quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Telefonia

‘Telefonica segue blindada, lucrando à custa dos pacatos cidadãos’
Escrito por Valéria Nader, da Redação
Quarta, 30 de Novembro de 2011





A falácia e embuste envolvidos na idéia da eficiência que adviria a partir das privatizações já ficaram bastante evidentes com o longo transcorrer de anos desde a famosa década de 90, iniciada por Collor e encerrada com FHC. Foi nessa década que se deu o início do desmonte acelerado do Estado nacional.



Pelo menos para as parcelas mais desfavorecidas da população, que não têm como recorrer à saúde e educação privadas, este embuste fala em sua própria pele. A minoria privilegiada, que põe os filhos em escolas privadas e recorre à rede hospitalar VIP do país, pode também perceber de forma bem didática a falácia privatista a partir de algumas situações muito básicas. Quando fica horas no escuro em bairros nobres das cidades; ao se ver recorrentemente sem o sinal de internet no meio do trabalho, pagando uma salgada conta de telefonia no final do mês; ao se deparar com vários e caríssimos pedágios em passeios de curta quilometragem, e fazer a conta ao final da viagem; ao abrir os jornais e ter a sorte de encontrar alguma notícia sobre o sucateamento a que foi submetida a rede ferroviária pública do país, justamente aquela que os países desenvolvidos usam pra baratear o transporte de carga.



Mais exemplos não faltariam, mas talvez estes sejam suficientes para dar conta da ineficácia com que estão operando alguns dos setores de infra-estrutura centrais em qualquer nação.



Neste contexto, a cidade de São Paulo, maior metrópole da América Latina, pode alcançar alguns dos maiores rankings negativos do país em uma eventual pesquisa dirigida à avaliação da eficiência de vários dos setores de utilidade pública. O que não é de se espantar, vista a desestruturação a que está sendo conduzida uma das grandes capitais do terceiro mundo, com seu crescimento em ritmo alucinado e longe de qualquer perspectiva de um planejamento público e urbano digno de nota.



E se o setor a ser pesquisado for o de telefonia e, mais especificamente, a provisão de internet a partir do famoso Speedy, da não menos famosa Telefonica, estes mencionados e nada favoráveis rankings provavelmente sofrerão nova e significativa baixa.



A empresa espanhola, uma das maiores agraciadas com as benesses públicas que foram concedidas pelo Estado brasileiro às empresas estrangeiras, para que comprassem o patrimônio nacional, é campeã, há anos, de reclamações em órgãos de defesa do consumidor. Não por acaso, visto que a espanhola oferece ao público brasileiro, comprovadamente, uma das mais caras e menos eficientes conexões de internet do mundo.



Com a palavra, uma leitora.



Uma leitora, um apurado relato



Carta enviada pela leitora Daniela Silveira, cliente do Speedy, ao Correio da Cidadania traz uma descrição primorosa, acurada e sensível dos transtornos a que somos submetidos nós, cidadãos, em um país que não elegeu o respeito à cidadania entre seus ditames fundamentais. Carta que motivou a redação deste artigo, como forma de dar voz àqueles que não a encontram na mídia corporativa, além de reforçar as avaliações que, há tantos anos, vêm fazendo estudiosos e técnicos comprometidos com a nação.



Segundo a leitora, “em menos de duas semanas, foram dois problemas com o Speedy, o que resultou em pelo menos uma semana de interrupção do meu trabalho e quatro dias de plantão esperando pelo técnico, que, ora não chegava, ora chegava fora do horário estabelecido, ou chegava no final de semana, quando, claro, não havia ninguém no meu local de trabalho. Os inconvenientes foram muitos, dentre eles, as várias tentativas de entrar em contato com a central. As horas que te deixam esperando na linha sugerem, mesmo, ser um teste de paciência! Os prejuízos, além de financeiros, são morais, por tratarem o cliente como idiotas completos”.



Daniela salienta ainda em seu relato algo para o qual já estão insensíveis as mentes, tão atoladas acabam por ficar em meio a incontáveis problemas associados aos serviços que lhes são prestados no cotidiano. A percepção da leitora se faz a partir de toda a cadeia de prestação de serviços, a qual passa pelos funcionários – em grande parte, técnicos terceirizados -, antes de chegar ao consumidor. Ressalta, portanto, da avaliação de Daniela a lógica perversa que perpassa esta cadeia de serviços.



Segundo sua descrição, “neste período (de espera pelo Speedy), foram recebidos três técnicos. No momento da raiva e no auge da insatisfação plena com a empresa, a primeira coisa que se pensa é em atacá-los assim que adentram pela porta. Mas, dois segundos depois, volta-se à sanidade, visto que nos deparamos com vítimas, tanto quanto nós, os clientes. Fato é que a terceirização dos técnicos isenta a Telefonica de maiores ônus, responsabilidades e encargos trabalhistas. E a comunicação entre as partes parece inexistente, não se pode sequer agendar um horário para recebê-los. E quando se consegue uma agenda, estes tampouco são avisados das observações feitas pelo cliente com relação ao período disponível para a visita”.



Ainda segundo Daniela, “em um dos momentos do ocioso plantão, eis que surge o tão esperado encontro com o que seria o salvador da pátria – o técnico! Já em alguns minutos de conversa, pode-se perceber a insatisfação tão grande quanto a nossa com a empresa para a qual prestam serviços”.



Os relatos de três técnicos com os quais Daniela teve contato em sua saga, por ela própria também descritos, revelam muito da insatisfação destes funcionários, além da visão profundamente crítica da empresa para a qual prestam serviços:



1º Técnico – “Vocês realmente acham que a espanhola Telefonica vai querer investir aqui?”.



2º Técnico (depois de constatar no medidor que o sinal está muito baixo e quase não chega) – “O sinal quase não chega aqui e não adianta pedir upgrade de mais velocidade porque não vai funcionar, vocês só vão pagar por mais MEGAS, mas continuarão recebendo a mesma velocidade, que é o máximo que a estrutura do cabeamento externo permite, pois são muito antigos, ainda do tempo da Telesp, e o que eles fazem para melhorar são na verdade remendos. A solução seria trocar todos os cabos, mas isso só tacando fogo em tudo, só com uma revolução”.



3º Técnico - “Aqui no Brasil, pagamos mais por tudo, a água é a mais cara, a luz, o telefone, os impostos. O serviço de internet daqui é um dos piores do mundo, compara-se ao existente na África”.



Daniela conclui magistralmente, enfatizando que “os clientes geralmente tratam muito mal os técnicos, que são bombardeados por suas queixas. Por serem o único canal direto com a empresa, funcionam como pára-raios e são responsabilizados pela péssima qualidade dos serviços. Enquanto isso, a soberana Telefonica segue blindada, só lucrando à custa dos pacatos cidadãos”.



Virada à vista?



Nenhum país que hoje está no Primeiro (ainda que decadente) Mundo chegou a uma provisão adequada de serviços básicos para seus cidadãos alimentando um monopólio privado, ainda por cima carente de mecanismos eficazes de regulação. Em nosso país não seria diferente.



A Telefonica já conquistou o primeiro lugar de queixas no Procon em vários anos e desobedece as determinações de governos no sentido de investir em infra-estrutura; descumpre a lei que estabelece um minuto como tempo máximo para atendimento nos chamados SAC; faz ligações e cobranças abusivas a seus clientes através do mesmo SAC letárgico quando por nós acionado; por fim, a mais incrível das delinqüências, tolerada até pelo governo federal, como ficou escancarado no anúncio (pró-mercado, portanto, não-universalizante) de expansão da banda larga: não entrega a velocidade de conexão vendida e, mais fantástico ainda, fica isenta de toda e qualquer punição por tais crimes contra o consumidor.



E não há um espectro muito animador pela frente, pelo menos quando se têm em conta quatro aspectos decisivos. Não se trata de derrotismo, ou pessimismo gratuito, apenas de lançar um olhar minimamente realista para o foco predominante da grande mídia comercial, para o governo federal, os governos estadual e municipal e o cenário internacional.



Ainda que tenhamos noção da imbricação de nossa “mídia livre e democrática” com os poderosos grupos econômicos, chega, às vezes, a soar incompreensível como ela não é capaz de denunciar, mesmo que pontualmente, a empresa, que tem lesado seu “patrão” – o leitor, o telespectador – cotidianamente. E o faz, sem dúvida alguma, intencionalmente. Ao pagar onerosos anúncios em todos os jornais e tevês de grande audiência, a Telefonica mostra-se bem ciente das vantagens de se instalar em nosso território.



Quanto ao governo federal, o transcorrer do primeiro ano de mandato da presidente Dilma tem dado mostras precisas de uma acentuação no veio conservador na condução da economia. Fato pouco surpreendente, visto que a própria índole da presidente, associada à lógica econômica que predomina desde o governo Lula, não poderiam sugerir outro cenário. Estão aí vários exemplos, como o corte orçamentário de cerca de 50 bilhões de reais logo no início do mandato; os anúncios de privatização dos aeroportos mais lucrativos; os reveses nos objetivos de conceder à Telebrás papel central e atuante na universalização da banda larga; os retrocessos na área ambiental e de direitos humanos, dos quais o Código Florestal e a Comissão da ‘Verdade’ são exemplos simbólicos.



Com os governos estadual e municipal, Alckmin e Kassab na liderança, não é preciso gastar muitas linhas. Afinal, foi o tucanato o grande artífice do processo de privatização no Brasil e no estado de São Paulo. No estado, estão encastelados há mais de dezesseis anos, e as circunstâncias atuais indicam um preocupante recrudescimento em um enfoque não somente conservador, mas perigosamente autoritário. Com polícia repressora na USP e contra os trabalhadores informais, nomeação de um dos líderes do massacre do Carandiru pra dirigir a ROTA e um gerenciamento cada vez mais militarizado de toda a cidade, simbolizado pela maciça presença de PMs à frente das subprefeituras, as perspectivas são sombrias.



Finalmente, a crise européia deve intensificar o apetite dos investidores europeus pelos paraísos da América Latina, especialmente os tropicais, Brasil entre eles. Segundo avaliado pelo sítio RFI, http://www.portugues.rfi.fr, “garantir uma parte do faturamento do outro lado do Atlântico é a estratégia das grandes empresas espanholas”. Ao lado da Telefonica, estariam no barco, conforme a RFI, “a Repsol, no setor energético, Banco Santander e BBVA nas finanças, Mapfre, segunda companhia de seguros na zona, além das construtoras como ACS, Sacyr-Valermoso, OHL, Acciona e outras”.



Apertar os nossos cintos, colocar a boca no trombone e lutar pra fechar alguns cercos talvez sejam as únicas e mais fecundas armas que tenhamos no momento.



Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania.

Última atualização em Quarta, 30 de Novembro de 2011

(Correio da Cidadania)

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