sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Palestina

Estado da Palestina já!
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Por Lejeune Mirhan, de São Paulo


Aproxima-se o momento em que a Assembleia Geral da ONU e o Conselho de Segurança terão a oportunidade de corrigir uma injustiça histórica contra o povo palestino.

Talvez não haja luta ao mesmo tempo tão antiga e tão justa do que a do povo palestino na busca de suas terras ocupadas, na busca de seu Estado nacional. Dos povos da terra, os palestinos, seguramente estão entre os mais antigos e que vivem no mesmo espaço geográfico há milhares de anos. As injustiças cometidas contra eles remontam a uma fatídica decisão da ONU tomada em 29 de novembro de 1947, que dividiu suas terras e autorizou a criação de dois estados, um que acabou sendo proclamado e chama-se Israel; e o Estado da Palestina que, de lá para cá, nunca se constituiu. É sobre esse tema que falaremos neste artigo.

Antes que façamos uma análise sobre a situação atual, é importante resgatar, de forma resumida, um breve histórico do momento da criação do Estado de Israel. Na verdade a ONU votou um plano de partilha apoiado pela Grã-Bretanha, à época já um império decadente, mas ainda influente, e que ocupava grade parte do Oriente Médio desde o final da I Guerra Mundial. As Nações Unidas, recém constituída como Organização sucessora da Liga das Nações, tinha apenas 56 estados membros.

A votação não foi folgada. A proposta de dividir a Palestina em dois estados – pela Resolução de nº 181 da Assembleia Geral – obteve apenas 33 votos, ou seja, 58%. Houve 13 votos contrários – 23% – e 10 restantes abstiveram-se de votar (foram registradas duas ausências). Assim, 42% dos votos discordaram da criação do Estado de Israel de alguma forma. Dito de outra forma, Israel obteve menos que 60% de apoio.

A proclamação do Estado de Israel deu-se no ano seguinte, em 14 de maio de 1947, a partir de votação em uma Assembleia judaica, espécie de parlamento. Esse dia é conhecido pelos palestinos como Al Nakba ou Dia da Desgraça, em árabe. Imediatamente iniciou-se uma guerra entre israelenses e árabes. Israel ampliou as terras “doadas” pela ONU ocupando ainda mais terras “destinadas” aos palestinos pela Organização.

Desse momento histórico para cá passaram 63 anos. A decisão da ONU dividiu a Palestina em duas parte, autorizando a criação e proclamação de dois estados, mas apenas um havia sido constituído. Não bastasse isso, centenas de aldeias palestinas foram destruídas, queimadas. Quase um milhão de árabe-palestinos foram deslocados de suas casas, de suas aldeias, de suas terras. Expulsos. Passaram a viver em acampamentos de refugiados, com suas vidas precárias, insalubres. Hoje somam quase cinco milhões de refugiados espalhados, em sua maioria, por países árabes próximos e vizinhos de Israel.

Nesse período até os dias atuais, pelo menos cinco grandes guerras e conflitos ocorreram entre os sionistas de Israel e a luta de resistência dos palestinos e árabes que lhes fazem fronteiras. O conflito não foi resolvido. O Estado da Palestina nunca foi proclamado.

Um pouco da história mais recente

Do surgimento da Organização para a Libertação da Palestina, onde participam praticamente todos os grupos de resistência à ocupação e em defesa da pátria Palestina, ocorrida em 1964 até a proclamação pelos palestinos de seu Estado nacional, ocorrida em 15 de novembro de 1988, passaram-se 24 anos, sem que o direito dos palestinos de terem seu Estado autorizado pela ONU fosse respeitado.

No período de 1988 a 1993, o mundo sofreu grandes e profundas transformações. Em 1989 o Muro de Berlim veio abaixo. Em agosto de 1990 Saddam invadiu o Kuait e gerou a invasão e a agressão ao Iraque em janeiro de 1991. E nesse mesmo ano, em dezembro, a bandeira da antiga URSS foi arriada do Kremlin, na Rússia.

Ainda assim, a derrota só não foi maior porque nesse mesmo ano de 1991 iniciaram-se conversações secretas na cidade pacifista de Oslo – a mesma que sofreu na sexta passada um ataque terrorista da extrema direita – na Noruega, pela primeira vez, de forma direta, entre palestinos e israelenses. Dois anos depois, ainda que não fosse o que todos esperavam, uma organização governamental que passou a chamar-se de Autoridade Nacional foi constituída e aceita por Israel, ainda que com extremas limitações de poderes, mas saindo do estágio anterior.

Claro, houve ressentimentos entre algumas lideranças palestinas. Argumentavam que isso foi um erro histórico, e alguns chegaram mesmo a acusar Yasser Arafat de ter capitulado ante os israelense, aceitando um acordo equivocado. A maior expressão pública dessas críticas veio de Edward Said, a quem sempre respeitei como intelectual e acadêmico, tendo lido quase toda a sua produção literária disponível em português. No entanto, não estou de acordo com essa visão negativa. Escrevi vários artigos à época elogiando, saudando a criação dessa autoridade. Melhor assim, do que o estágio anterior de completa e simples ocupação.

No entanto, aquilo que se convencionou chamar simplesmente de “processos de paz” foram praticamente interrompidos nos últimos 20 anos. As promessas de rumar para a constituição de um estado nacional, conforme previa em detalhes com fronteiras determinadas, a resolução de novembro de 1947 da ONU, nunca se materializaram. Ao contrário. As negociações eram completamente infrutíferas. A cada troca de governo de Israel, sejam eles ditos “progressistas” (do Partido Trabalhista, social-democrata), sejam eles direitistas (Likud ou Kadima), nunca foram registrados progressos.

Os israelenses, em uma campanha contra Arafat, chegaram a divulgar falsidades de que quem recusou o Estado Palestino foi Arafat, que se via pressionado pelos seus “radicais”. Pura mentira. Tal proposta nunca sequer chegou a ser cogitada pela liderança sionista e israelense.

Da proclamação pelo Estado feito pela OLP em 1988 até os dias de hoje, morreram milhares de palestinos na sua luta pela resistência, pela sua terra. Dependendo dos momentos dos conflitos a cada israelense que morre em ações da resistência morrem, em média de 10 a 20 palestinos, na sua maioria crianças, velhos e mulheres. Uma carnificina, uma barbaridade. E o mundo sempre assistiu isso passivamente e nunca conseguiu fazer nada para impedir essa situação. Em especial os Estados Unidos, a maior potência do planeta, que sempre apoiou aberta e descaradamente o Estado sionista de Israel.

No entanto, as coisas foram ficando tão ruins, e ainda com os massacres continuamente perpetrados contra os palestinos sua luta nacional foi sensibilizando o mundo. Mesmo nos oito anos do governo Bush, de direita e nos dois primeiros de Obama, mais centrista, os Estados Unidos passaram a apoiar a solução de dois estados para dois povos convivendo lado a lado.

A proposta concreta dos palestinos

Fracassaram todas as propostas de paz. O governo Netanyahú, de extrema direita que já governa Israel há dois anos, que nem sequer reconhece a OLP como representante, que nada negocia, que sequer pronuncia a palavra “Estado da Palestina”, acabou por jogar a situação em um completo impasse.

Dessa forma, a liderança nacional da resistência palestina, encabeçada por Mahmoud Abbas, que sucedeu Arafat desde sua morte em 2004, jogou sua principal cartada: faria proclamar o Estado da Palestina de forma unilateral. Após ter unificado todos os 13 grupos que atuam na resistência (Acordo do Cario de 4 de Maio de 2011) – inclusive o Hamas – proclamando a intenção de formar um governo de unidade nacional, essa mesma liderança decidiu, já desde o 1º semestre, levar à Assembleia Geral das Nações Unidas, o pedido de que a Palestina seja aceita como membro pleno da ONU.

Aqui se abriu um debate na comunidade internacional, mas que foi resolvido e praticamente superado no seio do povo palestino. Com quais fronteiras os palestinos deveriam pedir a instalação de seu sonhado Estado nacional?

A proposta que vem ganhando corpo há alguns anos é a de que uma proposta aceitável – ainda que muito aquém da proposta original da partilha de 1947 – seria aquela das fronteiras anteriores a 1967. O mundo começou a aceitar essa proposta. Até que o próprio Obama, em discurso realizado em 19 de maio passado, em Washington, na sede da AIPAC, organização judaica que defende Israel – o mais poderoso lobby judaico nos Estados Unidos, extremamente rico – defendeu abertamente e de forma contundente a criação do Estado da Palestina com as fronteiras anteriores a 1967 (de 4 de junho desse ano, quando houve a chamada Guerra dos Seis Dias).

Não foi a primeira vez que um presidente norte-americano faz isso. Mas foi a primeira com a contundência do seu significado, mencionando volta de refugiados, fronteiras explícitas, Jerusalém, e fez isso perante o próprio primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahú, que estava presente nesse evento. E o fez depois do acordo de unificação da liderança palestina. Mas Obama disse também que esse Estado deveria ser fruto de negociação, e que ele não aceitaria, em hipótese alguma, que a ONU o proclamasse unilateralmente através de uma votação, e que poderia até vetar essa decisão no Conselho de Segurança da ONU.

A campanha em plano mundial

Aqui vale a pena alguns comentários e registros. Em junho passado, um dos príncipes da Arábia Saudita, chamado Turki Al Faisal, publicou um violento artigo no jornal Washington Post, nos Estados Unidos, que obteve imensa repercussão. Em especial junto a famosos colunistas, como Richard Cohen, do mesmo jornal, e Thomas L. Friedman, do NYT. Ambos com comentários favoráveis à linha do líder e membro influente da família real saudita.

Turki faz claramente uma ameaça aos Estados Unidos se eles vetarem na ONU a criação do Estado da Palestina. Dito de outra forma, ele se proclama aberta e francamente favorável a esse Estado. E com fronteiras de 1967 pelo menos. Ambos os colunistas são conservadores, homens de pensamento no mínimo centrista para os padrões brasileiros. Portanto, o apoio deles à linha do príncipe pode estar significando que algo vem se alterando no centro da potência norte-americana.

Do lado de Israel, ouvem-se apenas ameaças e acusações de que os palestinos não negociam. Bobagem. Eles o fazem sistematicamente há exatos 20 anos, desde as conversas na Espanha e Noruega em 1991, patrocinadas pelos EUA quando era presidente Bill Clinton.
Agora, parece que os palestinos cansaram-se de tudo isso. Nada resolve. Não há disposição e nunca houve, na verdade, vontade política da parte dos israelenses para negociar a paz, para garantir as terras palestinas, ainda que estas fossem, a vingar as fronteiras de 1967, apenas e tão somente cerca de seis mil quilômetros quadrados, contra 27 mil quilômetros quadrados da proposta original de 1947. Ficariam com apenas 22%, mas ainda assim um avanço com relação ao que possuem hoje.

Dessa forma, a Liga Árabe decidiu apoiar o patrocínio da OLP junto às Nações Unidas. Os cálculos mais pessimistas da liderança palestina, levando-se em conta declarações expressas da Liga Árabe (22 países), da Organização da Conferência Islâmica (47 países), dos Países Não-Alinhados (77 países) e dos que já reconhecem a Palestina como Estado Nacional, é possível que já se tenha pelo menos 140 países em apoio, mais do que suficientes dos dois terços necessários (129 países). Ainda assim, uma recente pesquisa feita em Israel indica que 77% da população coloca-se absolutamente contrária a que os palestinos tenham seu Estado Nacional com base nas fronteiras de 1967, mesmo que isso levasse a uma paz duradoura.* (...)

30/7/2011

Fonte: ViaPolítica

Lejeune Mirhan é Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e diretor do Instituto Jerusalém do Brasil. Colunista de Oriente Médio do Portal da Fundação Maurício Grabois.

Título original deste artigo: “Colocar nas ruas a campanha pelo Estado da Palestina já!”











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