordel de homens, nós vamos inverter isso, nós vamos oferecer homens por dinheiro, mas nem é porque todos podemos ser objetos sexuais, mas porque subvertemos a ordem erótica se oferecermos prazer para todo mundo...
— Porque o serviço de puta seria político?

— É um serviço de regulação das energias eróticas. Todas as mulheres tem medo de serem consideradas putas, não? As putas são o patriarcado em forma bruta, dinheiro por xoxota. É ali, nos bueiros das relações patriarcais que escorre o esgoto, nada mais politico que o lixo, não é? Mas não é só isso, existe alguma coisa ontológica na putaria, entende? Serviços eróticos são serviços. Mas porque puta é mulher, ficou sendo um serviço baixo. No nosso bordel de homens, nós vamos inverter isso, nós vamos oferecer homens por dinheiro, mas nem é porque todos podemos ser objetos sexuais, mas porque subvertemos a ordem erótica se oferecermos prazer para todo mundo... e é claro, porque hoje algum dinheiro já para nas bolsas das mulheres sem ter machos vigiando.

— É, a questão da aliança dos serviços baixos com o lixo. Nós somos as recicleiras. Nada mais banal. A questão que me pega mais pesado nessa coisa da inversão, é que o serviço pra mulher é mais delicado. Quer dizer, enquanto um homem na maioria das vezes vai pensar em penetração em relação a um serviço desses, a mulher vai pensar nas benditas preliminares. E preliminares é, diga-se de passagem, um bom nome para nossa empresa. A inversão, nesse caso, é total, é como se a prostituição feminina tivesse colaborado com a idéia de ser a lixeira do lixo, que na verdade é o esperma. Não sei, parece meio careta, mas me pega. Como formamos uma equipe de profissionais do sexo onde a grande questão para de ser a penetração e ejaculação e passe a ser um prazer mais desmedido, mais intenso e de preferência mais orgástico? Quero dizer, o serviço é político sim, mas quero também que seja revolucionário, por isso é necessário pensarmos na questão do pagamento. Ahahahha, amiga, tô adorando você de minha sócia.

— Élida, que tal um preço antropológico, cada um paga o que quer?

— Contribuição para sobrevivência do serviço! Adorei! O negócio é que essa equipe então tem que ser bem aberta. E não vamos esquecer que vai rolar um monte de mulher poderosa como usuária dos nossos serviços, nesse caso temos que valorizar o serviço e ficar de sobreaviso, porque não aceitaremos exploração, mas sim, acho incrível que não sejamos mega empresárias do coito, mas revolucionárias do desejo!!! ixi, to me sentindo nos 60 de novo!!! Com a diferença que posso pagar, mesmo falida, uísque bom!! Garçom, mais um uísque!
Eu quero preliminares espalhados por todos os hotéis da cidade, todos os cafofos, todas as rodas de sinuca nos botecos... é a marca do nosso feminismo que ama sexo: erotismo por todos os lados, de todos os jeitos, de todas as posições, com todos os órgãos
— Single malt! To achando ótimo, Élida. Preliminares, acho que é um nome perfeito para nós. E, imagina, mulher, uma camisinha da marca ’preliminares’...

— Fia, o pior é conseguir uma borracha de bicho. Deveríamos voltar a fase das camisinhas feitas de bucho de porco, ahhahah, um brinde! As preliminares.

— Eita, Élida, bucho de porco! Matar porco pra não fazer gente? Vamos começar com as preliminares, anunciando nossos serviços para qualquer idade, qualquer sexo, qualquer raça. E, bem baixinho, para qualquer faixa de renda! Eu quero preliminares espalhados por todos os hotéis da cidade, todos os cafofos, todas as rodas de sinuca nos botecos... é a marca do nosso feminismo que ama sexo: erotismo por todos os lados, de todos os jeitos, de todas as posições, com todos os órgãos. Dissolver a penetração, a ocupação e a colaboração em um mar de práticas sexuais preliminares – imagino o que a Andrea Dworkin, no fundo, no fundo, falaria disso... E, claro, não é preliminar a nada, tudo é apenas preliminar de outras preliminares; não há fim das preliminares...

— Ok, a gente não mata os porcos. Vamos pensar em algo menos drásticos para o prazer. Mas vamos combinar que esse latex das camisinhas atuais são um saco, tanto camisinha de homem quanto de mulher. Eu preferiria uma proteção mais orgânica, algo do tipo camisinha orgânica por produção genética! Podemos pegar pesado, fazer isso. Entrar com uma proposta no Cnpq! Como pesquisadoras, afinal, ambas somos professoras universitárias, nega!

— Beleza, A Aninha vai pirar no projeto, como começamos? Qual o primeiro passo?

— O primeiro passo é pagar a conta e trocar de bar, pois já tô na fase de cantar o garçom...
Nós nos tornamos sócias na Preliminares. Já fazem dois anos que estamos nessa e já tem Preliminares em cinco cidades diferentes. E queremos infectar mais. Mas passo muitas semanas sem encontrar a Élida; quando encontro, ela abre um sorriso de boca inteira, mostra os dentes tortos e desvia os olhos como se já tivesse entregado toda a cumplicidade.
(Outras palavras)

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