sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Saúde Mental...

‘Pessoas encarceradas com transtornos mentais vivem em masmorras’
PT na Câmara
Adital

Entrevista com a Deputada Erika Kokay

Psicóloga de formação e militante de direitos humanos por opção, a deputada Erika Kokay (PT-DF) integra o Grupo de Trabalho sobre Saúde Mental da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara. O GT está realizando um intenso diálogo com órgãos do Estado e entidades da sociedade civil e deve apresentar até o final do ano um relatório contendo diversas recomendações e propostas legislativas. Confira a entrevista exclusiva que Erika Kokay concedeu ao PT na Câmara sobre essa temática.


Imagem: saudementalrj.blogspot.com

PT na Câmara - Como pode ser resumido o cenário atual das pessoas com transtorno mental que estão privadas da liberdade?

EK - Nós temos por volta de quatro mil pessoas no Brasil que apresentam problemas de saúde mental e estão sob medida de segurança, a maior parte delas em regime de internação. São pessoas inimputáveis que possuem algum tipo de transtorno mental e entraram em conflito com a lei em função desse transtorno. Estas pessoas estão em hospitais de custódia, em tratamento psiquiátrico, e que estão envoltas numa profunda invisibilidade. O sistema prisional já é um manto de invisibilidade e isso me faz lembrar que [o filósofo] Michel Foucault foi muito lúcido quando disse que não é que o sistema não recupera, porque ele é feito para apartar, para invisibilizar e para que aqueles que não estejam dentro dos muros do sistema tenham a impressão de que não estão dentro dos muros do sistema tenham a impressão de que não estão ferindo qualquer preceito legal ou qualquer preceito ético num momento em que há tanta flexibilidade nas concepções de ética e de legalidade.

PT na Câmara - As penas excessivamente longas são uma realidade?

EK - Estes presos inimputáveis, em grande medida, estão cumprindo mais de trinta anos, de acordo com os resultados de uma pesquisa que foram apresentados ao grupo de trabalho. Ou seja, há um grande número de pessoas que estão cumprindo penas maiores do que se não estivessem cumprindo medidas de segurança, isto é penas maiores do que no sistema prisional comum. Existem pessoas que estão há mais de trinta anos encarceradas e existem pessoas que estão condenadas a prisão perpétua, num país que diz que a pena máxima é trinta anos e que não há prisão perpétua. Nós vimos isso no Piauí, em Brasília, no Brasil inteiro. Quer dizer, há pessoas que estão há cinquenta anos internadas numa ala psiquiátrica!

PT na Câmara - Pelo que apurou o GT, como é a situação familiar destas pessoas?

EK - As pessoas que cometem algum tipo de delito que envolve a família ou que agride a família tendem a sofrer o desprezo e a exclusão da própria família, além do preconceito que já sofrem da sociedade. Portanto, elas não têm família e não têm para onde ir, pois o Estado não tem residência terapêutica.

PT na Câmara - Quais as dificuldades para que sejam construídos espaços adequados de tratamento?

EK - Às vezes falta muito espaço no sistema prisional para que haja um tratamento adequado destas pessoas. Nós somos a quarta maior população carcerária do mundo, com cerca de 450 mil pessoas encarceradas, temos uma deficiência muito grande de vagas e as salas que deveriam servir para esse tipo de tratamento acabam sendo usadas para abrigar a superlotação. Mas é preciso haver espaço adequado e tratamento multidisciplinar, que envolva profissionais da medicina, da enfermagem, da psicologia, da psiquiatria.

No Piauí, a prefeitura da cidade onde funciona o hospital de custódia informou que tem dificuldade para enfrentar a resistência da população –que precisa de escolas, de creches e de outros serviços– à construção de uma residência terapêutica. Por isso, estamos discutindo a necessidade de o Estado criar algum incentivo para a criação dessas residências terapêuticas. Nós não podemos mais conviver com isso que ainda estamos convivendo hoje. Pessoas que já cessaram a sua periculosidade, que já deveriam estar em liberdade, mas continuam encarceradas.

PT na Câmara - O que é preciso fazer agora?

EK - Reconhecemos a qualidade do diagnóstico oferecido pelo Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça e também as iniciativas que estão sendo adotadas no sentido de dizer que a dignidade humana deve ser universalizada e, ademais, os direitos humanos cabem a todas as pessoas e são sustentados a partir da dignidade humana.

É preciso sensibilizar o poder Judiciário, pois ainda temos muitas internações compulsórias. E isso é grave porque internações ou medidas de segurança que não correspondem ao delito acabam gerando sentenças que são maiores do que se não houvesse o transtorno. E há também muitas pessoas que possuem transtornos mentais, mas que não deveriam estar encarceradas, porque a abordagem deveria ser outra.

Como os problemas já foram identificados, é preciso trabalhar na resolução das questões pontuais. E é preciso fazer isso na perspectiva de derramar a luz dos direitos sobre um segmento de pessoas que estão nas masmorras. Entre num hospital psiquiátrico e você terá a impressão de que está numa instituição medieval, porque a lógica é medieval e abrange todas as pessoas encarceradas, mas, abrange de forma muito mais aguda aquelas com transtornos mentais, que não são vistas como pessoas.

Nós queremos, por exemplo, discutir um plano de enfrentamento a álcool e drogas dentro dos presídios, pois estas substâncias são elementos muito presentes na vida delituosa.

PT na Câmara - Nas últimas duas ou três décadas o Brasil acumulou avanços na luta antimanicomial, mas ainda persistem contradições e problemas graves?

EK - O Brasil tem uma legislação importante e conseguimos legitimar a concepção antimanicomial na sociedade. Mas o Brasil também precisa reconhecer os seus holocaustos, do passado e do presente. Nós tivemos um hospício em Barbacena (MG) que foi fechado pela luta antimanicomial que assassinou mais de sessenta mil pessoas e no qual chegavam a morrer até 16 pessoas por dia. Muitas pessoas morriam durante os tratamentos com choque elétrico, que tomavam água de esgoto, que comiam ratos. Isso tudo aconteceu no Brasil até a década de 1980, quando tivemos as lufadas democráticas e humanistas.

PT na Câmara - Qual será o cronograma de do GT até o final do ano?

EK - Já discutimos a questão dos hospitais psiquiátricos, que, via de regra, são deficientes. Vamos fazer uma discussão sobre o enfrentamento ao álcool e às drogas nos presídios, porque queremos incluir a questão prisional nessa discussão. E vamos discutir os serviços substitutivos, porque também queremos discutir os bons exemplos, as boas experiências. Porém, infelizmente, ainda não podemos dizer que existe no Brasil onde as pessoas com transtorno mental em medida de segurança estão sendo tratadas com dignidade. E até dezembro queremos concluir o relatório e apresentá-lo à sociedade e às autoridades.

Rogério Tomaz Jr.

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